O asilo como afluente da dignidade da pessoa humana

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18/09/2014 às 05:10
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3. DIREITOS HUMANOS

Com o desenrolar do período medieval, sob o influxo do cristianismo, com suas noções fundamentais da pessoa humana e de poder, o reconhecimento dos direitos humanos aparece como uma reação contra os excessos da autoridade que os negava e quase sempre com caráter contratual e de atribuições de concessões ou privilégios particulares, como prerrogativas reconhecidas a grupos de pessoas.

Fatos expressivos voltados para esse processo evolutivo das instituições medievais no sentido de proteger a pessoa encontram-se nos Concílios de Toledo de 638 e 653; nos decretos da Cúria de Leão de 1189, procedido por Afonso IX; na Magna Carta, firmada pelo rei inglês João sem Terra, em 21de junho de 121526, considerado o documento básico das liberdades inglesas, à qual se asseguram as provisões de Oxford, de 1258, impostas pelos barões ingleses a Henrique III, limitativas do poder do rei e dos seus sheriffs, mediante conselhos regionais; na Bula Áurea de André II, da Hungria, de 1222, que reconheceu o direito de resistência dos governados ao governante; as leis de Leão e Castela, de 1256, denominadas “As Sete Partidas”, que objetivavam a proteger a inviolabilidade da vida, da honra, do domicílio e da propriedade, assegurando aos acusados um processo legal, evitando a punição injusta, já que a primeira regra das “Sete Partidas” dispunha que: “Os juízes devem garantir a liberdade”; os Privilégios Gerais, de 1283, de Pedro III, de Aragão; a Carta das Liberdades, de 1253, de Teobaldo II, de Navarra; os Privilégios e Foros da União, de 1287, de Afonso XII; a Carta de Neuchâtel, dos condes Ulrico e Bertoldo, de 1214, que outorgava a cidadania ao estrangeiro e lhe dava proteção; o Código de Magnus Erikson, da Suécia, de 1350, segundo o qual o réu devia jurar o seguinte:

[...] ser leal e justo com seus cidadãos, de modo que não proíba nenhum, pobre ou rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma, como o regido no direito e a justiça do país, e que tampouco ninguém proíba de seus bens senão em acordo com o direito e mediante processo legal.27

Esses documentos revelam a lenta evolução dos direitos individuais, desde a Idade Média. O cristianismo, com seus conceitos fundamentais de pessoa humana e de poder, se apresenta como a maior contribuição para estes direitos serem reconhecidos naquele momento da História.

Na Idade Moderna, especificamente na Inglaterra, foram produzidos no século XVII três documentos expressivos de proteção aos direitos individuais. O primeiro foi a Petition of Rights, de 1628, redigida pelos “condes espirituais e temporais e os comuns assentos no Parlamento”, sob a invocação da Magna Charte Libertatum, na qual requeriam ao rei, entre outras medidas, que nenhum homem livre fosse detido ou aprisionado, nem despojado de seu feudo, suas liberdades e franquias, nem considerado fora da lei, nem exilado, nem molestado de qualquer outro modo, senão em virtude de sentença legal de seus pares ou de disposição das leis do país. O segundo foi o Habeas Corpus Amendment Act, sendo esta uma das maiores conquistas da liberdade individual, em face da prepotência dos detentores do poder público. O terceiro foi o Bill of Rights, considerando ilegais os atos da autoridade real que, sem permissão do Parlamento, suspendessem as leis ou sua execução e mandassem arrecadar dinheiro pela ou para a coroa real além do permitido pelo Parlamento. Também considerava ilegal a perseguição à pessoa por motivo de petição dirigida ao rei, pois este era direito de todos.

O século XVIII foi marcado por três documentos expressivos de preocupação com o indivíduo. O primeiro foi a Declaração da Independência dos Estados Unidos como afirmação dos direitos inalienáveis do ser humano e a proclamação de que os poderes dos governos derivam de consentimento dos governados, afirmando o seguinte:

[...] temos como evidentes por si mesmas as verdades seguintes: todos os homens são criados iguais; eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos encontram-se a vida, a liberdade, a busca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir esses direitos, e seus legítimos poderes derivam do consentimento dos governos.28

O segundo documento foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776, cronologicamente, o primeiro, pois antecedeu em um mês a Declaração da Independência. Essa declaração afirmou:

[...] que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos naturais, dos quais não podem, ao entrarem em estado de sociedade, privar ou despojar sua posteridade por nenhuma convenção a saber: o gozo da vida e da liberdade, bem como dos meios de adquirir e possuir bens e de procurar e obter a felicidade e a segurança.29

O terceiro documento foi a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 26 de agosto de 1789, cujo preâmbulo afirmava que “a ignorância e o desprezo dos direitos do homem30 são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos”. Proclamou que: todos os homens nascem livres e iguais em direitos; a meta de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão; a origem de toda soberania está alicerçada na nação; a liberdade consiste em poder fazer tudo que não cause danos ao demais; o exercício dos direitos naturais do homem tem por limites os que asseguram gozo deles aos demais; a lei só pode proibir as ações danosas da sociedade; tudo quanto não for proibido pela lei não pode ser impedido; ninguém será obrigado a fazer o que não mandar a lei, e que a lei é a expressão da vontade geral.

O século XVIII encerrou, assim, sob a égide do liberalismo individual, abrindo caminho para que ocorresse a consolidação do liberalismo no século XIX. A sociedade reorganizou-se, seguindo as doutrinas políticas, econômicas e sociais do individualismo liberal. Os direitos do homem vieram a ser, no século XVIII e na primeira década do século XIX, apenas os direitos do indivíduo tomado isoladamente. O uso amplo da liberdade individual acabou por desequilibrar a sociedade ocidental, criando um mundo de injustiças sociais.

Em 1916, o Instituto Americano de Direito Internacional discutiu um projeto de Declaração de Direitos do Homem, apresentado por Alexandre Alvarez, mas sem obter qualquer resultado31. Na verdade, o início da nova fase dos Direitos Humanos viria acontecer após o Tratado de Paz de Versalhes, com a criação da Sociedade das Nações, em 1919.

Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, houve a mobilização de enormes contingentes de trabalhadores na Europa, recrutando-se parte deles para as frentes de batalha e parte para assegurar a atividade industrial destinada à ação bélica. Isso acentuou o valor do trabalhador e estimulou os movimentos reivindicatórios das classes operárias, que já se desenvolviam desde o século XIX.

Abriu-se um conflito entre o trabalho e o capital, ante um Estado indiferente e conivente com a opressão dos trabalhadores por parte dos empresários. O fim da Primeira Guerra Mundial trouxe em seu bojo a crise do Estado liberal, favorecendo o surgimento de Estados totalitários, formados dentro dos princípios fascistas e comunistas, em reação ao liberalismo. Estes Estados traziam a proposta de realização da justiça social, antes sequer cogitada pelo liberalismo. Entretanto, uns e outros incorreram na prática da opressão, suprimindo as liberdades políticas, sob a alegação de que, somente mediante um regime forte, seria possível realizar a justiça social desprezada pelo liberalismo.

Após a Primeira Grande Guerra, o quadro dos Direitos Humanos vem adquirir amplitude, de certa forma clara, na comunidade dos povos, consagrados no texto inaugural da primeira organização internacional: a Sociedade das Nações. Inicia-se, então, a fase denominada de promoção, separar ainda não em escala mundial, mas pelo menos já com a referência internacional a certos direitos.

Nesse sentido, a Liga das Nações feriu a estrutura jurídica mundial até então em vigor. De fato, a noção de que as relações do Estado com seus próprios cidadãos não admitem a intervenção de outros é parte do conceito de soberania. Até então, os poderes do Estado no seu território eram absolutos, exceto quando limitados por tratados. E constata-se ser através de tratados que se verificam as primeiras exceções ao total controle doméstico dos Direitos Humanos32. Considera-se como prova dessa prática nascente a inclusão no Pacto da Sociedade das Nações do princípio da proteção às minorias nacionais33.

Em 1929, o Instituto de Direito Internacional elaborou uma Declaração Internacional de Direitos do Homem inspirada nas declarações da Virgínia e da França e que estavam inclusas nas constituições dos principais países do Ocidente, dando, assim, uma roupagem de universalidade a esses direitos.34

Em 1939, um novo conflito internacional levou as nações à Segunda Guerra Mundial. Com o fim das hostilidades, os países envolvidos procuram estatuir, por meio de organismos internacionais, regras jurídicas destinadas à manutenção da paz futura. E, ao elaborá-las, processa-se uma tomada de consciência da íntima correlação entre a Paz e os Direitos Humanos35. A partir daí, sucedem-se os instrumentos internacionais que se ocupam diretamente do tema.

Na lição de Miguel Franchini-Netto a Carta do Atlântico é o marco inicial, a central dinâmica do sistema jurídico em elaboração. A ela, segue-se, em 1º de janeiro de 1942, a Declaração das Nações Unidas, quando 28 nações, incluindo a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, em Washington, associam-se nesse ato, abrangendo uma grande área geográfica, e incorporam um programa comum de propósitos e princípios, por meio deste documento histórico. Os signatários declaram-se convictos de que sua vitória na guerra contra as potências do eixo Roma – Berlim – Tóquio era essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa. Esse documento tem grande relevância na reformulação ou humanização do Direito das Gentes, mencionando expressamente que “o empenho em preservar a justiça e os direitos humanos e não só nos seus respectivos países, como em outros” 36, afirmação que foi levada à Conferência de São Francisco.

São analisadas e obtidas, em reuniões sucessivas, novas formas de convivência mundial. De 19 a 30 de outubro de 1943, os Ministros das Relações Exteriores dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética37. Na Conferência de Moscou, é esboçada a ideia de uma organização mundial mantenedora da paz e da segurança, e ainda faz pública uma declaração conjunta do Presidente Roosevelt, do Primeiro-Ministro Churchill e do Marechal Stalin, mostrando sua concordância com a punição dos oficiais, soldados ou militares do Partido Nazista, a ser efetuada nos países onde as atrocidades tinham sido cometidas. Aqui temos a configuração jurídica do “criminoso de guerra” e da responsabilidade individual perante o Direito Internacional, assim como a dos crimes contra a Paz e a Humanidade.

A Carta do Atlântico estruturou uma nova forma de convivência, divisando a noção de que a paz e a segurança entre as nações se apoiam na preliminar do respeito aos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana.

Em 7 de outubro de 1944, na Conferência de Dumbarton Oaks, foi submetido ao exame dos governos convidados o projeto de organização internacional, que visava a facilitar a solução dos problemas econômicos, sociais e outros de ordem humanitária, existentes entre as nações e promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

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De acordo com Júlio Marino de Carvalho38, foi em 25 de abril de 1945 que os representantes de 50 Estados se reuniram em São Francisco, onde discutiram a problemática dos direitos humanos e confiaram os estudos sobre este tema a uma Comissão de Direitos Humanos. Concluída essa tramitação das nações empenhadas em criar a manter um clima de paz universal, em 26 de junho de 1945, foi firmada a Carta da ONU, que funcionou como inspiradora de um Direito Internacional moderno, revestido de novas características. Os textos normativos emanados da Sociedade das Nações, da Carta do Atlântico de 1941, da Declaração das Nações Unidas de 1942 e outros convênios foram considerados ultrapassados.

Com base nesses dispositivos, a ONU, amparada aos dispositivos de sua Carta, na qual reafirmam “sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher”, constituiu, em 1946, por meio do Conselho Econômico e Social, uma Comissão de Direitos Humanos. Depois de quase três anos de trabalho e após examinar 13 anteprojetos que recebera, a Comissão apresentou seu projeto para ser levado à Assembleia Geral. Ali, na terceira comissão, o projeto, com redação final de René Casin, recebeu mais de 150 emendas. Um dos juristas que acompanharam os trabalhos da comissão fez este registro: “Assistiu-se assim a discussões ideológicas, filosóficas, históricas, jurídicos, até mesmo linguísticas muito apaixonadas, revestidas de um estilo de debates acadêmicos sobre o alcance e a significação de cada artigo, cada frase, cada palavra.”39

Nas palavras de Júlio Marino de Carvalho a Declaração Universal de Direitos Humanos, foi aprovada, afinal, em 10 de dezembro de 1948. Não houve voto contra. Dos 58 Estados-Membros das Nações Unidas, 48 votaram pela aprovação, dois estiveram ausentes e oito abstiveram-se de votar: União Soviética, Bielorrússia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e Iugoslávia, por motivos ideológicos ligados a conceitos de liberdade e propriedade; Arábia Saudita e Egito, por motivos religiosos e pela recusa à igualdade dos direitos de homens e mulheres, e União Sul-Africana, por motivos econômicos e rejeição ao princípio da não-discriminação por motivo de raça e cor, que preparou o terreno para a internacionalização desses direitos40. O documento foi aberto à ratificação e à adesão em vigor desde 3 de janeiro de 1976 (Resolução 2.200). A ratificação de 75 Estados até 1982 demonstra a universalidade dessa importantíssima proclamação.

A Assembleia Geral das Nações Unidas tem o objetivo de apresentar o homem como um ser livre, liberto de constrangimentos e temores, capacitado a cumprir uma visão social sem as peias de interferências alheias abusivas que tolhem o pensamento e subjugam vontades. A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares com em todos os ambientes da interação humana.

Na pedra angular no arcabouço dos direitos humanos foi fixado o dogma de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (artigo1º).

No mesmo sentido, e antecipando-se um pouco às Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos aprovou, em maio de 1948, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, dando a base para estabelecer um sistema interamericano de proteção desses direitos. Ainda no mesmo ano, a Organização dos Estados Americanos aprovou a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais.

Na exposição de Júlio Marino de Carvalho, a Declaração não tardou a produzir resultados positivos de ordem prática e a influir na vida dos povos. O tratado de paz com o Japão, o estatuto de Trieste, a convenção de Paris entre a França e a Tunísia foram os primeiros exemplos de sua presença nos planos político e jurídico internacionais, chamada que foi como um dos fundamentos daqueles atos. Algumas constituições, como as da Indonésia, da Síria, da Jordânia, da Líbia, do Haiti, de Porto Rico e da Alemanha, foram expressamente influenciadas. No Brasil, o Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana foi criado pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, fazendo-lhe expressa referência. Decisões de tribunais, como a Suprema Corte dos Estados Unidos, e os da França, da Holanda e da Bélgica, da Itália e das Filipinas têm-na tomado como referência e fundamento. No Brasil, o Tribunal Federal de Recursos terá sido o primeiro a invocá-la para fundamentar uma decisão, da qual foi relator o Ministro Cunha Mello.41

Dois anos depois, os Estados europeus aprovaram a Convenção Europeia de Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e instituíram a Comissão e a Corte Europeia de Direitos Humanos, objetivando assegurar a garantia coletiva de certos direitos enunciados na Declaração Universal. Em 1952, aprovou-se em Paris o protocolo adicional a essa convenção. No mesmo ano, foi reconhecido o direito de os povos disporem de si mesmos, mencionado nos dois pactos dos direitos humanos42. Em 1961, aprovou-se, em Turim, a Carta Social Europeia. Em 1963, firmou-se em Estrasburgo outro protocolo adicional à Convenção Europeia.

Em 22 de novembro de 1969, em São José da Costa Rica, aprovou-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cujo preâmbulo também alude expressamente à Declaração Universal como fonte de seus princípios e normas. A proposta para sua criação foi iniciativa da delegação brasileira na IX Conferência Interamericana de 1948, em Bogotá, e somente em 1959 o Conselho de Jurisconsultos elaborou, no Chile, o projeto da convenção. Dunschee de Abranches assim se manifestou a respeito do assunto: “Como era natural, o projeto se inspirou na Corte Europeia, mas houve a adaptação às peculiaridades do continente americano, onde a maioria dos governos ainda não estava preparada para aceitar a competência litigiosa da Corte, com caráter obrigatório”43.

É muito notável a dificuldade em encontrar fórmulas aptas para exprimir as ideias humanitárias comuns aos Estados signatários, conciliando as diferenças referentes a tradições jurídicas, sistemas políticos e fé religiosa. Essas diferenças não existem apenas entre os Estados ocidentais e os Estados de democracia popular, entre o mundo cristão e o mundo islâmico, entre as tradições continentais de direito civil e as anglo-saxônicas de common law.Todas foram superadas em prol do bem comum44.

Almir de Oliveira45 assevera que, seguindo a tendência de regionalização dos instrumentos básicos de proteção dos direitos humanos, os Estados africanos aprovaram, em janeiro de 1981, na cidade de Banjul, capital da Gâmbia, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, chamada Carta de Banjul. De acordo com Cançado Trindade no preâmbulo desse instrumento, reafirmaram o compromisso, por eles assumido na Carta de Organização da Unidade Africana, de “eliminar sob todas as suas formas o colonialismo da África, e coordenar e intensificar a sua cooperação e os seus esforços para oferecer melhores condições de existência aos povos da África.”46 Inspirados nas suas tradições históricas e nos valores da civilização africana, reconheceram que os direitos fundamentais do ser humano se baseiam nos atributos da pessoa humana, o que justifica a sua proteção internacional. Também reafirmaram a sua adesão às liberdades e aos direitos humanos e dos povos contidas nas declarações, convenções e outros instrumentos adotados no quadro da Organização da Unidade Africana, no Movimento dos Países Não-Alinhados e da Organização das Nações Unidas.

Na Carta dos Direitos Humanos e dos Povos no Mundo Árabe aprovada em julho de 1971, a Liga dos Estados Árabes adotou o projeto elaborado em Siracusa, na Itália, por um grupo de juristas e intelectuais árabes, ali reunidos. No preâmbulo, a Carta fornece como base o reconhecimento da dignidade inerente à dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros de uma família como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz mundial e reafirma a sua fé nos princípios proclamados na Carta das Nações Unidades e na Carta Internacional dos Direitos Humanos.

A Carta cria, também, uma Comissão Árabe de Direitos Humanos e uma Corte Árabe de Direitos Humanos, com as mesmas características, atribuições e competências das europeias. Em função das velhas tradições culturais do povo árabe, pode imaginar-se o quanto será difícil aos seus líderes e governantes operacionalizar entres eles as regras da Carta, principalmente, no que tange à igualdade e à não-discriminação por motivo de sexo e de religião. A Carta tem como base, à semelhança dos instrumentos aprovados sob a égide das Nações Unidas, uma filosofia nitidamente ocidental, estranha em grande parte à do mundo islâmico, onde o direito, o poder político e a religião praticamente se confundem.47

Trabalhando nesta vertente, encontramos no Direito Internacional várias convenções que demonstram a preocupação da sociedade internacional no alcance da dignidade da pessoa humana como as quatro Convenções de Genebra, de 194948, bem como o Protocolo Adicional I, de 197749, todos fazendo referência à responsabilidade das partes contratantes em se comprometerem a respeitar e a fazer respeitar, em todas as circunstâncias, aqueles tratados humanitários, ou seja, o Estado-Parte deve respeitar, por si, por seus agentes e jurisdicionados, as regras do Direito Humanitário.

Fato que marca tal posicionamento foi decidido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), na década de 1980: caso "Nicarágua versus Estados Unidos", no qual este último sofreu reprimendas por parte da CIJ para que respeitasse, entre outros, o direito de soberania e a independência política da república da Nicarágua, como qualquer outro Estado da região ou do mundo deveria ser totalmente respeitado e não deveria ser, de maneira alguma, colocado em risco por atividades militares ou paramilitares proibidas pelo princípio da lei internacional. Em particular destaca-se o princípio em que os Estados deveriam se abster, nas suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou contra a independência política de qualquer Estado, e o princípio referente à obrigação de não intervir na jurisdição doméstica de um Estado, princípios incluídos na Carta das Nações Unidas e na Carta de Organização dos Estados Americanos.50

Com os decorrer dos séculos, os Direitos Humanos foram se alicerçando em fundações sólidas, não podendo o asilo e o refúgio se distanciarem dessa base, pois ambos são afluentes deles e devem permanecer ligados ao tronco maior parase manterem abastecidos de seiva visando à própria sobrevivência.

Conforme afirmado por Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado somente, mas algo construído, uma criação humana, estando em constante processo de construção e reconstrução, se adaptando à conjuntura internacional, motivando toda a sociedade internacional na sua concretização, pois cada pessoa tem o “direito a ter direitos” no âmbito de uma proteção internacional.51

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Sobre o autor
David Augusto Fernandes

Mestre e Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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