No dia 19 de setembro de 2014, foi publicado o acórdão do Recurso Extraordinário nº 573.232, no qual o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, analisou o alcance da legitimidade das entidades associativas para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.
O Recurso Extraordinário nº 573.232 foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, segundo o qual as associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm legitimidade para ajuizar ações de qualquer natureza, na defesa dos direitos de seus filiados sem que seja necessária autorização expressa ou procuração individual.
O julgamento do recurso teve início em 25 de novembro de 2009, ocasião em que se manifestaram os Ministro Relator Ricardo Lewandowski e o Ministro Marco Aurélio.
Em seu voto, o Ministro Relator destacou que a questão debatida nos autos não era nova e que, no julgamento da Ação Originária nº 152/RS, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, em 15 de setembro de 1999, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a propositura de ação com natureza coletiva requer algum tipo de autorização.
Essa autorização, segundo o Relator, deve ser expressa e pode ser concedida de forma genérica por meio do estatuto social da entidade, já que o ato de filiação à associação é voluntário e envolve a adesão às normas estatutárias. A autorização também pode se dar por meio de deliberação em assembleia geral, inexistindo a necessidade de serem concedidas autorizações individuais de cada beneficiário do feito, nos termos do inciso XXI do art. 5º a seguir:
Art. 5º (…)
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
Esse entendimento seria aplicado também à impetração de mandado de segurança coletivo, “sob pena de se reduzir o papel institucional conferida pela Carta de 1988 às associações.”
O Ministro Marco Aurélio iniciou uma divergência e diferenciou a substituição processual exercida pelos sindicatos e a representação processual exercida pelas associações classistas na defesa dos interesses da categoria profissional ou econômica. Nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio:
Em relação a essas [associações], o legislador foi explicito ao exigir mais do que a previsão de defesa dos filiados no estatuto, ao exigir que tenham – e por isso pode decorrer de deliberação em assembleia – autorização expressa, que diria específica, para representar – e não substituir, propriamente dito – os integrantes da categoria profissional.
Em sua opinião, do contrário estar-se-ia a igualar as associações aos sindicatos, em que pese o tratamento diferenciado concedido pela Constituição a essas entidades. Segundo o Ministro, a Constituição impõe como requisito para a representação processual a concessão de autorização expressa, seja individual, seja coletiva por meio de decisão assemblear.
Em seu voto vista, o Ministro Joaquim Barbosa reiterou que a representação dos filiados por associações está condicionada à expressa autorização, o que diferencia o inciso XXI do art. 5º de outros dispositivos constitucionais relacionados ao processo coletivo, notadamente do inciso III do art. 8º, que trata de forma específica sobre a legitimidade ativa dos sindicatos, nos seguintes termos:
Art. 8º (…)
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
Em conclusão, o Ministro afirmou que a previsão estatutária e a autorização expressa conferida em assembleia geral seriam pressupostos processuais para aferição da capacidade das associações classistas de estarem em juízo na defesa dos direitos individuais homogêneos ou coletivos de seus integrantes.
O Ministro Teori Zavascki acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Marco Aurélio e reduziu a questão a saber se a autorização expressa requerida pelo inciso XXI do art. 5º da Constituição pode se dar por ato individual, decisão assemblear ou disposição genérica do estatuto social da associação. A esse respeito, colacionou o julgamento da Reclamação nº 5.215, de relatoria do Ministro Ayres Britto, que assim dispõe:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. A ENTIDADE DE CLASSE, QUANDO POSTULA EM JUÍZO DIREITOS DE SEUS FILIADOS, AGE COMO REPRESENTANTE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA ÀS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NAS ADIs 1.721 E 1.770. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. A associação atua em Juízo, na defesa de direito de seus filiados, como representante processual. Para fazê-lo, necessita de autorização expressa (inciso XXI do art. 5º da CF). Na AO 152, o Supremo Tribunal Federal definiu que essa autorização bem pode ser conferida pela assembleia geral da entidade, não se exigindo procuração de cada um dos filiados. 2. O caso dos autos retrata associação que pretende atuar em Juízo, na defesa de alegado direito de seus filiados. Atuação fundada tão-somente em autorização constante de estatuto. Essa pretendida atuação é inviável, pois o STF, nesses casos, exige, além de autorização genérica do estatuto da entidade, uma autorização específica, dada pela Assembleia Geral dos filiados. 3. Quanto ao mérito, na ADI 1.770, o STF decidiu que é inconstitucional o § 1º do art. 453 da CLT, que trata de readmissão de empregado público aposentado por empresa estatal. Já na ADI 1.721 o STF declarou inconstitucional o § 2º do art. 453 da CLT, que impõe automática ruptura do vínculo de empregado aposentado por tempo de contribuição proporcional. 4. A recorrente pretende representar filiados que não são empregados de empresas estatais. Ademais, não houve demonstração de que esses filiados se aposentaram por tempo de contribuição proporcional. 5. Há, no caso concreto, ilegitimidade da associação recorrente para postular em nome dos seus filiados. Não há, de outro lado, identidade entre o conteúdo dos atos reclamados e o das decisões nas ADIs 1.721 e 1.770. 6. Agravo regimental desprovido. (STF, Rcl nº 5215 AgR, Relator Ministro CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2009, publicado em 22/05/2009)
Além disso, o Ministro ressaltou que o debate não se referia à impetração de mandado de segurança coletivo, previsto no inciso LXX do art. 5º da Constituição, o qual independe de autorização individual ou coletiva dos substituídos (Enunciado nº 629 da Súmula do Supremo Tribunal Federal), ainda que a pretensão interesse apenas à parte dos membros da entidade associativa (Enunciado nº 630 do Supremo Tribunal Federal e art. 21 da Lei nº 12.016/2009).
Ao final, por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso da União, com base no argumento de que a Associação dos Membros do Ministério Público do Estado de Santa Catarina propôs ação coletiva especificamente para os associados que apresentaram autorizações individuais e, por isso, apenas os arrolados nos autos seriam beneficiários do título judicial. No caso concreto, o pedido e a sentença limitaram-se aos associados que outorgaram expressa autorização para a associação demandar em seu nome e, portanto, o rol de beneficiários fora limitado.
Isso não quer dizer que, a partir de agora, é indispensável ao ajuizamento de ação coletiva por entidade associativa a apresentação de autorizações individuais de cada beneficiário. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Recurso Extraordinário nº 573.232, reafirmou sua jurisprudência de que não basta a autorização genérica do estatuto social para a entidade associativa atuar em juízo na defesa dos interesses seus filiados. É necessária a autorização expressa, que pode se dar por ato individual ou por deliberação em assembleia geral.
E isso pelo simples motivo de que a necessidade de autorização individual de cada filiado esvaziaria a atribuição que o constituinte originário conferiu às entidades associativas de defender os interesses de seus membros. A finalidade do texto constitucional e da legislação ordinária é facilitar a prestação jurisdicional por meio de entidades de classe, que, ao atuarem como substitutas processuais de seus filiados, legitimam-se de forma ampla a postularem em juízo a observância de direitos e de garantias de seus filiados.
Tal munus, nas palavras do Ministro Ricardo Lewandowski, insere-se nos quadros da democracia participativa adotada pela Constituição de 1988, em que a atuação popular não ocorre apenas a partir do indivíduo isolado, mas principalmente a partir de organizações não-governamentais, e complementa a democracia representativa tradicionalmente praticada no país.
Vale ressaltar que, neste julgamento, não ficou claro quais seriam os possíveis beneficiários de demandas coletivas: servidores filiados à associação antes da propositura da ação ou todos os filiados que se amoldarem ao título judicial independentemente da data de filiação.
Como ficou estabelecido que a legitimação ativa das entidades associativas requer autorização expressa dos beneficiários do feito, há o risco de que se restrinja a extensão dos efeitos do título judicial somente aos servidores que eram filiados à data do ajuizamento da demanda.
Essa conclusão parte da premissa de que os servidores não filiados à associação na data de propositura da ação não conferiram nenhum tipo de autorização expressa à entidade para sua representação em juízo, na medida em que não participaram da deliberação em assembleia, nem outorgaram autorização individual. Sobre o assunto, o Ministro Marco Aurélio afirmou o seguinte:
Pois bem. Veio à balha incidente na execução, provocado em si – pelo menos considero o cabeçalho do acórdão do Tribunal Regional Federal – pela associação que atuara representando os interesses daqueles mencionados, segundo as autorizações individuais anexadas ao processo? Não, por terceiros, que seriam integrantes do Ministério Público, mas que não tinham autorizado a propositura da ação. Indago: formado o título executivo judicial, como o foi, a partir da integração na relação processual da associação, a partir da relação apresentada por essa quanto aos beneficiários, a partir da autorização explícita de alguns associados, é possível posteriormente ter-se – e aqui penso que os recorridos pegaram carona nesse título – a integração de outros beneficiários?
A resposta para mim é negativa. Primeiro, Presidente, porque, quando a Associação, atendendo ao disposto na Carta, juntou as autorizações individuais, viabilizou a defesa da União quanto àqueles que seriam beneficiários da parcela e limitou, até mesmo, a representação que desaguou, julgada a lide, no título executivo judicial.
Na fase subsequente de realização desse título, não se pode incluir quem não autorizou inicialmente a Associação a agir e quem também não foi indicado como beneficiário, sob pena de, em relação a esses, não ter sido implementada pela ré, a União, a defesa respectiva.
É importante destacar que tais observações foram feitas diante de um título judicial proferido em ação coletiva instruída com lista de beneficiários e com as respectivas autorizações individuais. Ou seja, aplicam-se aos casos em que há a delimitação exaustiva dos associados representados em juízo por meio da autorização individual de cada um deles.
A dúvida quanto aos limites subjetivos da coisa julgada em ação coletiva proposta por entidade associativa será esclarecida no julgamento do Tema nº 499 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, cujo leading case é o Recurso Extraordinário nº 612.043 de relatoria do Ministro Marco Aurélio. Nesse processo, discute-se justamente se os efeitos da coisa julgada em execução de sentença proferida em ação ordinária de caráter coletivo ajuizada por entidade associativa de caráter civil abrange somente os filiados à data da propositura da ação ou também os que, no decorrer do processo, alcançaram essa qualidade.
O Ministério Público Federal, intimado a se manifestar no Recurso Extraordinário nº 612.043, já censurou a interpretação restritiva do inciso XXI do art. 5º da Constituição e defendeu a extensão do título judicial a todos os filiados que se amoldarem ao dispositivo transitado em julgado, ainda que a data de filiação tenha sido posterior à fase cognitiva do processo. É o que se depreende dos seguintes excertos:
A partir dessa constatação, é possível vislumbrar que a associação age em substituição processual, autorizada por lei, na defesa de direito e interesse alheio, consoante artigo 6º do CPC, c/c artigo 5º, inciso XXI, da CF/88. Assim, na oportunidade, não há eficácia reflexa da coisa julgada, artigo 42, §3º, do CPC, sendo do substituído o direito material disputado.
Assim, é consequente a aferição de que a prestação da tutela jurisdicional, comum aos substituídos, está em perfeita sintonia com o contraditório e a ampla defesa, pois a decisão definitiva proferida sobre o bem da vida, objeto do litígio, estende-se, inclusive, àqueles que, apresentando mesma identidade de fato e pedido, filiaram-se após a fase cognitiva, sem que haja qualquer prejuízo aos limites subjetivos e objetivos da coisa julgada.
(…)
Ressalte-se, mais uma vez, que a associação, nos termos do artigo 5º, incisos, XXI, da CF/88, não defende direito próprio, mas coletivo de seus associados. Daí, infere-se que, uma vez filiado, ainda que a posteriori, os efeitos do decisum, ocorrendo identidade de fato e pedido, o alcançará, seja para o bônus, quanto para o ônus, impedindo que se discuta a justiça da decisão.
Destarte, a substituição processual jamais se instituiria para tornar-se instrumento de tumulto ou até mesmo de previsível entrave à prestação jurisdicional. Nesse espeque, há que transcender a interpretação restritiva do texto da lei para alçar um sentido teleológico do sistema normativo, mormente quando o fato de se estar filiado antes da ação, no presente caso, é irrelevante, não podendo o exegeta deixar de ponderar as consequências na vida prática.
Diante do exposto, conclui-se que no julgamento do Recurso Extraordinário nº 573.232, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que o texto constitucional exige autorização expressa para as associações demandarem em juízo, mas que não há qualquer restrição quanto à forma desta aquiescência, que pode ser concedida por ato individual ou por deliberação em assembleia. Entretanto, não definiu os possíveis beneficiários do título executivo, o que será realizado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 612.043.