Em 2013, em meio às pretensões presidenciais de impor maiores restrições à venda de armas de fogo, a população norte-americana deu um claro recado de seu entendimento sobre o assunto e bateu o recorde de compra de armas na Black Friday, tradicional liquidação no comércio. Foram 144 mil vendas em um só dia e o entendimento geral buscou justificar o número tão expressivo no receio de que, de fato, comprar esses artefatos nos Estados Unidos se tornasse mais difícil.
Este ano, já com sucessivas derrotas do presidente Barack Obama na questão das armas e um congresso ainda mais conservador, a possibilidade de que restrições à sua aquisição sejam realmente impostas é quase nula. Mesmo assim, sem influência de qualquer receio de restrições, os dados sobre a venda de armas de fogo na nova edição da Black Friday são ainda mais expressivos.
De acordo com as informações do FBI, órgão responsável por checar os antecedentes criminais de quem pretende adquirir uma arma de fogo nos EUA, na edição 2014 da Black Friday foram realizadas cerca de 175 mil verificações, patamar superior ao recorde de vendas da edição do ano anterior, mesmo sem considerar que muitas das consultas resultam na aquisição de mais de uma arma por um mesmo interessado.
Embora sejam quantitativos bastante expressivos para um único dia, o movimento, se comparado aos dias comuns para o comércio de armas nos Estados Unidos, se mostra compatível com a dimensão de uma mega liquidação. De acordo com os mesmos dados do FBI, durante todo o ano de 2013 foram realizadas 21 milhões de consultas a antecedentes criminais para a compra de armas de fogo, o que corresponde a 57,5 mil checagens diárias. Independentemente da grande liquidação da primeira sexta-feira posterior ao Dia de Ação de Graças, portanto, o que os números confirmam é uma consistente tendência de aumento na quantidade de armas legalmente em poder da população norte-americana, cujo somatório já alcança aproximadamente 280 milhões, ou já perto de uma arma para cada habitante.
Em sentido inverso ao forte armamento de sua população civil, os Estados Unidos experimentaram, em 2013, mais um decréscimo em seus índices de criminalidade, que novamente se comparam aos da década de 60. Foram 14.196 assassinatos, o que corresponde a uma taxa de homicídios de 4,4 por 100 mil habitantes, dos quais 3 foram cometidos com armas de fogo. No geral, de acordo com o relatório anual do FBI, a criminalidade foi reduzida, em relação a 2012, em 4,4%.
São números invejáveis, que sequer chegam à metade da taxa de homicídios considerada aceitável pela ONU (10 / 100 mil) e que vêm contribuindo decisivamente para sepultar, em definitivo, o mito de que uma sociedade legalmente mais armada é mais violenta. Ilustrativamente, há hoje no Brasil cerca de 650 mil registros de armas de fogo ativos junto ao Sistema Nacional de Armas (SINARM), gerido pela Polícia Federal, e, ao mesmo tempo, fechamos o ano de 2012 - o mais recente com dados disponíveis - com uma taxa de 29 assassinatos por 100 mil habitantes.
O comparativo dos números americanos com os brasileiros é vexatório. Por aqui, as armas legalmente registradas para o cidadão somam irrisórios 0,23% das de lá, perfazendo uma taxa de armas por cidadão 296 vezes menor (0,003 aqui contra 0,89 lá). Em contrapartida, a taxa de homicídios brasileira supera a estadunidense em mais de seis vezes e meia (29 / 100 mil aqui contra 4,4 / 100 mil lá).
Com dados tão claramente expostos, impossível não indagar: qual política de regulamentação das armas é a mais adequada, a que põe o cidadão legalmente armado como aliado para a manutenção da segurança, ou a que o vê como inimigo que precisa ser desarmado? Não é necessário responder, a frieza e a objetividade dos números já o vêm fazendo há bastante tempo.