3. SOBRE AGU E SEU PAPEL COMO “AGÊNCIA”
Foi a Constituição de 1988, forte em um paradigma de Estado Democrático de Direito, com elementos norteadores louváveis que, não somente reestruturou o Ministério Público como também retirou-lhe suas atribuições pertinentes à defesa do Estado, atribuindo-as a ente específico, qual seja, no âmbito da União, à Advocacia-Geral da União.
É o texto Constitucional:
Seção II
DA ADVOCACIA PÚBLICA
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
É essa a origem da normatização constitucional da Advocacia Pública independente no Estado brasileiro. E, se assim o é, certo o é também que o Texto Constitucional buscou dar a essa Advocacia prerrogativas e atribuições dignas de um ente republicano do Estado Democrático.
Ou seja, em nosso sentir, intencionalmente a Carta de 1988 concedeu à Advocacia Pública papel constitucional essencial à caracterização do paradigma estatal que buscou implementar.
Partindo-se da identificação de uma estrutura estatal, suas atribuições, competências e características, qual seja; a Advocacia-Geral da União, como mais uniforme representante da Advocacia Pública, para se analisar e perceber o papel de tal, esperamos identificar ali “agência” viabilizadora da accountability horizontal.
Buscamos, assim, verificar se os instrumentos jurídicos disponibilizados à Advocacia-Geral da União (e também a alguns outros entes públicos e privados solidariamente responsáveis pelo combate a corrupção, já que atribuição concorrente ou disjuntiva) são suficientes ao mister.
Certo que o controle social, diretamente pela Sociedade e também pela mídia, tem imprescindível papel na identificação do ímprobo e na apuração de denúncias, mas é o ordenamento jurídico, pelas regras de direito como devido processo legal e ampla defesa, que concretamente poderá recompor o patrimônio público e aplicar penas restritivas de direitos (seja de caráter Administrativo, Penal ou cível), àqueles regularmente identificados como agentes corruptos.
Daí o enfoque na atuação jurídica.
Parece-nos, de qualquer forma, tema imprescindível à melhoria da sociedade e à concreta implementação do Estado Democrático de Direito
Certo, pois e retornado à limitação do estudo que se quer propor, que não podem atuar isoladamente as entidades parceiras no combate à corrupção, concretizando, até, o que se pode chamar de Sistema de combate à Corrupção.
Já o dissemos no primeiro texto aqui referenciado que é tal sistema de combate a irregularidades que permitiria, teoricamente, criar-se desde inicial “barreira” ao cometimento de irregularidades, com o controle das Consultorias Jurídicas em Ministérios, órgãos da AGU, por exemplo, passando pela nacional atuação da Controladoria-Geral da União, de controle e análise, como decorre do nome, pela técnica e punitiva, mas ainda extrajudicial, manifestação do Tribunal de Contas da União, para desembocar-se, quando não suficiente a prévia tutela, na custosa e não célere demanda judicial, mas a qual busca a AGU, por seus órgãos de contencioso, dar adequada celeridade e efetividade na recomposição do erário.
Assim, todo esse sistema público de tentativa de combate à corrupção merece estudo em sua percepção, configuração, eficiência e justificativa, vez que um Estado com menor índice de malversação do que é público, e ai independentemente de a corrupção poder se enquadrar como um fenômeno antropológico, sociológico, político, econômico e mundial; é de interesse de toda a comunidade, não só a acadêmica.
Mas nos limitaremos, como dito, à Advocacia-Geral da União, socorrendo-nos, mais uma vez, a outras análises prévias.
Assim, vale lembrar que a Carta Constitucional Brasileira de 1988 traçou belas linhas à Advocacia Pública, alocando-a no Capítulo das Funções Essenciais à Justiça, mas sem a confundir em competências com outras instituições como Ministério Público e Defensoria Pública, o que indica atestado normativo da relevância do seu papel no intuito maior de, como encargo de todos os entes, órgãos e agentes de um Estado Democrático de Direito, concretizar os nortes axiológicos estabelecidos pelo paradigma estatal.
De fato, à Advocacia Pública se incumbiu de, além das atribuições atinentes á defesa judicial e extrajudicial do Estado e das políticas de Governo, outras, de perfil mais ativo. Aqui cabe respaldar com o sempre citado José Afonso da Silva (Silva. 2006, p. 45) em trecho não pouco conhecido:
A Advocacia Pública assume, no Estado Democrático de Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos direitos patrimoniais da Fazenda Pública, mais até mesmo do que a defesa do princípio da legalidade, porque lhe incumbe igualmente, e veementemente, a defesa da moralidade pública que se tornou um valor autônomo constitucionalmente garantido. Não é que essa defesa lhe espaçasse antes do regime constitucional vigente. Mas, então, o princípio da moralidade tinha uma dimensão estritamente administrativa, quase como simples dimensão da legalidade, ligada aos problemas dos desvios de finalidade. Agora não, porque a Constituição lhe deu sentido próprio e extensivo, e abrangente da ética pública. O exercício de uma tal missão requer garantias específicas contra ingerências e contra atitudes mesquinhas de congelamento de remuneração.
Com tal relevante papel, certo que a Advocacia Pública precisará se aperfeiçoar, melhorando seu embasamento teórico, seus métodos, qualificando mais seus membros e, claro, com metas contínuas e crescentes de índices de produtividade, de resultados, ou seja, de eficiência.
É que apenas estará apta a contribuir efetivamente com a concretização do Estado Democrático de Direito, e como ente fundamental tem atávica atribuição, se atuar, agir e instigar a adoção de processos e procedimentos claros, objetivos, transparentes, pincelados interna e externamente pelo substantivo da democracia, e tendo como norte não neblinável o respeito à legalidade, às normas jurídicas, sejam regras ou princípios.
Em o fazendo, parece efetivamente contribuir à accountability horizontal.
Com tal cerne principiológico, a refletir também na vestimenta de seu agir exteriorizado, poderá, então, a Advocacia Pública ser considerada função essencial à Justiça e, também, contribuir efetivamente à consolidação do Estado que se espera por decorrência da Constituição Federal de 1988.
Ademais, cabe esclarecer que a Advocacia Pública, de Estado, não se confunde em termos conceituais da Advocacia de Governo, apesar de, como também o próprio Estado em relação ao Governo, terem traços de promiscuidade, ás vezes saudável, muitas outras não.
Não por menos a legalidade é cerne, mas também as opções de políticas públicas, se dentro da moldura da jurisdicidade, devem ser igualmente viabilizadas no campo jurídico, ainda que aquela escolhida pelo gestor, pelo Administrador público, não fosse a mesma do procurador público.
Mas, parece-nos, também de fato, que o papel tem contornos mais delicados, multifacetados, relevante, guardando comprometimento, a Advocacia Pública de Estado, com valores permanentes a exemplo da Justiça, à dignidade, igualdade e do devido respeito à Ordem Jurídica.
Dando ao texto contornos mais práticos, e ainda nos socorrendo do que já vimos escrevendo, possível delimitar a análise à Advocacia Pública no nível federal, certo que dentre a gama de afazeres constitucionalmente estabelecidos à essa função, perceptível a bipartição de funções básicas maiores, objetivamente consideradas: 1. Assessorar, em papel também consultivo e 2. Atuar em juízo, seja na defesa contenciosa ou na proatividade necessária á tutela do erário, do interesse público.
Nesse ponto, já escrevemos em outro estudo8 que na função consultiva, a atividade do Advogado Público assume o papel primordial de controle prévio da legalidade, ou seja, a verificação sobre a obediência da Administração Pública ao ordenamento jurídico.
Por se tratar de uma atuação eminentemente preventiva, a atividade consultiva da Advocacia Pública possui a função de evitar o aumento do número de demandas administrativas e judiciais, uma vez que a sua atuação possui um caráter pedagógico em face ao administrador. Assim é que ao Advogado Público compete verificar a compatibilidade das políticas sociais e econômicas em face da ordem constitucional, o que contribui para a observância dos direitos fundamentais.
Em outras palavras, pode-se dizer que compete ao Advogado Público, no exercício deste relevante mister, o dever constitucional de aperfeiçoamento da ordem jurídica, bem como o aconselhamento dos agentes políticos, no intuito de que sejam adotados os atos destinados à afirmação dos valores jurídicos e democráticos tão pertinentes ao Estado Democrático de Direito (Moreira Neto, 2005).
No que tange à atividade contenciosa, a Advocacia Pública também tem grandes objetivos a serem atingidos. Em sua atuação judicial, os Advogados Públicos buscam resguardar o interesse público, patrimonial ou não.
Sobre a questão, assim se manifesta Leonardo José Carneiro da Cunha (Cunha, 2005, p. 78):
“Com efeito, a Fazenda Pública revela-se como fautriz do interesse público, devendo atender à finalidade da lei de consecução do bem comum, a fim de alcançar as metas de manter a boa convivência dos indivíduos que compõem a sociedade. Não que a Fazenda Pública seja titular do interesse público, mas se apresenta como o ente destinado a preservá-lo.”
A atuação dos Advogados Públicos em juízo não se orienta tão-somente pelo interesse pecuniário. Por meio dessa atuação, busca-se a manutenção e estabilidade da ordem jurídica, o cumprimento dos princípios constitucionalmente estabelecidos, bem como a viabilização das atividades administrativas.
Com efeito, ante a relevância das funções atribuídas à Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito, impõe-se que seja feita uma nova compreensão da importância dessa instituição, como um instrumento da sociedade na consagração de valores consubstanciados pela ordem jurídica, bem como no controle dos atos administrativos.
Em suma, a Advocacia Pública Consultiva colabora com a boa versação do patrimônio público e com o respeito aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da legalidade administrativa (não-criação de direitos subjetivos sem respaldo legal), além do devido processo e do contraditório nos atos e processos administrativos. Por outro lado, a Advocacia Pública Contenciosa defende a correta implementação dos direitos subjetivos, o que, em observância ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, garante a todos a solvência Estatal.
Assim, ambas as faces da Advocacia Pública colaborariam com o respeito à jurisdicidade, ou seja, com a atuação Estatal justa, razoável e principalmente legítima, não só conforme lei, mas conforme princípios fundamentais do direito, consubstanciados expressamente ou não na Carta Constitucional, o que, por evidente, leva à integração e efetivação dos valores, finalidades e objetivos do Estado Democrático de Direito.
A Advocacia Pública, pois, é legitimamente garantidora, em suas funções contenciosa e consultiva, dos princípios constitucionais e administrativos e da solvência estatal, ou seja, do interesse público primário e secundário, mostrando-se essencial à efetivação dos objetivos da República (art. 3º da CF/88), à consolidação de seus fundamentos (art. 1º, especialmente quanto à dignidade da pessoa humana) e, conseqüentemente, essencial à consubstanciação do Estado Democrático de Direito, não bastasse, como nota inicial e expresso no texto constitucional, essencial á Justiça.
Nessa linha, a Advocacia-Geral da União vem desenvolvendo, aos poucos, mas com rumo na meta constitucional de eficiência, atividade específica e pró-ativa na percepção, identificação e efetivo combate á corrupção no Brasil.
Daí nos aproximamos diretamente de sua função como “agência estatal” que, como visto, na definição de accountability horizontal, tem o direito e o poder legal e que está de fato disposta e capacitada para realizar ações que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas.
Ora, ente do Estado Democrático de Direito, vinculado ao Poder Executivo como órgão mas com função diversificada, taxada de essencial à justiça pelo Texto Constitucional de 1988, a instituição, no que se percebe interna e externamente, vem se organizando e se programando, não de forma isolada, para buscar efetivamente a diminuição dos efeitos da malversação do erário, da corrupção, da improbidade, na sociedade e no Estado, seja na tentativa de impedir irregularidades em contratações, no seu atuar consultivo, de assessoramento do Poder Executivo, seja na recomposição concreta do patrimônio público dilapidado por agentes públicos e privados ímprobos, com a proativa atuação contenciosa.
A exemplo, a Advocacia-Geral da União através da Portaria n. º 15, de 25 de setembro de 2008, complementada pela Portaria n. 12, de 15 de dezembro de 2009, criou, de forma organizada, grupo de atuação proativa no combate à corrupção, com posto por Advogados da União em exclusividade de atuação e que obteve significativos resultados nos anos de 2010 e 2011, tanto que agraciado com Premiação Especial do Instituto Innovare, em 2011 e ressaltado por organismos internacionais e nacionais, como ONU e Tribunal de Contas da União, como exemplo de passo firme em direção à eficiência no combate à corrupção, ás ilegalidades, contribuindo sobremaneira à construção de uma sociedade justa e solidária, objetivos da República e metas constitucionais dos entes, órgãos e agentes públicos que compõem o Estado Democrático de Direito.
Daí adequado dizer da necessidade de se aperfeiçoar, até como objetivo da República, a verificação do fenômeno da corrupção, dos males gerados e, necessariamente, dos entes e mecanismos existentes ao seu combate efetivo, razão pela qual alguns paradigmas atávicos, fruto de inércia estatal na área, deverão ser re-configurados, em prol do próprio Estado mas, principalmente, de todo o povo brasileiro.
Como visto, a Advocacia pública tem, forte no princípio da eficiência, dever de atuar no combate à corrupção, e está disposta a fazê-lo.