A Constituição Federal, no seu art. 225, § 4º, elege como áreas de especial interesse e proteção do Estado, ao torná-las patrimônio nacional, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira brasileira.
Fixa ainda que a utilização destes territórios se dará na forma da lei, “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Interessante notar que a quase totalidade do litoral de São Paulo foi enquadrada pela Carta Magna, de uma pincelada só, em três destas áreas de especial proteção: Mata Atlântica, Serra do Mar e a Zona Costeira brasileira. Dai vemos sua importância dentro do cenário ambiental nacional.
Assim, a própria Constituição Federal fixa para a área citada vocação turística e de preservação ambiental.
O entendimento desta característica local e de sua fonte (Constituição) é deveras importante, especialmente na análise dos trabalhos e decisões tiradas do Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais.
Mas vamos voltar um passo, para entendermos o que é o Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais. O Gerenciamento Costeiro nasceu no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente, prevista no art. 2º, da Lei nº 6.938/81. O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro foi instituído no Brasil com a promulgação da Lei nº 7.661/88, com o objetivo de orientar a utilização racional dos recursos da Zona Costeira, de forma a melhorar a qualidade de vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.
Posteriormente, ainda em âmbito federal, o Decreto Federal nº 5.300/04 estabeleceu os limites, princípios, objetivos, instrumentos e competências para a gestão, bem como as regras de uso e ocupação da zona costeira e as balizas gerais das atividades permitidas nas zonas econômicas da orla marítima.
O parágrafo 1º, do artigo 5º, da Lei Federal nº 7.661/88, por sua vez, diz que “Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e o disposto nesta lei, e designar os órgãos competentes para a execução desses Planos”, visando dar unidade e coerência aos Planos de Gerenciamento Costeiro Estaduais e Municipais de todo o Brasil.
Neste ínterim, em 1998, veio a lume o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro de São Paulo, instituído pela Lei Estadual nº 10.019, de 3 de julho de 1998, que estabeleceu os objetivos, diretrizes, metas e instrumentos para disciplinar e racionalizar a utilização dos recursos naturais da Zona Costeira do Estado de São Paulo. O mesmo define, em apertado resumo, a tipologia e os usos permitidos nas zonas costeiras, bem como as atividades proibidas e as penalidades a serem aplicadas no caso de infrações.
Além disso, referida Lei estabelece que o licenciamento de empreendimentos e a fiscalização ambiental deverão ser realizados com base nas normas e critérios estabelecidos no Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE, a ser instituído mediante decreto estadual, em consonância com as demais normas estaduais, federais e municipais definidas pelos órgãos competentes, incluindo-se ai o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
O Decreto nº 4.297/02, ao regulamentar o art. 9º da Lei nº 6.938/91, define o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE como “instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população”.
Já a Lei Estadual nº 10.019/98, define o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE como o “instrumento básico de planejamento que estabelece, após discussão pública de suas recomendações técnicas, inclusive a nível municipal, as normas de uso e ocupação do solo e de manejo dos recursos naturais em zonas específicas, definidas a partir das análises de suas características ecológicas e sócio-econômicas”(art. 2º, inciso III), fixando ainda que “o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro será elaborado em conjunto com o Estado, os Municípios e a Sociedade Civil Organizada” (art. 7º, caput).
E aqui voltamos a falar sobre o Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais. Os mesmos foram criados pelo art. 8º, incisos I e II, da Lei Estadual nº 10.019/98, nestes moldes:
“Artigo 8º - O Poder Executivo Estadual instituirá:
I – o Grupo de Coordenação Estadual, previsto no item 7.2 do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro aprovado pela Resolução nº 5/97 da CIRM, com a incumbência de elaborar o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro; e
II – em cada um dos setores costeiros previstos no artigo 3º desta lei, um Grupo Setorial de Coordenação, com a incumbência de elaborar o Zoneamento Ecológico-Econômico e os Planos de Ação e Gestão.
§ 1º - Cada Grupo Setorial de Coordenação será composto por 1/3 de representantes do Governo do Estado, 1/3 de representantes dos Municípios que compõem o setor costeiro e 1/3 de representantes da Sociedade Civil organizada, com sede a atuação no setor costeiro.”
Seu funcionamento, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto Estadual nº 47.303/02, que dividiu o litoral paulista em 4 grupos, a saber: I. Grupo Setorial de Coordenação do Litoral Norte; II – Grupo Setorial de Coordenação da Baixada Santista; III – Grupo Setorial de Coordenação do Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia; e IV – Grupo Setorial de Coordenação do Vale do Ribeira (art. 1º).
Assim, voltando ao início do nosso texto, os Grupos Setoriais de Coordenação são os responsáveis por propor as regras de utilização de seus territórios, observados os preceitos constitucionais e “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Trabalho este deverás complicado e espinhoso, eis que busca acomodar interesses a priori distintos, como desenvolvimento econômico e social, e preservação do meio ambiente.
Isso leva a uma crítica corrente de que se trata de trabalho “condenado à sucessão de distintas reformas legais. Daí a importância de levar em conta seu caráter flutuante e conjuntural, pois a adoção de uma solução (...) costuma engendrar efeitos não buscados que devem ser novamente corrigidos mediante outra reforma legal. Não por acaso, ela é chamada de ‘legislação interminável’ (...)” . Entretanto, não coaduno com tal entendimento.
Menos que uma regulamentação volátil, é sim uma regulamentação dependente. Dependente de instrumentalização e vontade política para sua externalização e aplicação. Trata-se o Gerenciamento Costeiro de conjunto normativo que estende seus efeitos sobre o direito fundiário, o direito urbanístico e o direito econômico, permeando-os e dando-lhes contorno e limite, de acordo com os preceitos do direito ambiental.
Podemos ter em conta, ainda, que é uma espécie de regulação de mercado, levando em consideração ser o direito regulatório compreendido como “a intervenção estatal na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica”. E é justamente aqui que residem os maiores problemas, uma vez que os interesses econômicos por vezes constituem uma força motriz que avança em sentido contrário à temática ambiental, já que esta é um fator externo limitante àqueles. Nesse sentido, vale voltarmos novamente às lições da Profa. Ana Maria de Oliveira Nusdeo, para quem “a existência de conflitos entre a proteção ambiental e outros objetivos regulatórios, ocorrente quando a política econômica ou setorial desconsidera a problemática ambiental, é frequente”.
Assim, é de “importância fundamental o estabelecimento de um adequado marco normativo. Mas, somente ele não é suficiente para coibir as más relações entre política e dinheiro. Há, sobretudo, a questão da conduta. É preciso que as normas sejam efetivamente cumpridas e a punição seja efetivamente aplicada, se for o caso. Talvez aqui, mais do que na precariedade do marco normativo, esteja a fonte principal dos abusos do poder econômico e da corrupção política: no desrespeito das normas e na impunidade dos responsáveis”.
Este o primeiro grande desafio do Gerenciamento Costeiro do Estado de São Paulo: coadunar os interesses econômicos da região, que engloba hoje grandes obras de infraestrutura econômica como o Porto de Santos, o Porto de São Sebastião, o Pré-Sal, etc., com a vocação preservacionista que a Constituição Federal de 1988 lhe reservou.