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A disposição dos juros no nosso ordenamento jurídico

06/05/2016 às 16:36
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Há uma grande lacuna a respeito da limitação das taxas de juros. O consumidor deve ficar atento às leis que o protegem para se ver livre das engenharias financeiras utilizadas pelos bancos para persuadi-los.

Antes de tudo é preciso dizer que a Lei da Usura nunca foi revogada. Se a Lei da Reforma Bancária inovou na matéria, o fez permitindo que o Conselho Monetário Nacional pudesse limitar as taxas de juros. Se já havia um limite posto, este "limitar", obviamente, se referia à fixação de novo limite menor, jamais maior, pois a lei não permitiu a liberação.


Juros no novo Código Civil

No âmbito do Código Civil de 2002, na ausência de estipulação entre as partes, foi estabelecida uma taxa de juros legais moratórios, equivalente à taxa de juros decorrente da mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional (art. 406).

Em qualquer caso, a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é definida pelo art. 161, § 1.°, do Código Tributário Nacional “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês” e art. 5.° do Decreto 22. 626/33 “Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais.”, o que se afirma na exata medida em que a taxa Selic, instituída por leis ordinárias (Leis 9.065/95 e 9.779/99), não pode ser aplicada em detrimento do art. 161, § 1. °, do CTN, em razão do princípio da hierarquia, vez que o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei materialmente complementar (art. 34 do ADCT).

Assim, se o art. 161, § 1.°, do CTN, materialmente complementar, determina que a taxa para pagamentos de tributos é mora de 1% ao mês, essa é a taxa legal de juros moratórios. Nesse sentido, mesmo com a revogação do § 3.° do art. 192 da Constituição Federal, os juros legais continuam sendo de 12% ao ano.

Vale salientar que o Código Civil de 2002 não estabeleceu uma taxa de juros legais compensatórios, fazendo-se mister a integração em razão da lacuna. Consequentemente, por analogia, a taxa de juros legais compensatórios é a mesma estipulada para os juros legais moratórios, ou seja, aquela referente à mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional: 1% ao mês (CC de 2002, art. 406 c/c o art. 161, § 1.°, do CTN).  

Como o limite imposto aos juros convencionais moratórios decorre dos art. 1° e art. 5° do Decreto Lei 22.626/33, conclusão semelhante se extrai do Código Civil de 2002 ao se interpretar o art. 406, cumulado com o art. 5°. do Decreto Lei 22.626/33 e art. 161, $ 1°., do Código Tributário Nacional.

Desse modo, ainda que o art. 406 do Código Civil de 2002 tenha definido apenas a taxa legal de juros moratórios, aplicável quando não houver convenção dessa espécie ou quando a lei determinar sua aplicação, certo é que as partes não poderão convencionar livremente esses juros, ainda que a Emenda Constitucional 40/2003 tenha suprimido o limite de 12% ao ano do § 3.° do art. 192 da CF de 1988.

É inquestionável que lei geral posterior não revoga e tampouco altera lei especial anterior. Assim, o Código Civil de 2002, de caráter geral, não revoga ou altera o Decreto-Lei 22.626/33, que regula e limita os juros nos contratos.

Adotando esse raciocínio, é que encontramos no Código Civil de 2002 a função social, a boa-fé, a probidade e a transparência como princípios contratuais expressos (arts. 421 e 422). Por essas razões é que o atual Código Civil está longe de liberar as taxas de juros convencionais moratórios, como pode parecer diante de uma primeira e desatenta leitura do seu art. 406.

Ressalte-se que o pacto de juros legais dobrados, consoante art. 1°. do Decreto-Lei 22.626/33, que limita os juros convencionais compensatórios ao dobro da taxa legal, deve também, respeitar o disposto no art. 406 do Código Civil, nos exatos termos do art. 161, $ 1°., do Código Tributário Nacional. Nesse caso, poderão ser aplicados juros legais dobrados, como prevê o art. 1.° do Decreto 22.626/33.

Portanto, no âmbito do Código Civil de 2002, em razão da revogação do art. 192, § 3.°, da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 40/2003, os juros legais compensatórios para os demais contratos – que não sejam de mútuo, cujo limite é fixado pelo art. 591, do Código Civil de 2002 em 1% ao mês (art. 406 cumulado com o art. 161, § 1.°, do Código Tributário Nacional) – não poderão exceder 2% ao mês, que passa, então, a ser o limite legal para esses casos. É que, em razão da insubsistência do § 3.° do art. 192 da Constituição Federal, o dobro dos juros legais (art. 1.° do Decreto 22.626/33), corresponde ao dobro de 1%, juros legais, de acordo com o art. 406, combinado com o art. 161, § 1.°, do Código Tributário Nacional.

Diante do exposto, no caso de juros moratórios, as partes ficam limitadas a convencioná-los à taxa de 1% ao mês, sendo esta a taxa legal de juros moratórios e, por analogia, a taxa legal de juros compensatórios.

 Considerando que o Decreto-Lei 22.626/33 limita o pacto de juros convencionais compensatórios ao dobro da taxa legal para todos os contratos, com exceção do contrato de mútuo que está subsumido art. 591, a taxa máxima de juros compensatórios que poderá ser pactuada nesses outros contratos no âmbito do Código Civil de 2002 é de 2% ao mês.

Sendo assim, por exemplo, nos financiamentos imobiliários, com exceção daqueles regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação que se submetem a limites especiais, além dos financiamentos de bens móveis em geral, as partes poderão prever taxa de juros compensatórios de 2% ao mês (Código Civil de 2002, art. 406, Código Tributário Nacional, art. 161, § 1.°, e Decreto 22.626/33, art. 1.°).”

Importante ressaltar que nos contratos de mútuo para fins econômicos, como o mútuo feneratício, ou seja, o empréstimo de dinheiro com o pagamento de juros compensatórios, esse limite não se aplica, posto que a taxa não poderá exceder a taxa fixada no art. 406.

O objetivo da lei, atendendo a função social, é de não permitir que o mútuo, especialmente o feneratício, possa levar o detentor do capital a um ganho exorbitante. Fica assegurada ao devedor a repetição do que houver pago a mais, no caso do contrato celebrado com infração a Lei de Usura, consoante art. 11 do Decreto-Lei 22.626/33. No caso de nulidade.

Dispõe o art. 184 do Código Civil de 2002, que a nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável.

Em todo caso, a quantia deverá ser restituída em dobro, a teor do que dispõe o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, segundo o verbete 159, da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não se aplica a regra da devolução em dobro no caso da cobrança excessiva de boa-fé. Nesse caso a devolução se faz pelo excesso acrescido de correção monetária e juros legais. De acordo com essa orientação, a mens legis foi coibir práticas gravemente culposas ou dolosas.

Todavia, na visão de Luiz Scavone, a orientação merece reparo. “No âmbito da responsabilidade contratual não há qualquer distinção entre culpa leve ou grave, de tal sorte que a simples cobrança negligente, mesmo que de boa-fé, deve ensejar a devolução dobrada. Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade em regra é objetiva. Portanto, de acordo com os arts. 42 e 51 do Código de Defesa do Consumidor, o contratante lesado poderá ver-se ressarcido de valor equivalente ao dobro do que eventualmente tenha pago em excesso, vez que é nula a parte da cláusula que estabelece juros excessivos, dando ensejo a ação declaratória, de repetição de indébito ou até consignatória, entre outras, em virtude do disposto nos arts. 6.°, III-IV; 42 e 51, XV, da Lei 8.078/90, além dos arts. 1.°, 4.°, 11 e 13 do Decreto 22.626/33”.


Leis especiais

Além dos limites impostos pelo Código Civil e pelo Decreto-Lei 22.626/33, outros decorrentes de legislação extravagante devem ser respeitados, senão vejamos:

O art. 25 da Lei 8.692/93, que regula o Sistema Financeiro da Habitação, impõe taxa efetiva de no máximo 12% ao ano.

Após a Emenda Constitucional 40/2003, inexistindo lei especial aplicável, a limitação juros pode ser assim resumida:

I - juros legais compensatórios: 1% ao mês (por analogia, Código Civil de 2002, art. 406 e Código Tributário Nacional, art. 161, § 1.°);

II - juros convencionais compensatórios nos contratos de mútuo: 1% ao mês (Código Civil de 2002, arts. 406 e 591); e,

III - juros convencionais compensatórios nos demais contratos: 2% ao mês, ou seja, o dobro da taxa legal de juros (Decreto 22.626/33, art. 1.°, Código Civil de 2002, art. 406, e Código Tributário Nacional, art. 161, § 1.°).”

IV -juros legais moratórios: 1% ao mês (Código Civil de 2003, art. 406, e Código Tributário Nacional, art. 161, § 1.°);

V - juros convencionais moratórios: 1% ao mês, na medida do art. 5.° do Decreto 22.626/33;


Usura

Os primeiros registros históricos de contratos comerciais já indicam a prática de juros. O famoso Código de Hamurabi, por exemplo, consigna limitações à cobrança de juros nos empréstimos.

Outra condenação surge na Política de Aristóteles. Apesar das diferenças entre o sistema grego e o hebraico, Aristóteles também condenou a usura com base em razões éticas: “A forma de obter riqueza mais odiada, e com mais razão, é a usura, que lucra a partir do próprio dinheiro, e não de seu objeto. Pois o dinheiro foi criado para ser usado em permuta, mas não para aumentar com usura (...) logo, esta forma de ganhar dinheiro é de todas a mais contrária à natureza.”

Os meios de comunicação têm realçado consideravelmente os efeitos da usura. A usura é tanto mais danosa quanto, em regra, suas vítimas são pessoas de poucos recursos, forçadas a recorrer a usurários para fazer frente a suas necessidades. Não é por menos que a Lei 1.521/1951 refere-se à situação de premente necessidade como elemento do crime de usura, e especifica como circunstâncias agravantes ser o crime cometido em época de grave crise econômica, ocasionar grave dano individual ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima. 

É certo que a manipulação da taxa de juros é uma ferramenta útil para a realização de política monetária do governo. Mas não é a única ferramenta, nem é imprescindível. Outros meios existem, como a oferta ou retirada de títulos do mercado, as normas que regulam a quantidade de moeda a ser mantida pelas instituições financeiras, regulamentos sobre crédito, a própria regulagem da quantidade de meio circulante disponível. É possível que, sob certas circunstâncias, a manipulação da taxa de juros possa ser mais eficiente que algum desses outros meios, mas o altíssimo preço que a população brasileira está sendo chamada a pagar permite duvidar dessa avaliação de “eficiência”.

Tampouco é razoável alegar que os bancos, por exemplo, dependem de altas taxas de juros para sua operação. Diversas experiências em todo o mundo têm revelado que os chamados micro empréstimos, ou seja, empréstimos de pequenas quantias para pessoas de baixa renda, com o objetivo de ajudá-las a melhorar suas condições de vida e com baixas taxas de juros têm uma taxa de retorno consideravelmente superior à de investimentos mais ortodoxos.

Infelizmente, a atuação governamental vem sendo no sentido de permitir aos detentores do grande capital a prática impune desse crime. Perto das quantias extorquidas pelo governos e pelas instituições financeiras, todo o montante obtido por agiotas, vale dizer, usurários sem alvará, reduz-se à insignificância.

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A doutrina pátria conceitua a usura, distinguindo as duas espécies, isto é, a usura pecuniária que está intrinsecamente ligada à taxa de juros (Lei 1.521/51, art. 4.°, a), e usura real, que envolve o conceito de lesão e lucros exorbitantes (Lei 1.521/51, art. 4.°, b).

Desse modo, a usura pecuniária, prevista no art. 4.°, a, da Lei 1.521/51, é ligada aos juros na exata medida em que representa sua cobrança exorbitante, acima dos limites impostos pela lei, além do ingresso em atividades exclusivas das instituições financeiras, assim consideradas aquelas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, nos termos dos arts. 17, 18 e 25 da Lei 4.595/64.

Já a usura real espelha o lucro patrimonial desproporcional, 20% acima do valor corrente, nos termos do art. 4.° da Lei 1.521/51, que é obtido em virtude do acordo de vontades entre as partes (o contrato), pelo qual uma delas abusa da urgente necessidade da outra, além de sua inexperiência e leviandade. Qualquer taxa de juros que suplante o limite de 20% sobre o valor médio de aplicação constitui taxa abusiva e, consequentemente, usura real.

As aterradoras taxas de juros que são praticadas pelos estabelecimentos oficiais, faz com que o crédito se torne mais difícil, exigindo parâmetros inacessíveis à maior parte da população brasileira e ao micro e pequeno empresário, impossibilitando o cumprimento dos requisitos para obtenção de empréstimos.

Para obtenção de recursos, por exemplo, do BNDS, FAT e FNE, são exigidos garantias reais de 130%, em média, do valor financiado, ao passo que o percentual destinado a capital de giro não chega a 10%.

Com isso, surgem os financiamentos alternativos, onde pessoas inescrupulosas, aproveitando-se dos lucros excepcionais do negócio em detrimento da economia e da sociedade em geral.


O instituto da mora

Mora é a inexecução culposa ou dolosa da obrigação. Também se caracteriza pela injusta recusa de recebê-la no tempo, no lugar e na forma devidos. A mora pode ser por parte do devedor ou do credor. O Código Civil de 2002 traz em sua redação, mais precisamente nos artigos 394 ao 401, uma breve definição de mora e quando esta ocorre.

Identificando no comportamento moroso um ato humano, não podemos deixar de expor o pensamento do mestre Cáio Mário da Silva Pereira, citado no por Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho em sua obra “Novo Curso de Direito Civil”.

“não é, também, toda a retardação no solver ou no receber que induz mora. Algo mais é exigido na sua caracterização. Na mora solvendi, como na accipiendi, há de estar presente um fato humano, intencional ou não intencional, gerador da demora na execução. Isto exclui do conceito de mora o fato inimputável, o fato das coisas, o acontecimento atuante no sentido de obstar a prestação, o fortuito e a força maior, impedientes do cumprimento”.

Enfocando mais diretamente em mora do devedor, pode-se caracterizá-la quando o próprio devedor não cumprir, por sua culpa, a prestação devida na forma, tempo e lugar estipulados. A mora do devedor pressupõe um elemento objetivo e um elemento subjetivo. Temos por elemento objetivo a não realização do pagamento no tempo, local e modo convencionados. O subjetivo, no entanto é a inexecução culposa de sua parte, esta, se manifesta de duas formas: Mora ex persona e mora ex re.

Mora ex re é a que decorre da lei, aquela que resulta do próprio fato da inexecução da obrigação, independendo, de provocação do credor. Como prevista no Código Civil nos artigos 390 e 398. Mora ex persona, entretanto, ocorre quando o credor deva tomar certas providências necessárias para constituir o devedor em mora. É o que estipula o parágrafo único do artigo 397 do Código Civil, e os artigos 867 a 873 e 219 do Código de Processo Civil.

O credor pode também incidir em mora se recusar-se a receber, injustamente, o pagamento no tempo, forma e lugar indicados no título constitutivo da obrigação. Neste caso, são outros os requisitos que devem ser verificados. São eles: A existência de dívida positiva, líquida e vencida; Estado de solvência do devedor; Oferta real da prestação devida pelo devedor; Recusa injustificada, em receber o pagamento; Constituição do credor em mora.

Fala-se em oferta real, e não simplesmente uma promessa, nos estritos termos da obrigação pactuada, pois não se configura mora do credor quando não há essa certeza de animus do devedor em pagar a obrigação.

Na ocorrência da mora, surgem os juros. Estes podem ser compensatórios ou moratórios. Juros compensatórios, supracitado nesse trabalho, são aqueles que remuneram o credor por ser privado de usar a coisa. Os juros moratórios, não obstante, consistem na Indenização pelo retardamento do adimplemento. Os juros moratórios podem ser: Convencionais, quando as partes estipularem a taxa de juros moratórios até 12% anuais e 1% ao mês; E legais, se as partes não os convencionarem, pois, mesmo que não se estipulem, os juros moratórios serão sempre devidos.

A mora pode ser extinta através da purgação ou emenda desta, que nada mais é que pagar a dívida, ou seja, credor e devedor deixam de ter obrigações entre si. As implicações são: os juros e multa deixam de correr e a dívida se extingue.

A purgação da mora por parte do devedor efetiva-se como já dito antes com a oferta real, devendo abranger a prestação mais os prejuízos causados pelo atraso. Caso se trate de prestação pecuniária deverá ser corrigida monetariamente, caso seja necessário. É o que consta no artigo 401 inciso I do Código Civil de 2002.

Por parte do credor, a emenda se dá quando este se oferece a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data, como traz a redação do inciso II do artigo 401 do Código Civil de 2002. Deve ainda o credor indenizar o devedor por todos os prejuízos que este experimentou por força de seu atraso.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTELA, Victor Carvalho. A disposição dos juros no nosso ordenamento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4692, 6 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34677. Acesso em: 7 nov. 2024.

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