O presente artigo trata da análise de aspectos, sob a ótica prática e jurisprudencial, das alterações trazidas pela lei n. 12.112 de 09 de dezembro de 2009. As regras da referida norma ensejam dúvidas constantes, daí a motivação pelo estudo.
Atualmente o mercado imobiliário vem sendo objeto de discurso acalorado, haja vista o metro quadrado estar, sob a visão de muitos, exorbitante, ainda mais em regiões metropolitanas de alto índice econômico, como é a metrópole de São Paulo.
Há consequência inexorável disso no mercado de locações. Na década de 90, a escassez de locação imobiliária era colossal. A procura por locação de imóveis era imensa e a oferta era bastante baixa.
A lei em estudo trouxe profundas mudanças na lei do inquilinato. Desse modo, nosso propósito é tecer breves comentários acerca de alguns aspectos alterados na lei, tomando como base o entendimento jurisprudencial e histórico brasileiro acerca do tema.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI N. 8.245/91
De antemão, cumpre não olvidar que antes da existência de lei que regulasse a locação de imóveis, o Código Civil de 1916 era regra geral para locação, tanto imobiliária, quanto mobiliaria. O código civil anterior regulava a matéria de locação de forma bastante liberalista, onde o que se punha no papel contratado era válido. Não havia restrição. A título de exemplo, poderia o locador estabelecer qualquer prazo, qualquer garantia etc. Isso foi fato gerador de muitos problemas.
Atualmente, o contrato de locação deve obedecer regras limites.
A primeira lei que veio a dar respaldo especial sobre o assunto de locação imobiliária foi a lei 4.403, de 22 de janeiro de 1921. Ela foi necessária pela relevante comoção social que, à época, primava pela habitação.
A lei inaugural trazia em seu bojo muitos direitos ao locatário. Isto é compreensível dado o fato social da baixa renda daquela época. Em exemplo, para que o locador pudesse retirar o locatário de seu imóvel, teria que ajuizar ação, e dar ao magistrado motivação contundente para essa retirada, pois, se assim não fosse, o locatário permaneceria no imóvel ao seu bel-prazer, e, ainda que o locador o processasse, o locatário faria jus a utilização do imóvel até o fim da litigância, que poderia perdurar durante muitos anos. Isso fez gerar outra problemática, em que os donos de imóveis, receosos de dispor seus imóveis em locação, preferiram trancar seus imóveis. Então isso gerou um tipo de efeito cascata prejudicial à habitação no país.
A primeira lei de locação imobiliária perdurou até o ano de 1979, quando surgiram novos horizontes à lei do inquilinato com a lei n. 6.649/79. Referida lei não trouxe grande eficácia, ao revés, continuou a prejudicar o locador, dono do imóvel.
No direito imobiliário, com o advento dessa lei, a denúncia vazia foi aniquilada.
O instituto da denúncia vazia guarda seu significado no ato de despejo do inquilino sem necessidade de motivação. Nessa época, ou o locador não alugava o imóvel, ou teria que se submeter aos deslindes do locatário – se cumprisse as obrigações, tudo bem, mas se não as cumprisse, tudo bem também! E pior, dada a coincidência da inflação da época, isso gerava consequência catastrófica no âmbito habitacional.
Dessa maneira, os imóveis comprados naquela época eram vistos como investimento de proteção patrimonial, menosprezando, assim, a sua função social. A concepção de função social nasceu da noção de que, enquanto vivendo em sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de contribuir para o bem estar da coletividade em detrimento dos interesses unicamente individuais. Originou-se, assim, a teoria da função social, segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira” (FIGUEIREDO, 2008, p. 83).
Dada a problemática em torno da função social, chegou-se à lei atual de locação imobiliária, que é a lei n. 8.245 de 1991. Em síntese, essa lei permitiu a retomada do imóvel pelo seu dono (locador), condicionando essa hipótese ao contrato com periodicidade mínima de 30 meses. Dessa forma, para que se possa retomar o imóvel por despejo com o uso do instituto da denúncia vazia, há que se ter contratado por tempo mínimo de 30 meses. Se for estabelecido contrato com periodicidade menor de 30 meses, o locador terá de aguardar o prazo de 60 meses contados do início da locação para iniciar o despejo. Todavia, há que se lembrar que essa condição temporal não se manifesta no despejo por denúncia cheia ou infração contratual.
Dessa forma, a lei atual de locação imobiliária regulou o mercado. Todavia, a proteção desmedida ao locatário continuou. Assim, com o passar dos anos as insatisfações aumentaram ensejando o surgimento das alterações trazidas pela lei 12.112 de 2009.
Conhecida como “nova lei do inquilinato”, as alterações entraram em vigor em 03 de fevereiro do ano de 2010. Referida lei alterou alguns aspectos nas relações entre locador, locatário e fiador. As novatas regras trouxeram eficácia no procedimento de retomada do imóvel, entre outras consequências.
Houve uma simplificação judicial.
A título de exemplo: antes das alterações atuais, o prazo para despejo do inquilino era de aproximadamente quase 02 (dois) anos, quando não mais (...). Com as alterações, esse prazo diminuiu drasticamente.
ASPECTOS SOBRE O FIADOR
O fiador é a figura de garante na relação locatícia. É o fiador que se incumbe de garantir as mensalidades caso o inquilino não consiga quitar suas obrigações.
Ao adentrarmos nesse assunto, necessário se faz entender que antes da alteração da lei em comento, o fiador ficava adstrito ao contrato de locação enquanto perdurasse. Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça veio a entender que a fiança somente obrigava o fiador durante o prazo contratado, pois a interpretação era restritiva. Assim, eventual prorrogação de contrato não vinculava o fiador, sendo, nesse sentido, necessária a manifestação do locador para cientificar o inquilino de que sua garantia se exauriu, cabendo ao locatário buscar outra garantia ou fiador no prazo estipulado pelo locador.
Vale aqui colacionar o entendimento jurisprudencial seguinte:
AGRAVO REGIMENTAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. 1. O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente, limitando a responsabilidade dos fiadores ao prazo originariamente firmado, ainda que haja cláusula prevendo sua responsabilidade até a entrega das chaves. 2. Ressalva do ponto de vista do relator. 3. Agravo improvido.
(STJ , Relator: Ministro PAULO GALLOTTI, Data de Julgamento: 14/06/2005, T6 - SEXTA TURMA)
Ocorre que, esse entendimento foi alterado em meados do ano de 2007 pelo STJ. A alteração do entendimento se deu da seguinte forma: segundo os ministros, o fiador há de se obrigar até a entrega das chaves, ficando sob responsabilidade do fiador o pedido de exoneração. O término do prazo contratado não é termino do contrato de locação, pois ele se prorroga (na ausência de manifestação das partes), ficando as partes adstritas aos seus efeitos, inclusive o fiador. Desde então, o entendimento jurisprudencial foi completamente alterado.
Nesse sentido:
Despejo com cobrança de aluguéis - locação por prazo indeterminado - fiadores - cláusula de responsabilidade até entrega das chaves - anuência - solidariedade - honorários - condenação em pequeno valor - majoração - apelação a que se dá provimento. A cobrança de aluguéis vencidos pode ser formulada tanto em face da locatária quanto dos fiadores, que se obrigaram contratualmente até a entrega das chaves, independentemente do prazo de duração do contrato de locação. Interpretação sistemática da Lei 8.245, de 1991, notadamente de seu art. 39, com previsão expressa a respeito da duração da garantia firmada pelo fiador. Precedentes do STJ que afastam a aplicação do enunciado jurisprudencial n. 214 de sua Súmula, em razão da previsão contratual expressa de garantia até resolução do contrato ou entrega das chaves.
(TJ-MG, Relator: Marcelo Rodrigues, Data de Julgamento: 20/03/2013, Câmaras Cíveis / 11ª CÂMARA CÍVEL)
Nesse ínterim, a lei 12.112/09 manifestou a possibilidade de exoneração do fiador. Porém, com respeito ao principio da obrigatoriedade das convenções – pacta sunt servanda – que, nesse caso, não sofre limitação alguma. Assim, se o fiador se obrigou a garantir o inquilino pelo prazo de 30 meses, então, ele não poderá se desvencilhar da obrigação contraída, ainda ou mesmo alegando qualquer desculpa ou problema fortuito. Nesse caso, somente o acordo com o locador se bastará para sua exoneração.
Cabe não olvidar que o fiador não pode alegar o conhecido instituto do bem de família sobre seu único imóvel. Essa questão é bastante pacífica no judiciário brasileiro.
Dessa maneira, terminado o prazo contratado para locação, cabe ao fiador manifestar sua intenção de se eximir do entabulado. Essa desobrigação se dá com a notificação do fiador ao locador, manifestando interesse em querer se desvencilhar da obrigação da condição de fiador da relação.
Entrementes a notificação chegar ao conhecimento do locador, ao fiador ainda restará ficar responsável pelos encargos da fiança pelo prazo de 120 dias do término de sua vinculação contratual. Após esse prazo, o fiador se desobriga da relação locatícia. Porém, há que se lembrar que se restarem obrigações descumpridas anteriormente a desobrigação do fiador, este poderá responder, ainda que fora da relação. Assim, o fiador somente ficará desonerado pelos encargos posteriores ao prazo de 120 dias atribuídos em lei.
A não notificação do fiador ao locador não importa em desoneração da obrigação.
Em verdade, são raras as vezes em que o fiador procura o locador para se desvincular do contrato. Nesse aspecto, muitos são os processos que tramitam no judiciário a fim de executar fiadores irresponsáveis. A guisa de exemplo:
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - SUBSISTÊNCIA DA PENHORA EFETIVADA SOBRE ÚNICO BEM IMÓVEL DE FIADOR - INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO DIREITO DE MORADIA - PRECEDENTES DO STF - DECISÃO MANTIDA. Agravo de instrumento improvido.
(TJ-SP - AI: 990101583100 SP , Relator: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 16/08/2010, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2010)
Pois bem.
Discussão que cumpre não olvidar é a questão da cláusula que manifesta consentimento do fiador em abrir mão ao direito de pedir exoneração da fiança. Essa cláusula está correta? Vale ou não?
Para isso, colaciono o entendimento jurisprudencial seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. LOCAÇÃO COMERCIAL. MUDANÇA SOCIETÁRIA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ALUGUERES EM ATRASO. CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. CLAUSULA CONTRATUAL DE RESPONSABILAIDADE DO FIADOR ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. FIADOR QUE NÃO PLEITEOU A EXONERAÇÃO DA FIANÇA DEPOIS DE VENCIDA A LOCAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE MOSTRA CORRETA. NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO RESPONDE O FIADOR PELAS OBRIGAÇÕES FUTURAS APÓS A PRORROGAÇÃO DO CONTRATO POR PRAZO INDETERMINADO SE ASSIM O ANUIU EXPRESSAMENTE E NÃO SE EXONEROU NA FORMA DA LEI. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 39 E 56, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8.245/91 E 835 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA QUE SE MANTEM, UMA VEZ QUE NÃO SE DESONEROU O FIADOR, NA FORMA DA LEI. RECURSO QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(TJ-RJ - APL: 01480882120138190001 RJ 0148088-21.2013.8.19.0001, Relator: DES. INES DA TRINDADE CHAVES DE MELO, Data de Julgamento: 26/03/2014, SEXTA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 31/03/2014 00:00)
Cumpre ressaltar que nesse aspecto a jurisprudência é bastante oscilante, pois quando não se havia a lei do inquilinato, esta matéria recebia tratamento tão somente pelo código civil, onde se firmaram pensamentos dispersos (...).
Por ser a lei de locação considerada lei de ordem pública (interesse social), e por ter o fiador o direito de exoneração enraizada no código civil anterior (1916), e este ser anterior à lei de locação imobiliária, então, nossa conclusão é a de que não adianta o fiador pactuar de outra forma senão prevalecer o seu direito, que é o de exoneração, pois, do contrário, de nada valerá, pois o magistrado não reconhecerá o pacto, haja vista a discordância com a lei.
Assim estampa o art. 45 da lei do inquilinato:
Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.
Veja-se:
LOCAÇÃO - FUNÇÃO SOCIAL - ART. 45, LEI DO INQUILINATO - CONJUGAÇÃO COM O ART. 115, DO CÓDIGO CIVIL. Ainda que se entenda que na relação locatícia não se apliquem as normas do Código de Defesa do Consumidor, sabe-se que a Lei do Inquilinato tem função social e, segundo seu art. 45, devem ser consideradas nulas as disposições que visem a elidir os objetivos da mesma. Também há de ser ressaltado que o art. 115 do Código Civil veda disposição que sujeita uma das partes ao arbítrio da outra, tendo por ilícita cláusula que assim disponha.
(TJ-MG 200000033453730001 MG 2.0000.00.334537-3/000(1), Relator: GERALDO AUGUSTO, Data de Julgamento: 29/05/2001, Data de Publicação: 13/06/2001)
Portanto, concluímos que são nulas as cláusulas do contrato que procurarem dá outro sentido ao contrato que não seja nos conformes da lei.
DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO DOS ENCARGOS
O despejo não se dá exclusivamente pela falta de pagamento de aluguel, mas também pela falta de quitação com encargos.
Veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS. I. A legislação do inquilinato (lei 8.245/91) não deixa qualquer margem de dúvida de que, não havendo o pagamento pontual dos encargos locatícios, é cabível a medida de despejo do locatário (arts. 62 e 63 da lei 8.245/91). II. Os aluguéis e os encargos decorrentes do contrato de locação devem incidir até a data de desocupação do imóvel. III. No presente caso, os apelantes alegam ter efetuado o pagamento dos locativos à pessoa distinta do autor. O autor/apelado consta como locador na avença locatícia, assim como promitente comprador do imóvel locado no contrato de promessa de compra-venda juntado aos autos. Portanto, comprovado está o inadimplemento em relação ao contrato em questão. É mantida a sentença igualmente quanto às prestações vencidas inadimplidas. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70045502275, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Munira Hanna, Julgado em 29/05/2014)
(TJ-RS , Relator: Munira Hanna, Data de Julgamento: 29/05/2014, Décima Sexta Câmara Cível)
Assim, e apenas para nortear o leitor, vale lembrar que referida ação de despejo vale para qualquer tipo de locação, seja temporária, comercial, limitada ou ilimitada.