O direito constitucional da segurança. Celeridade no atendimento policial. A segurança jurídica da lavratura do termo circunstanciado de ocorrência por policial militar.
No mundo moderno a segurança pública ganha uma relevância indescritível, tornando-se um ‘bem’ imprescindível e fundamental ao cidadão, tamanha relevância não foi esquecida pelo constituinte brasileiro, pois o fez constar no caput do art. 5º e do art. 6º da Constituição da República estando insculpida a segurança como direito fundamental no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais (BRASIL, 1988, p.21-26):
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Nesse sentido, a doutrina constitucionalista pátria não fugiu ao debate acerca do tema abordado, sendo este o entendimento de Slaibi Filho:
Não basta ao indivíduo viver e ser livre – necessário também que sinta a segurança de que os bens alcançados por ele não lhe serão retirados. A insegurança das relações sociais (e, em consequência, jurídicas) é algo que irrita a personalidade individual, pois todos trazem em si o sentimento de que suas necessidades serão satisfeitas com os bens que alcançaram. (SLAIBI FILHO, 2009, p. 319)
Sendo assim quando não há a pacificação social diversas mazelas afligem a sociedade, aumentando-se o custo social e malogrando, por outro lado, os investimentos e aportes financeiros, os quais migram para outras regiões que proporcionam melhores condições, assim, conclui-se com Santin:
A segurança pública é um problema sério e a sociedade está aflita, tanto que o clima de insegurança pública até gerou a criação do Índice do Medo, pela Fundação Getúlio Vargas. O interesse pelo assunto tem ganhado importância social e os estudos começam a dar a correta dimensão de direito individual, social, difuso e até a qualificação como direito humano básico. (SANTIN, 2011, p.284)
Da mesma maneira, observa-se o magistério de SILVA (2003, p.753) “Na teoria jurídica a palavra ‘segurança’ assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica.”, dessa maneira, a segurança como direito fundamental é um dever que cabe ao Estado proporcionar aos seus cidadãos.
A Segurança Pública, hodiernamente, é um dos temas mais debatidos quer seja no âmbito acadêmico, em espaços públicos ou comunitários, quer seja em congressos internacionais, os quais buscam encontrar delineamentos para o controle do crime e da violência na atualidade, esse tema é tão relevante que foi incluído no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) por meio do Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009.
Em nosso país a Constituição Cidadã de 1988 em seu art. 144 delineia os órgãos incumbidos de prestar tal mister, além de esquadrinhar os direitos e deveres de todos envolvidos no processo de segurança pública ex vi “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”, contudo a segurança pública é uma atividade ampla que não há como definir ou delimitar de forma estanque, objetivamente, as atribuições de cada órgão, ao contrário, as atividades se permeiam, haja vista que todos buscam o mesmo desiderato constitucional, conforme delimitaram Ramos e Siqueira:
Todos os órgãos policiais exercem a atividade de segurança pública, a qual tem por escopo a integridade física e patrimonial do cidadão, sendo esses órgãos responsáveis pela manutenção e preservação da ordem pública, estando seus integrantes, sem exceção, investidos de função policial. Disponível em: <https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1030/R%20DJ%20Comen%20constitucional%20-%20adirson.pdf?sequence=1> Acesso em: 18 ago. 2014.
Ampliando o debate, pode-se entender na linha da melhor interpretação doutrinária que o direito à segurança pública é um direito difuso, por ser transindividual, indivisível, do qual são titulares um grupo de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ou seja, o direito difuso é aquele que pertence a um grupo indeterminado de pessoas, titulares de um objeto indivisível e que estão ligados por um vínculo fático, de acordo com Santin:
O serviço é gratuito, universal e indivisível, pois não há cobrança individual, destina-se a toda a coletividade e não pode ser dividido em frações de fruição, com a incumbência estatal de disseminar a sua presença e atuação em todos os lugares. O serviço de segurança pública deve ser prestado de forma integral, não parcialmente. (SANTIN, 2011, p. 287)
No entanto é pertinente concluir que o policial militar é o legítimo, mas não o único, mediador de conflitos e pacificador social, haja vista que na maioria das vezes este servidor público é o primeiro, quiçá, único agente público que entra em contato com determinadas comunidades, seja intervindo nos mais comezinhos problemas sociais (indicar um endereço, prestar os primeiros socorros, acolher menores e idosos, realizar um parto dentro da viatura policial, etc...), quer seja intervindo como braço armado do Estado, valendo-se da força necessária quando legalmente autorizado.
Nesse sentir, a Polícia Militar do Espírito Santo é pioneira na implementação de diversos projetos como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e Violência (PROERD), Banda Júnior, Equoterapia, Educação Ambiental e o carro chefe o da Polícia Comunitária, este ganhador, inclusive, de prêmios nacionais e internacionais, e tem como princípio e filosofia o contato contínuo com a comunidade engendrando esforços para trazer a paz social.
De outra banda, o legislador infraconstitucional em atendimento ao previsto no art. 98 da Constituição Federal, bem como seguindo a orientação da vanguarda da doutrina penalista, a qual gradua de forma diferenciada a potencialidade lesiva do crime, igualmente a da pena, entendendo-se que alguns ilícitos penais demandavam uma atuação mitigada do aparato policial e da justiça, legislou na criação da Lei Federal nº 9.099/1995, a qual instituiu os Juizados Especiais Criminais e os Juizados Especiais Cíveis, que instituiu, entre outras disposições, o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).
Entende-se que os crimes de menor potencial ofensivo ou pequeno potencial ofensivo são aqueles, dentro de um conceito jurídico, que possuam uma menor relevância para o ordenamento jurídico, considera-se como crimes de menor potencial ofensivo aqueles com pena máxima de até dois anos e todas as contravenções penais.
Desta maneira, o legislador proporcionou aos órgãos policiais excelente instrumento de pacificação social, o qual, em que pese dúvidas e debates doutrinários acerca da atribuição de qual autoridade policial deve confeccioná-lo, ou ainda se o policial militar poderia confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, na jurisprudência não existe dúvida, pois o Pretório Excelso, em precedente histórico, já decidiu pela pertinência do policial militar lavrar o TCO, no leading case em que a ADEPOL impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3954 contra o Estado de Santa Catarina pela atribuição do policial militar confeccionar o TCO através do Dec. Nº 660 de 26 de setembro de 2007, que regulamenta a Lei Complementar 339/2006 em seu artigo 68, parágrafo único, ou ainda em julgado de anos anteriores, através de ação direta de inconstitucionalidade de número 2.862-6, de São Paulo, impetrada perante o Pretório Excelso, onde a relatora, a eminente Ministra Cármen Lúcia no julgado de 26 de março de 2008 a qual não foi conhecida da ação à unanimidade de votos.
Da análise que se faz nas assentadas do Supremo Tribunal Federal é pertinente trazer à colação a transcrição de Lazzarini:
Tais fundamentos levaram o eminente Ministro Carlos Britto a acrescentar que “esse termo circunstanciado apenas documenta uma ocorrência”, no que concordou o Ministro Cezar Peluso, reafirmando que “Todo policial militar tem de fazer esse boletim de ocorrência”, seguindo-se o Ministro Carlos Britto com assertivas como: “Exato. Notícia o que ocorreu” [...] “Aqui se documenta, para que outrem investigue. É uma operação (investigação) exatamente contrária; é uma lógica contrária”. Por sua vez o eminente Ministro Ricardo Lewandowski afirmou: “É um mero relato verbal reduzido a termo”, afirmação esta a que o Ministro Carlos Britto disse: “Perfeita a descrição de Vossa Excelência”, concluindo, então, o Ministro Cezar Peluso: “É [o “termo circunstanciado”] a documentação do flagrante. (LAZZARINI, 2011, p. 392)
Ampliando o debate acerca do que foi posto até o momento, observa-se na lavra de Lazzarini:
Por essa razão a Constituição de 1988 não veda que a lei autorize outras autoridades públicas, agentes administrativos ou magistrados a lavrarem o ‘Termo Circunstanciado’, tema este que tem dado origem a grandes debates, inclusive no STF, que, na ADIN 2862, reconheceu que a lavratura do ‘Termo Circunstanciado’ pode ser realizada pelas Polícias Militares. (LAZZARINI, 2008, p.537)
Desta forma, da síntese que foi trazida até o momento, observa-se que resta esclarecida a legitimidade do policial militar em lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, como verdadeiro mediador de conflitos e pacificador social, assim, legitimidade ou legitimado, segundo Bobbio et alli:
Na linguagem comum, o termo Legitimidade possui dois significados, um genérico e outro específico. No seu significado genérico, Legitimidade tem, aproximadamente, o sentido de justiça ou racionalidade (fala-se na legitimidade de uma decisão, de uma atitude, etc). É na linguagem política que aparece o significado específico. Neste contexto, o Estado é o ente a que mais se refere o conceito de legitimidade. (BOBBIO et alli, 1998, p. 675)
Observa-se, também, que além da efetividade da confecção do TCO pelos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, outros como Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e o Distrito Federal tem experiências na confecção do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar, e até mesmo o Espírito Santo, o que, ao fim e ao cabo tem trazido um resultado bastante satisfatório quer seja para a comunidade quer seja para a Instituição.
O sucesso da implementação do TCO pela Polícia Militar em Santa Catarina mereceu um programa específico sobre o tema na TV Justiça, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CvEoj6k9KbU>; acesso em 18 de agosto de 2014, onde diversas autoridades, policiais, judiciárias e da sociedade em geral, enobreceram a atuação da polícia militar na confecção do Termo Circunstanciado de Ocorrência e a sua aceitação e aprovação pela população catarinense.
No mesmo sentido, observando-se o controle popular das ações da Administração Pública, concorda-se com o posicionamento de França apud Rawls:
Todos os cidadãos devem ter meios de informar-se sobre questões políticas. Deveriam ter condições de avaliar como certas propostas afetam o seu bem-estar e quais políticas promovem sua concepção de bem público. Além disso, deveriam ter uma oportunidade equitativa de acrescentar à pauta propostas alternativas para a discussão política. (FRANÇA, 2011, p. 119)
De tudo que foi dito até o presente, esclarece-se que em momento algum se busca usurpar, assumir ou ocupar as funções de polícia judiciária ou polícia de investigação tampouco as atribuições dos delegados de polícia, o que se pretende, em atendimento à própria Constituição Federal e a Lei é, entre outras questões, proporcionar a celeridade e a presteza da atividade policial, com segurança jurídica e respeito ao cidadão, já que cidadania não é simplesmente a capacidade de votar e ser votado, mas também, na linha de entendimento de Tavares:
Frise-se que a concepção de cidadania adotada pela Constituição de 1988 coincide com aquela introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e vincula-se, portanto, ao movimento de incorporação (internalização) dos direitos humanos. Como conteúdo mínimo da cidadania tem-se a impossibilidade de ser considerado o indivíduo a serviço do Estado, ou o indivíduo como instrumento do Estado, aqui, o conceito sobrepõe-se à tutela derivada da própria dignidade da pessoa humana (mais um aspecto evidenciado da consubstancialidade). (TAVARES, 2008, p.17)
Dessa maneira, pensamos que os membros da Polícia Civil estariam liberados dessas missões comezinhas para se dedicarem às suas missões constitucionais, principalmente a investigação criminal de ilícitos penais mais graves e que causam mais intranquilidade à sociedade, diminuindo uma cifra alta de não resolutividades dos inquéritos policiais, em apoio a tal entendimento colaciona-se o posicionamento de Lima
Afinal, não faz sentido que o policial militar se veja obrigado a se deslocar até o distrito policial para que o delegado de polícia subscreva o termo ou lavre outro idêntico, até porque se trata de peça meramente informativa, cujos eventuais vícios em nada anulam o procedimento judicial. (LIMA, 2013, p. 223)
A atuação dos profissionais da Polícia Civil, no pertinente aos crimes de médio potencial ofensivo e de maior gravidade, é tão importante e reconhecido que o legislador infraconstitucional atribuiu ao delegado de polícia, através da Lei 12.403/2012, a responsabilidade de aplicar fiança para os crimes com pena máxima de até quatro anos, independentemente da pena aplicada, ou ainda, conforme previsto na Lei 11.340/2006, aplicar algumas medidas protetivas em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Analisando a missão constitucional da Polícia Militar do Espírito Santo, observa-se que a filosofia da Polícia Comunitária coloca ombreada – PMES e comunidade, e que, o policial militar, mais do que mediador de conflitos sociais, torna-se, também, um pacificador social, pois grande parte dos acionamentos da Polícia Militar versa sobre ocorrência assistencial, preventiva e as de crimes de menor potencial ofensivo, conforme se comprova através da fala do Cel PMMG Alex de Melo, Diretor de Apoio Operacional, quanto ao percentual de ocorrências atendidas pela àquela Corporação, qual seja, 80% da demanda.
Sendo assim, percebe-se que, sendo o Termo Circunstanciado de Ocorrência confeccionado pela Polícia Militar, desonerará os delegados de polícia e seus investigadores, de tais incumbências e os proporcionará uma maior dedicação para os crimes de médio, maior potencial ofensivo e os ditos crimes do colarinho branco, ou ainda nas palavras de Toledo:
E de tal sorte que a justiça criminal, emperrada por uma enorme carga de delitos de pequena importância, possa afinal dedicar-se aos fatos e delinquentes mais graves que, desafiadoramente, ai estão crescendo e se multiplicando diante de nossos olhos atônitos. (TOLEDO, 2008, p. 20)
Considerando-se que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, conforme se comprova no que foi adotado quanto ao previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), bem como com o advento da Lei 12.403/2011 acerca da prisão e da liberdade provisória, essa ação da Polícia Militar atende ao pressuposto da celeridade na busca da pacificação social.
Assim como ilustrado com exemplos reais no Seminário - Polícia de Ciclo Completo e Eficácia da Persecução Criminal, acerca do atendimento de ocorrência a longas distâncias e os riscos de sinistros que envolvem servidores públicos e contribuintes, ocorre que, no Espírito Santo como em Minas Gerais, nos casos dos crimes de menor potencial ofensivo, em algumas localidades aonde não existe plantão da Polícia Judiciária quer porque não há delegacia de polícia ou por falta do Delegado de Polícia plantonista, pode-se citar, como simples exemplo, a localidades do Município de Mucurici que nestes casos a viatura tem que se deslocar até o Município de São Mateus para entregar a ocorrência, fato que traz transtornos ao policiamento, pois o desfalca, bem como traz riscos tanto aos militares estaduais quanto aos cidadãos, quando não muito o cidadão não possui recursos suficientes para o seu retorno a sua localidade ou ainda, é colocado em contato com delinquentes mais perigosos, nestes casos não se observa a pacificação social, mas sim mais transtornos e um serviço público prestado de maneira insatisfatória; num outro viés, nas situações acima expostas, observa-se, também, que há uma depreciação do material do Erário – desgaste de viatura, gasto de combustível e outros fatos que poderiam ser minimizados se o policial militar pudesse lavrar o Termo Circunstanciado, não obstante a ausência da viatura policial para seu mister constitucional, o policiamento ostensivo e preventivo naquela localidade.
Nota-se ainda, que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) é favorável que a Polícia Militar confeccione o TCO, pois tal fato traz segurança jurídica ao cidadão, pois se observa que, o Termo Circunstanciado de Ocorrência, quer seja confeccionado pelo Delegado de Polícia, quer seja confeccionado por Policial Militar não traz consigo nenhum vício, haja vista que no TCO não ocorre indiciamento algum, tampouco é feita qualquer investigação criminal acerca do fato, tanto que ao cidadão que assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial não deverá ser lavrado o Auto de Prisão em Flagrante Delito, privilegiando-se o direito a liberdade, nada obstante, veja-se o que leciona Avena
O termo circunstanciado não pode conduzir ao indiciamento do autor do fato. Isto se justifica em duas circunstâncias: primeira, a simplicidade que caracteriza esse termo, e, segunda, o fato de que o ato de indiciação conduz ao registro da imputação nos assentamentos pessoais do indiciado, o que não ocorre no caso das infrações de competência dos Juizados Especiais Criminais, relativamente às quais determina o art. 76, § 6º, da Lei 9.099/1995 que a sanção imposta em razão da transação penal não constará de certidão de antecedentes criminais e não produzirá efeitos civis. (AVENA, 2011, p. 224)
No fito de se contribuir para o debate mais amplo, cita-se ainda as lições de Prado:
A autoridade que deve lavrar o termo circunstanciado é aquela que tomou conhecimento do fato. Pode ser da Polícia Judiciária, da Polícia Militar, da Polícia Federal ou mesmo da secretaria do Juizado. Ademais, o princípio da informalidade se preocupa mais com a finalidade do ato do que com a forma. Se a finalidade é encaminhar os envolvidos ao Juizado, não importa quem o faça. (PRADO, 2006, p. 62)
No mesmo sentir caminha a opinião de Lima:
Na expressão autoridade policial constante do caput do art. 69 da Lei nº 9.099/95 estão compreendidos todos os órgãos encarregados da segurança pública, na forma do art. 144 da Constituição Federal, ai incluídos não apenas as polícias federal e civil, com função institucional investigativa da União e dos Estados, respectivamente, como também a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal e as polícias militares. O art. 69, caput, da Lei nº 9.099/95, refere-se, portanto, a todos os órgãos encarregados pela Constituição Federal da defesa da segurança pública, para que exerçam plenamente sua função de restabelecer a ordem e garantir a boa execução da administração, bem como do mandamento constitucional de preservação da ordem pública. (LIMA, 2013, p. 223)
Por tudo se observa que o contato mais estreito entre a Polícia Militar e o cidadão só tende a valorizar e fidelizar nosso parceiro na condução da Segurança Pública, visualizando-se assim, uma maior pacificação social, atendendo-se, também, ao princípio constitucional de proteção a dignidade humana, o qual, segundo Greco
Como princípio constitucional, a dignidade da pessoa humana deverá ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a orientar todo o sistema no que diz respeito à criação legislativa, bem como para aferir a validade das normas inferiores. (GRECO, 2009, p. 59)
No pertinente a otimização deste mecanismo de pacificação social é muito tranquilo, pois o TCO nada mais é do que um boletim de ocorrência mais bem elaborado, no tocante sobre o argumento acerca da tipificação do ilícito penal não se vislumbram problemas, pois nossos policiais militares possuem uma grande carga de direito penal nos cursos de formação e de habilitação, nada obstante que se aperfeiçoará o treinamento para a confecção de TCO.
Conta-se, em cada turno de serviço, com Oficiais de serviço, o Comandante do Policiamento de Unidade e também, do Chefe de Operações do CIODES, oficiais que além da expertise no serviço policial, passaram por uma formação com alta carga horária dos institutos jurídicos, possuindo pós-graduação latu sensu em Segurança Pública.
De outra forma ainda, a CF/88 diz que o detentor da ação penal é o órgão do Ministério Público, o qual é quem detém a opinio delicti, sendo assim, se houver algum erro acerca do enquadramento do crime não há maiores problemas, porque a palavra final é do Promotor de Justiça natural, e como foi ressaltada cada Unidade da PMES possui um Oficial como CPU e tem ainda a figura do Oficial COP para os esclarecimentos pertinentes, já nos casos em que houver indícios de crime mais grave o fato deverá ser conduzido à Delegacia de Polícia, todo esse entendimento se torna embasado em lições como as de Lopes Jr.
A lacuna surge na elaboração do termo circunstanciado, nos delitos de menor potencial ofensivo, previsto no art. 69 da Lei 9.099. não se trata nesse caso de inquérito policial, mas de um procedimento muito mais simples e célere, o mero termo circunstanciado, que nada mais é do que uma narrativa circunstanciada do ocorrido e a indicação do autor, vítima e testemunhas. Com base nesse argumento, algumas polícias militares dos Estados estão realizando os termos circunstanciados (um ensaio do “ciclo policial completo”, em que a mesma polícia que atende a ocorrência realizaria a investigação). (LOPES Jr, 2009, p.257).
No fito de elucidar nosso posicionamento, apoiados no que foi bem lembrado pelo palestrante Rogério Felipeto em sua abordagem ao insculpido no artigo 27 do CPP (BRASIL, 1941, p. 395), onde se ressalta que para que o representante do Ministério Público promova a ação penal pública basta que seja informado por qualquer do povo, observando que deverá ser feito de forma escrita e indicando a materialidade delitiva e os indícios de autoria, servindo para formar o convencimento do órgão do parquet:
Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Nesse viés, coloca-se, por primeiro, o entendimento de Nucci:
23. Delatio criminis ao Ministério Público: da mesma forma que qualquer pessoa está autorizada a comunicar a ocorrência de um crime à autoridade policial, para que haja, em sendo o caso, a instauração de inquérito policial (art. 5º, § 3º, CPP), é natural que o mesmo se dê no tocante ao Ministério Público, titular da ação penal. Assim, pode qualquer pessoa encaminhar ao promotor de justiça uma petição, requerendo providências e fornecendo dados e documentos, para que as medidas legais sejam tomadas. Não possuindo os documentos necessários, deve indicar o lugar onde possam ser obtidos, bem como todos os elementos para formar o convencimento do Estado-acusação. (NUCCI, 2013, p. 146).
No mesmo caminhar é o entendimento Choukr
A investigação criminal na modalidade inquérito policial é dispensável a teor do artigo em questão, relembrando que ‘a jurisprudência tem proclamado que não está o Ministério Público vinculado ao inquérito policial para promover a ação penal, podendo dispensá-lo se tiver elementos suficientes que caracterizam a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria’ (STJ – Superior Tribunal de Justiça Classe: RHCDJ Data>10/11/2003 p. 197, Relator(a) Laurita Vaz), não havendo qualquer tipo de nulidade na denúncia oferecida sem esta forma de investigação (STF – RT 558/421). (CHOUKR, 2009, p. 118).
Segue, o referido autor apoiado na jurisprudência pátria ex vi:
Conclui-se que ‘o inquérito policial, procedimento de natureza puramente informativa, não é peça indispensável a promoção da ação penal, exigindo-se tão-somente que a denúncia seja embasada em elementos demonstrativos da existência do fato criminoso e de indícios de sua autoria. Não é inepta a denúncia que descreve fatos que, em tese, apresentam a feição de crime e oferece condições plenas para o exercício de defesa (STJ – RHC – DJ Data: 21/10/1996 Página 40274 – Relator Vicente Leal)”; ‘No mais, quando o Ministério Público opta por dispensar o inquérito policial, pode ele proceder a investigações com o escopo de formar a opinio delicti, não sendo este fato, motivo apto a acarretar sua ilegitimidade para eventual denúncia (RMP 16/359)’. (CHOUKR, 2009, p. 118)
Observa-se, também, os ensinamentos de Oliveira e Fischer:
Nas ações penais públicas incondicionadas não há qualquer exigência ou formalidade para o conhecimento da existência da ação delituosa, desde que lícita a origem da informação. Quando ilícita, a questão oferecerá grande complexidade, conforme veremos ao exame do princípio dos frutos da árvore envenenada, no Capítulo atinente à prova. (OLIVEIRA e FISCHER, 2011, p. 79-80)
Veja-se, também, os entendimentos de Tourinho Filho:
Aqui se confere a qualquer pessoa do povo, ut civis, o direito de, nos crimes de ação penal pública incondicionada, provocar o exercício da ação penal pelo seu titular, no caso o Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria, indicando onde e quando o fato ocorreu e, inclusive, dando-lhe os elementos de convicção, isto é, as razões que levaram o delator a acreditar, ou a suspeitar seriamente, na responsabilidade do indicado como autor. (TOURINHO FILHO, 2012, p. 177)
A colação exaustiva de abalizada doutrina se faz necessário para comprovação que essa interpretação não é um posicionamento ou pensamento isolado ou que traga em seu cerne picuinha institucional, mas sim representa com a doutrina processualista penal pátria pensa sobre o tema, incluindo, inclusive, julgados dos tribunais superiores.
Na mesma toada, apoiados ainda, no posicionamento de Rogério Felipeto tem-se o § 3º, do art. 77 da Lei nº 9.099/1995:
§ 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do artigo 66 desta Lei.
Sobre a precariedade do termo circunstanciado de ocorrência cometa Lima:
Assevere-se que, se a omissão ou imperfeição do termo for de tal monta que dependa, inclusive, de novas diligências, ou mesmo se o fato for por demais complexo, deverá o promotor requerer a remessa do feito ao parquet perante o juízo comum, onde, melhor investigado e examinado, poderá ser oferecida denúncia escrita com o prosseguimento no rito amplo (§ 2º do art. 77). (LIMA, 2013, p. 71)
Assim, novamente, se comprova que o policial militar pode lavrar o referido TCO, pois se houver alguma mácula esta poderá ser sanada com a intervenção do órgão do parquet, deve-se pensar na otimização do serviço público e na satisfação do cidadão, este sequer precisando se deslocar para outros pontos das cidades no fito de apenas refazer uma ocorrência policial na delegacia que já pode ser feita pelo policial militar que atendeu a ocorrência.
Nesse caminho, pede-se vênia para transcrever o entendimento, apesar de denso, de Prado:
Doutrina: a) Termo Circunstanciado. Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes. Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato (...) A autoridade policial deve abster-se de qualquer investigação; se, todavia, dispuser de informações úteis, colhidas no momento do fato ou durante a lavratura do termo, é evidente que as encaminhará ao Juizado.
Damásio E. de Jesus: Um simples boletim de ocorrência circunstanciado substitui o inquérito policial (...) Talão de ocorrência da Polícia Militar – serve de autuação sumária (...) Entendemos, portanto, que, para fins específicos dispostos no art. 69 da Lei nº 9.099/95 a expressão ‘autoridade policial’ significa qualquer agente público regularmente investido na função de policiamento ou de polícia judiciária.
Jurisprudência e Encontros de Trabalho: Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar. Enunciado 34 do XVII FONAJE, Curitiba, 2005. (PRADO, 2006, p. 66).
Sabe-se que os problemas da segurança pública são maiores e não se resumem ao aspecto policial, mas por outro lado não se pode negar que as agências policiais são atores incontestes desse sistema e que tem buscado o seu aperfeiçoamento para bem servir a sociedade, tutelando-se o interesse público, assim, os ensinamentos de Barroso:
O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: Justiça, segurança e bem-estar social; O interesse público primário, consubstanciado em valores fundamentais como justiça e segurança, há de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional e democrático. (...) Em suma: o interesse público primário consiste na melhor realização possível, à vista da situação concreta a ser apreciada, da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intérprete cabe preservar e promover; A razão pública consiste na busca de elementos constitucionais essenciais e em princípios consensuais de justiça, dentro de um ambiente de pluralismo político. Um interesse não pode ser considerado público e primário apenas por corresponder ao ideário dos grupos hegemônicos no momento; Assim, se determinada política representa a concretização de importante meta coletiva (como a garantia da segurança pública ou da saúde pública, por exemplo), mas implica a violação da dignidade humana de uma só pessoa, tal política deve ser preterida, como há muito reconhecem os publicistas comprometidos com o Estado de direito. (BARROSO, 2009, p. 71-72).
Reitere-se à exaustão que não se busca usurpar nenhuma função de quem quer que seja, mas sim, busca-se um debate amplo, aberto e liberto das amarras classistas, porém na busca do interesse público, na melhor prestação do serviço público de segurança, pois até parafraseando um dos debatedores do Seminário – Polícia de Ciclo Completo e Eficácia da Persecução Criminal, o jornalista Eduardo Costa em sua palestra – Do jeito que “tá” não dá. Qual o caminho? Ou seja, do jeito que tá não dá para ficar. Não dá para toda vez que alguma categoria propõe mudanças em prol da coletividade um grupo tente emperrar o processo.
Relata-se o caso que aconteceu no Estado de Goiás onde a Polícia Rodoviária Federal estava confeccionando o Termo Circunstanciado de Ocorrência e o sindicado dos delegados de polícia ingressou com uma ação questionando a inconstitucionalidade.
Ocorre que a Advocacia Geral da União noticiou, em seu sítio eletrônico, na data de 26 de junho de 2014 que demonstrou, na Justiça Federal, que a Polícia Rodoviária Federal tem atribuição para lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), previsto no artigo 69 da Lei nº 9.099/1995, bem como do Boletim de Ocorrência Circunstanciado (BOC), previsto na Lei nº 8.069/1990.
A decisão permite que os policiais rodoviários federais tenham mais autoridade para exercer a patrulha ostensiva de trânsito nas rodovias brasileiras.
Na argumentação apresentada pela AGU o TCO e o BOC são entendidos como atos administrativos que consistem apenas na narrativa dos fatos presenciados pelas autoridades policiais (patrulheiros rodoviários federais – e não o delegado de polícia federal ou estadual), com a indicação dos elementos necessários para o oferecimento da denúncia do Ministério Público.
Assim, a Ação Civil Pública impetrada pelo Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do estado de Goiás (sindepol) contra a União para suspender o Termo de Cooperação nº 009/2013 firmado entre a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal e o Ministério Público do estado, alegando-se inconstitucionalidade do ato por atribuir aos policiais atribuições típicas da Polícia Civil não foi acatada pela 9ª Vara da Seção Judiciária de Goiás, haja vista ter o magistrado federal concordado com os argumentos apresentados pela AGU julgando improcedente a ação proposta pelo sindepol, destacando o juiz que ‘A lavratura de TCO ou BCO pela PRF atende ao princípio constitucional da eficiência previsto no art. 37 da Constituição Federal de 1988’; fatos referentes a AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 0036187-95.2012.4.01.3500 – 9ª Vara da Seção Judiciária de Goiás.
Dessa maneira ainda, não há que se falar em cometimento de crime de usurpação pública praticado por policial militar que fizer a lavratura do TCO, soando essa fala do órgão de classe, mais como um excesso de poder do que uma convicção jurídica fundamentada, senão vejamos o ensinamento do Greco:
Usurpação de função pública praticada por funcionário público. Existe controvérsia jurisprudencial sobre a possibilidade de poder o funcionário público figurar como sujeito ativo do delito de usurpação de função pública, haja vista a situação topográfica do art. 328 do Código Penal, que se encontra inserido no capítulo II, relativo aos crimes praticados por particular contra a administração em geral. (GRECO, 2008, p. 1.302).
Dessa forma, corrobora-se ainda com Franco e Stoco apud Prado:
Em outras palavras, mas com o mesmo sentido, Luiz Regis Prado esclarece que o “funcionário público também pode perpetrar o delito, desde que pratique função atribuída a outro agente público, devendo essa função ser totalmente estranha àquela em que está investido” (Curso de Direito Penal Brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Ed. RT, 2006, v. 4, p. 462)
Reiterando-se então, não se pode concordar que a confecção do termo circunstanciado de ocorrência por policial militar implica em usurpação de função pública, pois tal mister não é exclusividade do delegado de polícia, pois assim não está insculpido na Lei nº 9.099/1995 e a Lei nº 12.830/2013 fala em investigação policial, o que, ao fim e ao cabo não se faz nem se exige para o TCO e ainda, conforme afirmado por Prado, as funções não são totalmente estranhas ao serviço policial, em razão de todo arrazoado trazido neste artigo.