5. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL
Em primeiro plano, é necessário esclarecer que o inventário corresponde ao procedimento que, tendo como termo a quo a morte do indivíduo[7], avaliará e liquidará todos os bens pertencentes ao de cujus, a fim de se proceder à partilha entre seus herdeiros. “No inventário, apura-se o patrimônio do de cujus, cobram-se as dívidas ativas e pagam-se as passivas. Também avaliam-se os bens e pagam-se os legados e impostos causa mortis” (GONÇALVES, 2008, P. 129).
Até o advento da Lei nº 11.441/2007, o inventário era feito apenas no plano judicial. Porém, a lei trouxe nova sistemática para o instituto em nosso ordenamento jurídico, conforme o previsto no art. 982 do CPC (WALD, 2012, P. 157). O escopo da referida norma foi tornar o procedimento do inventário mais ágil e menos oneroso, descongestionando, ao mesmo tempo, o Poder Judiciário.
Assim, o inventário deixou de ser exclusivo da via judicial, possibilitando a opção extrajudicial, “muito embora a partilha, que é uma das etapas do inventário, já pudesse ser efetuada pela via administrativa, mediante escritura pública, os seus efeitos ficavam condicionados à homologação judicial” (GONÇALVES, 2008, P. 131).
Destarte, após as modificações trazidas pela Lei n. 11.441/2007, para o inventário passou a ser observado o procedimento notarial, e não mais seguindo apenas o tratamento dado à matéria pelo no Código de Processo Civil. Vejamos o disposto no art. 982, do CPC, que passou a vigorar da seguinte forma:
Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
§ 1º. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 2º. A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
Adotando disciplina semelhante ao divórcio extrajudicial, o dispositivo previu, em seus §§ 1º e 2º, respectivamente, que as partes devem estar assistidas pelos advogados ou defensores públicos, como também que os atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
Ademais disso, cumpre salientar a mesma discussão travada no âmbito dos divórcios administrativos, no que toca o caráter facultativo do procedimento. Do mesmo modo, e conforme o art. 2º da Resolução n. 35 do CNJ, os interessados poderão escolher o procedimento que melhor lhe convier, desde que observados, evidentemente, os requisitos legais.
A Lei n. 1.441/2007 também modificou o artigo 983 do estatuto processual civil, estabelecendo que o inventário e a partilha deve ser abertos dentro de 60 (sessenta) meses da abertura da sucessão, facultando ao juiz prorrogar tal prazo; além de tratar, no art. 1.1031 também modificado, da partilha amigável por escritura pública, que deverá ser homologada pelo juiz. “Em realidade, o procedimento judicial, (...), fica reservado aos casos em que o falecido deixou testamento, ou em que, mesmo não havendo manifestação de última vontade, as partes optarem por essa via” (GONÇALVES, 2008, P. 139). Portanto, que a homologação judicial não é exigida, posto que a escritura pública é considerada título hábil para o registro imobiliário.
Vale notar que, com a entrada em vigor da Lei n. 11.441/2007, surgiram inúmeras controvérsias no meio jurídico, em virtude das diversas lacunas deixadas pelo legislador, no que tange questões essenciais ao procedimento de inventário e partilha extrajudiciais (WALD, 2012, P.159). Desse modo, considerando a necessidade de adoção de medidas uniformes quanto à aplicação daquele diploma legal, o Conselho Nacional de Justiça exarou a Resolução n. 35 de 2007.
Vale observar que as Corregedorias de Justiça dos Estados também disciplinaram a aplicação da Lei n. 11.441/2007 no âmbito dos seus respectivos Estados, além de repetir o quanto disposto da Resolução do CNJ, acrescentaram algumas especificidades a seus termos, a exemplo do valor dos emolumentos cobrados para a elaboração do ato notarial.
No Estado da Bahia, por exemplo, os atos normativos mais importantes que regulamentam a matéria são o Código de Normas dos Cartórios Extrajudiciais do Estado[8]e o Provimento n. 012/2012[9], ambos editados pela Corregedoria de Justiça do Estado.
Pois bem, é com base em tal disciplina que se passa a analisar os aspectos práticos do procedimento de inventário nos cartórios de títulos e documentos do Estado da Bahia.
5.1 DISCIPLINA NORMATIVA DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL.
Segundo o disposto no art. 982 do CPC, a opção pelo inventário extrajudicial poderá ser feita, desde que o falecido não tenha deixado testamento, na hipótese de todos os herdeiros serem capazes e concordes. Ademais, exige-se que todas as partes estejam assistidas por advogado ou defensor público (WALD, 2012, P.161). Senão veja-se, in verbis:
Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
§ 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Nesse caso, o advogado não atuará como procurador, mas como assistente, orientando um ou mais interessados. Dessa maneira, não será necessário que ele esteja munido de mandato, basta que aposte sua assinatura na escritura pública, junto com a dos envolvidos (art. 8 da Resolução nº 35 do CNJ).
Caso um dos interessados não possa comparecer ao ato da lavratura, poderá ser representado por mandatário, com poderes especiais. Contudo, este não poderá acumular a função de mandatário e assistente (art. 2 da Resolução nº 35 do CNJ).
Vale ressaltar que o inventário extrajudicial é uma opção. Quer dizer, os herdeiros poderão optar pela via judicial, mesmo que estejam presentes os requisitos do art. 982 do CPC. Ademais, caso já esteja em trâmite o inventário judicial, é possível suspendê-lo, pelo prazo de 30 dias, ou mesmo desistir dele para realizar o inventário por escritura pública. Isto porque, a opção pela via extrajudicial pode ser feita a qualquer tempo (Art. 8 da Resolução nº 35 do CNJ) - ainda que o óbito tenha ocorrido antes da edição da Lei nº 11.441/07 (Art. 30 da Resolução nº 35 do CNJ).
Nessa senda, a única vedação consiste na concomitância entre inventário judicial e extrajudicial (art. 2º da Resolução nº 35 do CNJ e art. 2 do Provimento 012/07 da Corregedoria de Justiça do Estado da Bahia), malgrado não haja uma fiscalização extensiva dos órgãos oficiais, para coibir esta prática.
Observe-se que, a existência de credores do espólio não impedirá a realização do inventário e partilha, pela via extrajudicial (art. 27 da Resolução nº 35 do CNJ).
Uma vez escolhida a via extrajudicial, os herdeiros e eventuais cessionários (art. 16 da Resolução nº 35 do CNJ e art. 177, §6º do Código de Normas dos Cartórios Extrajudiciais do Estado da Bahia) poderão optar pelo Tabelionato de Notas de sua preferência, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil (art. 1º da Resolução nº 35 do CNJ). Assim, a escritura pública poderá ser lavrada em qualquer Tabelionato de Notas do país, independente da situação dos bens do de cujus.
O procedimento se inicia com a apresentação de uma petição endereçada ao Tabelião, assinada pelos herdeiros e eventuais cessionários, juntamente com seus respectivos advogados, requerendo a lavratura da escritura de inventário.
Esta petição deverá conter todas as informações necessárias para a lavratura da escritura, como: a qualificação do de cujus; dos interessados; a nomeação do representante do espólio; a indicação e descrição detalhada dos bens; o valor de cada um; plano detalhado da partilha e respectivos quinhões e outras informações possivelmente relevantes.
Nesse sentido, vale conferir os dispositivos da Resolução nº 35 do CNJ, que tratam da matéria:
Art 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil.
Art. 20. As partes e respectivos cônjuges devem estar, na escritura, nomeados e qualificados (nacionalidade; profissão; idade; estado civil; regime de bens; data do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; número do documento de identidade; número de inscrição no CPF/MF; domicílio e residência).
Art. 21. A escritura pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de serviço em que consta o registro do óbito; e a menção ou declaração dos herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros, sob as penas da lei.
Ademais, deverão ser anexados à petição os documentos elencados no art. 22 da Resolução nº 35 do CNJ, que poderão ser cópias autenticadas ou originais – salvo pela identidade das partes, que sempre serão originais (art. 23 da Resolução nº 35 do CNJ). Veja-se, in verbis:
Art. 22. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado.
Note-se que a escritura só poderá ser lavrada, após o recolhimento dos tributos incidentes no caso, que deverão ser pagos pelos interessados, a exemplo do ITCMD e do ITBI (art. 15 da Resolução nº 35 do CNJ).
Como o Tabelião só poderá lavrar a escritura, uma vez quitados os débitos tributários, bem como eventuais multas (art. 31 da Resolução nº 35 do CNJ), a petição e os documentos apresentados, uma vez autuados, devem ser encaminhados à Secretaria da Fazenda do Estado.
O Procurador da Fazenda, ao receber os autos, avaliará os bens que estão sendo inventariados, se manifestando pela existência ou não débitos tributários a serem pagos, no prazo de 30 dias. Caso ainda haja tributos a pagar, será expedida uma Guia de Recolhimento, que deverá ser paga pelos interessados, antes de seu retorno ao Tabelionato.
Observe-se que o encaminhamento para a Secretaria da Fazenda do Estado deverá ser diligenciado pelos próprios interessados e será necessário, ainda que se trate de inventário negativo.
É possível, ainda, que haja divergência entre o valor do débito certificado pelo Procurador da Fazenda e aquele que os interessados acreditem ser devidos. Isso ocorre, muitas vezes, pois aquele agente público se utiliza de uma base de cálculo, referente a um bem de valor superior àquele inventariado. Nesse caso, a avaliação do valor dos bens poderá ser impugnada pela via administrativa e judicial.
Quitados os débitos e eventuais multas tributárias, os interessados devem retornar ao Tabelionato de Notas, quando, finalmente, será lavrada a escritura pública de inventário e partilha, uma vez pagas as custas notariais (art. 4 da Resolução nº 35 do CNJ).
O valor dos emolumentos a serem pagos dependerá do valor dos bens que serão objeto da escritura e partilha. Tal valor será estabelecido por Lei Estadual ou Distrital, que levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro (art. 2 da Lei nº 10.169/00). No caso da Bahia, os valores corresponderão àqueles constantes na tabela X da Lei Estadual nº 9.832/05, que pode ser encontrada no sítio eletrônico da Casa Civil do Estado[10].
Estarão isentos do pagamento dos emolumentos, aqueles que declararem não possuírem condições de arcar com tais despesas. A gratuidade será concedida, ainda, que as partes estejam assistidas de advogado (art. 6 e 7 da Resolução nº 35 do CNJ). Contudo, vale ressaltar que o benefício, não isentará o pagamento dos tributos devidos.
Exige-se a presença dos cônjuges dos herdeiros ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha – na qualidade de anuentes -, quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, salvo se o casamento se der sob o regime da separação absoluta (art. 17 da Resolução nº 35 do CNJ).
Lavrada a escritura de inventário e partilha, esta constituirá título hábil para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.), independente de homologação judicial (art. 3º da Resolução nº 35 do CNJ).
Observe-se que a escritura de inventário e partilha não poderá dispor sobre bens situados no exterior, uma vez que foge da alçada do Tabelionato de Notas (art. 29 da Resolução nº 35 do CNJ).
Poderá ser lavrada também escritura de inventário negativo (art. 28 da Resolução nº 35 do CNJ), isto é, aquele feito para demonstrar que o falecido e o cônjuge supérstite não tinham bens a partilhar, visando afastar a imposição de separação obrigatória de bens, diante da existência de causa suspensiva do casamento (arts. 1.523, I e 1.641,I do CC) (TARTUCE, 2012).
O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário e partilha se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade de algum dos herdeiros, fundamentando sua recusa por escrito (art. 32 da Resolução nº 35 do CNJ).
Em consonância com a inexistência de prazo para a realização do ato notarial sob análise, é admitida a realização de sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, no momento maior e capaz, fosse menor ou incapaz à época do óbito ou do processo judicial (art. 25 da Resolução nº 35 do CNJ).
Por fim, a escritura pública pode ser retificada desde que haja o consentimento de todos os interessados. Os erros materiais poderão ser corrigidos, de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes, ou de seu procurador, por averbação à margem do ato notarial ou, caso não haja espaço, por escrituração própria lançada no livro das escrituras públicas e anotação remissiva (art. 13 da Resolução nº 35 do CNJ).