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O foro por prerrogativa de função em sede de improbidade administrativa:

uma controvérsia política

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3 APLICABILIDADE DA PRERROGATIVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Diante disso, resta-nos questionar acerca da aplicação do citado instituto da prerrogativa de foro no âmbito da improbidade administrativa, que, conforme elucidado, nem sempre se caracteriza como uma vantagem ou um privilégio, podendo, contudo, apresentar-se como ferramenta hábil ao afastamento de injustiças, muitas vezes causadas por questões meramente políticas (no sentido informal do termo).

A questão é: no caso de prática de ato de improbidade administrativa por agente detentor de prerrogativa de foro, como, por exemplo, o prefeito, qual o juízo competente para o ajuizamento da ação civil?  Pela lógica da prerrogativa, a competência originária seria do órgão imediatamente superior (na hipótese exemplificativa, o Tribunal). Todavia, não é esse o entendimento que a jurisprudência pátria tem consolidado, vez que tem apontado em muitos casos para a competência do juízo de primeiro grau, conforme segue:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADO DURANTE A CHEFIA DE PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. EX-PREFEITO ATUALMENTE NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA PROCESSAR E JULGAR A LIDE.    "'O Supremo Tribunal Federal tem advertido que, tratando-se de ação civil por improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição da competência originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois a ação civil em questão deverá ser ajuizada perante magistrado de primeiro grau' (STF, Plenário, AgPet n. 4.089, Min. Celso de Mello; T1, AgREAI n. 556.727, Min. Dias Toffoli; T1, AgRgAI n. 637.566, Min. Ricardo Lewandowski; T2, AgRg n. 790.829, Min. Cármen Lúcia; T2, AgRgAI n. 538.389, Min. Eros Grau)" (ACP n. 2013.019975-4, de Brusque, rel. Des. Newton Trisotto, j. 14-5-2013).   RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.012317-1, de Brusque, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 15-04-2014). (Grifo nosso)

Nesta senda, sustenta-se a ausência de simetria entre a jurisdição penal e a civil, conquanto o instituto da prerrogativa de foro se aplica tão somente às ações penais, de acordo com a previsão constitucional (a exemplo dos artigos 102 e 105). Sendo o ato de improbidade administrativa intentado por Ação Civil Pública, sua natureza jurídica afasta, sob este prisma, o instituto em comento.

A priori, não é difícil concordar com tal tese.

No entanto, na subsunção da norma, na análise do caso concreto, levando-se em consideração os fatos e realidades sociais, conforme disciplina o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, inexoravelmente surgem duas importantes e necessárias indagações.

Primeiro, malgrado se intente por Ação Civil, o ato de improbidade administrativa gera sanções de que natureza?

Sabe-se que, para ser considerado crime, o ato deve ser punível com reclusão ou detenção, e, para ser considerado ao menos contravenção, com prisão simples ou multa. A improbidade não gera nenhuma dessas punições (nem mesmo a multa, pois diverge na espécie, sendo, portanto, uma multa civil a aplicada), logo não se enquadra na esfera da jurisdição penal. No entanto, algumas das sanções impostas, sem dúvidas, possuem um caráter punitivo, o que, embora não a coloque em uma Ação Penal, empresta à Improbidade Administrativa características semelhantes, justificando, em grau de especialidade da natureza jurídica, a aplicação equiparada do instituto da Prerrogativa.

Finalmente, sob outro viés, em uma análise ainda mais dedicada ao social, cabe questionar: o processamento e julgamento em primeiro grau não aumentaria as chances de ajuizamento por questões políticas? Um bom exemplo é o daquela pequena cidade, na qual todos se conhecem. Mesmo que inconscientemente, as pessoas podem sim ser influenciadas pelas histórias tradicionais no meio “político” (lembrando que os servidores públicos envolvidos são seres humanos comuns, portanto não estão imunes, como a Lei ingenuamente prevê). Neste sentido, vale a pena se pensar.

Porém, a referida matéria não é exclusividade deste estudo. A Lei Federal n. 10.628/02 propôs o mesmo, acrescendo o §2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal Brasileiro, in verbys:

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

(...)

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Mas, a alteração legislativa não durou muito. O §2º foi julgado inconstitucional em 2005, diante da ADI 2797, na qual o Supremo Tribunal Federal decidiu que, se a Constituição não previu, a lei ordinária não poderia estabelecer a competência originária.

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De modo diverso, em outra decisão, o STF apontou que a competência para processar e julgar uma ação de improbidade contra um dos Ministros do Supremo seria do próprio Tribunal (Pet 3211 QO, Relator p/ Acórdão Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2008).

O mesmo caminho tomou o Superior Tribunal de Justiça:

(...) norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembleia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. (...) (Rcl 2790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 02/12/2009)

Contudo, ambos acabaram voltando atrás. A partir de decisões monocráticas dos atuais ministros da STF (Min. Celso de Mello - Pet 5.080, DJ 01/08/13; Min. Marco Aurélio - Rcl 15.831, DJ 20/06/13; Min. Joaquim Barbosa - Rcl 15.131 DJ 04/02/13; Min. Cármen Lúcia - Rcl 15.825, DJ 13/06/13; Min. Rosa Weber - Rcl 2.509, DJ 06/03/2013), nota-se que o provável é o afastamento da prerrogativa de foro nos casos de improbidade, assim como passou a se entender no STJ:

“a ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade.” (AgRg na Rcl 12514/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 16/09/2013).

Entretanto, o tema não está “morto”, o entendimento não é pacífico. Portanto, haja vista os fins sociais do direito e as questões políticas elencadas, a prerrogativa pode ser ainda aplicada, pois fundamento lógico para tal é indiscutível que há.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todos esses apontamentos teóricos e práticos, fica evidente que não se pode parar de perquirir. O tema possui sua relevância.

Embora a previsão constitucional atribua apenas às Ações Penais o instituto do foro por prerrogativa de função, a gravidade das sanções justifica um repensar. Não obstante, as questões políticas que podem interferir, consciente ou inconscientemente, apresentam-se, de modo deveras claro, na sociedade brasileira.

Desse modo, o próprio Poder Legislativo buscou resolver essa controvérsia, juntamente com algumas decisões do STF e do STJ, estabelecendo a aplicação da prerrogativa nas ações de improbidade. Porém, recentemente, os posicionamentos, aos poucos, foram balançando para o outro lado. E, hoje, os mesmos tribunais se manifestam contra a prerrogativa nestes casos, a partir do argumento de se ferir a competência constitucional (sob este aspecto, só seria possível com uma emenda à constituição).

Por fim, resta-nos aguardar pelo amadurecimento da matéria.

O fato é que não se trata de uma busca por favorecimento de “políticos”, como a grande maioria das pessoas pensariam. O objetivo com esta pesquisa é simples: fazer-se cumprir os direitos de cada indivíduo, apesar de seus erros. Pois, nem mesmo o interesse público pode ser motivo para o cometimento de injustiças e perseguições.

Exemplificando, certa vez, um Promotor de Justiça, em pleno Tribunal do Júri, ao pedir a desclassificação do crime, disse: “embora a lei diga que tenho a função de acusar, eu, enquanto representante da Instituição Constitucional do Ministério Público, estou aqui não só para isso, mas, muito antes, para defender a sociedade”. E completou: “e este homem, que hoje é tido como acusado, malgrado tenha incorrido em erros, também faz parte desta mesma sociedade”.

Assim deve ser um Estado que se diz Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 26 de mai. 2014.

______. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em 14 mai. 2014.

FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros,  2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

______. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. Malheiros: Rio de Janeiro, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª Ed., São Paulo: Atlas, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 1999.

RODRIGUES, Vinícius Campos. Prerrogativa de Função e Foro Privilegiado e a sua aplicabilidade. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/prerrogativa-de-funcao-e-foro-privilegiado-e-a-sua-aplicabilidade-5946592.html>. Acesso em: 23 jun. 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal, Vol. II. 24a. ed., Saraiva: São Paulo, 2002.

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Sobre os autores
David Schlickmann

Acadêmico do curso de Direito, Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE, Orleans/SC.

Odair José Trombeta

Acadêmico do curso de Direito, Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE, Orleans/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHLICKMANN, David ; TROMBETA, Odair José. O foro por prerrogativa de função em sede de improbidade administrativa:: uma controvérsia política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4773, 26 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34760. Acesso em: 22 dez. 2024.

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