3. A Indústria da Cultura, o Direito Autoral e o Compartilhamento de Arquivos pela Internet
O final do século XIX foi muito promissor no que tange às técnicas e invenções de meios de reprodução. A partir de então, os donos do capital voltaram a refletir sobre uma legislação que fosse capaz de regular a produção e distribuição de produtos culturais. Segundo Walter Benjamin, famoso sociólogo alemão da década de 1940, o surgimento da imprensa móvel, ainda que tenha significado um grande passo adiante nas técnicas disponíveis para a reprodução da escrita, revolucionando a literatura, trata-se de apenas uma porção pequena do processo que terminaria na invenção dos meios de reprodução por excelência: a Fotografia e o Cinema.
O referido autor ainda afirma que as técnicas de reprodução de obras de arte eram um fenômeno relativamente novo e que tais invenções e avanços, no passado, foram separados por intervalos de tempo longos durante o curso da História. Afirma ainda que:
“Com a fotografia, pela primeira vez a mão se liberou das tarefas artísticas essenciais, no que toca à reprodução de imagens, as quais, doravante, foram reservadas ao olho fixado sobre a objetiva [23]
Trata-se, para o autor, do começo do enfraquecimento das tradições relativas às experiências históricas com obras de arte. Tanto a reprodução de obras de arte quanto a retransmissão de testemunhos foram os responsáveis por desvincular o objeto reproduzido da antiga tradição, transformando o evento a ele relacionado. Assim, tanto os autores das obras de arte, as obras em si e as reproduções de experiências históricas acabaram por transformar-se em fenômenos de massa. Isso, contudo, não significa uma condição precária. Para Beijamin, o cinema ocidental, por exemplo, construído basicamente para a exploração da indústria cinematográfica, não tem qualquer interesse em representar os anseios ou angústias do homem moderno nas telas dos cinemas, o que poderia criar uma certa reflexão ou posicionamento crítico dentro da cultura de massas, efeito que não é o desejado. Assim, o foco da exploração capitalista pela indústria do cinema é apenas o de despertar a atenção do público para “representações ilusórias e espetáculos equívocos”, tudo baseado também na posterior comercialização do que se é representado em tela.
Desta forma, o autor afirma que a reprodução das obras de arte é capaz de promover o avanço social, pois, aliado à “massificação da cultura” abre uma oportunidade de politização da obra de arte. Sob outro ângulo, analisando o surgimento da Indústria Cultural, é possível verificar que tratou-se, na verdade, de um golpe nas bases que sustentavam o direito autoral original, pois ao monopolizar a técnico e as novas tecnologias produtivas e de reprodução, sejam fonográficas, cinematográficas ou fotográficas, a Indústria Cultural se beneficiou (e ainda se beneficia) de uma proteção que em sua origem era destinada ao autor, quem teve a idéia e/ou a executou, sendo que, a partir do século XX, seus interesses mercadológicos foram estabelecidos por regras políticas e jurídicas, em detrimento da produção e difusão de conhecimento.
Lawrence Lessig, professor de direito eletrônico da Escola de Direito de Stanford, trás em seu livro[24], um exemplo clássico sobre a apropriação do direito autoral e do domínio público pela Indústria Cultural, que é o da Walt Disney Inc. sobre a personagem Mickey Mouse. Mickey Mouse apareceu pela primeira vez na televisão em maio de 1928, no desenho mudo animado chamado “Plane Crazy”. Entretanto, apenas em novembro de 1928 o protagonista do desenho ficou conhecido a nível mundial pelo desenho “Steamboat Willie” (agora sonorizado), em uma sessão no Colony Theater, em Nova Iorque.
O autor afirma que a técnica de sonorização de desenhos animados, um grande espetáculo à época, não foi inédita, pois tinha sido criada para outro filme, o “The Jazz Singer”, em 1927, de Alan Crosland. Sequer a inspiração para o desenho do Mickey era nova. No em que Walt Disney apresentava seu novo personagem, o comediante Buster Keaton já aparecia em outro filme com mesma técnica de sincronização, chamado “Steamboat Bill, Jr”. A semelhança entre os títulos foi calculada, até porque o desenho da Walt Disney é uma paródia do filme, sendo os dois criados sob a mesma base musical. Para o Lessig, Walt Disney Inc. já possuía essa cultura de criar uma obra a partir de uma releitura de obra já existente. Era um ‘empréstimo’ já não exclusivo, tanto para a Disney àquela época quanto para a indústria cultural hoje.[25]
Assim, verifica-se que na perpetuação do direito autoral, especialmente nos Estados Unidos, ou dos artifícios para sua constante prorrogação, as empresas continuam comodamente a garantir seus lucros. Tal fato faz com que esse material produzido não possa ser utilizado para que sejam iniciadas outras produções. No caso da Disney, grande indústria de copyright, significa que ela não vai dar aos futuros empreendedores do ramo da cultura aquilo que tanto a favoreceu.
A legislação acerca de direitos do autor é reconhecidamente de confusa estruturação e reestruturação, fenômeno que ocorre em quase todos os países. Inicialmente, as leis promoviam um incentivo social e determinavam um prazo limite para o monopólio de comercialização de obras, mas, num segundo momento, com a popularização das novas tecnologias de cópia, foram englobadas pela lei de proteção de direitos autorais (por influência daqueles que detinham o monopólio dos meios de produção e difusão cultural até então) a proibição da cópia, visando garantir os investimentos de quem já estava no mercado cultural, em detrimento do domínio público, do caráter social da produção e da distribuição do conhecimento.
O mediador cultural é aquele que fica entre o ato criativo e a distribuição do “produto” final. Sem os mediadores, no passado, que durante o processo de acumulação capitalista se transformaram em gigantes conglomerados midiáticos, a ampla divulgação e distribuição de bens culturais e a formação de públicos consumidores de determinadas obras estaria comprometido. Entretanto, foi esse mediador que com o passar do tempo converteu em s eu benefício a proteção autoral inicialmente proposta aos autores e fez disso sua principal fonte de lucro, deixando para outro plano suas atividades de divulgação e distribuição dos produtos culturais.
3.1. A Internet e as formas de controle
Com a velocidade dos novos processos, sejam eles técnicos, econômicos ou ainda políticos, surgidos nas últimas décadas do século vinte, reverteram a lógica de distribuição e arrecadação até então corrente na indústria cultural. Com o surgimento de uma nova tecnologia, foi necessária uma reorganização dos fundamentos das leis de direito autoral.
Os processos crescentes de cópias e digitalizações, viáveis devido ao aprimoramento tecnológico e pela nova estrutura global, a Internet, reduziu significativamente o monopólio dos mediadores entre o produto cultural e o público. Como hipermídia global, a Internet aproxima a relação entre o criador e seu público, facilitando a comunicação e diminuindo os custos. Essa plataforma global possui uma arquitetura que permite a criação de ferramentas que possibilitam amplo compartilhamento de bens culturais já disponíveis no mercado, como livros, música, fotografias, filmes e outras mercadorias passíveis de digitalização.
Manuel Castells afirma que a capacidade de criar e de superar metas institucionais de criação e inovação não fundamentadas nos direitos de propriedade estão baseadas na própria história da Internet na qualidade de tecnologia social e cultural[26]. O autor lembra que a origem da Internet ocorreu no período da ARPANET, que nada mais foi do que uma rede de computadores de 1969 produzida pela de Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA – Advanced Research Projects Agency). A ARPA foi formada em 1958 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, no período final da Guerra Fria, co o objetivo de mobilizar recursos de pesquisa, principalmente em universidades americanas, a fim de ultrapassar a tecnologia de pesquisas militares da União Soviética. A ARPANET foi um projeto pequeno dentro de um dos departamentos da ARPA, chamado IPTO (Information Processing Techiques Office), fundado em 1962 com o intuito de estimular pesquisas na área da computação interativa. A ARPANET tinha como justificativa permitir aos centros de pesquisa trabalharem compartilhando o tempo de computação, o que tornava as pesquisas muito mais eficientes.
O IPTO escolheu para montar a rede interativa de transmissão de dados a tecnologia de “Troca de Pacotes”. Essa tecnologia fazia com que um computador, ao precisar enviar informações a outro, dividir essa informação em diversos pacotes e, ao invés de estabelecer uma conexão direta para o outro computador, enviava esses pacotes ao computador mais próximo, indicando o remetente e o destinatário de cada pacote. Assim, as informações tramitavam por computadores conectados entre si e cada computador se encarregava de enviar pacotes pelo caminho mais curto ao destinatário. Se o caminho mais curto estivesse bloqueado, ele procurava por outro. Essa rede inteligente e adaptável é a base do que hoje conhecemos como a Internet.
Já nos anos 1970, com certo domínio do funcionamento dos computadores, e crescem as pesquisas sobre uma rede mundial de computadores, discutida a partir de 1973, em torno de seu potencial de processamento. Mesmo baseadas em conhecimentos já existentes, as pesquisas representaram um salto qualitativo na difusão tecnológica de cunho acadêmico e civil, devido ao constante barateamento e aumento da acessibilidade. As pesquisas a respeito desta rede se deram em três setores: militar, acadêmico e no da contracultura dos anos 60, sendo este fundamental, pois deixou de usar as tecnologias baratas ou mesmo as tecnologias avançadas para criar peças fundamentais para a constituição da Internet de hoje.
A ARPANET teve suas operações encerradas em 28 de fevereiro de 1990, cedendo à National Science Foundation a espinha dorsal da Rede. Sobre o assunto, Castells afirma:
(...) as pressões comerciais, o crescimento de redes de empresas privadas e de redes cooperativas sem fins lucrativos levaram ao encerramento dessa última espinha dorsal operada pelo governo em abril de 1995, prenunciando a privatização total da Internet, quando inúmeras ramificações comerciais das redes regionais da NSF uniram forças para formar acordos colaborativos entre redes privadas.[27]
Alguns anos depois, em 1995, a privatização da Internet oficializada. Na realidade, alguns computadores já tinham a capacidade permanecer conectados à Rede desde a década de 1980, pois o Departamento de Defesa já comercializava a tecnologia da Internet, financiando fabricantes de computador para incluírem seus protocolos aos protocolos dos computadores que eram fabricados. Após esse período, a NSFNET, gerenciadora dos backbones da ARPANET em 1990, foi encerrada, o que abriu as operações privadas na Internet.
Hoje em dia, o novo modelo tem de tecnologia é, primeiramente, informacional, pois a maioria dos agentes econômicos depende da produção, do tratamento ou aplicação de conhecimentos em informação. Isso significa que a informação se destaca dentro do contexto de produção capitalista, mas em si mesma, como produto do processo produtivo, ou seja, produzindo dispositivos de processamento de informação.
Dessa forma, os agentes da nova economia utilizaram-se de todo o aparato tecnológico do ciberespaço para organizarem-se nas estruturas de rede. A revolução informacional concedeu-lhes a base material concretizarem uma rede ainda mais global. A Internet, como ferramenta, sempre foi uma rede global de fluxos de informações, o diferencial foi a apropriação dessa base para se construir uma organização própria na rede mundial: redes de empresas, redes de comércio, redes de mídia, redes econômicas etc. A apropriação econômica da Internet é baseada em noção de rede e só foi possível com inserção da Internet na mercado.
Assim, os novos agentes econômicos puderam produzir atividades econômicas em um novo formato graças às reformas conservadoras neoliberais e aos privilégios da reestruturação na produção, com maior flexibilidade e alcance, movendo inclusive governos na competição e as leis do mercado, sem contar a produção simbólica de marcas, logos, materiais audiovisuais e o avanço da industria cultural, nunca antes visto com tanta agressividade. Não obstante, foi criado um espaço para dar vazão a uma convergência econômica diferenciada, constituída por fluxos de informação constantes, trazendo a tona novos tipos de negociações econômicas - que hoje se denomina de empresas que, não utilizam a Internet para produzir, como uma ferramenta midiática, ao invés disso funcionam através da Internet. Atualmente quase todo o trabalho interno da empresa, de relação com os provedores e de relação com os clientes, estão sendo praticadas pela Rede. Como exemplo, pode-se citar o que Castells chamou de “Modelo Cisco System,“nome da empresa produtora de 85% (oitenta por cento) dos equipamentos de telecomunicações da espinha dorsal da Internet no mundo, desde encaminhadoras a permutadores.” [28]
Dessa forma, 90 % (noventa por cento) das transações comerciais dessa empresa são efetuadas a partir de uma rede entre os provedores da empresa e seus clientes, sem que a empresa ofereça mais nada além da engenharia. Outras empresas que também se destacam nesse novo modelo de negócios são as de produção e processamento de informações, que obtém seus lucros com venda de informações, como o caso de portais como o IG (Internet Group) ou empresas de desenvolvedores de home-pages. Muitas vezes, essas empresas sequer existem materialmente, são empresas exclusivamente virtuais, que trabalham em redes sem um território físico, mas possuem alcances globais. Portanto, tendo em vista a demanda crescente das relações na rede, despontou um novo tipo de empresa, a informacional, que pode ser definida como aquela que presta serviços voltados às necessidades da própria distribuição ou produção de informações. Tais empresas são as especializadas em Tecnologias de Comunicação; em Microeletrônica; Provedores de Acesso, Criadores de Software, Sítios de Busca, Comércio Eletrônico etc.
3.2. Os recursos da Era Digital e os Direitos Autorais
Tendo em vista os novos paradigmas impostos às sociedades pelo marco digital, o direito autoral teve de ser modificado e adaptado. Durante tal processo, questões como a comprovação de que as categorias tradicionais do direito autoral podem se ajustar às formas de utilização das novas tecnologias, ou ainda, a insistência de se recorrer ao direito autoral para socorrer questões de alçada dos direitos intelectuais, tendo em vista este oferecer maior proteção que os outros ramos do direito relacionados ao assunto.
José Ascensão, não há uma opinião única a respeito da capacidade de proteção do direito autoral clássico diante das novas tecnologias. Alguns dizem que as leis devem ser reformuladas, outros afirmam que sua validade não foi afetada, sendo necessários apenas alguns ajustes. Tal diferença de posicionamentos ocorre também nas discussões internacionais sobre direitos autorais. Nas discussões da Convenção de Berna, prevaleceu a tese de elaboração tratados novos, sendo aprovados, em dezembro de 1996 em Genebra, dois tratados: “Tratado da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) sobre direito do autor” e o “Tratado da OMPI sobre interpretações ou execuções de fonogramas”. No entanto, apesar do esforço técnico em se elaborar novas normas, a orientação dos tratados era a de continuidade do direito clássico, apenas modificando o que fosse suficientemente para abranger novas situações.[29]
Aqui no Brasil o processo de reformulação ocorreu de maneira muito parecida, pois, a alteração da lei que rege a proteção dos Direitos Autorais, Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998, com poucas modificações da lei antiga nº 5.988, de 1973, acentuando-se apenas seu viés empresarial. As reedições da nova lei envolvem os novos desenvolvimentos tecnológicos: banco de dados, transmissões, armazenamento por meios eletrônicos e programas de computadores. A nova lei ainda mantém a unidade de proteção ao direito autoral e aos direitos conexos, como “direitos autorais”, que compõe os direitos de personalidade do autor.
Além do direito moral, os autores têm o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de suas obras. No que tange aos direitos patrimoniais, estes se esgotam em 60 anos, contados de 1° de janeiro do ano posterior ao de sua morte, cabendo aos sucessores o gozo dos Direitos Autorais. Já para obras audiovisuais e fotográficas, o prazo para o fim do monopólio sobre a obra é de 70 anos, contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação. Após esse período, as obras vão para o domínio púbico.
Não obstante, a Lei 9.610, em seu art. 28, afirma depender de autorização prévia e expressa do autor a utilização de sua obra, por qualquer modalidade:
I - a reprodução parcial ou integral;
II - a edição;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV - a tradução para qualquer idioma;
V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.
Qualquer utilização sem a autorização das obras descritas acima se caracteriza como contrafação, e as punições constam na Lei nº 10.695, de 2003, que, por sua vez, introduziu novas modificações no Código Penal a esse respeito.
Segundo o texto:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1ºSe a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4ºO disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
Como é possível verificar, as duas leis prevêem que a contrafação dos direitos autorais ocorre quando a obra é copiada, distribuída e oferecida ao público por qualquer meio ou suporte com intuito de lucro direto ou indireto. Ainda na Lei 9.610, art. 46, não é considerado crime aos direitos autorais “a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro” (art. 46, § II). Isso trouxe implicações negativas, tanto na compreensão do texto da lei quanto no uso privado da obra. O primeiro problema é referente à troca e ao compartilhamento das obras na Internet. Segundo ambas as leis mencionadas acima, as duas ações são crimes quando existe por trás das condutas o intuito de lucro, seja ele direto ou indireto. No caso da disponibilidade gratuita de obras, há uma grande discussão sobre se tal gratuidade estaria ou não influenciando nos lucros dos detentores dos direitos da obra.
Em caso positivo, se tais ações forem ilegais, ainda restaria decidir qual punição caberia aos referidos atos: se regime agravado (reclusão, de dois a quatro anos, e multa) ou se a regime minoritário (detenção, de três meses a um ano, ou multa). Não há qualquer explicação do que seja lucro direto ou lucro indireto nas leis mencionadas. Pode-se, portanto, argumentar a favor do compartilhamento de arquivos, entendendo-se que o lucro envolva algum resultado econômico. Entretanto, existe o argumento contrário ao compartilhamento de arquivos no que diz respeito ao lucro indireto, que aponta o quanto o usuário não gastou pela compra de algum item por encontrá-lo gratuitamente na Internet. Outro problema seria a definição precisa do que é considerado uso privado da obra. De acordo com José Ascenção, o direito autoral deve recair sobre o uso público da obra, deixando de existir a forma de uso privado. Entretanto, a partir do momento em que a lei de direito autoral passou a prever a inserção dos programas de computador, o uso privado também se tornou passível de regulação, pois o uso eventual de programas de computador, geralmente é privado, e uma limitação de regulação voltada apenas para o uso público invialibizaria qualquer exploração econômica de softwares no país. Porém, como o software é protegido pelo direito autoral no Brasil, suas limitações de uso privado se generalizaram para todas as obras protegidas por direitos autorais.