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Ao determinar prisões, Juiz Federal faz defesa da delação premiada

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18/11/2014 às 08:15
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A propósito deste trabalho, como adendos, transcrevemos três matérias jornalísticas publicadas pela Folha de São Paulo, a saber:

1) Folha de São Paulo - 13/02/2013 

Advogados criticam lei que incentiva delação de crimes – De Brasília por Matheus Leitão e Andreza Matais: "Treze anos depois que a legislação brasileira passou a prever a delação premiada, alguns dos principais criminalistas do país se recusam a aceitar clientes que denunciam esquemas criminosos.A legislação estimula criminosos a colaborar com investigações criminais em troca de benefícios como redução da pena em até dois terços e até o perdão judicial."Eu não trabalharia para ninguém que fizesse a delação", afirma o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que tem entre seus clientes governadores e parlamentares. "Não sou do Ministério Público e não sou polícia."O caso mais notório de delação premiada no Brasil permitiu comprovar o envolvimento do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e de dezenas de políticos no esquema de corrupção conhecido como mensalão do DEM, no fim de 2009.O ex-secretário do governo Durval Barbosa filmou durante meses encontros em que distribuiu propina aos políticos beneficiados pelo esquema, e depois entregou o material às autoridades.Barbosa obteve nove perdões judiciais, oito na área criminal e um na cível, por ter colaborado com a investigação. "O caso é sem precedentes no Brasil e desafiador", diz a advogada Margareth Almeida, que defende Barbosa.O desembargador George Lopes Leite, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, escreveu que concedeu os perdões para incentivar "a delação premiada de organizações que não possam ser alcançadas pelos sistemas tradicionais de investigação".Para o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, o Estado não deveria incentivar alguém a trair seus pares, mesmo que para denunciar um esquema criminoso."Não gosto da instituição da delação premiada. Mexe com os piores instintos do ser humano", afirma Thomaz Bastos, que no ano passado defendeu o ex-executivo do Banco Rural José Roberto Salgado, um dos condenados no julgamento do mensalão.O doleiro Lucio Bolonha Funaro, dono de uma empresa que repassou recursos do mensalão, foi excluído do processo após concordar em colaborar com a Procuradoria-Geral da República.Outros advogados que atuaram no caso criticam o instituto da delação premiada por considerá-lo ineficaz. "Quem troca a liberdade vai dizer o que quer que digam", afirma Arnaldo Malheiros, que defende o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.O advogado José Luís de Oliveira Lima, que defende o ex-ministro José Dirceu no mensalão, também considera a eficácia da lei duvidosa. "Procuro não atuar [com o instrumento]", diz. "Não é algo com que me sinta confortável."Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, que já homologou diversos acordos de delação premiada, a resistência dos advogados tem outra razão. "A opção pela não delação passa a ser vantajosa porque sabe-se que, de alguma forma, o processo criminal não vai ser eficaz", afirma.Há dezenas de projetos no Congresso para reformar a legislação sobre o tema. O mais avançado está em discussão no Senado e cria mecanismos que podem incentivar os acordos com os delatores. Se o projeto for transformado em lei, na maioria dos casos caberá aos juízes apenas homologar os acordos feitos pelo Ministério Público, sem que possam rejeitá-los como hoje, e réus poderiam se tornar colaboradores mesmo após a sentença judicial."

2) Folha de São Paulo - 13/02/2013 

Análise: Delação premiada é precioso meio de prova, mas ainda faltam regras – De Brasília por Celso Vilardi (advogado criminalista, coordenador e professor do programa de Pós-Graduação em Direito Penal Econômico da Direito GV Law): "A delação pode ser traduzida como uma traição premiada. Daí porque sempre foi estigmatizada. Apesar das críticas de ordem ética, a delação premiada é um importante instrumento de investigação e vem sendo utilizada em países em que o Estado democrático de direito é efetivo.Com o aumento da criminalidade, em especial da organizada, a delação é um precioso meio de prova, propiciando revelações que só um membro da organização poderia fazer e, com isso, favorecendo processos e condenações de criminosos perigosos.Nem por isso, vale ressaltar, a palavra do delator deve ser considerada como verdade absoluta. Ao contrário, a delação precisa ser confirmada por outras provas ao longo do processo, sob o crivo do contraditório.A delação tem sido utilizada com frequência cada vez maior, mas seus resultados, até o momento, são apenas razoáveis. Isso porque o ordenamento carece de regras que regulem a forma como a delação deve ser negociada, formalizada e investigada.Por exemplo, não há nada que impeça o juiz de participar das negociações. O magistrado deve ser imparcial, cabendo-lhe analisar se o conteúdo da delação pode embasar um decreto condenatório e o grau de benefício merecido pelo delator.Da mesma forma, não foi estabelecido o momento em que a delação deve surgir nos autos, nem se o conteúdo deve ser exposto na íntegra. Mesmo quando a delação deixa de ser secreta, nossas autoridades insistem em esconder a íntegra do depoimento, sob o argumento de que não se deve expor o delator.Ora, se a delação pode livrar um criminoso da prisão, é necessário que suas palavras sejam confrontadas, especialmente para se certificar de que são verdadeiras.Se há risco à sua integridade física, cabe ao Estado tomar providências para impedir qualquer agressão, sem, contudo, restringir importante debate sobre um tema que pode gerar graves consequências para as partes envolvidas."

3) Folha de São Paulo - 14/02/2013 

Presidente da OAB quer debater delação premiada – De Brasília por Alan Marques/Folhapress: "O presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, disse que irá propor ao colegiado discutir se a delação premiada é constitucional. Ele disse que tomou a decisão após a Folha noticiar ontem que criminalistas não aceitam clientes que queiram colaborar com investigações em troca de benefícios como redução da pena. Caso a OAB avalie que a delação é inconstitucional, ela pode questioná-la no Supremo Tribunal Federal. A próxima reunião ocorrerá nos dias 11 e 12 de março. A OAB vai avaliar se o estímulo à delação, pelo Estado, fere ou não os princípios constitucionais. "A lei deve sempre indicar condutas sérias, moralmente relevantes e aceitáveis", disse o Procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira, autor de vários artigos sobre o assunto. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, definiu como "exótico" o questionamento da OAB. "O que importa ao estado é elucidar legitimamente o crime."


Notas

[1] Conferir o documentário Quebrando o Tabu – Um Filme em Busca de Soluções para o Fracasso da Guerra às Drogas (direção de Fernando Grostein Andrade), de cuja sinopse lê-se: “Há quarenta anos os Estados Unidos levaram o mundo a declarar guerra às drogas, numa cruzada por um mundo livre de drogas. Mas, os danos causados pelas drogas nas pessoas e na sociedade só cresceram. Abusos, informações equivocadas, epidemias, violência e o fortalecimento de redes criminosas são os resultados da guerra perdida numa escala global."

[2] O art. 17 da Lei nº. 11.340/2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mullher, veda “a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.” E, como já foi referido, o art. 41 desta mesma lei proíbe a aplicação de todos os dispositivos da Lei nº. 9.099/95 quando se tratar de violência doméstica ou familiar, o que nos parece, à luz da isonomia constitucional e do princípio da proporcionalidade, uma clara inconstitucionalidade. Neste sentido conferir a nossa obra sobre a Lei Maria da Penha, em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães, Salvador: Editora JusPodivm, 2008.

[3] Lei dos Juizados Especiais Criminais (com Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 110.

[4] Observa-se que a expressão “culpabilidade” não está inserida como requisito subjetivo para a proposta de transação (art. 76, § 2º., III).

[6] Aliás, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de homologar a transação penal em caso de competência por prerrogativa de função. O Ministro Cezar Peluso homologou proposta de transação penal  realizada entre o Ministério Público e uma Deputada Federal. A Petição (PET) 3871 foi ajuizada pelo Ministério Público para solicitar apuração da participação da acusada em boca-de-urna, propaganda partidária, realizada nas eleições de outubro de 2006, delito previsto no artigo 39, parágrafo 5º, inciso II, da Lei nº. 9.504/97. O relator enviou os autos ao procurador-geral da República, que elaborou proposta de transação penal: “doação de três cestas básicas, no valor individual de R$ 80,00, uma vez por mês, pelo período de quatro meses, devendo a autora do fato, mensalmente, juntar aos autos comprovante do cumprimento da medida imposta.” Um senador, investigado no Supremo Tribunal Federal pela prática de crime eleitoral, concordou com a proposta de transação penal feita pela Procuradoria Regional Eleitoral e ratificada pela Procuradoria Geral da República, e vai doar, mensalmente, uma série de medicamentos para a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, pelo período de um ano. O ministro Marco Aurélio, relator do Inquérito (INQ 2539) que tramita na Corte contra o senador, homologou a transação, pela qual o parlamentar se comprometeu a doar para o hospital, por mês, 5 frascos de albumina humana, 500 cápsulas de Cefalexina, 3 ampolas de Clexane, 5 ampolas de Mathergan, 5 frascos de Maxcef e 100 comprimidos de Espironolactona. Todo mês, ressaltou o ministro, o senador deve encaminhar os documentos comprovando o cumprimento de sua obrigação. Fonte: STF.

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[7] A Terceira Velocidade do Direito Penal seria o chamado “Direito Penal do Inimigo”.

[8] A Expansão do Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 145, 147 e 148 (tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha).

[9] Em conferência realizada no Brasil, em Guarujá, no dia 16 de setembro de 2001, Zaffaroni contou a parábola do açougueiro: “El canicero es un señor que está en una carnicería, con la carne, con un cuchillo y todas esas cosas. Si alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comércios que dijeran: ‘Banco de Brasil’, Agencia de viages’, ‘Médico’, ‘Farmacia’, y los pegara junto a la puerta de la carnicería; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pedirían pasajes a Nueva Zelanda, intentarían dejar dinero en una cuenta, le consultarían: ‘tengo dolor de estómago, que puede hacer?’. Y el carnicero sensatamente responderia: ‘no sé, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, a otro lugar, consultar a otras personas’. Y los feligreses se enojarían: ‘Cómo puede ser que usted está ofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y después de no presta el servicio que dice?’. Entonces tendríamos que pensar que el carnicero se iría volviendo loco y empezaria a pensar que él tiene condiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas de dolor de estómago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esas cosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estómago agujereado, el otro pierda el dinero, etc. Pero si los feligreses también se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran al carnicero; el carnicero se vería confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo.” Conclui, então, o mestre portenho: “Bueno, yo creo que eso pasó y sigue pasando con el penalista. Tenemos incumbencia en todo.”

[10] Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 1995, p. 2.074.

[11] Por todos, leia-se a excelente obra de Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000.

[12] Natália Oliveira de Carvalho, A Delação Premiada no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 78.

[13]https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=16323&Id_Cliente=10487

[14] Manual da Inquisição, por Nicolau Eymereco, Curitiba: Juruá, 2001, (tradução de A. C. Godoy).

[15] Hoje, inclusive e principalmente a doutrina estrangeira, prefere a expressão “colaboração processual”, ainda que tal colaboração se dê, também, na fase pré-processual, como informa Eduardo Araújo da Silva (Boletim do IBCCrim. nº. 121, dezembro/2002).

[16] Crimes Hediondos, LEUD, 4ª. ed., p. 126.

[17] Heloísa Estellita: "A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legal." Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 202, p. 2-4, set. 2009. Para nós é tremendamente perigoso que o Direito Positivo de um país permita, e mais do que isso incentive os indivíduos que nele vivem à prática da traição como meio de se obter um prêmio ou um favor jurídico.

[18] Apud Paulo Rangel, in Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7ª. ed., 2003, p. 605.

[19]https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=14287&Id_Cliente=10487

[20] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed. 1991, p. 60.

[21] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ano 13, nº. 154, setembro/2005, p. 9.

[22] Direito Penal, 4ª. ed. Tomo. III, p. 140, 1984.

[23] "Barganha e acordos no Processo Penal: crítica às tendências de expansão da justiça negociada no Brasil", publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal - IBRASP, Ano IV, nº 06, ISSN 2237-2520, 2014/01, p. 6/8. O autor é Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS. Pós-graduado em Justiça Penal pela Universidade Castilla-La Macha (Toledo/Espanha). Bacharel em Direito pela PUCRS. Bolsista de Iniciação Científica CNPq/PIBIC (2009/2012).

[24] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Ao determinar prisões, Juiz Federal faz defesa da delação premiada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4157, 18 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34071. Acesso em: 19 abr. 2024.

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