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A origem dos novos princípios contratuais do direito civil

04/08/2015 às 10:10
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O equilíbrio entre a intervenção estatal nas relações privadas e a autonomia privada, em que as partes têm o poder de decidir aquilo que querem contratar, é um dos pontos ainda não definidos pelo direito civil-constitucional.

O interesse em examinar os novos princípios contratuais surgiu com a constante discussão, seja em salas de aula, artigos doutrinários ou na jurisprudência, da influência dos princípios constitucionais nos contratos civis.

Além disso, com a vigência do novo Código Civil, houve a inserção no ordenamento jurídico de princípios capazes até mesmo de modificar a interpretação e aplicação de cláusulas contratuais antes tidas como válidas.

Na verdade, o que muito se discute é se esses “novos princípios” interferem na autonomia da vontade das partes em contratar. Antes mesmo de o atual código de Defesa do Consumidor, ocorreu a ampliação do conceito de normas de ordem pública e limites à soberania de contratar, tudo em prol da tutela da parte mais fraca das relações de consumo, o consumidor. 

Ainda houve constantes transformações ocorridas no direito civil surgidas para se adequar às demandas sociais, alterando, assim, muito de seus institutos jurídicos. Sob esse enfoque, poder-se-ia até mesmo concluir que tais princípios decorrem dos anseios sociais, refletindo na aplicação e interpretação da Teoria dos Contratos.

Daí decorre a ideia de que o direito civil, como qualquer outro ramo do direito, é bastante influenciado pelas transformações econômicas, sociais e filosóficas. Por isso, os princípios contratuais atuais diferem bastante daqueles codificados e aplicados no início do século XX, haja vista que a sociedade de hoje evoluiu tanto no que se refere ao conceito de igualdade, quanto no que se refere ao conceito de abuso de direito.

Analisando os textos doutrinários a respeito do assunto, verifica-se uma ênfase no sentido de que as transformações introduzidas no direito civil não ocorrem isoladamente, mas sim de forma global, em todo o seu modo de aplicação e interpretação. Ou seja, as transformações não são pontuais, mas se desenvolveram em todo o sistema civilista.

Um exemplo desse tipo de modificação é a mudança do enfoque civilista. Antigamente, focava-se no indivíduo e em sua liberdade. Hoje, com a influência da Constituição de 1988, muda-se o foco do indivíduo para a pessoa, e da liberdade individual para a solidariedade social. Assim, verifica-se uma migração do direito aplicado ao ser sozinho para, atualmente, o ser inserido no meio social.

No surgimento do direito civil nota-se grande influência dos projetos burgueses, como a absoluta proteção patrimonial e o respeito à vontade manifestada pelos contratantes, pois são livres para dispor de seus bens. Era a fase do absolutismo do eu, da exacerbação da liberdade individual.

Contudo, o direito civil voltado para a tutela da pessoa desempenha tarefas de proteção através de normas que diferenciam os indivíduos, estabelecidas de acordo com a condição de cada um.

Desta forma, afirmam alguns que o Código Civil de 1916 preocupava-se em garantir a igualdade de todos perante a lei, enquanto a Constituição de 1988 procura enfrentar as desigualdades da sociedade brasileira, apoiando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e solidariedade social.

Surge, então, a concepção social do contrato, passando-se de uma visão individual e inter partes, para uma renovação da teoria contratual, onde a justiça social prevalece sobre a vontade manifestada das partes.

Tem-se como novos princípios contratuais os seguintes princípios: boa-fé, equilíbrio econômico entre as partes e função social do contrato, que serão analisados em outro artigo, todos trazidos pelo Código Civil de 2003.

Pode-se afirmar, antes de tudo, que o novo direito contratual leva em consideração certas características das partes contratantes que antes da CF/88 e do Código Civil de 2003 eram ignoradas, ganhando estas características grande relevância jurídica.


 A INFLUÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 SOBRE O DIREITO CIVIL

Historicamente, seguindo a tradição do Direito Francês Napoleônico, o Direito Civil brasileiro sempre andou separado da Constituição, pois essa se destinava às relações públicas e aquele às relações privadas. Essa separação do Direito público e do privado se deve ao fato de que, pensavam os filósofos franceses, quando há uma revolução num país, o direito privado continua valendo, mas o direito público é destruído e posto um novo sistema de normas que regem o Estado.

Mas esse pensamento, repita-se, foi construído por volta de 1804, data de promulgação do Código Civil Francês e perdurou até meados do século XX.

Contudo, no atual estágio da sociedade em que nos encontramos, as relações jurídicas de Direito Civil passam a ser disciplinadas não apenas por códigos ou leis esparsas, mas também por princípios e regras que derivam diretamente da Constituição Federal. Desta feita, passou-se também a buscar uma real efetividade da hierarquia das normas constitucionais, como forma de concretizar e impor a defesa de certos direitos, antes regulamentados apenas pelo Direito Privado.

Com essa inserção de direitos privados na Constituição Federal, o Código Civil perdeu o seu papel de “Constituição do Direito Privado”.

Segundo a doutrina defendida por Teresa Negreiros, a Constitucionalização do Direito Civil deve-se ao aprimoramento da teoria constitucional, devido ao fortalecimento da jurisdição constitucional, das técnicas de controle e, principalmente, da afirmação da hierarquia e caráter vinculante dos princípios e regras constitucionais.

Importante salientar que esse processo de fortalecimento da Constituição não se limitou apenas ao Brasil, mas foi um fenômeno observado em todo o mundo, principalmente em países como a Alemanha e Portugal, e durou cerca de 200 anos.

Também ajudou na constitucionalização do Direito Civil a previsão de liberdades negativas e positivas nas Constituições. Liberdade negativa é aquela no qual o Estado abstêm-se de praticar um ato, comumente conhecida como não-intervenção, tal como a garantia do direito à propriedade. Já liberdade positiva caracteriza-se por ser aquela cuja implementação está ligada diretamente às prestações positivas do Estado, através de políticas públicas. Esse tipo de liberdade foi primeiramente inserido na Constituição de Weimar de 1919, sendo incluída também nas Constituições Portuguesa e Espanhola, de 1976 e 1978, o que acabou por influenciar diretamente a Constituição Brasileira de 1988.

Com a renovação de princípios constitucionais que dizem respeito ao Direito Civil há também uma renovação do sistema jurídico e, consequentemente, da função intérprete.

Cabe também lembrar que os princípios constitucionais nem sempre foram considerados “normas jurídicas”. A ciência do Direito teve de evoluir bastante, e também deixar de lado o positivismo exacerbado, ou seja, o positivismo apenas de regras, até que os princípios fossem elevados à condição de base do sistema jurídico, sobre o qual acentam-se as demais normas, passando o positivismo a ser um sistema de normas, ou seja, de regras e princípios.

Desta forma, a leitura do Direito Civil, diga-se, do Código de 1916, modificou-se, pois a força normativa dos novos princípios constitucionais fez com que o intérprete reavaliasse as disposições daquele Código, mixando as novas bases jurídicas (os princípios), com a normatização do antigo código civil. O foco do intérprete deixou de ser o Código e passou a ser a Constituição de 1988.

No entanto, ainda hoje muito se verifica a hermenêutica clássica, baseada na premissa de que os Códigos nada deixam ao arbítrio do intérprete e que o direito está todo escrito em textos, deixando de lado a abstração dos princípios que irradiam sua normatividade por todo o sistema. Nesse sentido, conclui Gustavo Tepedino : “Parece que nós não conseguimos nos sentir destinatários de normas jurídicas que não desçam a especificidades do caso concreto”.

Contudo, na época em que os direitos previstos na Constituição valiam apenas em relação ao Estado não perdura mais, pois, como dito acima, hoje vigora uma perspectiva civil-constitucional que combina a história do Direito Civil e do Direito Constitucional.

Isso significa que o direito civil-constitucional busca um sentido para as transformações sofridas pelo Direito Civil, desde o Código Civil Francês de Napoleão até o Código Civil Brasileiro de 2003, que se diz constitucionalizado, e se caracteriza por buscar a efetiva proteção e desenvolvimento da pessoa humana. Portanto, verifica-se que a perspectiva civil-constitucional caracteriza-se por ser um ramo que estuda e aplica a história da evolução do direito civil e de sua união com o direito público, tendo como cláusula geral a dignidade da pessoa humana.

As transformações ocorridas no seio familiar, nos contratos e na propriedade ao longo dos tempos são bem melhor compreendidas através da aplicação de uma interpretação civil-constitucional dos institutos, tendo como princípio básico a dignidade da pessoa humana. Assim, o novo Direito Civil busca priorizar a realização existencial do ser humano em detrimento da realização patrimonial. É o primado do ser sobre o ter, na visão de Teresa Negreiros.

No Brasil, a visão de um Direito Civil-Constitucional começou a ser difundido em 1991, através de um texto de Maria Celina Bodin Moraes, intitulado como “A caminho de um Direito Civil Constitucional”. A partir de então, a comunidade acadêmica passou a ampliar os estudos dessa nova visão civilista.

No entanto, muitos outros doutrinadores estavam ligados à ideia de os princípios constitucionais influírem na interpretação do Direito Civil, mas não utilizavam a mesma nomenclatura para tal técnica de interpretação.

Como nada se escapa às regras das correntes jurídicas existentes, há quem critique e não aceite a perspectiva civil-constitucional tal como explicitado acima. Mas isso faz parte do razoável, devendo ser ouvidas e pensadas as razões dos que são pró e contra tal teoria, ponderando-se os argumentos e adotando-se aqueles que mais convencem.

Outrossim, com o fenômeno da globalização, as bases ideológicas do Estado Social de Direito e das chamadas Constituições dirigentes encontram-se enfraquecidas, haja vista que as normas contidas em leis especiais e até mesmo nas Constituições enfraquecem-se em face das leis ditadas pelo mercado, que exige leis supranacionais uniformes, que se destinam a proteger a autonomia do particular.

 O próprio mercado internacional produz suas normas, que tende a ser universalizado entre os atores econômicos, atores esses que visam o aumento do lucro e muitas das vezes não respeitam os direitos humanos, o que acarreta o agravamento de problemas sociais. Por conseguinte, a ideia de Estado-nação, de soberania popular e até mesmo o conceito de Constituição estão sendo deixados de lado pelos usos de costumes impostos pela globalização,

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No entanto, é inegável que o cenário atual encontra-se num período de transição, onde não se sabe, ainda, qual o final que será dado à normatização do mercado. Naturalmente, esse clima de incerteza gera leituras contraditórias. O certo é que a globalização exerce forte influência sobre a autonomia do Estado em seu território.

De fato, o direito não é fruto do arbítrio do legislador, mas é uma forma de regulamentação social fruto de aspectos sociais, econômicos, políticos etc. Desta forma, a globalização utiliza de determinismo, condicionando os efeitos das normas jurídicas então existentes. É a sujeição da Constituição à realidade fática.

Porém, outra corrente doutrinária defendida por Konrad Hesse entende que a Constituição de um Estado tem a função e o poder de condicionar a realidade social, ao impor tarefas aos administradores da coisa pública, promovendo, assim, a mudança da realidade fática.

Ao condicionar a eficácia de uma norma jurídica à sua adesão pela conjuntura econômica e política, estaria sendo negado ao Direito o papel de transformador da realidade social.

Para fazer valer essa reflexão jurídica, cabe aos operadores do direito a tarefa de fazer respeitar a Constituição, haja vista que são os técnicos habilitados para traduzir a vontade da Assembleia Constituinte para o futuro do Estado.

Voltando ao tema deste artigo, a Constituição Federal Brasileira de 1988 traz enorme cunho social, percebido principalmente através de seus princípios. Desses, o princípio da dignidade da pessoa humana renova o conteúdo de muitos conceitos do Direito Civil, influindo diretamente nas relações interpessoais. No entanto, também há críticas contra esse entendimento, que serão analisadas a seguir.

Konrad Hesse, citado por Teresa Negreiros, entende que a aplicação direta de princípios constitucionais é fonte de incerteza e de insegurança que devem ser evitadas pelo intérprete, eis que os mesmos são dotados de grande vagueza semântica.

Contudo, rebatendo a crítica, cabe lembrar que a segurança jurídica é um valor muito mais construído pela prática social do que pela técnica legislativa. Trata-se de um sentimento social e cultural, cultivado ao longo de gerações.

O apego ao formalismo, defendido pelos positivistas clássicos, é fonte de segurança para os que se beneficiam da situação tal como ela está. Para os que desejam mudar, esse formalismo absoluto significa engessamento prejudicial à inovação de situações e conceitos jurídicos.

Outrossim, o mesmo filósofo prega que fazendo-se a constitucionalização de forma direta, sem a incidência de normas legislativas ordinárias, fere o sistema democrático de Direito, pois enfraquece o processo de produção legislativa ao substituí-lo pela função jurisdicional do juiz, que acaba tornando-se o responsável por definir o conteúdo dos princípios constitucionais.

No entanto, atualmente, tanto as leis quanto a própria constituição tendem a utilizar cláusulas gerais e princípios de conteúdo aberto, devendo o juiz utilizá-los de acordo com a necessidade do caso concreto.

Há ainda outros doutrinadores que defendem a interpretação do direito privado à luz do Código Civil, e não da Constituição Federal, visto que o Código apresenta maior estabilidade do que a constituição.

Contudo, tal perspectiva fere o sistema jurídico que estabelece a hierarquia de normas e também nem sempre a estabilidade da legislação garante maior eficácia ao conceito de justiça, haja vista que a sociedade encontra-se em constante modificação.

Desta forma, uma melhor maneira de adequar a legislação à realidade social sem a necessidade de constantes modificações legais é a criação de legislação com conteúdo aberto, podendo ser adequada pelo juiz ou pelas partes à realidade fática com maior abrangência.

Outra crítica contra a constitucionalização, do Direito Civil é a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas entre particulares. Isto porque a colisão entre princípios fundamentais dispensa a aplicação do direito civil, sendo uma matéria resolvida exclusivamente no âmbito do direito constitucional, deixando de lado a legislação de direito privado.

No entanto, os princípios fundamentais referem-se aos valores existenciais da pessoa humana, e a aplicação desses nas relações entre pessoas visa equilibrar as partes em casos onde existe desigualdade social, o que é bastante comum no Brasil. Importante lembrar que a aplicação de princípios fundamentais entre particulares fundamentam-se no desequilíbrio existente entre relações de pessoas com o Estado, aplicado por analogia às relações privadas, onde uma pessoa pode estar em situação predominante sobre a outra, e o abuso dessa posição poderá ferir preceitos fundamentais da parte mais fraca.

O equilíbrio entre a intervenção estatal nas relações privadas e a autonomia privada, em que as partes têm o poder de decidir aquilo que querem contratar, é um dos pontos ainda não definidos pelo direito civil-constitucional.

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Sobre a autora
Maira Cauhi Wanderley

Procuradora Federal, membro da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WANDERLEY, Maira Cauhi. A origem dos novos princípios contratuais do direito civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4416, 4 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34430. Acesso em: 21 nov. 2024.

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