3. Efeitos da Decisão Concessiva de Injunção
3.1. Teorias sobre os efeitos das decisões no mandado de injunção
Questão relevante e controversa, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, diz respeito aos efeitos que serão gerados pela decisão que concede o mandado de injunção. Sobre o tema, geralmente, a doutrina costuma indicar duas grandes correntes: a corrente não concretista e a concretista.
A corrente não concretista, como explica Paulo Roberto de Figueiredo Dantas (2010, p. 369), entende que a sentença concessiva da injunção tem natureza meramente declaratória, competindo-lhe reconhecer a omissão legislativa e dar ciência ao órgão ou Poder competente acerca da omissão, exortando-o a supri-la. Logo, iguala os efeitos do mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Noutro giro, como esclarece Alexandre de Moraes (2010, p. 179), pela posição concretista, o Poder Judiciário emite uma decisão constitutiva. Assim, declara a existência da omissão inconstitucional e implementa a norma para viabilizar o exercício do direito ou prerrogativa, até que o Poder competente expeça a regulamentação. Destaca-se que essa posição divide-se em duas espécies: concretista geral e concretista individual, de acordo com o alcance de seus efeitos.
Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos (2008, p. 606), “para os seguidores da tese concretista geral, a sentença, proferida na injunção, é erga omnes”. Dessa forma, a decisão do Poder Judiciário no mandado de injunção será aplicada a todos, possuindo eficácia ampla, até que sobrevenha a regulamentação da norma.
Para a posição concretista individual, os efeitos da sentença judicial limitam-se às partes e ao processo, ou seja, possui apenas efeitos inter partes. Esse entendimento pode ser subdividido em concretista individual direta e concretista individual intermediária.
Logo, pela posição concretista individual direta, quando o Poder Judiciário julga procedente o mandado de injunção poderia, desde logo, implementar a eficácia da norma constitucional ao autor, viabilizando o exercício do direito, todavia, beneficiaria somente a parte impetrante.
Por conseguinte, Uadi Lammêgo Bulos (2008, p. 606) preleciona que os adeptos da posição concretista individual intermediária entendem que “julgado procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário estabelece prazo para o Congresso Nacional elaborar a norma regulamentadora”. Sendo o prazo descumprido, permanecendo a omissão inconstitucional, o Judiciário poderia fixar condições para assegurar o exercício do direito pelo impetrante.
Ressalta-se que, ao longo do tempo, o Supremo Tribunal Federal vem alterando seu entendimento acerca da eficácia da decisão no mandado de injunção, atendendo, por vezes, aos reclames da doutrina, bem como à intenção do legislador constituinte e às necessidades dos impetrantes que pretendem ver o exercício de seus direitos viabilizado. Convém, portanto, analisar a evolução na orientação da Corte Suprema a fim de conferir maior efetividade a esse remédio constitucional.
3.2. Evolução no entendimento do STF sobre a extensão dos efeitos das decisões concessivas do mandado de injunção
Como demonstrado alhures, o mandado de injunção, por ser uma inovação no Direito brasileiro, até mesmo sem legislação específica, transformou-se em um desafio ao Supremo Tribunal Federal. Em 23 de novembro de 1989, a Corte Suprema, pela primeira vez, foi provocada a se manifestar acerca da omissão legislativa por meio do Mandado de Injunção nº 107. Como analisa Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 1.208):
A opinião que sustentava a possibilidade de o Tribunal editar uma regra geral, ao proferir a decisão sobre mandado de injunção, encontraria insuperáveis obstáculos constitucionais. Tal prática não se deixaria compatibilizar com o princípio da divisão de Poderes e com o princípio da democracia.
Dessa forma, considerando o princípio da separação dos Poderes, bem como o direito do impetrante, insatisfeito devido à lacuna legal, coube à Corte definir o que deveria ser entendido por omissão e qual seria, de fato, o alcance do mandado de injunção. Logo, como explica Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 1.209), a Suprema Corte entendeu que:
Como omissão deveria ser entendida não só a chamada omissão absoluta do legislador, isto é, a total ausência de normas, como também a omissão parcial, na hipótese de descumprimento imperfeito ou insatisfatório de dever constitucional de legislar. [...] Todavia, o Tribunal entendeu, e assim firmou jurisprudência, no sentido de que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas.
Por conseguinte, ao firmar tal posição, analisando o Mandado de Injunção nº 107, “leading case na matéria relativa à omissão” (MENDES, 2008, p. 1.209), o Supremo demonstrou ser adepto da corrente não concretista, competindo-lhe, assim, apenas reconhecer a omissão e dar ciência ao órgão competente para que expeça a norma omissa.
Após esse caso pioneiro, a Corte passou a alterar significativamente sua orientação, conferindo um alcance mais amplo do que o até então admitido. No Mandado de Injunção nº 283, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, por exemplo, pela primeira vez, a Corte estabeleceu prazo para que a omissão fosse suprida, sob pena de que o prejudicado tivesse a satisfação de seus direitos através da via processual ordinária. Apesar disso, Flávia Piovesan (apud, HACHEM, 2012, p. 148) ressalta que “embora esta decisão acene a um avanço se comparada com a orientação anterior do Supremo Tribunal Federal, o impetrante não obteve no âmbito do Supremo a efetiva concretização de seu direito”.
Acompanhando o posicionamento adotado no julgamento do MI nº 283, os Mandados de Injunção nº 232 (Rel. Moreira Alves) e 284 (Rel. Celso de Mello), demonstram o distanciamento da orientação inicial adotada pela Corte, configurando uma nova compreensão do instituto. Apesar de que ainda predominava a corrente não concretista, a fixação de prazo para que a norma fosse colmatada e, não o sendo, a possibilidade de recorrer às vias processuais ordinárias para a satisfação do direito inviabilizado, demonstrava um relevante avanço a fim de conferir maior efetividade ao remédio constitucional.
Caso marcante que contribuiu para que o Supremo Tribunal alterasse seu entendimento diz respeito ao direito de greve do servidor público. Mendes (2008, p. 1.213) demonstra que:
No Mandado de Injunção n. 20 (Rel. Celso de Mello, DJ de 22-11-1996), firmou-se entendimento no sentido de que o direito de greve dos servidores públicos não poderia ser exercido antes da edição da lei complementar respectiva, sob o argumento de que o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituía norma de eficácia limitada, desprovida de auto aplicabilidade. Na mesma linha, foram as decisões proferidas nos MI 485 (Rel. Maurício Corrêa, DJ de 23-8-2002) e MI 585/TO (Rel. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-2002).
Até então, nas diversas vezes em que apreciou a matéria, o entendimento adotado era o de que caberia à Corte somente reconhecer a necessidade de edição de norma regulamentadora. Havia, contudo, a posição minoritária defendendo que era necessário aplicar-se a lei de greve relativa aos trabalhadores em geral aos servidores públicos, ao menos provisoriamente, conforme trecho do voto do Ministro Carlos Velloso, apreciando o Mandado de Injunção n. 631/MS, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão (DJ de 2-8-2002):
Assim, Sr. Presidente, passo a fazer aquilo que a Constituição determina que eu faça, como juiz: elaborar a norma para o caso concreto, a norma que viabilizará, na forma do disposto no art. 5º, LXXI, da Lei Maior, o exercício do direito de greve do servidor público. A norma para o caso concreto será a lei de greve dos trabalhadores, a Lei 7.783, de 28.6.89. É dizer, determino que seja aplicada, no caso concreto, a lei que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, que define as atividades essenciais e que regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores públicos. Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito do direito de greve.
Gilmar Mendes (2008, p. 1.214) explica que no ano de 2006 “foi proposta a revisão parcial do entendimento até então adotado pelo Tribunal. Assim, apresentamos – o Ministro Eros Grau (MI 712/PA) e eu (MI 670/ES) – votos que recomendam a adoção de uma “solução normativa e concretizadora”. A análise da situação do direito de greve dos servidores públicos configurou, portanto, uma viragem na jurisprudência da Corte Suprema que se afastou da corrente não concretista, assegurando o direito aos prejudicados, passando a ser o entendimento majoritário. Justificando tal alteração, Gilmar Mendes (2008, p. 1.216) defende que:
Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da disciplina. [...] Uma sistemática conduta omissiva do Legislativo pode e deve ser submetida à apreciação do Judiciário (e por ele deve ser censurada) de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos (CF, art. 5º, XXXV).
Inspirando-se no Direito italiano, observando ainda o sistema de freios e contrapesos, Gilmar Mendes (2008, p. 1.221) continua esclarecendo que: “o Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentença de perfil aditivo, introduzindo modificação substancial na técnica de decisão do mandado de injunção”. Dessa maneira, as sentenças aditivas ou modificativas são aceitas, geralmente, quando integram um regime estabelecido pelo legislador previamente ou quando a solução adotada pelo Tribunal absorve a solução constitucionalmente assegurada.
Nessa esteira, sublinha-se que “o Supremo Tribunal Federal alterou seu posicionamento e adotando claro ativismo judicial passou a adotar a posição concretista, tanto geral, quanto individual” (MORAES, 2010, p. 179). O fato é que a evolução na orientação da Corte conferiu efetividade ao mandado de injunção que até então, era um instituto inócuo. Nas palavras de Barroso (2009, p. 274):
Trata-se de um avanço capaz de retirar do limbo o mandado de injunção, sobretudo pelo fato de o STF ter admitido a possibilidade de dar à decisão eficácia erga omnes, a despeito da inexistência de previsão legal ou constitucional nesse sentido.
Consequentemente, esse movimento judicial conferiu ao instituto a capacidade de ditar a norma, desde logo, ao impetrante para que seus direitos inviabilizados sejam exercidos com plenitude, imprimindo, assim, efetividade ao mandado de injunção.
4. O Ativismo Judicial
4.1. Conceito e Origem do Ativismo Judicial
O termo “ativismo judicial” foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos para caracterizar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Keenan D. Kmiect (2004), esclarece que o termo não apareceu pela primeira vez em algum julgamento ou artigo científico, mas em uma revista popular em um artigo destinado ao grande público, escrito por um historiador. Segundo o citado autor, Arthur Schlesinger Jr. introduziu o termo “ativismo judicial” para o público em um artigo na revista Fortune, em janeiro de 1947, sobre a atuação da Suprema Corte durante o período do New Deal.
Luís Roberto Barroso (2010) relata que nesse período ocorreu uma relevante revolução “em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais”. Importante destacar que todas essas mudanças ocorreram sem qualquer ato do Congresso ou decreto presidencial, resultando em uma forte reação conservadora que deram uma conotação negativa ao termo, semelhante ao exercício indevido do poder judicial. Contudo, Barroso (2010) explica que:
Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.
No Brasil, o crescente movimento ativista do Judiciário é reflexo imediato da judicialização da vida, isto é, pelo fato de que “questões de larga repercussão política e social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” (Barroso, 2009).
Esse processo de judicialização é resultado da redemocratização do país, com a promulgação da Constituição de 1988, bem como devido à constitucionalização abrangente, sendo que inúmeras matérias que antes eram tratadas por lei ordinária foram englobadas pela atual Constituição. Além disso, o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, por ser híbrido, vez que conjuga o sistema americano com o europeu, permitiu o maior controle do Judiciário aos atos dos outros Poderes, facilitando que questões políticas ou moralmente relevantes sejam apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Luís Roberto Barroso (2010) ressalta que esse processo de judicialização é um fenômeno mundial, “alcançando até mesmo países que tradicionalmente seguiram o modelo inglês – a chamada democracia ao estilo de Westminster –, com soberania parlamentar e ausência de controle de constitucionalidade”. Em decorrência do modelo constitucional brasileiro, a judicialização não é um exercício discricionário judicial, mas um fato.
Nesse sentido, uma vez preenchidos os requisitos legais de cabimento, sendo o STF provocado a se manifestar a respeito de certa matéria, não lhe resta alternativa a não ser de se pronunciar quanto ao mérito, cumprindo seu papel constitucional. Entretanto, diferenciando-se da judicialização, a ideia de ativismo judicial está ligada a uma atitude, a uma escolha proativa de interpretar a Constituição de forma expansiva, aumentando seu sentido e alcance.
Sendo assim, Barroso (2010) demonstra que os precedentes da conduta ativista do STF se manifestam por diversas linhas de decisão, quais sejam:
a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos como o da imposição de fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões referentes à verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador – como no precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de município – como no de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde.
Ocorre que o fenômeno ativista possui um lado positivo e um negativo. Aquele refere-se à satisfação da sociedade ao ver suas demandas atendidas, em contrapartida, o ponto negativo aponta as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo, que conta com cada vez menos credibilidade perante a população. Demonstra, assim, a atual crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade que acometeu o Legislativo nos últimos anos. Analisando o tema, Luís Flávio Gomes (apud, FREITAS, 2010) explica que o ativismo judicial se expressa de duas formas, quais sejam:
Há o ativismo inovador (criação pelo juiz de uma norma, de um direito) e há o ativismo judicial revelador (criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como é o caso do art. 71 do CP, que cuida do crime continuado). Neste último caso, o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de um princípio ou de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa.
Afastando-se da auto-contenção judicial, isto é, conduta que restringe a interferência do Judiciário nas ações dos outros Poderes, o ativismo judicial, em princípio, possui como escopo extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional sem invadir o campo de atuação dos demais Poderes, por meio de uma intepretação extensiva da norma constitucional.
4.2. A Influência do Ativismo Judicial no Mandado de Injunção
O novo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, adotando a corrente concretista com relação aos efeitos das decisões concessivas da injunção, demonstra uma clara posição ativista da Corte. A viragem na jurisprudência da Suprema Corte, em decorrência da análise do direito de greve dos servidores públicos, é reflexo imediato da influência do ativismo judicial nos efeitos do mandado de injunção.
É certo que devido a essa atitude ativista, o mandado de injunção passou a produzir os efeitos ambicionados pelo legislador constituinte, exercendo, assim, sua função constitucional que se afasta da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Leonardo de Carvalho Ribeiro Gonçalves (2008), colaciona um trecho de uma entrevista do Ministro Celso de Mello em que ele fixa sua interessante posição sobre o tema nos seguintes termos:
Conjur: Esse ativismo não está ainda um tanto quanto acanhado, considerando que o mandado de Injunção, um instrumento importante, por exemplo, ainda não manda nada.
Celso de Melo: Concordo com sua afirmação. O ativismo judicial é um fenômeno mais recente na experiência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. E porque é um fenômeno mais recente, ele ainda sofre algumas resistências culturais, ou, até mesmo, ideológicas. Tenho a impressão, no entanto, de que, com a nova composição da Corte, delineia-se orientação tendente a sugerir, no plano da nossa experiência jurisprudencial, uma cautelosa prática de ativismo judicial destinada a conferir efetividade às cláusulas constitucionais, que, embora impondo ao Estado a execução de políticas públicas, vêm a ser frustradas pela absoluta inércia - profundamente lesiva aos direitos dos cidadãos – manifestada pelos órgãos competentes do Poder Público. O Supremo Tribunal Federal, hoje, busca revelar-se fiel ao mandato que os Fundadores da República lhe outorgaram. É preciso agir com cautela, no entanto, para que o Supremo Tribunal Federal, ao desempenhar suas funções, não incorra no vício gravíssimo da usurpação de poder. (Consultor Jurídico, 22/9/2007).
Sendo assim, como o mandado de injunção é de um remédio inovador, ainda sem legislação específica, revela-se como um verdadeiro desafio ao STF que, ao apreciá-lo, precisa delinear a amplitude de seus efeitos. Por conseguinte, como resultado da crescente judicialização das relações sociais, o ativismo judicial também é uma novidade no cenário jurídico brasileiro capaz de conferir a devida efetividade à injunção. Portanto, é alvo de duras críticas no sentido de que o princípio da separação dos Poderes restaria flagrantemente violado, uma vez que o Poder Judiciário não poderia se imiscuir nas matérias de competência dos outros Poderes. No entanto, Canotilho (apud, FREITAS, 2010) ensina que:
Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o “rochedo de bronze” da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará seus objetivos.
Em que pese o princípio da separação dos Poderes ser uma cláusula pétrea na Constituição, pode ser flexibilizado, como por exemplo, quando o Poder Executivo edita uma medida provisória. Isto posto, partindo-se da premissa de que qualquer providência contrária ao texto constitucional está maculada pela ilicitude, justificar a omissão legislativa inconstitucional com base no princípio da separação dos Poderes é inadmissível aos moldes do Estado Democrático de Direito. Nessa linha, Cattoni (apud FREITAS, 2010) defende que a postura inerte do Judiciário ante a flagrante omissão inconstitucional seria “fruto de uma compreensão dos princípios da separação dos poderes e dos direitos e garantias fundamentais inadequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito”.
À vista disso, a corrente concretista recentemente adotada pela Suprema Corte harmoniza-se com a função do mandado de injunção, alargando os poderes normativos do Tribunal Constitucional em resposta à crise das instituições democráticas. Leonardo de Carvalho Ribeiro Gonçalves (2010), baseando-se em Sérgio Fernando Moro, esclarece que:
Na abordagem de Moro, o Estado, ao passar a exercer uma atividade intervencionista na sociedade e na economia, causou um reflexo no juiz constitucional, que atraiu para si um poder-dever de guarda constitucional ao compelir os demais poderes no sentido de adotar ações que materializem o texto constitucional. […] Embora não haja qualquer autorização expressa de supressão da omissão legislativa, entende o magistrado que igualmente não existe qualquer proibição a atividade complementar em vista da inércia da legislatura.
Dessa maneira, o ativismo judicial é a alternativa encontrada pelo Judiciário para suprir a lacuna legislativa, conferindo efetividade aos direitos e liberdades constitucionais. Nas palavras de Barroso (2010) o ativismo “tem sido parte de uma solução, e não um problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura”. Logo, nota-se que o ativismo é uma boa opção desde que respeite os limites constitucionais fixados para não incorrer no vício da usurpação de poderes. Barroso (2010) alerta ainda que “a jurisdição constitucional não deve suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social, os canais de expressão da sociedade. Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, não dos juízes”. Caminha-se, portanto, à adoção ampla do ativismo – com as devidas ressalvas – a fim de garantir o integral exercício dos direito fundamentais, evitando-se, assim, que a Constituição Federal torne-se letra morta devido à inércia do Poder Legislativo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, analisando todo o exposto, observa-se que o mandado de injunção é um remédio constitucional específico, que se diferencia da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, vez que enquanto esta se destina a informar ao Poder ou ente omisso acerca da omissão, o mandado de injunção é capaz de fornecer o suprimento judicial ao caso concreto.
Note-se que o escopo do mandado de injunção, definido pelo legislador constituinte, só foi alcançado com a mudança de orientação do Supremo Tribunal Federal sobre os efeitos da decisão concessiva do injunção. Atualmente, essas decisões geram efeitos erga omnes para todos os casos que se assemelhem, contudo, de forma provisória, até que o Poder Legislativo produza a norma regulamentadora.
Esse posicionamento demonstra claramente a adesão da Corte à teoria concretista, tanto individual quanto geral, sendo evidente reflexo da posição ativista do Supremo. O fato é que somente por meio da influência do ativismo judicial, em que pese todas as críticas, o mandado de injunção passou a atingir sua finalidade precípua, qual seja, conferir efetividade aos direitos e liberdades constitucionais cujo exercício tornou-se inviável devido à lacuna legal.
Dessa forma, o ativismo judicial torna-se uma boa alternativa ante a crise de representatividade enfrentada pelo Poder Legislativo, inclusive pelo seu descrédito perante a sociedade. Todavia, ressalta-se que o ativismo somente será saudável se respeitar seus limites constitucionais para não incorrer no vício da usurpação de Poderes, atentando-se sempre para a função típica do Poder Judiciário: aplicador da lei ao caso concreto, ainda que esta lei seja limitada pela omissão legislativa.
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