1. CONCEITO DOUTRINÁRIO/ LEGAL
a) Natureza jurídica
Primeiramente, importante mencionar que não há qualquer vedação para que as cláusulas presentes em um acordo de acionistas sejam reproduzidas em um acordo de sócios no âmbito de uma sociedade limitada, o qual terá a mesma validade do acordo de acionistas previsto na lei das sociedades por ações, eis que, em se tratando de um direito disponível, reveste-se da posição de obrigações de fazer ou de não fazer e, assinado por todos os sócios, se tornará exigível seu cumprimento de pleno direito.
O acordo de acionistas é um negócio jurídico de direito privado, com natureza contratual, que não se confunde com o estatuto social, abrigando apenas os acionistas que dele são parte.
Inegável sua caracterização enquanto contrato, uma vez que nasce da vontade das partes que resolvem regular seus interesses no âmbito de uma companhia, mediante o estabelecimento de obrigações múltiplas. Embora na Itália se atribua ao instituto caráter associativo, em virtude da existência da figura do síndico, eleito para agir em nome do chamado sindicato acionário, no Brasil o pacto regula o acordo de vontades entre as partes envolvidas, não havendo tal figura.
b) Espécies
A correta interpretação do art. 118 da Lei 6.404/76, de maneira a compatibilizá-lo com o tratamento do tema acordo de acionistas no Direito brasileiro, é aquela que considera que o legislador simplesmente identificou as hipóteses que, se configuradas, geram efeitos perante a sociedade e terceiros, não possuindo a intenção de limitar os pactos dessa natureza aos que possuam os objetos ali expressamente elencados
O que se tem é que existem duas classes de acordos de acionistas, ambas submetidas às regras gerais de direito contratual, mas que se distinguem pelo fato de produzirem efeitos em relação à companhia e a terceiros, ou não. Os que produzem tais efeitos são os acordos típicos e os que não produzem são os acordos atípicos.
Validade
O legislador previu expressamente, no caput do art. 118 da Lei 6.404/76, os objetos possíveis de um acordo de acionistas típico. São eles: compra e venda de ações, preferência para adquiri-las e exercício do direito de voto ou do poder de controle. Entretanto, tratar o acordo de acionistas sobre objeto diverso daqueles mencionados não lhe retira a validade. O acordo de acionistas atípico simplesmente não é oponível a terceiros, aos administradores e à própria companhia; ou seja, tem eficácia apenas entre as partes acordantes.
Início da validade:
- Para as partes: com a contratação;
- Para a sociedade: com o arquivamento na sede social e desde que restrito às matérias do art. 118 da LSA (compra e venda de ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito de voto ou do poder de controle); e
- Para terceiros (acordos típicos): depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.
2. CLÁUSULAS ESPECÍFICAS - RESTRIÇÕES À CIRCULAÇÃO DE AÇÕES
O acordo de bloqueio é mais uma ferramenta para compor um adequado acordo de acionistas, que pode trazer a segurança necessária para a relação jurídica entre os acionistas e a sociedade, afastando eventuais desnecessários conflitos societários que possam prejudicar a operação.
a) Direito de Preferência
Conceito: consiste no direito de o acionista manter a participação em caso de aumento de capital (preemptive right). Artigo 171 da LSA.
No entanto, existem outros dois tipos de direito de preferência, quais sejam, o right of first refusal, que nada mais é do que o direito de o acionista, aceitando as condições de oferta de compra oferecida por outro acionista, comprar as ações deste acionista em detrimento do ofertante original, e o right of first offer, que é o direito de um acionista receber a oferta de venda de ações de outro acionista, antes da oferta de venda, nas mesmas condições, para outros acionistas ou para terceiros.
Trata-se o pacto de preferência de obrigação condicional de contratar. Materializando-se, eventualmente, o interesse de alienar, a eficácia da preempção opera-se a partir daí, passando o acionista pactuante que a propõe a ser devedor da obrigação.
Obriga-se, assim, o acionista vinculado ao acordo de preempção a não alienar a terceiros, sem que, previamente, ofereça a celebração do mesmo negócio aos demais acionistas integrantes do pacto ou à própria companhia.
b. Tag Along
Conceito: consiste no direito de um acionista aderir à venda de ações de outro acionista a terceiro, pelas mesmas condições.
Dentre nós já é conhecida a disposição da Lei das Sociedades por Ações (artigo 254-A), a qual estabelece que, no caso de alienação de controle de companhia aberta, o adquirente é obrigado a fazer oferta pública de aquisição de ações aos demais acionistas com direito a voto, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle (esse preço pode chegar a 100% se a companhia estiver listada no Novo Mercado da BM&FBOVESPA).
O tag along, claro, não se restringe apenas a esta hipótese legal, podendo os contratantes, sejam de companhias fechadas sejam de sociedades limitadas, outorgar esse direito das mais diversas formas possíveis.
Trata-se de uma disposição contratual que prevê, no caso de venda das ações detidas por um ou mais signatários do acordo, para os demais pactuantes, o direito de vendê-las conjuntamente com ações minoritárias. Trata-se de uma convenção na qual os signatários do acordo ajustam entre si esse direito de venda conjunta. Os credores da obrigação serão aqueles acionistas signatários que não participaram do negócio de venda com os terceiros.
A cláusula de venda conjunta é uma das formas de restringir a circulação das ações objeto do acordo, que reveste a venda originária a terceiros da condição de compra também das ações dos seus demais signatários. Trata-se de uma modalidade de opção em que o credor da obrigação poderá, regularmente, exercer o seu direito de venda conjunta, dentro dos critérios de conveniência e oportunidade.
Esse pacto de venda conjunta pode vincular todas ou apenas parte das ações presentes ou futuras dos pactuantes, aí incluídos os títulos conversíveis em ações. No pacto de venda conjunta não constará o preço respectivo, que será aquele fixado entre o vendedor originário e o terceiro.
Desse modo, estão sujeitas ao exercício de venda conjunta tanto o vendedor originário das ações como o terceiro comprador, que não poderão prosseguir na conclusão do negócio entre eles se não incluírem as aquisições dos acionistas que desejem aliená-las, pelo mesmo preço estabelecido.
Constitui a cláusula de venda conjunta uma convenção que tem por objeto a obrigação de o terceiro concluir um outro contrato de compra das ações dos demais signatários do pacto. O titular da obrigação não é parte do acordo, por se tratar de terceiro. Não obstante, para que possa ele contratar a aquisição das ações de controle ou de bloco minoritário, deverá aderir à cláusula de venda conjunta constante do acordo. E deverá fazê-lo por meio do instrumento de promessa de compra que firmará com os interessados.
Trata-se, portanto, de um contrato único, representado por dois instrumentos firmados em sequência. Assim, o acordo de venda conjunta aperfeiçoa-se com o de promessa de compra firmado por terceiro. Daí o caráter de adesão ao primeiro ajuste declarado pelo terceiro comprador que, dessa forma, subscreve os termos da cláusula de venda conjunta, devendo fazê-lo sem qualquer ressalva, reserva, alteração ou condição.
c. Drag Along
Conceito: direito de um acionista (normalmente o majoritário) de obrigar os demais acionistas a aderirem à venda das ações do acionista titular do direito, nas mesmas condições. Fica claro, assim, que o direito de “grudar” (tag) é um direito dos minoritários, enquanto que o direito de “arrastar” (drag) é um direito dos controladores.
Nela se prevê que, caso o acionista controlador receba uma proposta de aquisição de controle, este poderá, na forma prevista no acordo, exigir que os minoritários convenentes também vendam as suas ações ao proponente, pelo preço da oferta aceito pelo controlador.
A função do drag along é de ampliar o espectro de possíveis interessados na aquisição do controle, na medida em que estes podem não ter interesse em manter os atuais minoritários integrantes do acordo, seja, por exemplo, pelo seu perfil ou, então, visando o futuro fechamento do capital da companhia.
Trata-se de uma opção de venda em que o credor da obrigação é o controlador que pode exigir o cumprimento da alienação das ações dos acionistas minoritários convenentes, sempre nos termos do acordo. O valor dessa venda convencionada é livre, ou seja, aquele que o terceiro comprador do controle pagará ao controlador, com ou sem deságio, sempre conforme os termos constantes do acordo respectivo. A cláusula de deságio não deverá ser em percentual maior do que aquele previsto no art. 254-A da lei societária (20%), sob pena de se configurar enriquecimento ilícito do adquirente do controle e, indiretamente, do próprio acionista alienante.
Com efeito, a cláusula drag along com preço descontado acima do legalmente estabelecido para a alienação do controle (art. 254-A) teria evidente efeito confiscatório e leonino contra o patrimônio dos acionistas minoritários.
À semelhança do que ocorre no negócio tag along, o terceiro adquirente adere ao pacto celebrado entre o atual controlador e determinados acionistas minoritários. E o faz através de cláusula de adesão literal ao pactuado entre aqueles, constante dos instrumentos de aquisição do controle.
Não se trata de cessão de direitos entre o atual controlador e o adquirente compromissado dessas ações majoritárias. Isto porque o atual controlador permanece inteiramente vinculado ao negócio até a sua plena conclusão, que se dá com a aquisição de todas as ações objeto do acordo.
Mais uma vez, trata-se de um negócio jurídico único, expresso em instrumentos sucessivos, quais sejam o acordo, a adesão do terceiro adquirente ao acordo e a aquisição das ações do controle e a dos minoritários convenentes. E, por isso, é um contrato complexo em que ingressam sucessivamente as partes, para o efeito de sua execução e conclusão.
A promessa unilateral de vender ao futuro controlador aderente do acordo confere a este o direito regular de opção, como referido. Os acionistas minoritários convenentes e, por isso, promitentes vendedores, encontram-se numa situação de sujeição, não podendo mais se opor à conclusão regular do negócio.
Essa sujeição, no entanto, é relativa, na medida em que a opção de compra das ações minoritárias vinculadas ao acordo deve ser exercida regulamente, como todo contrato de compra e venda, em que prevalece a inafastável regra da igualdade econômica, traduzidas no preço justo e atual das ações objeto dessa opção. Não pode, portanto, a cláusula de drag along propiciar o enriquecimento ilícito do titular do direito de exercê-lo.
d. Call Option e Put Option
Trata-se de uma opção de contrato pelo qual uma parte promete alienar a outros signatários do acordo, ou à própria sociedade, suas ações. Ou então, a promessa de signatários ou da própria sociedade de adquiri-las.
Conceito de call option: é a opção de compra, assegura a determinado acionista o direito de, em certo momento ou a qualquer tempo, exigir a venda compulsória de parte ou da totalidade das ações de propriedade de outro acionista. As condições desta compra e venda já são estabelecidas no momento de contratação da cláusula, visando, no entanto, a evento futuro.
Conceito de put option: é o direito de um acionista alienar sua participação acionária, em determinado momento ou a qualquer tempo, para outros acionistas. Da mesma forma que a call option, as condições já são estabelecidas no momento da sua contratação.
Em ambos os casos (put and call) basta a manifestação regular do beneficiário da compra ou da venda para o cumprimento do contrato. O acordo pode prever que, em determinadas circunstâncias (condição ou termo), ou simplesmente pela vontade do acionista, este pode comprar as ações ou títulos conversíveis em ações de outro acionista, que é obrigado a vendê-los, conforme o preço e as condições previamente ajustados (call), desde que rigorosamente justos e plenamente remuneratórios e uma vez regularmente exercido o direito por parte de seu titular.
Pode, ainda, o acordo prever que, em determinadas circunstâncias ou simplesmente pela vontade do acionista, este pode sair do quadro societário da companhia, vendendo suas ações para outro acionistas ou para a própria sociedade, por preço previamente ajustado, desde que também rigorosamente justo (put). Nesta hipótese de venda, poderá a sociedade ser a adquirente, para mate-las em tesouraria, se tiver fundos disponíveis para tanto.
É absolutamente incompatível com o exercício da opção de compra, constante do acordo de acionista, qualquer cláusula ou condição leonina, como referido, que leve o titular do direito da opção ao enriquecimento ilícito à custa do titular da obrigação de vender.
Deverá o contrato preliminar conter os elementos necessários à celebração regular do contrato definitivo, tais como, número e espécie das ações objeto da avença, o preço justo e atual e as condições plenamente remuneratórias de pagamento. Não há a necessidade de o preço estar previamente estabelecido em unidade monetária. Basta que, no contrato preliminar de opção que consta do texto do acordo de preferência, esteja estabelecida a forma ou a fórmula de seu cálculo, a valor justo e atual.
Atendidos os princípios acima, o titular da opção, ou seja, o credor da obrigação, no prazo estabelecido, terá a liberdade de regularmente celebrar ou não o contrato, dentro do livre critério de conveniência e oportunidade. Findo o prazo e não exercida a opção, libera-se o titular da obrigação.
Desejando, no entanto, o credor da obrigação exercer regulamente o seu direito e caso a parte devedora negue-se a fazê-lo sem justa causa, caberá a execução específica, nos termos do art. 644-B do CPC. Trata-se de processo de conhecimento, de rito ordinário, formando-se, portanto, a lide para a obtenção de uma sentença constitutiva, transitada em julgado. No caso não se pode cogitar de antecipação de tutela ou de medida cautelar, pois ausente o requisito do periculum, na medida em que as ações e os títulos nelas conversíveis encontram-se registrados, sendo impossível o seu perecimento.
3. EXECUÇÃO
Art. 118 (...) § 3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.
Não configura título executivo; execução específica de acordo de acionistas é sempre precedida de processo de conhecimento.
a) Autotutela
Art. 118 (...) §8º O presidente da assembléia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado.
§9º O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada.
b) Acordos de acionistas típicos
Embora suscetíveis de auto-execução, conforme acima, a lei societária também comporta a execução específica (§3º).
A execução específica dos acordos de acionistas típicos se dá mediante processo de conhecimento, através do qual se obterá uma sentença que produzirá os efeitos da vontade não emitida ou do contrato não celebrado.
Conferir natureza de obrigação juridicamente infungível àquelas assumidas por meio dos acordos de acionistas típicos mais comuns quer dizer, ainda, que a sentença obtida para sua execução específica será de natureza constitutiva, que será possível a antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos para tanto, e que não há razão para a aplicação das medidas coercitivas previstas no art. 461 do CPC, ao passo que a vontade do devedor passa a ser despicienda, tendo em vista a possibilidade de sua substituição pelo provimento jurisdicional.
É de se frisar que, ao contrário do que prescreve o §3º do art. 118 da Lei 6.404/76, não é necessário o arquivamento do acordo de acionistas perante a sede da companhia para que se possa realizar a sua execução específica. Esse arquivamento é exigível apenas para que a companhia seja obrigada a observá-lo. Mas, caso a execução específica venha a ocorrer unicamente contra os convenentes inadimplentes, não há que se falar nessa exigência. É que se trata a execução específica de um instituto de natureza processual, sendo certo que o Código de Processo Civil já prevê, expressamente, a possibilidade de execução específica das obrigações de emitir declaração de vontade e de contratar em seus arts. 466-A, 466-B e 466-C.
Diante disso, não é possível que uma lei de cunho eminentemente material, como é o caso da Lei 6.404/76, venha a pretender impor mais um requisito, isto é, o de que o acordo seja arquivado perante a companhia. Indubitável, portanto, que o acordo poderá ser especificamente executado, independentemente de arquivamento perante a companhia, sendo que, neste caso, produzirá efeitos e poderá ser executado apenas em relação aos convenentes.
c) Acordos acionistas atípicos
Conforme mencionado no item 2.6.1, os acordos de acionistas têm sua validade vinculada aos requisitos gerais dos contratos em geral. Assim, o fato de um pacto desta natureza não tratar de um dos objetos previstos no caput do art. 118 da Lei 6.404/76, não lhe retira a validade ou a eficácia. Unicamente impede que surta efeitos em relação à companhia, a seus administradores e a terceiros. Entre as partes, entretanto, a validade e a eficácia são plenas.
Assim, firmando o devedor o acordo de acionistas, juntamente com duas testemunhas, tendo ele por objeto obrigação líquida, certa e exigível, e que comporte execução forçada, como é o caso das obrigações de fazer (excetuando-se a emissão de declaração de vontade e a celebração de contrato), de não fazer ou de dar, entre outras, mesmo esta será possível, tendo em vista que se estaria diante de um legítimo título executivo extrajudicial.