1.Introdução
O objetivo central do presente estudo é analisar a dissolução judicial de sociedade anônima por quebra da affectio societatis entre os sócios. Para tanto, é preciso encarar a discussão acerca da existência de affectio societatis nas sociedades anônimas, que, de longa data, vem povoando os debates em matéria societária; isto até em função das implicações que o seu reconhecimento pode causar em diversos institutos concernentes à matéria. Veja-se o relato de Fábio Konder Comparato: [1]
"Rejeitada pela doutrina moderna, como noção inútil à compreensão do mecanismo das sociedades mercantis, sobretudo das anônimas, a affectio societatis manifesta grande teimosia em sobreviver a essa universal condenação ao silêncio. Ela renasce, com o próprio nome ou outra terminologia, como elemento indefectível da estrutura e funcionamento das sociedades. Mais ainda: ela se instala em campo que tradicionalmente se lhe considera estranho, o das chamadas sociedades de capitais, em manifesta comprovação de sua operatividade, em termos de interpretação jurídica."
É de ofuscante nitidez, com efeito, que o reconhecimento da affectio societatis acarreta, necessariamente, profundas alterações no que diz respeito a interpretação dos fatos sociais [2]. Se há, na sociedade, o desejo dos sócios de operar unidos por interesses comuns, certamente os contratos – v.g. acordos de acionistas – e relações internas hão de ser vistos, analisados e interpretados sob o prisma da confiança mútua, e, obviamente, na ótica dos interesses convergentes. O que, em princípio, iria contra o conceito clássico de sociedades de capitais.
A matéria revela-se, portanto, de suma importância para o direito societário, e possui especial relevância ao tema do presente trabalho.
Do ponto de vista formal não se reconhece a affectio em sociedades anônimas uma vez que essa estrutura societária consistiria, necessariamente, em uma sociedade de capitas. Parte-se da premissa de que, como "o colégio de acionistas pode ser total ou parcialmente substituído ou modificado pela simples transferência de ações", [3] a sociedade anônima seria, necessariamente, uma sociedade de capitais, pouco importando as pessoas de seus sócios para a consecução do objeto social, o que demonstraria seu caráter institucional, revelando-se, pura e simplesmente, de uso para o desenvolvimento da grande empresa.
Há acórdãos dos nossos tribunais que adotam tal posição:
"Ação de Dissolução de Sociedade Anônima. Impropriedade de averiguação da ‘affectio societatis’ por não tratar-se de sociedade de pessoas. Inocorrência de qualquer das hipóteses elencadas no art. 206, II da Lei 6.404/76. Não provimento do recurso" (Ac. Un. da 3ª C.C. do TJRJ – Ap. Civ. nº 97.001.3734 – Rel. Des. Galdino Siqueira Netto – j. 29.07.97 - Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 4, pp. 159-160).
"SOCIEDADE ANÔNIMA – Retirada de Acionista – Pretensão à dissolução parcial – Inadmissibilidade por tratar-se de pedido juridicamente impossível – Espécie societária que possui procedimento próprio consistente no direito de recesso do sócio – Inteligência da Lei 6.404/76.
"A pretensão de dissolução de sociedade anônima em virtude de retirada de acionista traduz-se em pedido juridicamente impossível, pois, como prevê a Lei 6.404/76, esta espécie societária não admite a dissolução parcial, mas procedimento próprio pelo direito de recesso do sócio, consistente no resgate, amortização e reembolso das ações do acionista dissidente" (Ac. Un. da 2ª C.C. do TJSP – Ap. Civ. nº 2.818.4/2 - Rel Des. Linneu Carvalho - j. 14.10.1997 – Revista dos Tribunais nº 749, pp. 258-259).
"Sociedade Anônima – Dissolução parcial – Inadmissibilidade – A dissolução parcial é figura incompatível com a lei das Sociedades Anônimas – Sociedade que é de natureza fechada, composta por três irmãos – Irrelevância – A retirada de sócio deve se dar nos termos da legislação pertinente. Recurso Provido" (Ac. Un. do TJSP – Ap. Civ. nº 26.884.4/8 - Rel Des. Linneu Carvalho - j. 17.03.1998 – in Paulo de Lorenzo Messina e Paula Forgioni. "Sociedades por Ações. Jurisprudência. Casos e Comentários". São Paulo, RT, 1.999, pp. 352-353)
Todavia, apesar de concordarmos que a sociedade anônima foi criada para ser o instrumento de desenvolvimento da grande empresa, não se pode olvidar que o instituto veio, também, preencher os anseios dos empresários; isto no que se refere, especialmente, ao conceito de patrimônio separado e continuidade das empresas depois da morte dos fundadores. Confira-se, a esse propósito, a arguta lição de Tullio Ascarelli, in verbis:
"De um lado na evolução do instituto, foi campeando o conceito de patrimônio separado; o benefício da responsabilidade limitada levou também pequenas empresas e constituir-se como sociedades anônimas; multiplicaram-se as sociedades anônimas familiares; os negócios individuais se transformaram em sociedade anônima, para facilitar assim a sua continuidade depois da morte dos fundadores, ou em conseqüência desta; negócios individuais, constituíram-se, por meio de óbvios artifícios, como sociedade anônima para gozar do benefício do exercício do comércio com responsabilidade limitada. Nem sempre a existência da sociedade por quotas de responsabilidade limitada exclui essa utilização da sociedade anônima." [4]
Essas sociedades – anônimas fechadas – foram (e são) constituídas, basicamente, por grupos de pessoas, com interesses convergentes; não possuem "vida própria" pois têm o seu funcionamento e existência relacionados, diretamente, a pessoa dos sócios fundadores; são verdadeiramente intuito personae, e possuem, deste modo, inegável affectio societatis.
Não fossem estes casos, a antiga ordem econômica deu lugar a um ambiente extremamente competitivo e dinâmico, e o mundo dos negócios que estava governado por uma dicotomia entre grandes corporações e pequenas empresas, sofreu com a reviravolta da revolução tecnológica. Hoje as pequenas e médias empresas (sociedades essencialmente de pessoas) encontraram-se diante de uma economia globalizada necessitando de uma estrutura societária que acompanhe sua evolução.
Neste contexto, a lei 6.404/76 oferecia a possibilidade de se criar sociedades anônimas fechadas, com a vantagem de oferecer, às pequenas e médias empresas, uma estrutura societária muito mais moderna que a oferecida pela estrutura de sociedade limitada.
Diante desse novo quadro jurídico e econômico o empresário [5] leva em consideração diversos fatores para a escolha do tipo societário. Dentre eles está uma maior facilidade para buscar recursos no mercado, o que possibilita a utilização das ferramentas de leverage (alavancagem), postas a disposição pelas instituições financeiras primordialmente para as anônimas em razão dos deveres que elas têm de prestar informação [6], estatuídos em lei.
São diversos os estes deveres (Capítulo XV da lei de sociedades anônimas) – com penalidades e responsabilidades na hipótese do seu descumprimento – que encontram-se, primordialmente, na Seção IV do Capítulo XII da lei 6.404/76. Tais normas, por óbvio, dão muito mais segurança aos investidores e às instituições financiadoras, o que possibilita a maior disposição de recursos às Sociedades Anônimas, e isso justifica, em parte, a utilização deste tipo societário, por parte dos empresários, quando da constituição das sociedades.
Além disso, há outros aspectos que os empresários levam em consideração na criação de uma sociedade que influenciam no tipo societário a ser escolhido. Dentre eles vale destacar, à guisa de exemplo, que: (i) "a falência da sociedade anônima não atinge os acionistas, bem como a falência de qualquer acionista não afeta a sociedade" [7]; (ii) "os credores da sociedade não podem singularmente cobrar os acionistas por dívidas de subscrição do capital social" [8]; e, (iii) a própria finalidade da sociedade a ser criada, muitas vezes, obriga a constituição na forma de uma S.A., como no caso das seguradoras ou instituições financeiras.
Dentre as que possuem uma finalidade específica, destaca-se as sociedades holdings – de que já falava Ascarelli: [9]
"A ligação entre várias empresas, instrumento de uma ulterior concentração industrial, com freqüência com tendências monopolisticas, pode, por seu turno, encontrar o seu instrumento jurídico na sociedade anônima; acentua simultaneamente, o poder do grupo que, controlando a sociedade-chave, controla, assim, também, as demais."
As sociedades holding – que têm por objetivo, primordialmente, controlar outras sociedades — não visam à produção ou circulação de mercadorias e serviços, e, são, muitas vezes, constituídas de modo a atender ao interesse comum e particular de seus sócios, viabilizando, assim, uma melhor organização da estrutura social.
Nestes casos, é comum que os estatutos limitem a circulação das ações. O que, diga-se de passagem, reforça a presença do intuitu personae, e, por conseqüência, da affectio societatis nessas sociedades.
Assim, pode-se perceber – nessa demonstração não exaustiva – que a escolha do tipo societário está muitas vezes atrelada a fatos diversos de uma mera distinção entre sociedades de capitais e sociedades de pessoas. Essa escolha está muito além destes conceitos que não devem se sobrepor ao interesse empresarial.
Nessas sociedades, portanto, a manutenção da affectio societatis revela-se imprescindível à continuação da atividade empresarial, e, desse modo, o desentendimento entre os sócios pode tornar inviável o seu prosseguimento. Dentre os recursos disponíveis para a solução desse impasse – esgotados os meios negociais – encontra-se o procedimento judicial de dissolução de sociedade, objeto do presente estudo, que será pormenorizadamente analisado na seqüência do trabalho.
2.Sociedade Anônima – intuitu persone X intuitu rei
Esclarecido que a escolha do tipo societário é opção do empresário – muito além de uma mera distinção entre sociedade de pessoas e sociedade de capitais – e que, além disso, no jogo das vicissitudes do mundo dos negócios os empreendedores devem ter estruturas societárias que viabilizem o objeto social da empresa, garantindo a sua expansão e crescimento; passaremos, então, a demonstrar que a distinção entre sociedade intuitu personae e intuitu rei não pode ser encarada de forma dogmática, na base da petição de princípio – como se toda sociedade anônima fosse necessariamente intuitu rei – escondendo-se, avaramente, as razões que levaram a essa precipitada conclusão – dando por demonstrado o que se está mesmo por demonstrar.
É corrente encontrarmos na doutrina a seguinte assertiva: sociedades anônimas são sociedades de capitais (intuitu rei), e somente as sociedades limitadas seriam sociedades de pessoas (intuitu personae). Dentre os que defendem essa tese está José Edwaldo Tavares Borba:
"As sociedades de pessoas têm no relacionamento entre os sócios a sua razão de existir. A vinculação entre os sócios funda-se no intuitu personae, ou seja, na confiança que cada um dos sócios deposita nos demais. As cotas são assim, intransferíveis, a fim de que não ingresse um estranho na sociedade.
Nas sociedades de capitais inexiste esse personalismo. Cada um dos sócios é indiferente a pessoa dos demais. O que ganha relêvancia nessa categoria de sociedades é a aglutinação de capitais para um determinado enpreendimento.
Desse modo, enquanto na sociedade de pessoas o quadro social deve manter-se constante, na sociedade de capitais a mutabilidade dos sócios é a regra." [10]
No entanto, essa definição, assim como as demais que encontramos na doutrina, ao que tudo indica, trata o assunto vislumbrando uma sociedade anônima idealizada. Ou seja, para concluir que as sociedades anônimas são intuitu rei utiliza-se como parâmetro a grande sociedade anônima com capital pulverizado em bolsa, onde a gerência é conduzida por profissionais sem a interferência direta dos proprietários, tratando-se, em verdade, de uma verdadeira instituição.
Como se sabe, essas não são, nem constituem, a maioria das sociedades anônimas no Brasil. Na realidade, tomando por base o nosso país, elas são franca minoria. Assim, da mesma forma que não é lícito partir da exceção para se chegar à regra, não se pode partir das anônimas abertas com o capital pulverizado para concluir que não há intuitu personae em sociedades anônimas, instituindo um dogma jurídico que se importa pouco ou nada com o que acontece no mundo real.
Ultrapassando a barreira do dogmatismo jurídico, ao analisar uma sociedade anônima, e tentar extrair sua natureza – se pessoal ou de capitais –, é preciso que o jurista não se envergonhe em lidar com os fatos sociais. Isso porque ele só conseguirá desvendar se a sociedade tem ou não caráter intuitu personae, ao investigar, detidamente, estes fatos. Assim o fez, com a perspicácia que lhe é habitual, o Prof. Fábio Konder Comparato, ao analisar a teoria institucional das sociedades anônimas:
"Não há dúvida de que o fenômeno do controle gerencial constitui poderoso argumento em favor da teoria institucional da sociedade anônima. Se o poder de controle na empresa não mais se funda na titularidade acionária e transcende de certa forma a vontade – individual ou coletiva – dos acionistas, parece impossível reduzir o mecanismo social aos modelos do contrato ou da propriedade privada. Estamos diante de uma personalização da empresa, subtraindo-a a qualquer vinculo de natureza real com os detentores do capital societário, e aproximando-a, até a confusão, de uma espécie de fundação lucrativa. É a instituição-empresa, dissolvendo completamente a affectio societatis original." [11] (grifos nossos)
Observe-se que o emérito professor, como não poderia deixar de ser, analisou a questão sob a ótica de um fato social, qual seja o controle gerencial. Da transcrição acima, vale ressaltar também a importância que é dada à constatação de transcendência da vontade individual ou coletiva dos acionistas.
Explica-se: no momento em que a vontade individual ou coletiva dos acionistas não se revela mais importante à condução dos negócios sociais, estamos diante de uma sociedade anônima de cunho essencialmente institucional.
O que nos faz concluir, a contrario senso, que investigando uma sociedade onde os acionistas revelam-se imprescindíveis para a sua operacionalidade, e, que, além disso, encontram-se unidos por um interesse comum, estar-se-á, sem a menor sombra de dúvida, diante de uma sociedade intuitu personae.
Os exemplos de casos reais podem ajudar a elucidar a questão. Confira-se, a propósito, a resposta de Modesto Carvalhosa, ao primeiro quesito de parecer elaborado para Geraldo Mantovani e GM – Geraldo Mantovani Engenharia Indústria e Comércio Ltda., para fins de instrução da ação de dissolução parcial de sociedade que moveram em face de Nova Lindóia Hotéis e Turismo S.A..
Referido quesito tinha por objetivo verificar se a sociedade retratada naqueles autos poderia ser tida como sociedade de pessoas.
Em resposta, Modesto Carvalhosa destaca elementos que podem servir para apurar a existência do intuitu personae em determinadas anônimas:
"(...) Enquanto as sociedades abertas têm nitidamente um caráter institucional, estando submetida a uma série de controles administrativos sobre sua organização e funcionamento, nas sociedades fechadas ressalta-se o caráter contratual, que permite sejam regidas primordialmente por normas derivadas da autonomia da vontade, de molde a disciplinar os interesses privativos dos sócios.
Assim o funcionamento e a organização de uma sociedade fechada, em que confundem acionistas, administradores e controladores, é bastante diverso do da companhia aberta, baseada aquela no interesse particular dos sócios que a constituíram.
Os vínculos pessoais que levaram à formação da companhia fechada devem assim permanecer durante toda a sua existência, sendo mesmo o fundamento fático de sua própria continuidade. Seus acionistas não são meros investidores de capital, mas, fundamentalmente, colaboradores na realização do interesse comum, que motivou a aplicação de seus capitais e a própria criação da sociedade.
A sociedade Nova Lindóia – Hotéis e Turismo S/A foi constituída levando-se em consideração não apenas as pessoas dos sócios, como seus vínculos familiares. Ademais, teve por objetivo a construção de um complexo turístico em gleba de terra de propriedade também de membros da família MANTOVANI, cujas obras seriam realizadas por empresa de engenharia, também controlada pela família.
Como se verifica, a sociedade foi constituída, tendo em vista, primordialmente, as pessoas dos sócios, tratando-se, assim, de uma sociedade intuitu personae.(...)" (grifamos)
Vê-se, assim, que a profunda análise dos fatos sociais levada a cabo pelo parecerista, destacou os seguintes fatores para aferir a existência do caráter intuito personae da sociedade em questão: (i) os vínculos pessoais que levaram à formação da companhia; e, (ii) a participação ativa dos acionistas no funcionamento e organização da sociedade.
Confira-se, também, a lição de Alfredo Lamy Filho – um dos co-autores do projeto que culminou na lei 6.404/76 – que demonstra a possibilidade da existência de intuitu personae nas sociedades anônimas:
"É no campo das sociedades anônimas – em que a separação dos patrimônios do sócio e da sociedade e da sociedade é levada às suas extremas conseqüências – que o problema se faz sentir com maior impacto: sociedades intuitu pecuniae, o elemento pessoal soe extravasar (para usarmos a expressão do mestre Sá Pereira) a moldura em que o legislador o enquadrou.
Com efeito, o intuitus personae, formalmente ausente, ou considerado irrelevante, nas chamadas sociedades de capital, reponta, em inúmeras manifestações do maior significado, na prática do funcionamento da S.A.
Refira-se desde logo, a faculdade assegurada às sociedades de consagrarem, em cláusulas estatutárias, normas que limitam a circulação das ações, assegurando aos sócios preferência para aquisição das mesmas. Como sublinhava Ascarelli, (1931, v. 29, 2ª parte, p. 489) ao comentar a norma do artigo 224 do antigo Código Comercial Italiano, ‘assim como o elemento capital não é irrelevante nas sociedades de pessoas... O elemento pessoal não é irrelevante nas sociedades anônimas. E essas cláusulas visam, não só a restringir a participação dos sócios a um âmbito familiar, como, ainda, a ‘impedir a aquisição da qualidade de sócio a quem não seja produtor de certas mercadorias, ou não participe de eventuais acordos posteriores reguladores da concorrência..." (p., 488)
Outra manifestação desse reconhecimento do elemento pessoal nas S.A. pode ser apontado na utilização universal do acordo de acionistas, que consagra a preponderância da vontade dos sócios sobre a forma societária. Como observa Jurgen Dohm (1971, p. 5) ‘embora a sociedade anônima seja, em princípio, fundada sobre a noção do intuitu pecuniae, esses acordos tornam possível a mantença de um intuitu personae entre acionistas, e conduzem a modificações profundas na estrutura interna da sociedade.’" [12]
Em artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, o Professor Fábio Konder Comparato, discorre sobre a existência das "sociedades anônimas de pessoas" e a importância, para elas, da affectio societatis; pode-se extrair a seguinte passagem que enumera algumas características destas sociedades. Confira-se:
"A ‘sociedade anônima de pessoas’ apresenta, assim, algumas características peculiares que a distinguem das demais companhias, tanto abertas quanto fechadas. São elas, comumente: 1) a limitação à circulação das ações, seja no estatuto, seja em acordo de acionistas; 2) quorum deliberativo mais elevado do que o legal para certas e determinadas questões, tanto na assembléia geral, quanto no conselho de administração, o que eqüivale à atribuição de um poder de veto à minoria; 3) a distribuição eqüitativa dos cargos entre os grupos associados; 4) a solução arbitral dos litígios societários" [13] (grifamos)
Nesse passo, vale ressaltar, segundo lição de Alfredo Lamy Filho, que "o reconhecimento do intuitus personae em certos aspectos e procedimentos relativos às sociedades anônimas é expresso em várias normas da lei societária" [14].
O grande jurista aponta que o artigo 27 do revogado decreto-lei n.º 2.627/40, permitia a restrição à circulação de ações, ou seja, reconhecendo a prevalência de ponderações de ordem pessoal dos acionistas. Ressalta, também, que a lei 6.404/76, consagrou normas que reconhecem a importância do elemento pessoal nas sociedades anônimas, v.g.: (i) disciplinou o acordo de acionistas; (ii) dispôs sobre a figura do controlador; (iii) deu regulamentação específica às sociedades fechadas (art. 16); (iv) admitiu, em sociedades fechadas, a fixação de quorum específico para certas matérias (art. 129, § 1º), (v) disciplinou a alienação de controle (arts. 254/255), entre outras [15].
Da análise dos dispositivos legais, não se pode concluir senão que certas sociedades anônimas podem ser constituídas predominantemente sob o elemento do intuitu personae.
Vale dizer, inclusive, que esta é a orientação de nossa jurisprudência que vem aceitando o caráter intuitu personae de determinadas sociedades anônimas, principalmente nas sociedades fechadas. Confira-se o seguinte trecho de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
"A sociedade anônima fechada é constituída essencialmente ‘cum intuitu personae’, para cuja formação não se prende, exclusivamente, à constituição do capital, mas também, e, sobretudo, a qualidade pessoal dos sócios ou acionistas
," [16]. (grifos nossos)O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão proferido nos embargos infringentes na apelação cível n.º 12.372/98, do qual foi relatora a eminente Desembargadora Helena Bekhor [17], também considerou "o inequívoco caráter intuitu personae da sociedade em causa", o que vem a acentuar, que, em determinados casos, os nossos tribunais têm reconhecido esse caráter intuitu personae a algumas sociedades anônimas.
Como se pode perceber vem se cristalizando o entendimento – tanto em nossa doutrina quanto em nossa jurisprudência – de que em determinadas sociedades anônimas, quando há: (i) limitações na circulação das ações; (ii) colaboração efetiva dos sócios na operação da empresa e distribuição eqüitativa dos cargos entre eles; (iii) quorum deliberativo mais elevado que o legal para certas questões, entre outros aspectos – que devem ser analisados tendo-se em vista os fatos sociais –, estaremos possivelmente diante de uma sociedade anônima com caráter intuitu personae.