Aquisição de Imóveis Rurais por Pessoa Jurídica Estrangeira ou Pessoa Jurídica Brasileira Comparada à Estrangeira

Óbices da Questão

20/11/2014 às 15:29
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Análise jurídica acerca das restrições incidentes às pessoas jurídicas estrangeiras, ou à estas equiparadas, para fins de aquisição e arrendamento de imóveis rurais.

Análise do Processo Administrativo

Cumpre ressaltar que, enquanto não for publicada lei que regule completamente a aquisição e a utilização de imóveis rurais por estrangeiros, um investidor estrangeiro ou uma empresa brasileira controlada por estrangeiros só poderão adquirir uma propriedade rural, sem ferir o entendimento atual da AGU sobre o tema, mediante o respeito às condições cumulativas previstas na legislação específica sobre o tema.

Reforçamos que, mesmo respeitando os limites estabelecidos pela Lei Federal n º5709/1971, o investidor estrangeiro deverá solicitar a aprovação do INCRA e de outros órgãos governamentais para a aquisição de propriedade rurais. O prazo necessário para a obtenção da aprovação dependerá da análise de documentos específicos caso a caso, por todos os órgãos estipulados no esquema acima.

Sob este ponto, há um projeto de lei em andamento, que visa a reverter o efeito do Parecer AGU 01/2008 e relativizar as restrições sobre a aquisição ou o arrendamento de imóveis rurais no Brasil por empresas brasileiras controladas por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Esse projeto de lei deve ser examinado por comissões legislativas específicas, e ainda não é possível prever o momento de sua aprovação e sua consequente publicação.

Em virtude dos fatos expostos, verifica-se que, caso haja o interesse em aquisição ou arrendamento de áreas rurais por estrangeiros, será necessária a obtenção de autorização previa do Congresso Nacional ou INCRA, conforme o caso. Isto posto, poderia desenrolar-se em diversos anos ao longo do tempo, sem a certeza final de um parecer favorável.

Porém, a realidade atual é que mudanças futuras de posicionamento podem interferir significativamente nas conclusões ora alcançadas.

Limitação ao Principio da Função Social da Propriedade

O Direito de propriedade também é garantido constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXII, como princípio geral do sistema normativo da ordem constitucional de 1988.

Entretanto, a exemplo do que se observa relativamente ao princípio da isonomia, também estabelece o Constituinte Originário de 1988 limitações ao direito de propriedade, as quais devem ser observadas não só pelos destinatários das normas constitucionais, sejam eles os jurisdicionados ou os legisladores.

O limite ao poder de legislar também está claramente definido no texto constitucional, bem como os limites ao Poder de Reforma do texto constitucional. Isto porque nos exatos termos do que já se afirmou quanto ao principio da isonomia, em sendo a garantia constitucional do direto de propriedade também um daqueles direitos e garantias individuais fundamentais do texto constitucional, claro está que não poderá o Poder Constituinte Reformador estabelecer novos limites além daqueles previamente estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário.

Admitir o contrário, ainda que por Emenda Constitucional, seria o mesmo que admitir violação do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal e, conseguintemente, violar clausula pétrea do sistema. Nesse sentido, embora aConstituição estabeleça e garanta o direito de propriedade, também estabelece sua primeira condição de exercício, isto é, determina que ao exercer o direito de propriedade o proprietário deverá atender a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII).

Essa dupla normatização justifica o entendimento segundo o qual o direito de propriedade é essencial para a manutenção da ordem econômica e, não por acaso, também está mencionada entre os princípios dessa ordem, no artigo 170, incisos II eIII da Constituição. Assim, o direito de propriedade transcende o interesse individual e passa a ter relevância pública sem que, de outro lado, se reconheça e garanta sua natureza privatística.

De um lado, portanto, se garante o direito à propriedade individual e, de outro, se determina que esse mesmo direito deve garantir a todos existência digna, de acordo com os ditamos da justiça social.

Nesse aspecto, o direito de propriedade é considerado como uma situação jurídica subjetiva complexa, na medida em que os direitos individuais do proprietário devem ser exercidos dentro da delimitada esfera constitucionalmente desenhada para seu exercício. Não é à toa, portanto, que ao tratar do tema do direito de propriedade, aConstituição Federal a estabelece em várias vertentes, partindo do direito de propriedade sobre marcas e patentes e chegando a estabelecer claro tratamento diferenciado entre a propriedade urbana, como se observa do artigo 182, e propriedade rural, como acontece na observação do artigo 5º, inciso XXVI, bem assim em relação aos artigos 184, 185, 186 e, principalmente, em relação ao artigo 190.

Diante de sua importância e, principalmente, social, infere-se, portanto, o relacionamento direto do direito de propriedade com o exercício de sua função social. Eis neste aspecto real condição ao exercício do direito de propriedade e que independe de quem o exerça.

Isto porque, devendo a propriedade cumprir com sua função social, independentemente de quem a exerça, o seu não atendimento imporá ao proprietário limites ao exercício desse direito e, em ultima análise, a sua perda.

Quanto às propriedades rurais, a Constituição Federal estabeleceu especial desenho, a permitir uma visão simultaneamente pública e social dessa espécie de propriedade. Parte-se, portanto, do pressuposto de que a propriedade rural é relevante, não só ao indivíduo, mas socialmente, em relação a produção de riquezas, sobre as quais pesa o interesse público. Este, por sua vez, quando afrontado, deverá prevalecer sobre o interesse individual do proprietário.

Assim, pode-se afirmar que a propriedade rural atende sua função social quando é utilizada para produzir riquezas, na medida em que se respeita a sua localização e nela se utilizam os meios necessários, adequados e propícios ao seu melhor aproveitamento. Não é por outra razão que o artigo 186 da Constituição estabelece que a propriedade rural somente atende a sua função se:

a) é racional e adequadamente aproveitada

b) os recursos naturais nela disponíveis forem adequadamente utilizado

c) o meio ambiente é preservado

d) as relações de trabalho nela instauradas forem regularmente observados.

A par da preocupação com o atendimento de sua função social, a Constituiçãotambém estabelece regras que estimulam sua distribuição e incentivam a reforma agrária no que se refere à propriedade rural, a fim de melhor disciplinar a distribuição da propriedade no Brasil (artigos 184 a 191).

Limitação ao Principio da Isonomia

Como a forma de observância desses requisitos varia de propriedade para propriedade, compete à lei infraconstitucional estabelecer o mecanismo por meio do qual se estabelecerá, em cada caso, o atendimento dos requisitos atinentes à função social da propriedade. Se assim o é, há que se questionar em que medida o titular da propriedade no Brasil poderá, de alguma forma, sofrer limitações ao exercício do direito de propriedade rural se esse mesmo exercício, independentemente da nacionalidade de que o exerce, já sofre as necessárias limitações constitucionais e legais.

A esse respeito, é indiscutível que a Constituição Federal, preocupada com a questão, estabeleceu, claramente, limitação ao principio da isonomia aplicado ao exercício do direito de propriedade, criando discriminação constitucionalizada entre o exercício do direito de propriedade rural por pessoas nacionais e pessoas estrangeiras. Isto se dá, em razão do já citado artigo 190 da Constituição que estabelece, expressamente, que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá aos casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.

Assim, o artigo 190¹³ da Constituição Federal estabelece manifesta limitação, de um lado ao direito de propriedade e, de outro, ao principio da isonomia. Tal limitação é específica para o exercício do direito de propriedade rural, ou seu arrendamento, por pessoas jurídicas estrangeiras no Brasil.

Por se tratar de uma limitação ao principio da isonomia e por estabelecer fatos de discrimen que, em função das clausulas pétreas do sistema, somente poderia ser criado pelo Poder Constituinte Originário, não é admissível que a limitação ao exercício do direito de propriedade tenha interpretação extensiva. Daí porque, se aConstituição Federal estabeleceu a regra excepcional, especificamente para as pessoas estrangeiras, não se pode, sob qualquer título, ampliar a discriminação para qualquer espécie de pessoas nacionais, ainda que sejam pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro.

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Poder-se-ia questionar a esse respeito, redarguindo com a segurança jurídica do Estado brasileiro, diante da existência de pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro que adquiriam propriedade rural no Brasil. O questionamento, fundado na popularesca e primitiva teoria do medo, tem, na verdade, a manifesta intenção de restringir a participação estrangeira no sistema econômico brasileiro e, por via da torta interpretação do texto constitucional, criar óbices não legítimos, mas principalmente inconstitucionais.

Se a Constituição, em seu art. 190, não se referiu às pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro, não o fez porque de fato não foi essa a intenção e interpretação ampliativa da restrição, além de afrontar o principio da isonomia, não condiz com os princípios estabelecidos no artigo 170 da mesma Carta Política, in verbis:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional

II - propriedade privada

III - função social da propriedade

IV - livre concorrência

V - defesa do consumidor

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação

VII - redução das desigualdades regionais e sociais

VIII - busca do pleno emprego

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Fosse diferente o raciocínio, não haveria porque, na redação original do artigo 171, inciso II, se estabelecer o conceito de pessoa jurídica nacional de capital estrangeiro e deixar de utilizar a mesma definição na redação do artigo 190.

Institutos como a desconsideração da personalidade jurídica, estabelecida no artigo 50, por exemplo, poderiam ser facilmente utilizados para afastar o uso indevido da personalidade jurídica, quanto esta tiver, por exemplo, a preocupação desviada da finalidade, de agir na aquisição de propriedades rurais no Brasil.

Fato é, entretanto, que relativamente às pessoas jurídicas estrangeiras, e somente em relação a elas, é possível à lei infraconstitucional estabelecer controles e limites à aquisição de propriedade rural no Brasil, nos termos do que autoriza o artigo 190 daConstituição Federal.

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