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A segregação da liberdade como instrumento de controle social e o princípio da intervenção penal mínima

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11. DIREITO PENAL DE CULPABILIDADE E DE PERICULOSIDADE

As teorias da pena que tentam justificar a sanção penal conferem ao direito penal um caráter com predominância de atuação com vistas na culpabilidade ou na periculosidade, conforme se ache em uma ou noutra inclinação. É a partir do conceito da pena que se pode estabelecer dedutivamente todo o sistema penal e todo o mundo conceitual do direito penal.

Se se seguir as linhas dos falsos dilemas, ver-se-á que os partidários da segurança jurídica e da teoria retributiva da pena dizem defender um “direito penal de culpabilidade”, enquanto os partidários da defesa social e da teoria reeducadora ou ressocialiazadora da pena, dizem defender um “direito penal de periculosidade”.

Segundo a teoria da culpabilidade a reprovabilidade da conduta consistente na exigência de conduta diversa da praticada pelo autor do ato é a própria culpabilidade. Essa exigência é sempre dependente das circunstâncias e, portanto, é um conceito graduável, pois ainda quando se possa juridicamente exigir de um sujeito outra conduta, sempre se lhe poderá exigir mais ou menos, segundo as circunstâncias do caso. Isto nos dará sempre um grau distinto de reprovabilidade e, portanto, de culpabilidade.

Para os partidários da teoria retributiva da pena, esta é a medida da culpabilidade. De alguma maneira a pena retributiva imita a idéia de “pagamento”.

Para admitir a possibilidade censura a um sujeito, é necessário pressupor que o sujeito tem a liberdade de escolher, isto é, de autodeterminar-se. Isso implica que esse direito penal pressupõe ser o homem capaz de escolher entre o bem e o mal. Em síntese, esse direito penal concebe o homem como pessoa, com autonomia ética.

Por outro lado, conforme a teoria da periculosidade, quando se sustenta que o homem é um ser que somente se move por causas, isto é, determinado, que não goza de possibilidade de escolha, que a escolha é uma ilusão e que, na realidade, sempre atuamos movidos por causas, sem que nossa conduta se distinga dos outros fatos da natureza. Chegaríamos a esta concepção de determinismo se analisássemos isoladamente os condicionamentos sociais e as falhas dos meios de controle social, sem se considerar que jamais o homem perde totalmente sua autodeterminação, a não ser em casos anômalos de perturbação da saúde psíquica.

É inegável a influência e condicionamentos exercidos pela falha dos meios de controle social que contribuem para a socialização do homem, no aumento ou diminuição da tendência à personalidade criminosa, mas tomar esse dado isoladamente na determinação da pena corre-se o risco de praticar injustiças na tentativa de se restabelecer uma situação (ressocialização) que nunca sequer existiu na medida e tempo em que era necessária.

O crime deve ser reprovado em decorrência da culpabilidade inerente à conduta criminosa, contudo não pode a culpabilidade, ser tida como a única medida da pena, como defendem os seguidores da teoria da culpabilidade, pois é da própria essência do direito penal exercer o controle em última instância, dando solução, ou, menos tendo em vista esse fim, ao problema social do delito que representa, conforme o caso, um maior ou menor perigo, mediante a coerção penal.

A pode ter, pois, como objeto a prevenção especial, sem com isso negar ao autor a sua autonomia moral. O que a pena não pode ter como limite é a periculosidade isoladamente, pois é inadmissível que um ser que se autodetermina possa ser privado de bens jurídicos, usando-se como único limite a necessidade de prevenção. Nesse ponto, o sentimento de segurança jurídica exige outro limite, que a lei traduz pela imposição de guardar a pena certa relação com a gravidade da lesão aos bens jurídicos ou, mais precisamente, com a magnitude do injusto e com o grau de culpabilidade. A pena não retribui o injusto nem sua culpabilidade, mas deve guardar certa relação com ambos, como único caminho pelo qual pode aspirar a garantir a segurança jurídica e não se afrontá-la.

11.1. A Importância da Culpabilidade na Determinação da Pena

O sentimento de segurança jurídica não aceita que a pessoa (isto é, um ser capaz de autodeterminar-se), seja privada de bens jurídicos, com a finalidade puramente preventiva, numa medida imposta tão-somente pela sua inclinação pessoal ao delito, sem levar em conta a extensão do injusto cometido, e o grau de autodeterminação que foi necessário atuar. Isso não significa que com a pena nada é retribuído, e que apenas se estabelece um limite à ação preventiva especial ressocializadora que se exerce sobre uma pessoa. De outra parte, a inclinação ao delito, além de não ser totalmente demonstrável, possui o sério inconveniente de, muito freqüentemente, ser resultado da própria ação prévia do sistema penal, com o que cairia na absurda conclusão de que o efeito aberrante da criminalização serve para agravar as suas próprias conseqüências, e em razão disso, para aprofundar ainda mais a sua aberração.

Assim sem sairmos do direito penal de culpabilidade e de uma concepção antropológica que afirma a capacidade da escolha humana, reconheço na pena a finalidade preventiva especial, embora negue que tenha por único limite a necessidade de prevenção.

Não se pode admitir que homem se encontre completamente determinado, porque há sempre uma margem de autonomia. O que é evidente é que, nalguns casos, a margem de autonomia se acha reduzida, estreitada pelo condicionamento criado pela própria ação do sistema penal ou da ausência de outros sistemas de controle social eficazes. Esse é um dado da realidade, que não pode ser ignorado pelo direito penal e, portanto, quando ocorrer, a sua correta valoração indicará que, no caso manifesta-se um grau menor de culpabilidade.

É tão arbitrário afirmar que o processo de condicionamento criminalizante está presente em todos os casos, como negá-lo em qualquer caso. Por isso se faz necessário o abandono de concepções radicais que visam à adoção de uma ou outra forma de penalização, em que uma exclui a outra, ou seja, mesclar reprovação e retributividade com prevenção penal quando da aplicação e determinação da pena.

Penalizar considerando a capacidade de escolha do homem é construir um direito penal que respeita a realidade, que respeita a ordem que deve existir entre os fins e os meios, é o chamado direito penal antropológico em que o homem é tido como um ser que pensa e que se autodetermina, que pode escolher entre o bem e o mal.

A sociedade apenas deve ser protegida dos reconhecidamente perigosos, o que se faz pela efetiva aplicação e funcionamento dos órgãos do sistema penal, em especial na fase de excussão da pena em que o exame criminológico desempenha função de instrumento de verificação da capacidade de ser reintegrado ao meio social aqueles que delinqüiram e, que por isso foram afastados do mesmo.


12. DAS PENAS ALTERNATIVAS

A miséria econômica e cultural em que vivemos é, sem dúvida, a responsável por este alto índice de violência existente hoje em nossa sociedade; tal fato se mostra mais evidente (e mais chocante) quando se constata o número impressionante de crianças e adolescentes infratores que já convivem, desde cedo e lado a lado, com um sistema de vida diferenciado de qualquer parâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependência de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absoluto desprezo pela vida humana (inclusive pela própria), no ódio e na revolta. É preciso despertar a atenção para a relevante questão do adolescente infrator, conscientes de que, enquanto não se estabelecer eficaz e efetiva política pública de enfrentamento dos problemas verificados nessa área, será inútil continuar punindo a população adulta, como também continuará sendo inútil, para os juristas, a construção de seus belos sistemas teóricos.

Já há um consenso entre nossos juristas das vantagens de se adotar as penas alternativas à pena privativa de liberdade, tendo em vista os efeitos maléficos do sistema carcerário sobre o condenado a crimes de pequena monta. No entanto, o que não se pode esquecer são a periculosidade e a culpabilidade do condenado por que é para isso que foi construído e institucionalizado o sistema penal, ou seja, para realizar o controle social em última ratio.

O enfrentamento da criminalidade não pode ser relegado exclusivamente ao direito penal, antes deve ser combatida com programas sociais que atendam às necessidades básicas dos excluídos do centro das decisões, programas governamentais que incluam econômica e socialmente os que foram excluídos pela estrutura do poder. Somente com justiça social é que haverá chances de diminuição da criminalidade. As penas alternativas deveriam seguir uma orientação que preserve os caracteres de retributividade e prevenção ao mesmo tempo em que operam como válvula de escape à privação da liberdade do condenado nos casos em que tal medida não seja recomendável.

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13. FUNDAMENTO DE PUNIR E OS FINS DA PENA

Temos três correntes Doutrinárias, que nos explicam o fundamento de punir e os fins da pena, são elas: as absolutistas, as relativas ou utilitárias e as mistas.

As teorias absolutistas baseiam-se numa exigência de justiça, ou seja, ao mal do crime, deve-se aplicar o mal da pena, imperante entre eles a igualdade. "Só o que é igual é justo". Negam os fins utilitários da pena defendendo a aplicação de um mal justo oposto ao mal injusto do crime.

As teorias relativas atribuem à pena um fim prático; a prevenção. Esta seria a aplicação da pena para a intimidação de todos para que não cometam o crime. A pena é considerada um mal para o indivíduo, que a sofre, e para a coletividade, que lhe suporta o ônus. Entretanto, justifica-se, por sua utilidade.

Por fim, as teorias mistas, estas sustentam o caráter retributivo da pena, mas agregam os fins da reeducação e da prevenção do delinqüente.


14. O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Nossa Constituição consagrou a individualização da pena, em seu inciso XLVI do artigo 5º, como garantia individual. Tal princípio afigura-se extremamente útil e necessário à implantação de um direito penal mínimo e eficaz, pois é através de sua aplicação que se pode atribuir a cada caso concreto a medida adequada e eficaz.

Em brilhante exposição de fundamentos nosso Ex-Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, expõe com suscinta clareza a maneira como deve ser aplicada a individualização da pena entre nós: “(...) Individualização da pena, Senhor Presidente, enquanto as palavras puderem exprimir idéias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese.

 Estou convencido também de que esvazia e torna ilusório o imperativo constitucional da individualização da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação judicial da pena, e o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela.

De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução.” (RTJ 147/608).

Nesse diapasão de idéias, de como deve ser aplicado o princípio da individualização da pena entre nós, resta evidente seu papel na construção de um direito penal eficaz, justo e coerente com o texto constitucional que assim preceitua:

“XLVI — a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes (...); 

XLVIII — a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.”

É, pois, norma constitucional que a pena deve ser individualizada, ainda que nos limites da lei, e que sua execução em estabelecimento prisional deve ser individualizada, quando menos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

 Evidente, assim, que, perante a Constituição, o princípio da individualização da pena compreende: a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamente cominada no preceito secundário da norma penal; b) individualização da pena aplicada em conformidade com o ato singular praticado por agente em concreto (dosimetria da pena); c) individualização da sua execução, segundo a dignidade humana (art. 1°, III), o comportamento do condenado no cumprimento da pena (no cárcere ou fora dele, no caso das demais penas que não a privativa de liberdade) e à vista do delito cometido (art. 5º, XLVIII).

Penso que será atingida, ou no mínimo, se chegará perto de um direito penal mínimo e eficaz se for respeitado os três planos acima expostos quando da aplicação da pena, sempre individualizando-a. Ante os diversos casos concretos que se apresentam, surge a necessidade de se medir o grau de culpabilidade e, num segundo momento, o de periculosidade do individuo, tendo-se em vista a aplicação de uma pena adequada e que atenda aos anseios de justiça e segurança social.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Mendonça de Freitas

Promotor de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Aprovado no Concurso para Promotor de Justiça do Estado de Goiás. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Aprovado no Concurso para Promotor de Justiça Substituto do Estado do Acre. Ex-analista Judiciário da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Aprovado em 6 (seis) concursos de Analista Judiciário em Tribunais Federais, 4 (quatro) concursos de Técnico Judiciário de Tribunais Federais, Ex-Agente de Polícia Científica, ex-servidor do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Paulo Henrique Mendonça. A segregação da liberdade como instrumento de controle social e o princípio da intervenção penal mínima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4656, 31 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34297. Acesso em: 4 mai. 2024.

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