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Aspectos relevantes sobre a organização criminosa na Lei nº 12.850/13

08/07/2016 às 16:12
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A Lei nº 12.850/13 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, além de alterar o Código Penal, aprimorando a colaboração premiada.

Resumo:A recente Lei nº 12.850/13 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, além de alterar o Código Penal em alguns pontos. Ela aponta um grande avanço legislativo ao prever novos tipos penais, definir e escalonar a organização criminosa e associação criminosa, bem como fornecer mecanismos de ordem criminal de modo a proteger as investigações e aos poderes instrutórios da Polícia Judiciária, Ministério Público e do Poder Judiciário.  No Direito Processual Penal, a lei prevê diversos mecanismos investigatórios e meios de obtenção de prova, como a colaboração premiada. A organização criminosa é uma realidade crescente no Brasil, preocupou-se o legislador em defini-la como a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Palavras-chave: Organização criminosa. Investigação criminal. Obtenção de prova. Colaboração premiada. Tipos penais.

Abstract:The recent Law No. 12.850/13 criminal organization defines and deals with the criminal investigation, the means of obtaining evidence, related criminal offenses and the prosecution in addition to changing the Criminal Code in some points. She points out a major legislative advance to predict various criminal offenses, including setting and scale criminal organization and conspiracy, providing mechanisms criminal order to protect the investigation and instructive powers of the Judicial Police, prosecutors and the judiciary. In the Criminal Procedure Law, the law provides various investigative mechanisms and means of obtaining evidence, such as the award-winning collaboration. The criminal organization is a growing reality in Brazil, worried the legislature in defining it as a combination of three (3) or more persons, orderly and structurally characterized the division of tasks, albeit informally, in order to obtain, directly or indirectly, an advantage of any kind through the commission of crimes whose maximum penalty is not less than four (4) years or that have a transnational character.

Keywords: Criminal organization. Criminal investigation. Evidence collection. Collaboration award. Criminal types.

Sumário:1 . Introdução. 2. Natureza jurídica da Organização Criminosa. 3. Elementos dos crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova. 4. Instrumentos Processuais. 5. Conclusão. 


1 . Introdução

O presente artigo tem por objetivo enfrentar os aspectos relevantes sobre a recente Lei nº 12.850/13, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, além de alterar o Código Penal em alguns pontos.

Basicamente, o conceito de organização criminosa ganhou contornos definidos, permitindo-se maior segurança jurídica e se compatibiliza com a estrutura do Direito Penal e seus princípios.

Antes da referida lei, o ordenamento jurídico brasileiro não era dotado uma definição legal, o que gerava insegurança jurídica. O artigo 288 do Código Penal trazia apenas o crime de quadrilha ou bando, nada especificando sobre a evolução das organizações criminosas.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado, chamada “Convenção de Palermo”, recepcionada pelo Brasil por meio do Decreto 5.015, de março de 2004, institucionalizou a “organização criminosa” como um grupo estruturado de três ou mais indivíduos, formado há tempo razoável, que atue com propósito organizado e concentrado de cometer uma um mais infrações graves.

Apesar da definição, várias posições jurídicas surgiram acerca da aplicabilidade ou não da aludida convenção, uma vez que, pelo princípio da legalidade, somente norma jurídica editada pelo Congresso Nacional poderia dispor sobre o Direito Penal.

De qualquer sorte, a Lei nº 9.034/95, mesmo sem definir o que seria uma organização criminosa, previa algumas consequências pela prática de crimes se o indivíduo estivesse enquadrado nas condições de integrante de organização, tais como a previsão do regime inicial fechado de cumprimento de pena, a possibilidade de redução da pena de 1/3 a 2/3 em caso de colaboração pelo agente que venha a levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria e a impossibilidade de concessão de liberdade provisória ou prestação de fiança pelo agente integrante da organização.

No dia 19 de setembro de 2013, entrou em vigor a Lei nº 12.850/13, a qual revogou a Lei nº 9.034/95, disciplinou toda a matéria relativa à organização criminosa, alterou o Código Penal quanto aos crimes de quadrilha ou bando, passando a ser constituir de três ou mais agentes, e, ainda, trazendo novas figuras penais e aumentando a pena de alguns crimes como falso testemunho.

No campo do Direito Processual Penal, a lei prevê mecanismos investigatórios, tais como a infiltração de agentes, a ação controlada, a colaboração premiada e o acesso das autoridades a registros, dados cadastrais, documentos e informações da Justiça Eleitoral, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Destaca-se o instituto da “colaboração premiada”, como mecanismo até então inédito em nosso ordenamento. Diferencia-se da “delação premiada”, prevista em vários diplomas legislativos como se verá adiante, destacando o artigo 8º. parágrafo único, da Lei nº 8.072/90, o qual dispõe que o participante ou associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá  apena reduzida de um a dois terços.

A delação premiada foi também chamada pela doutrina de “traição benéfica”, pois implica a redução da pena como consequência da delação dos comparsas, e nela a redução da pena se subordina ao cumprimento dos requisitos: (1) colaboração voluntária (2) identificação dos demais co-autores; (3) recuperação total ou parcial do produto do crime, como sendo aplicável somente aplicável na sentença condenatória.

A colaboração premiada, instituto bem mais complexo do que a simples “delação premiada”, apresenta muitos outros requisitos e está inserido no ordenamento de diversos países, não sendo uma idéia nova no mundo. Aliás, sempre foi bastante difundida nos EUA e também na Itália.

Por outro lado, destaca-se que a Lei nº 12/850/13 é um microssistema jurídico, necessitando ser tratada em seus aspectos de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo.


2. Natureza jurídica da Organização Criminosa

O primeiro diploma legislativo a trazer o conceito de organização criminosa foi a chamada “lei do julgamento colegiado em primeiro grau” de crimes praticados por organizações criminosas, Lei nº 12.694/2012, que, previa em seu art. 2º:

(...) considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

 Como o diploma normativo versa sobre um instituto novo em nosso ordenamento jurídico, foi preciso a lei definir o que seria a organização criminosa, e também associação criminosa.

Nesse toar, diz o art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/13:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Como se pode observar, a Lei nº 12.850/13 derrogou a Lei nº 12.694/12 quanto à disposição sobre o que se compreende por organização criminosa.

Noutra ocasião, necessário se faz realizar uma distinção entre a organização criminosa e a associação criminosa, já que essa última é prevista pela nova redação do artigo 288 do Código Penal e refere-se a reunião entre três pessoas, de cunho menos sofisticado do que a organização criminosa, a qual, por sua vez, exige a presença de, no mínimo, quatro agentes.

A pena prevista para a organização criminosa é de reclusão de 3 a 8 anos, enquanto a reprimenda in abstracto para a associação criminosa é de 1 a 3 anos de reclusão.

Relevante notar que não há mais o crime de “quadrilha ou bando”, que era previsto na redação originária do artigo 288 do Código Penal, passando-se a denominar “associação criminosa”.

A lei nº 12/850/13 prevê como crime “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Trata-se de crime que exige cinco requisitos, quais sejam: i - associação de quatro ou mais pessoas; ii- estrutura ordenada com estabelecimento organizado e sofisticado, com organograma hierarquizado; iii- divisão de tarefas entre os componentes do grupo, com repartição de afazeres; iv- com objetivo de praticar infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou mediante prática de infrações penais de caráter transnacional; v- obtenção de vantagem de qualquer natureza.

No que tange aos aspectos específicos da natureza jurídica desse crime, tem-se que é injusto penal plurissubsistente, uma vez que é praticado em vários atos e também plurissubjetivo (ao exigir o concurso de agentes). É crime comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa. O tipo penal apresenta várias elementares alternativas (tipo misto alternativo), configurando, naturalmente, um delito apenas quando o agente pratica mais de uma conduta prevista na norma proibitiva.

A mera constituição de uma organização criminosa, como preenchimento dos requisitos acima apresentados, já permite que o crime se consume, desde que haja dolo de obter vantagem ilícita de qualquer natureza.

Vale destacar que o legislador foi proativo ao conduzir ao texto legal a expressão “interposta pessoa” como situação que também se insere no tipo penal, hipótese, aliás, muito comum na formação e exercício nas organizações criminosas.

O crime é permanente porque sua consumação se protrai no tempo, não admitindo a incidência de institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95.

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Visando a proteção dos trabalhos investigativos, o §1º do art. 2º dispõe que “nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.”

Já o § 2º cuida de uma hipótese de aumento de pena, estipulando que “as penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo”, sendo que o § 3o agrava a pena “para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.”

Outras causas especiais de aumento de pena constam do § 4º:

 A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I - se há participação de criança ou adolescente;

II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organiza


3. Elementos dos crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova.

A Lei nº 12.850/13 traz vários institutos de direito penal, prevendo alguns injustos penais, em especial ao capítulo que trata da organização criminosa, em seu capítulo I, e também no capítulo V, que cuida “Dos Crimes Ocorridos na Investigação e na Obtenção da Prova”.

O artigo 18 contém norma proibitiva para quem revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, com pena prevista entre 1 a 3 anos de reclusão, além da multa. Pretende a Lei proteger a intimidade de quem colabora para as investigações criminais em face da organização, visando, assim, protegê-la contra futuras investidas vingativas por membros da organização delatada.

Na redação do art. 19, há elementares de “imputar falsamente, sob o pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura da organização criminosa que sabe inverídicas”, com reprimenda de 1 a 4 anos de reclusão, inferior ao crime de denunciação caluniosa previsto no artigo 339 do Código Penal.

Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes é conduta tipificada no artigo 20, e contém pena de 1 a 4 anos de reclusão, sendo crime próprio, porque praticado pelo funcionário público ou pessoa outra que possa ter ciência do sigilo funcional.

Por fim, a conduta de “recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo” é apenada com reclusão de 2 meses a 2 anos e multa, direcionando-se a uma pena inferior à prevista pela Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 10, o qual possui previsão de reclusão de 1 a 3 anos.


4. Instrumentos Processuais

No campo do Direito Processual Penal, a lei aprimorou os mecanismos investigatórios, colacionando disciplinamento sobre  a infiltração de agentes, a ação controlada, a colaboração premiada e o acesso das autoridades a registros, dados cadastrais, documentos e informações da Justiça Eleitoral, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Quando houver indícios suficientes de que funcionário público integra a organização criminosa, diz o artigo 2º, §5º que “poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.”

Cuida-se da preocupação em evitar que, no desempenho de suas funções, o agente se utilize de sua função para impedir ou atrapalhar o normal desfecho das investigações formatadas contra ele, e, caso condenado o funcionário, a lei é severa na consequência da perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo, além da interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 08 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.

Cumpre asseverar que o último dispositivo foi além da consequência de inelegibilidade prevista pelo art. 1º, I, ‘e’, item 10, da Lei Complementar nº 64/ 90, sendo mais ampla, posto que a condenação transitada em julgado ao funcionário público enseja a interdição para o exercício de qualquer função ou cargo público, e não só os cargos oriundos de mandato eletivo.

A reprovabilidade da participação de um funcionário público em organização criminosa é evidentemente acentuada. Mas é ainda maior se houver indícios da participação de policiais nos crimes dessa lei, porque eles possuem função de, exatamente, combater o crime organizado. Quando eles mesmos cometerem tal crime, prevê o artigo 2º, §7º, que “a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.”

No entanto, dentre os instrumentos de Direito Processual penal, talvez o mais importante deles seja a colaboração premiada, prevista no artigo 4º da Lei nº 12.850/13, com a seguinte redação:

O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Inicialmente, destaca-se que colaborar é ajudar, auxiliar, cooperar ou contribuir para as investigações. Não basta, porém, uma simples colaboração desprovida de resultados, porque a norma exige que tal colaboração resulte na identificação de coautores, revelação da estrutura, prevenção de infrações decorrentes de atividades das organizações criminosas, recuperação total ou parcial do produto ou na localização de eventual vítima com sua integridade física preservada.

Note-se que os resultados acima mencionados são alternativos, e não cumulativos, podendo o agente ser beneficiado com o perdão judicial ou causa de diminuição de pena com a configuração de apenas um deles.

A “colaboração premiada” é prevista apenas na Lei nº 12/850/13 e não se confunde com a “delação premiada”, essa última constante do artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.072/90; artigo 14, da Lei nº 9.807/99; artigo 1º, §5º, da Lei nº 9.613/98; artigo 16, parágrafo único, da Lei nº 8.134/90; artigo 41, da Lei nº 11.343/06; e artigo 159, §4º, do Código Penal Brasileiro.

Além disso, analisando o aspecto prático-processual, a delação premiada é aplicada tanto nas investigações criminais quanto durante o processo penal, enquanto que a colaboração premiada não pode ser iniciada pelo juiz durante o processo penal, o qual terá irá homologar o ajuste feito entre o Ministério Público ou Autoridade Policial e o colaborador.

Contudo, é preciso notar que, conforme previsão do art. 3º da Lei nº 12/850/13, o instituto da delação premiada não foi derrogado, mas não se confunde com a colaboração premiada trazida pela lei ora em análise.

No entanto, há entendimentos de que a Lei nº 9.807/99, que regulou de forma geral e abrangente o instituto da delação premiada, revogou os dispositivos anteriores que disciplinavam o tema, quais sejam, aqueles dispostos no Código Penal e Leis nº 7.492/86, nº 8.072/90,  nº 8.137/90 e 11.343/06), em aplicação à norma do § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual: “lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Atualmente, esse mesmo raciocínio não pode prosperar, diante da ressalva expressa do artigo 3º da Lei nº 12.850/13, que manteve incólume o instituto da delação premiada, realizando natural distinção entre a colaboração premiada.

O grande problema é que na colaboração premiada há previsão do “perdão judicial” como consequência do ajuste, que será concedido independentemente de ser o colaborador primário, instituto que não era previsto, nesses moldes, na delação premiada prevista na Lei nº 9.807/99, a qual exige a primariedade do agente (art. 13).

Todavia, entende-se que, por ser norma geral, não há que se prejudicar o direito do réu reincidente, de forma que, o perdão judicial poderá ser aplicado em qualquer hipótese de delação premiada, desde que configurada a organização criminosa, porque a Lei nº 12.850/13 é de caráter geral e deve ser lida em conjunto com as previsões constantes das Leis nº 7.492/86, nº 8.072/90,  nº 8.137/90 e 11.343/06 e do Código Penal.

A colaboração premiada define-se como sendo um ajuste feito entre a autoridade policial (Delegado de Polícia Civil ou Federal), membro do Ministério Público, o colaborador integrante de organização criminosa (também chamado de investigado) e o seu defensor, acordo esse que tem por escopo um dos resultados previstos no artigo 4º, incisos I a V, da lei, ou seja, que resulte na identificação de coautores, revelação da estrutura, prevenção de infrações decorrentes de atividades das organizações criminosas, recuperação total ou parcial do produto ou na localização de eventual vítima com sua integridade física preservada.

Advirta-se que, para garantir a imparcialidade do magistrado, o artigo 4º, §6º, prevê:

O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Contudo, para ter efeitos jurídicos, a negociação deve ser levada ao magistrado para homologação, quando ele poderá ouvir, sigilosamente, o investigado ou seu defensor, antes de fazê-lo. Outrossim, havendo ilegalidades ou se a negociação não preencher a finalidade a que é posta, o juiz poderá deixar de homologá-la (§6º).

Havendo a homologação, a conduta criminosa do investigado-colaborador poderá ser perdoada, ou sua pena poderá ser reduzida em até 2/3 (dois terços) ou mesmo substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Para obtenção das benesses da colaboração premiada exige-se do juiz uma cuidadosa análise probatória da potencialidade do que por ele fora alegada, já que o instituto não pode ser meio utilizado por confissão aduzida por meio de falsas promessas. A esse respeito, a própria lei menciona, textualmente, que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.” (artigo 4º, §16)

A colaboração deverá ser voluntária quanto ao aspecto subjetivo do  colaborador  e efetiva  quanto ao resultado.

Parte da doutrina critica o mecanismo e afirma que o instituto da colaboração premiada provoca uma dupla deslealdade, tendo em vista que há princípios rígidos de fidelidade no interior da organização (primeira deslealdade), e a traição é punida com morte, não sendo o Estado capaz de impedi-la (segunda deslealdade).

Daí que, nenhum indivíduo integrante de organização criminosa atuaria em detrimento de seus comparsas se não houvesse a devida proteção. A par disso, a lei prevê uma série de direitos que são garantidos ao colaborador. Estão eles constantes do artigo 5º:

São direitos do colaborador:

I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

Apesar da previsão de tais “direitos do colaborador”, a experiência mostra que haverá uma grande dificuldade na aplicação da colaboração premiada, pois, devido as duras consequências que o colaborador poderá sofrer, é muito comum ele não entregar os parceiros.

Será mesmo que a colaboração é típica de momentos de crise do poder investigativo do Estado?

Entende-se, que, na verdade, trata-se de mais uma ferramenta visando auxiliar o Estado no combate à criminalidade organizada, ao lado de vários outros instrumentos previstos no artigo 3º da Lei nº 12.580/13:

Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I - colaboração premiada;

II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;

III - ação controlada;

IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;

V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;

VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;

VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;

VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

A lei traz requisitos para o ajuste, que deve ser feito por escrito e conter o relato da colaboração e seus possíveis resultados; as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor, bem como a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família (art. 6º).

Além da colaboração premiada, o artigo 8º traz em seu bojo o instituto da ação controlada, por ele mesmo definido como o retardamento da intervenção policial ou administrativa relativa às condutas da organização controlada, sendo que o retardamento objetiva a observação e acompanhamento para que mais evidências e indícios sejam colidos em face dos integrantes, modus operandi e estrutura do grupo criminoso.

A infiltração de agentes de polícia em organização criminosa, constante do artigo 10, é importante mecanismo para desvendar a ação delituosa, e será autorizada judicialmente, por meio de procedimento evidentemente sigiloso, circunstanciado, motivado e limitado, por meio de representação do delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público.

Por fim, visando a facilitação da colheita de provas contra criminosos que integram essas organizações, a norma do art. 15 autoriza o acesso do Promotor de Justiça e do Delegado de Polícia de dados de indivíduos junto à Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito que não depende de autorização judicial.

Vale destacar que o acesso a dados telefônicos não se confunde com a interceptação telefônica, já que aquele traduz apenas na obtenção de informações cadastrais de indivíduos ligados à organização criminosa, enquanto a interceptação telefônica é mecanismo de monitoramento de conversas via autorização judicial, conforme previsto pela Lei nº 9.296/96.


5. Conclusão

A organização criminosa é uma realidade crescente no Brasil, não se limitando mais apenas a atuação em países europeus e nos EUA.

Nesse raciocínio, a criação da colaboração premiada e outros institutos de cunho investigatório previstos na Lei nº 12.850/13 trará maior eficácia no combate ao crime e na desarticulação de organizações criminosas.

Por outro lado, é preciso que os institutos da lei sejam efetiva e corretamente aplicados. A colaboração premiada, tendo em vista que se trata de um instituto novo e pouco explorado na jurisprudência, deve ser difundido pela comunidade jurídica e pelos profissionais responsáveis por sua aplicação.

Outros instrumentos de cunho processual e investigatório, como a infiltração de agentes de polícia, são utilizados há muito tempo em países como Estados Unidos da América, como forte aliado na desarticulação de organizações criminosas de envergadura internacional.

O principal instrumento da Lei nº 12.850/13, a colaboração premiada, ao lado das demais técnicas de identificação do modus operandi de uma organização criminosa, constitui ferramenta de extrema importância e serão capazes de auxiliar o Estado na luta contra a criminalidade.

É preciso sempre levar em consideração que a colaboração premiada não fustiga a ética ou fomenta a idéia de deslealdade, tendo em vista que os indivíduos que compõem essas organizações criminosas já violaram o mínimo ético existente em nosso ordenamento, de modo que o incentivo ao auxílio aos órgãos do estado, delatando seus comparsas, apenas se mostra como uma forma de arrependimento pelo cometimento dos crimes.

Assim, ela está em consonância com a Constituição da República, com os princípios da isonomia, contraditório e ampla defesa, quando, para considerar válido o produto da colaboração, é preciso que venha associada com demais evidências probatórias colhidas em sede processual.

Na confluência dessas idéias, além de ser conveniente para instrução processual penal, a conduta do colaborador não é antiética, na medida em que demonstra arrependimento na prática de delitos na organização criminosa.

Não há falar-se que, ao prever o instituto, está a lei sendo desonesta,  uma vez que incentiva o criminoso a sair ou tentar sair da criminalidade organizada.

Como visto, para obtenção das benesses da colaboração premiada exige-se uma cuidadosa análise probatória da potencialidade do que por ele fora alegada, já que o instituto não pode ser meio utilizado por confissão aduzida por meio de falsas promessas, devendo ter conteúdo sério que possa levar ao desmantelamento da organização.

A Lei nº 12.850/13 também aponta um grande avanço legislativo ao prever vários tipos penais, inclusive definir e escalonar a organização criminosa e associação criminosa, fornecer mecanismos de ordem criminal de modo a proteger as investigações e aos poderes instrutórios da Polícia Judiciária, Ministério Público e do Poder Judiciário.

Por fim, um outro grande destaque é o aumento da pena ao crime do falso testemunho, que passou a ter pena de reclusão de 2 a 4 anos, garantindo-se, assim, maior eficácia no princípio da prevenção geral.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, LEI Nº 12.850, de 02 de agosto de 2013.

_________. Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995.

_________. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990

_________. Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012.

_________. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

_________. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

_________. Código Penal - DECRETO-LEI No 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

_________. Código de Processo Penal. DECRETO-LEI Nº 3.689,de 03 de outubro de 1941.

_________. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

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Sobre o autor
Rafael Lopes Lorenzoni

Juiz de Direito e Professor Universitário. Especialista em Direito Penal e Processual Penal; Direito Empresarial; Direito Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORENZONI, Rafael Lopes. Aspectos relevantes sobre a organização criminosa na Lei nº 12.850/13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4755, 8 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34484. Acesso em: 25 abr. 2024.

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