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Gerenciamento costeiro de São Paulo e seus desafios.

1ª Parte

22/03/2015 às 12:23
Leia nesta página:

Este texto trata do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/88), com o objetivo de orientar a utilização dos recursos da Zona Costeira. O tema é de grande importância para grandes obras de infraestrutura econômica como o Porto de Santos, o Porto de São Sebastião e a exploração do Pré-Sal.

A Constituição Federal, no seu art. 225, § 4º, elege como áreas de especial interesse e proteção do Estado, ao torná-las patrimônio nacional, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira brasileira.

Fixa ainda que a utilização destes territórios se dará na forma da lei, “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”. 

Interessante notar que a quase totalidade do litoral de São Paulo foi enquadrada pela Carta Magna, de uma pincelada só, em três destas áreas de especial proteção: Mata Atlântica, Serra do Mar e a Zona Costeira brasileira.  Dai vemos sua importância dentro do cenário ambiental nacional. 

Assim, a própria Constituição Federal fixa para a área citada vocação turística e de preservação ambiental.

O entendimento desta característica local e de sua fonte (Constituição) é deveras importante, especialmente na análise dos trabalhos e decisões tiradas do Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais.

Mas vamos voltar um passo, para entendermos o que é o Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais. O Gerenciamento Costeiro nasceu no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente, prevista no art. 2º, da Lei nº 6.938/81.  O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro foi instituído no Brasil com a promulgação da Lei nº 7.661/88, com o objetivo de orientar a utilização racional dos recursos da Zona Costeira, de forma a melhorar a qualidade de vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.

Posteriormente, ainda em âmbito federal, o Decreto Federal nº 5.300/04 estabeleceu os limites, princípios, objetivos, instrumentos e competências para a gestão, bem como as regras de uso e ocupação da zona costeira e as balizas gerais das atividades permitidas nas zonas econômicas da orla marítima.

O parágrafo 1º, do artigo 5º, da Lei Federal nº 7.661/88, por sua vez, diz que “Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, observadas as normas e diretrizes do Plano Nacional e o disposto nesta lei, e designar os órgãos competentes para a execução desses Planos”, visando dar unidade e coerência aos Planos de Gerenciamento Costeiro Estaduais e Municipais de todo o Brasil.

Neste ínterim, em 1998, veio a lume o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro de São Paulo, instituído pela Lei Estadual nº 10.019, de 3 de julho de 1998, que estabeleceu os objetivos, diretrizes, metas e instrumentos para disciplinar e racionalizar a utilização dos recursos naturais da Zona Costeira do Estado de São Paulo. O mesmo define, em apertado resumo,  a tipologia e os usos permitidos nas zonas costeiras, bem como as atividades proibidas e as penalidades a serem aplicadas no caso de infrações.  

Além disso, referida Lei estabelece que o licenciamento de empreendimentos e a fiscalização ambiental deverão ser realizados com base nas normas e critérios estabelecidos no Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE, a ser instituído mediante decreto estadual, em consonância com as demais normas estaduais, federais e municipais definidas pelos órgãos competentes, incluindo-se ai o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

O Decreto nº 4.297/02, ao regulamentar o art. 9º da Lei nº 6.938/91, define o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE como “instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece  medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população”. 

Já a Lei Estadual nº 10.019/98, define o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE como o “instrumento básico de planejamento que estabelece, após discussão pública de suas recomendações técnicas, inclusive a nível municipal, as normas de uso e ocupação do solo e de manejo dos recursos naturais em zonas específicas, definidas a partir das análises de suas características ecológicas e sócio-econômicas”(art. 2º, inciso III), fixando ainda que “o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro será elaborado em conjunto com o Estado, os Municípios e a Sociedade Civil Organizada” (art. 7º, caput). 

E aqui voltamos a falar sobre o Grupo de Coordenação Estadual do Gerenciamento Costeiro de São Paulo e seus Grupos Setoriais. Os mesmos foram criados pelo art. 8º, incisos I e II, da Lei Estadual nº 10.019/98, nestes moldes:

“Artigo 8º - O Poder Executivo Estadual instituirá:

I – o Grupo de Coordenação Estadual, previsto no item 7.2 do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro aprovado pela Resolução nº 5/97 da CIRM, com a incumbência de elaborar o Plano Estadual  de Gerenciamento Costeiro; e

II – em cada um dos setores costeiros previstos no artigo 3º desta lei, um Grupo Setorial de Coordenação, com a incumbência de elaborar o Zoneamento Ecológico-Econômico e os Planos de Ação e Gestão.

§ 1º - Cada Grupo Setorial de Coordenação será composto por 1/3 de representantes do Governo do Estado, 1/3 de representantes dos Municípios que compõem o setor costeiro e 1/3 de representantes da Sociedade Civil organizada, com sede a atuação no setor costeiro.” 

Seu funcionamento, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto Estadual nº 47.303/02, que dividiu o litoral paulista em 4 grupos, a saber: I. Grupo Setorial de Coordenação do Litoral Norte; II – Grupo Setorial de Coordenação da Baixada Santista; III – Grupo Setorial de Coordenação do Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia; e IV – Grupo Setorial de Coordenação do Vale do Ribeira (art. 1º).

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Assim, voltando ao início do nosso texto, os Grupos Setoriais de Coordenação são os responsáveis por propor as regras de utilização de seus territórios, observados os preceitos constitucionais e “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.

Trabalho este deverás complicado e espinhoso, eis que busca acomodar interesses a priori distintos, como desenvolvimento econômico e social, e preservação do meio ambiente.

Isso leva a uma crítica corrente de que se trata de trabalho “condenado à sucessão de distintas reformas legais. Daí a importância de levar em conta seu caráter flutuante e conjuntural, pois a adoção de uma solução (...) costuma engendrar efeitos não buscados que devem ser novamente corrigidos mediante outra reforma legal. Não por acaso, ela é chamada de ‘legislação interminável’ (...)” . Entretanto, não coaduno com tal entendimento.

Menos que uma regulamentação volátil, é sim uma regulamentação dependente. Dependente de instrumentalização e vontade política para sua externalização e aplicação. Trata-se o Gerenciamento Costeiro de conjunto normativo que estende seus efeitos sobre o direito fundiário, o direito urbanístico e o direito econômico, permeando-os e dando-lhes contorno e limite, de acordo com os preceitos do direito ambiental.

Podemos ter em conta, ainda, que é uma espécie de regulação de mercado, levando em consideração ser o direito regulatório compreendido como “a intervenção estatal na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica”. E é justamente aqui que residem os maiores problemas, uma vez que os interesses econômicos por vezes constituem uma força motriz que avança em sentido contrário à temática ambiental, já que esta é um fator externo limitante àqueles. Nesse sentido, vale voltarmos novamente às lições da Profa. Ana Maria de Oliveira Nusdeo, para quem “a existência de conflitos entre a proteção ambiental e outros objetivos regulatórios, ocorrente quando a política econômica ou setorial desconsidera a problemática ambiental, é frequente”.

Assim, é de “importância fundamental o estabelecimento de um adequado marco normativo. Mas, somente ele não é suficiente para coibir as más relações entre política e dinheiro. Há, sobretudo, a questão da conduta. É preciso que as normas sejam efetivamente cumpridas e a punição seja efetivamente aplicada, se for o caso. Talvez aqui, mais do que na precariedade do marco normativo, esteja a fonte principal dos abusos do poder econômico e da corrupção política: no desrespeito das normas e na impunidade dos responsáveis”.

Este o primeiro grande desafio do Gerenciamento Costeiro do Estado de São Paulo: coadunar os interesses econômicos da região, que engloba hoje grandes obras de infraestrutura econômica como o Porto de Santos, o Porto de São Sebastião, o Pré-Sal, etc., com a vocação preservacionista que a Constituição Federal de 1988 lhe reservou.

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Sobre o autor
Oliver Alexandre Reinis

Bacharel pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC, Membro do ICC - International Chamber of Commerce. Membro do IBC - Instituto Brasileiro de Compliance. Membro do IBAP - Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Membro da ALADA - Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Membro da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários, Membro do ISOC - Internet Society. Membro do Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte - GERCO/LN da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA/SP - biênio 2014/2015, Autor colaborador em publicações de direito, Advogado atuante nas áreas de Direito Político, Direito Eleitoral, Direito Administrativo e Direito Digital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINIS, Oliver Alexandre. Gerenciamento costeiro de São Paulo e seus desafios.: 1ª Parte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4281, 22 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32238. Acesso em: 22 dez. 2024.

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