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A segregação da liberdade como instrumento de controle social e o princípio da intervenção penal mínima

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15. O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DIREITO PENAL MÍNIMO

Para que se chegue a concretizar um direito penal mínimo que deixe de aplicar a pena privativa de liberdade nalguns casos, substituindo-a por penas alternativas, despenalizando, ou descrimilizando, imprescindível é a aplicação efetiva da individualização da pena como única forma de dar efetividade ao controle social exercido pelo direito penal, de forma garantista e eficaz.

Exerce papel de compatibilizar a pena privativa de liberdade em um sistema penal minimalista, pois mesmo admitindo-se as vantagens de sua adoção é imprescindível que haja a pena privativa de liberdade nalguns casos, porque do contrário a sociedade ficaria em mãos do crime organizado e da violência urbana.

Cada caso concreto é que exigirá a pena privativa de liberdade ou a sua substituição por outros tipos de pena. Apresenta-se não só compatível como também absolutamente necessário à sobrevivência do direito penal mínimo a aplicação da pena privativa de liberdade em delitos que a exijam.

A individualização da pena adquire maior importância quando da dosimetria da pena e quando da sua execução, pois naquele momento o que se busca é a medida da pena com base nas circunstâncias particulares do caso sub judice e neste observar-se-á o comportamento do condenado, sua capacidade e vontade de reintegrar-se à vida em comunidade, enfim todo o seu mérito para que possa voltar a conviver em sociedade sem oferecer risco à integridade do corpo social.


16. REFLEXOS DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM NOSSO SISTEMA PENAL

O Sistema de execução penal brasileiro, e o mesmo ocorre a nível mundial, conserva desde sua origem, a privação da liberdade como seu maior elemento estruturador. De longa data pensadores, juristas, pessoas e instituições defensoras dos direitos humanos alertam para o que hoje vemos acontecer, a falência da estrutura de execução penal.

Os efeitos desta falência atingem tanto às pessoas que estão envolvidas no combate ao crime, quanto àquelas que são responsáveis pela aplicação e execução das penas. As recentes rebeliões e mortes, mais uma vez, mostram em mídia nacional seu evidente caos e ineficiência.

Maiores e menores infratores, sujeitos da execução penal fundada na privação da liberdade, são retirados do convívio social e da vida de pequenos delitos, na grande maioria dos casos, e submetidos à miséria moral, à criminalidade maior, ao crime organizado, à perda do respeito próprio e pelos outros, às drogas, à promiscuidade, à violência, à tortura, à morte, às doenças, muitas delas letais, à ociosidade, à distância da família, à insalubridade, à superlotação, ao desespero, à desesperança e, ainda, à perda da liberdade.

Diante deste quadro, a sociedade reage admitindo que o atual sistema lhe é prejudicial, e vê na descriminação (exclusão da antijuridicidade ) de determinadas condutas e na alternatividade das penas um novo caminho a seguir. Quanto à alternatividade de penas, desde muito assistimos sua aplicação e, nosso estado, mantendo a tradição de vanguarda no panorama jurídico nacional, já as tem utilizado em larga escala, proporcionando que muitos apenados, ao invés de superlotarem os presídios cumpram suas penas em regime de liberdade, exercendo atividades laborais junto a empresas e instituições integrantes ou não do governo.

O que sempre se deve ter consciência é que coisa é punir com esse tipo de pena um adulto ou um menor bem formado, com família, com emprego ou com capacidade de obtê-lo, onde a punição se afiguraria como mera punição e capaz, por si só de fazer repensar sua conduta. Outra coisa é aplicá-la às pessoas que já perderam o respeito a si e aos outros, que não possuem esperança nem potencial de integração social. Nestes casos, quase sempre resta inócua a substituição da pena privativa de liberdade.

A consciência, não só por parte de que pune mas de quem é punido, de que a pena será eficaz, deverá constituir-se o elemento principal de sua determinação.

Contudo, é inegável que nalguns casos a privação da liberdade, ou o isolamento, é o único meio de se garantir a segurança social, pois do contrário o infrator continuaria ofendendo inocentes desprotegidos.


CONCLUSÃO

O sistema penal brasileiro como instrumento de controle social, em última ratio, vem adotando um modelo de política criminal minimalista, à exceção de leis isoladas de caráter simbólico e oportunista editadas para agradar a opinião pública e promover políticos demagogos, como meio de minorar e evitar os efeitos aberrantes da pena privativa de liberdade cumprida em estabelecimentos penais super lotados e sem condições mínimas de existência compatível com a dignidade da pessoa humana.

No entanto, é indubitável que o sistema penal somente deva atuar quando todos os outros meios já falharam, o que nos leva a conclusão de que a pena deve cumprir antes de tudo seu papel de controle social sobre os que ainda não assimilaram o espírito de como viver em comunidade, de como coexistir pacificamente e sem lesionar os que estão a sua, ou porque na maioria das vezes já perderam o amor a si mesmo ou porque não tiveram nem mesmo a chance de assimilar tais valores.

À pena privativa de liberdade assegura que pessoas que se encontram completamente desprovidas de valores mínimos necessários à coexistência pacífica entre os homens sejam impedidas, ao menos provisoriamente, da prática de condutas que causem lesão ao seu semelhante, e nisto se encontra a inegável presença da periculosidade na determinação da pena. Contudo, não basta somente a periculosidade como elemento de medida e determinação da pena, pois se assim fosse estaria se dando muito crédito ao caráter seletivo de pessoas e não de condutas que o direito penal acaba por realizar, logo, não se deve afastar a incidência da culpabilidade como forte e imprescindível instrumento de dosagem do mérito da conduta do condenado e, consequentemente, de reprovabilidade da mesma.

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Muitos crimes podem ser evitados com aplicação de um direito penal mínimo que, ao invés de submeter o condenado à privação da liberdade em meio a outros condenados reconhecidamente perigosos e degenerados, e muitas vezes pelo próprio sistema penal, irá submete-lo a penas alternativas que lhe proporcionem a oportunidade de refletir sobre seu erro tornando-se eficaz.

Da mesma forma, inúmeros problemas seriam evitados com a execução da pena, fase onde o crime organizado muitas vezes se utiliza de oficina para seus planos e ataques contra a ordem social, se fossem aplicadas penas privativas de liberdade eficazes, que realmente segregasse a liberdade dos reprovados por suas condutas e reconhecidamente perigosos que representam uma ameaça à sociedade e ao Estado Democrático. A construção de presídios de segurança máxima que se utilizam da tecnologia para combater o crime dentro dos estabelecimentos penais é exemplo de segregação da liberdade que isolam condenados que representam ameaça à ordem.

É absolutamente compatível com a prática de um direito penal mínimo a aplicação e execução da pena privativa de liberdade quando o interesse público o exigir e na medida em que este ditar.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal – Parte Geral.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Mendonça de Freitas

Promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Aprovado no Concurso para Promotor de Justiça do Estado de Goiás. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Aprovado no Concurso para Promotor de Justiça Substituto do Estado do Acre. Ex-analista Judiciário da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Aprovado em 6 (seis) concursos de Analista Judiciário em Tribunais Federais, 4 (quatro) concursos de Técnico Judiciário de Tribunais Federais, Ex-Agente de Polícia Científica, ex-servidor do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Paulo Henrique Mendonça. A segregação da liberdade como instrumento de controle social e o princípio da intervenção penal mínima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4656, 31 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34297. Acesso em: 19 abr. 2024.

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