Resumo: O trabalho apresentado versou sobre o estudo no que tange às diretivas antecipadas de vontade como instrumento de otimização na outorga da doação de órgãos. Objetivou vislumbrar os aspectos da atual lei de transplantes e dos problemas atrelados a mesma no que tange ao fomento de doações. Analisou-se a questão do art. 4º que versa sobre a necessidade da outorga da família quanto a doação de órgãos do falecido. E dos problemas quanto a conscientização da sociedade e das famílias no tange à doação de órgãos, gerando uma diminuição nas doações. Conclui-se que as diretivas antecipadas de vontade são um eficaz instrumento na determinação da doação de órgãos, uma vez que, o indivíduo pleno, capaz e esclarecido opta em vida pela doação de seus órgãos post mortem e esta decisão deve preceder as demais.
Palavras-chave: Diretivas Antecipas de Vontade, Transplantes, Autonomia, Biodireito.
Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas
Introdução
A possibilidade de se transplantar um órgão exprimiu um significativo avanço para a medicina e para muitos uma oportunidade de sobrevivência. No Brasil, a atividade dos transplantes é realizada há anos, desde 1968 e as legislações atinentes a mesma vem se modificando de modo a uma maior adequação ao contexto atual. Não obstante, ainda vislumbramos óbices quanto o fomento à doação de órgãos, que perpassam desde a abordagem das equipes de transplantes aos familiares do falecido até a outorga do consentimento pelos mesmos para a doação dos órgãos.
E, nesse sentido a Lei nº 10211/2001 afere que é necessária a autorização expressa da família para que se efetive a doação de órgãos do falecido, gerando então um significativo empecilho quanto a materialização da decisão autônoma do indivíduo sobre o seu corpo post mortem.
O presente artigo objetivou a abordagem das Diretivas Antecipadas de Vontade como meio de fomento do aumento na política nacional de doação de órgãos, fundamentada na materialização da autonomia da vontade quanto a disposição do próprio corpo, materializada também pelo art.14 do Código Civil.
Introdução
A atividade de transplantes de órgãos no Brasil, realizada desde 1960 tem se mostrado bem consolidada. Dada a vital importância dos transplantes para pessoas fragilizadas por diversas doenças, ou estados congênitos, a gestão dos meios de fomento, a conscientização e desmistificação da população quanto à doação de órgãos se constituem como elemento crucial para que o sistema funcione eficientemente. Como afere Silva: “Questões como o relacionamento do indivíduo com os familiares, informações insuficientes para tomada de decisão da família e o desconhecimento da opinião do falecido a respeito da doação de órgãos, negação da morte, contexto sócio cultural, são aspectos geralmente apresentados pelos familiares e tem influência na atitude decisiva durante a entrevista (SILVA, 2010,p.76), para autorização da doação de órgãos.
Nesse sentido, a importância da manifestação do indivíduo quanto ao consentimento para a doação de órgãos fica evidente. E assim as Diretivas Antecipadas de Vontade se evedencia como um eficiente meio de determinação da vontade prospectiva do indivíduo que opta por doar ou não seus órgãos. E essa determinação deve predominar sobre o consentimento dos familiares.
Toda a fundamentação da doação de órgãos puramente gratuita concentra-se na solidariedade e no altruísmo, como um dever de todo ser humano. E, do panorama apresentado, extrai-se que há muito mais pessoas na fila aguardando por um transplante do que doadores altruístas e solidários. O que leva a crer que novas regras serão necessárias para o parque humano (SLOTERDIJIK,2000), pois o Humanismo clássico não esta sendo suficiente para fornecer respostas vivas para certas demandas vivas. (RODRIGUES, FERREIRA, 2013, p.96)
Discussão
As Diretivas Antecipadas de Vontade, possuem como cerne o resguardo aos diretos atinentes à autonomia privada nas escolhas do individuo em âmbito de cuidados à saúde. O documento de diretivas é definido pelo Professor Diogo Luna como: As diretivas antecipadas possuem como cerne uma autonomia prospectiva, uma vez que, o conteúdo do documento conterá a vontade do indivíduo em termos de aceitação e negativa de procedimentos médicos, quando este indivíduo já não estiver em condição de se expressar. Desse modo, sua vontade está resguardada pelo documento, podendo ser nomeado um curador que se responsabilize por realizar a vontade do indivíduo, agora em estado de incapacidade. (MOUREIRA, palestra 18 de julho, 2011)
“Cabe ressaltar que o documento de diretivas promove um respaldo a todos os envolvidos nas suas diversas etapas, desde a formulação até a execução do processo, tendo diversas consequências para os agentes que o compõem. Assim sendo, elenca-se uma gama de aspectos que possuirá uma considerável redução do temor de situações inaceitáveis, por já terem disposto de forma autônoma e pessoal sua vontade, o que expressa “respeito à individualidade do agente e efetivo acesso a tomada de decisões que o afetará quando da perda de sua capacidade e/ou consciência.”(GOIATÁ, BRAIA, 2011, p.8)
A ausência de um documento que salvaguarde a autonomia da pessoa humana, em se tratando de cuidados à sua saúde, gera inumeráveis dissabores, constrangimentos e inseguranças, a todos os envolvidos (médico, paciente, familiares e a casa julgadora) nos processos de morte, ou de autonomia perante a morte.
O advento da declaração de morte cerebral, viabilizando os transplantes, e das diretivas antecipadas vai demostrar que aquelas características gerais dos direitos de personalidade têm sido relativizadas quanto ao direito à vida e ao próprio corpo.(STANCIOLI, 2004 apud RODRIGUES, FERREIRA,2013)
Chegamos então à questão da autonomia quanto a determinação da disposição do próprio corpo no post mortem e nesse sentido o art. 4º da Lei 10211/2001 gera um antagonismo quanto a autonomia privada e autodeterminação.
A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte." (BRASIL, 2001: art. 4º).
Anteriormente a Lei 8489/92 previa em seu art. 4º o princípio da doação presumida, que definia que não constasse no documento de identificação (Identidade ou Carteira de Habilitação) do indivíduo a expressão “não-doador de órgãos e tecidos a doação era realizada sem a necessidade do consentimento da família.
O certo é que, embora tenha apresentado pontos negativos em sua essência, referida lei, incontestavelmente, teve o mérito de instigar o debate. Seria a doação de órgãos um ato de amor e desprendimento? Em caso positivo, por que a necessidade de uma lei que determinava que todas pessoas fossem doadoras em potencial, salvo manifestação de vontade em contrário, e nos demais casos previstos na lei?........Não há dúvidas de que o contexto, à época da promulgação da Lei, era de mudanças. E como mudanças dessa natureza sempre se processam, tendo o homem como protagonista, não foram poucos os problemas que surgiram em torno da situações criadas: problemas jurídicos, éticos e científicos.” (NAVES, SÁ, 2011, p.291-292)
Nesse ínterim, a determinação da família como tomadora de decisões no âmbito das doações geram alguns óbices no fomento à doação. Essencialmente esses óbices estão atrelados a ideologias religiosas e falta de conhecimento quanto o processo de transplante.
A negativa familiar em consentir a doação é citada como principal entrave na efetivação de transplante de órgãos (ROZA, THOMÉ, NETO, SCHIRMER,2009,p.45).
Ocorre que, em âmbito familiar, as diretivas poderão incidir como lenitivo, uma vez que, não serão necessárias as tomadas de decisões, que possivelmente acarretariam conflitos e sofrimento, já que a vontade do requerente já estará expressa e gerando efeitos.
A defesa do direito do individuo em determinar o destino de seus órgãos, bem como de emitir diretivas é legítima, com resguardo, desde que em observância a preceitos éticos e legais de nosso país, possuindo como norteador a autonomia da pessoa humana e os direitos de personalidade.
E ainda nessa perspectiva, sobre a autonomia afere DWORKIN: Há um consenso geral de que os cidadãos adultos dotados de competência normal tem direito à autonomia, isto é, direito de tomar por si próprios, decisões importantes para a definição de suas vidas. (2009,p.315)
Nesse aspecto, para que a autonomia do indivíduo supracitada, seja respeitada, as diretivas antecipadas de vontade possuem um papel central, preconizando as decisões relacionadas aos cuidados de saúde.
Desse modo, fazendo valer a autonomia do paciente que expressará sobre seu posicionamento concernente à qualidade de vida, de morte e da destinação de seu corpo post mortem.
Conclusão
Decorrente de uma análise sobre uma perspectiva critico-reflexiva podemos aferir que, o Brasil muito caminhou quanto as politicas de doação de órgãos. Não obstante, na sociedade ainda se vislumbra um grau deficiente no que tange ao conhecimento sobre a doação de órgãos e esta falta de informação ocasiona uma significativa escassez nas doações.
Conforme afirma o Ministério da Saúde, o Brasil hoje, possui o segundo maior progrrama de transplantes. Contudo, o país ainda apresenta um baixo indice de doação, o preconceito e a falta de conhecimento são grandes empecilhos quanto ao consentimento das famílias para a doação. Inúmeros fatores estão dispostos na complexa realidade dos transplantes de órgãos no Brasil. Esta complexidade se deve, além das questões técnicas, a diversos outros fatores. Como, por exemplo, a falta de conhecimento da população sobre o assunto, o qual se torna um dos motivos pelos quais as famílias brasileiras recusam a doação de órgãos e tecidos e, também, a falta de conhecimento da vontade do parente que está com morte encefálica, afirma a presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), Maria Cristina Castro. (NETO, SOUSA, 2013, p.2)
Nessa perspectiva, o documento das diretivas antecipadas de vontade possui em sua essência, o resguardo aos direitos concernentes à autonomia do paciente, objetivando uma maior amplidão e conhecimento da família e do corpo médico quanto as decisões do individuo no sentido da doação de órgãos.
Em face de uma sociedade pluralista, em que a autonomia privada e a autodeterminação são respeitadas, deve se falar na materialização da liberdade individual, que se dará em âmbito da doação de órgãos por meio das diretivas.
Enfim, ainda que sobre a vigência do art.4º da Lei 9434/97 que institui que para a materialização da doação de órgãos é necessária a outorga familiar, salientamos que as diretivas antecipadas ou qualquer documento que comprove o animus do individuo em dispor do seu corpo post mortem deve sobrepujar na designação quanto a doação de órgãos, sob pena de se desconsiderar a autonomia privada da pessoa.
O consentimento, ainda que com efeitos causa mortis, é direito personalíssimo e intransmissível. Apesar da Lei dizer o contrário, o sistema normativo permite constatar que a família deve ser consultada quando não houver documento que comprove a vontade do parente falecido, agora potencial doador.
Em razão dos vínculos afetivos, imagina-se que a família não expresse somente sua própria vontade, mas que consiga transmitir a vontade presumida do morto. Dessa forma, a doação de órgãos post mortem consusbstancia-se no respeito à autonomia, que pode ser exercitada inclusive por meio de suas diretivas antecipadas.
Referências
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