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Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012

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30/05/2016 às 13:04
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3. CRITÉRIOS ORIENTADORES PARA A APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Observado o procedimento legal necessário e os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na legislação ordinária infantojuvenil, julgado procedente o pedido contido na representação formulada pelo Ministério Público ou concedida remissão, cumulada com a aplicação de medida socioeducativa, será feita a escolha da medida legal tida como adequada para suprir os déficits sociopedagógicos apresentados pelo adolescente.

A escolha da medida a ser aplicada ao adolescente deve observar alguns requisitos legais e critérios de orientação próprios, pois a medida socioeducativa possui objetivos e princípios que lhe são peculiares, alguns deles válidos tanto para a sua aplicação quanto para a execução.

Segundo Ferrandin (2009, p. 96) “[...] deverá o juiz, quando da aplicação da medida socioeducativa, observar nuances específicas, norteadas na situação peculiar dos adolescentes e que não se fazem presentes nos parâmetros de expiação de pena aos adultos [...]”

Conforme estabelece o art. 112, § 1º, do ECA, “A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.”

De acordo com o art. 100, caput, do Estatuto, na aplicação das medidas deve-se observar ainda as necessidades pedagógicas da criança e do adolescente, dando-se preferência para aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Além disso, é possível a cumulação de medidas, assim como a sua substituição, quando necessária ou recomendável (art. 99 c/c art. 113 do ECA; art. 43 da Lei do SINASE).

É importante salientar também que na interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente serão levados em consideração os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, além da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA).

O levantamento de todos esses fatores será feito não apenas com a simples verificação da situação processual do adolescente, à vista da sua certidão de antecedentes, mas pela análise de todas as informações sobre os fatos e a sua pessoa, trazidas aos autos com a representação ministerial e por meio dos elementos colhidos ao longo da instrução processual.

Na audiência de apresentação as perguntas feitas ao adolescente não se prenderão unicamente ao ato infracional a ele atribuído, mas também a aspectos da sua vida pessoal, familiar, educacional e social. Além disso, conforme o art. 186, caput e § 4º, do ECA, tanto na audiência de apresentação quanto na audiência em continuação, o Estatuto permite à autoridade judiciária valer-se da contribuição que poderá ser trazida por estudo de profissional qualificado ou de equipe técnica interprofissional, a serviço do juizado da infância e juventude.

Tanto na fase do processo de conhecimento quanto no cumprimento das medidas socioeducativas é importante a contribuição proveniente do trabalho de equipe técnica interdisciplinar, que pode trazer subsídios preciosos para o magistrado decidir com maior segurança e fazer a escolha adequada da medida legal a ser aplicada, bem como para que proceda à reavaliação da medida, no momento oportuno.

Os Assistentes Sociais, Pedagogos, Psicólogos, profissionais de saúde, dentre outros, que podem integrar a equipe técnica interdisciplinar, são como uma espécie de longa manus do juiz da infância e da juventude, cujo trabalho não se limita a entrevistas em dependências dos fóruns. Envolve visitas domiciliares, contatos com vítimas ou com familiares e vizinhos do adolescente em conflito com a lei, articulações perante estabelecimentos de ensino, Conselhos Tutelares, entidades, programas e unidades de atendimento socioeducativo e protetivo etc.

Discorrendo sobre o tema, Digiácomo (2012, p. 5) ressalta que

[...] É preciso ter em mente que o conhecimento jurídico não é “hegemônico”, e se é verdade que a lei fornece alguns dos parâmetros a serem seguidos, é fundamental considerar e respeitar o trabalho dos profissionais de outras áreas do saber que, na forma da própria lei, são co-responsáveis não apenas pelo atendimento “formal” do caso (e/ou pela eventual elaboração de “laudos” e “estudos psicossociais”), mas também, como dito, por sua efetiva solução, para o que deverão observar os conhecimentos específicos inerentes à sua técnica, que não podem ter sua importância diminuída e/ou serem pura e simplesmente ignorados pela autoridade judiciária.

No processo de execução há a atuação obrigatória da equipe técnica interdisciplinar da entidade ou do programa de atendimento, com a necessidade da elaboração do Plano Individual de Atendimento do adolescente em cumprimento de medida (PIA) e da conjugação de esforços para cumprir a proposta de atendimento nele apresentada. Contudo, diante das conhecidas deficiências, como a falta ou insuficiência de profissionais qualificados e da estrutura material das referidas entidades e programas de atendimento socioeducativo e protetivo, principalmente em municípios onde os programas de atendimento ainda não foram adequadamente estruturados, faz-se necessária a atuação de equipe técnica do próprio juizado da infância e juventude também na fase do cumprimento das medidas socioeducativas.

3.1 Capacidade de cumprimento da medida socioeducativa

A capacidade de cumprimento da medida tem a ver com os fatores ou condições de natureza pessoal do adolescente, como sujeito de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, capazes de influenciar no cumprimento e na eficácia da medida a ser escolhida.

Trata-se de análise feita à luz dos princípios e objetivos das medidas socioeducativas, tendo por escopo o alcance das finalidades de cunho retributivo e pedagógico preconizadas pelo ECA, em relação ao destinatário da medida.

A condição psicossocial, a formação e a necessidade de inserção ou reinserção educacional, as aptidões e talentos, a condição de saúde (inclusive sob o aspecto mental), a condição de usuário ou dependente químico, a idade, o possível envolvimento com a prática de crimes, já na condição de imputável, dentre outros fatores, precisam ser devidamente avaliados para que se escolha a medida ou medidas que melhor atendam ao requisito capacidade cumprimento.

Assim, por exemplo, para um adolescente dependente químico que pratica ato infracional equiparado a crime contra o patrimônio, impulsionado essencialmente pelo desejo incontrolável de alimentar o vício, não se mostra razoável pedagogicamente a aplicação da medida socioeducativa de internação, pois os transtornos resultantes do uso e abuso de substâncias psicoativas não são tratáveis por meio da medida extrema.

Sabe-se, no entanto, que na prática, para algumas situações excepcionais, em que o adolescente comete reiteradamente atos infracionais equiparados a infrações graves ou praticados com grave ameaça ou violência à pessoa, diante da sua resistência em se submeter a qualquer tipo de intervenção em sede de medida socioeducativa em meio aberto (cumuladas com medida protetiva), alguns juízes têm recorrido à internação, como estratégia para fazê-lo receber compulsoriamente atendimento perante os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para onde são encaminhados periodicamente pelos núcleos de medida socioeducativa de internação, conforme o estabelecido na sentença. É uma situação verificada principalmente nos casos em que inexiste CAPS especializado para atender crianças e adolescentes na comarca do juízo sentenciante.

Há previsão na Lei do SINASE para o atendimento e tratamento em saúde do adolescente imerso em medida socioeducativa, com transtorno mental relacionado ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas (arts. 60, inc. III e 64). Porém, a internação em estabelecimento educacional não é a forma pedagogicamente indicada para lidar com o adolescente autor de reiteradas infrações graves ou cometidas mediante grave ameaça ou violência à pessoa que também é usuário ou dependente químico, quando esta for a causa determinante da sua situação de conflito com a lei, pois o ideal é que ele receba a atenção em saúde sem necessariamente ter que ser internado em estabelecimento educacional, dada a excepcionalidade da medida de internação.

Essa pode ser inclusive a justificativa para a previsão legal da suspensão da execução da medida socioeducativa, a fim de que o adolescente que necessita de atenção integral à saúde mental possa ser atendido de forma condizente com a sua condição peculiar, conforme prescreve o art. 64, §§ 4º e seguintes, da Lei do SINASE.

Observa-se, no entanto, que é comum a ausência ou insuficiência de leitos em hospitais e nos CAPS, para fins de internação compulsória de dependentes químicos, desintoxicação e prosseguimento do tratamento medicamentoso e terapêutico, assim como é frequente a resistência do adolescente (somada à incapacidade dos pais para lidar com o problema) em se submeter a tratamento, enquanto inserido em medidas protetivas e socioeducativas de meio aberto.

Diante desse quadro, por vezes, nos casos de atos infracionais graves ou cometidos mediante grave ameaça ou violência à pessoa, a alternativa drástica encontrada tem sido a cumulação da medida socioeducativa de internação com a medida protetiva de inserção obrigatória em programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, prevista no art. 101, inc. VI, do ECA.

Obviamente, a eficácia e o alcance pedagógico e protetivo dessas medidas sobre a pessoa do adolescente deverão ser avaliados pelo juiz da execução assim que for apresentada a proposta do plano individual de atendimento (PIA) e também por ocasião da análise dos primeiros relatórios de acompanhamento das medidas.

É importante também frisar que se a alternativa excepcional em questão for adotada, deverá ser dado ênfase ainda maior aos aspectos da brevidade e excepcionalidade da medida socioeducativa de internação preconizados na Constituição Federal, no ECA e na Lei do SINASE, podendo a medida socioeducativa vir a ser suspensa, a fim de ser priorizado o tratamento à saúde do adolescente, conforme exposto anteriormente.

Em situações de aplicação excepcional da medida socioeducativa de internação cumulada com medida protetiva, nos moldes já expostos, avaliadas as demais circunstâncias do caso concreto, inclusive da realidade local, pode-se chegar a uma conclusão diversa. Pode-se, conforme o caso, optar pela aplicação da medida socioeducativa de liberdade assistida, cumulada com a medida protetiva de inclusão em programa de auxílio, orientação e tratamento a toxicômanos, com a possibilidade, em certos casos excepcionais, de internação compulsória para tratamento.

Conforme o texto do artigo 9º da Lei nº 10.216/2001: “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.”

A realidade em nosso país tem mostrado que são enormes as dificuldades enfrentadas para a concretização de direitos e garantias sociais conferidos à criança e ao adolescente, não sendo poucos os casos de pessoas que recorrem ao Poder Judiciário para a obtenção de medicamentos ou de tratamento de saúde. Contudo, apesar da atuação da justiça e do direito para a efetivação do atendimento integral e prioritário à criança e ao adolescente, a questão tem se revelado complexa e de difícil solução quando se trata de adolescente em conflito com a lei que também é usuário ou dependente químico e apresenta resistência a qualquer tipo de atendimento e tratamento.

Apesar disso, é importante salientar que a internação compulsória para tratamento relacionado à dependência química deve ser utilizada como última alternativa, depois de esgotadas outras medidas e recursos extra-hospitalares visando suprir os déficits sociais e pedagógicos apresentados pelo adolescente em conflito com a lei, responsáveis pela sua exposição a situações de risco e vulnerabilidade.

Não se deve perder de vista também que a internação compulsória para tratamento de dependência química deve ser precedida de autorização dos pais ou responsável pelo adolescente, assim como de avaliação multidisciplinar e laudo médico que justifique a sua adoção.

Em todo caso, é importante que se faça opção por medida(s) que melhor atenda(m) ao requisito capacidade de cumprimento pelo adolescente, sem se descuidar que a (s) medida(s) deve(m) resultar em proveito de integração social e também de recuperação da saúde do socioeducando, caso ele apresente carências também nessa área.

3.2 Necessidades pedagógicas da medida

Além do caráter sancionatório-aflitivo, que remete à ideia de retribuição em razão do mal causado e responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, as medidas socioeducativas justificam-se porque há a necessidade do suprimento de déficits pedagógicos apresentados pelo seu destinatário, o que requer a utilização de instrumental específico e apropriado na intervenção estatal.

Tal como foi observado em relação à capacidade de cumprimento, por ocasião da aplicação da medida socioeducativa deve ser averiguada também a sua necessidade pedagógica em relação ao adolescente que vier a recebê-la. Avalia-se, à luz dos princípios e objetivos da medida socioeducativa, se há algum fim pedagógico a ser alcançado com a sujeição do adolescente à medida legal, o que, inexistindo, pode ensejar até mesmo a extinção da pretensão socioeducativa ou da medida aplicada.

É o que pode acontecer, por exemplo, quando o adolescente já se encontra vinculado a uma medida socioeducativa com intervenção bastante ampla, como é o caso da internação por prazo indeterminado.

Tratando-se de medida socioeducativa já aplicada, a não ser que ocorra o juízo de retratação ou a reforma da sentença que a impôs, a avaliação sobre o cabimento da sua extinção, com base na ausência da necessidade pedagógica, será feita pelo juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, além da direção ou da equipe técnica interdisciplinar da entidade de atendimento socioeducativo, quando for o caso.

Verificada a ausência da necessidade pedagógica da medida após o recebimento da representação oferecida pelo Ministério Público, todavia, antes da sentença, pode ser o caso de extinção da pretensão socioeducativa, por falta de condição para o seu exercício pelo Ministério Público, na modalidade falta de interesse de agir (superveniente), com fundamento nos arts. 6º, 100, caput e parágrafo único, incs. II, IV, VI e VIII, c/c art. 113 do ECA, e no art. 395, inc. II, segunda parte, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento de apuração de ato infracional, conforme o art. 152 do ECA.

Pode também ser o caso de reunião de procedimentos de apuração de ato infracional ainda não instruídos ou sentenciados, para a concessão de remissão judicial, como forma de extinção do processo, nos termos dos arts. 126, parágrafo único, 186, § 1º, e 188 do ECA, para os atos infracionais praticados antes do ingresso do adolescente em medida socioeducativa de internação.

Cuidando-se de aplicação e execução de mais de uma medida socioeducativa, a forma de analisar e de buscar alternativas e soluções para as questões que costumam ser enfrentadas difere, sob variados aspectos, do raciocínio utilizado para a aplicação e execução de penas, pois, como já destacamos, as medidas legais aplicáveis a adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, embora possuam certo caráter aflitivo, precisam sempre estar voltadas para algum alcance sociopedagógico, ditado pelo déficit verificado no sujeito de direitos a quem é dirigida a medida. Avaliação dissociada desse contexto seguramente resultará no desvirtuamento da medida socioeducativa aplicada.

Conforme já salientado, no processo socioeducativo fatores relevantes não apenas para decidir sobre a aplicação de medidas legais, mas também para fazer a escolha da(s) medida(s) adequada(s) precisam ser avaliados criteriosamente pelo magistrado.

O julgador precisa estar atento a circunstâncias como, por exemplo, a data do ato infracional atribuído ao adolescente (fator que poderá influenciar no reinício de uma nova medida socioeducativa – art. 45, §§ 1º e 2º da Lei do SINASE); o cumprimento de outras medidas socioeducativas e/ou protetivas pelo adolescente; a situação pessoal, social, psicológica, familiar e educacional do adolescente; as modalidades de ato infracional ou comportamentos em desajuste social, não tipificados como crime, que o adolescente costuma praticar; a avaliação do plano individual de atendimento (relativo à medida socioeducativa cujo cumprimento já se iniciou); a necessidade de adequação da medida à situação vivenciada pelo adolescente logo que a situação de perigo for conhecida (em observância ao princípio da intervenção precoce – art. 100, parágrafo único, inc. VI, do ECA); a proteção integral e com prioridade que deve ser conferida ao adolescente; o eventual proveito pedagógico que poderá ou não ser alcançado com a sujeição do adolescente a uma nova medida; a compatibilidade e a possibilidade de cumprimento concomitante das medidas aplicadas de forma cumulativa, umas em relação às outras ou entre elas e aquelas medidas já em fase de execução etc.

É preciso ter em mente que a aplicação de medida socioeducativa precisa ser avaliada conforme a sua necessidade, para o caso concreto individualmente analisado, não podendo ser uma mera escolha, dentre as alternativas legais, ou uma responsabilização a mais para o adolescente, mediante o seu novo e compulsório encaminhamento ao programa de atendimento socioeducativo. A medida não deve, portanto, ser imposta com a perspectiva meramente retributiva, ainda que se considere que a sua escolha deva ser proporcional à gravidade do ato infracional praticado e que o juízo da execução também poderá avaliar sobre a sua conveniência para o caso específico do adolescente a quem ela foi aplicada.

Apesar de a Lei do SINASE arrolar como um dos objetivos das medidas socioeducativas a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, ela apresenta também como objetivo daquelas medidas a integração social do adolescente e a garantia dos seus direitos individuais e sociais, mediante o cumprimento das diretrizes estabelecidas no PIA (art. 1º, § 2º, incs. I e II), o que conduz ao ideal de superação das adversidades pretéritas e progressivo desenvolvimento do adolescente, ao longo do cumprimento da medida e após o seu término.

Alinhado a esse pensamento, antes mesmo do advento da Lei do SINASE, Frassetto (s.d., p. 11), já sustentava que “[...] O objetivo da medida é inibir a reincidência e não responsabilizar o jovem por cada uma das infrações por ele cometidas.”

A Lei nº 12.594/2012 não prevê expressamente que se o adolescente for inserido em medida socioeducativa de internação, os procedimentos relativos aos atos infracionais praticados anteriormente deverão ser extintos.

No entanto, uma vez aplicada a medida socioeducativa de internação em um determinado procedimento de apuração de ato infracional, a rigor, não faz mais sentido o processamento, com a instrução e o julgamento dos feitos em tramitação, instaurados em relação ao mesmo adolescente, relativos a fatos anteriores. Mesmo que venham a ser aplicadas em tais procedimentos por fatos pretéritos novas medidas socioeducativas de internação, na prática elas não terão influência sobre a duração da medida socioeducativa privativa de liberdade já iniciada, que não poderá extrapolar o prazo máximo de três anos, previsto no art. 121, § 3º, do ECA. Na verdade, os atos infracionais que deram ensejo a tais medidas são absorvidos pela medida extrema já cumprida ou levada à progressão, conforme o regramento estabelecido na parte final do art. 45, § 2º, da Lei do SINASE. Além disso, a medida socioeducativa de internação é norteada pelos princípios da brevidade, da excepcionalidade, da intervenção precoce, da proporcionalidade e atualidade, conforme estabelecem o art. 227, § 3º, inciso V, da Constituição Federal, os arts. 100, parágrafo único, incs. VI e VIII, e 121, caput, do ECA, além do art. 35, incs. II e V da Lei nº 12.594/2012.

A medida socioeducativa de internação somente poderá ser mantida enquanto for comprovadamente necessária, o que permite concluir que uma vez iniciada a sua execução, havendo prognóstico favorável na reavaliação que é feita no máximo a cada seis meses (art. 42 da Lei do SINASE), o adolescente, a rigor, terá direito à progressão de medida.

Vê-se, portanto, que a medida socioeducativa de internação não poderá ser mantida a pretexto da aplicação de nova medida de idêntica natureza, por fato anterior ao cumprimento da primeira medida ou progressão desta para outra medida menos grave.

A verificação sobre a necessidade e a utilidade pedagógica ou mesmo retributiva da medida socioeducativa comumente está mais acessível ao juiz singular (do processo de conhecimento ou da execução), que se encontra mais perto da realidade vivenciada pelo adolescente e sua família. Tendo em vista que antes de aplicar a medida socioeducativa, o julgador precisa estar a par, no mínimo, da situação processual experimentada pelo adolescente, não se concebe que ele proceda à escolha da reprimenda sem fazer uma avaliação prévia quanto à sua real necessidade e utilidade.

Tratando-se do juízo da execução, a autoridade judiciária tem ainda o dever de acompanhar o desenvolvimento do adolescente ao longo do cumprimento da medida socioeducativa, para o que se valerá das informações contidas no plano individual de atendimento e nos relatórios periódicos de acompanhamento da medida, elaborados pelos técnicos da entidade de atendimento socioeducativo.

A sistemática instituída pelo ECA e pela Lei do SINASE para o atendimento do adolescente em conflito com a lei orienta-se pela intervenção imediata e adequada às suas necessidades pedagógicas específicas. Cabe ainda ao Estado, por meio dos seus diversos órgãos e agentes, adotar as medidas apropriadas e eficazes para prevenir práticas infracionais ou suprir os déficits pedagógicos apresentados pelos adolescentes imersos em medidas socioeducativas e/ou protetivas, evitando que eles ingressem, permaneçam ou retornem a situações de risco, vulnerabilidade e conflito com a lei.

Não se justifica, portanto, o acúmulo de procedimentos de apuração de ato infracional não sentenciados em relação ao mesmo adolescente, muito menos a aplicação de medidas fora do tempo devido, máxime quando elas não possuam mais a objetividade pedagógica que justifique a sua imposição.

Abordando o tema em foco, ao tratar da unificação de medidas socioeducativas, Digiácomo (2012, p. 22), adverte que

[...] como a aplicação e execução de medidas socioeducativas não está sujeita ao "princípio da obrigatoriedade", mas sim aos princípios da oportunidade, da intervenção mínima, da intervenção precoce e todos os demais relacionados no art. 100, caput e par. único, do ECA e art. 35, da Lei nº 12.594/2012 (além, é claro, do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente), a previsão legal da unificação de medidas visa evitar, dentre outras, que o adolescente acumule procedimentos sem solução e receba a destempo, e de forma cumulativa, medidas que, a rigor, já perderam seu objetivo pedagógico.

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Conforme prescreve o art. 45, § 1º, primeira parte, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE), se o ato infracional que ensejou a nova medida socioeducativa foi praticado antes do início da execução de idêntica medida, em curso ou já cumprida, veda-se que o juiz (responsável pela execução), de posse de uma nova sentença e nova guia de execução, determine o reinício do cumprimento da medida socioeducativa.

Embora o dispositivo legal supracitado não vede uma nova aplicação de medida socioeducativa semelhante àquela já em execução, proíbe que ela seja reiniciada, o que, em termos práticos, significa que mesmo que venha a ser aplicada, a nova medida não poderá ser cumprida.

A análise do dispositivo de lei em questão sugere que quando se tratar de ato infracional anterior, não faz sentido que a medida socioeducativa com a mesma natureza daquela já em execução seja novamente aplicada ou que se adotem as providências legais para isso, a não ser que com a unificação haja mudança no prazo de cumprimento da medida, notadamente quando se tratar de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, conforme será tratado nos subitens 4.2.1 e 4.4.1.

Sob essa ótica, caso a medida socioeducativa em execução seja internação, apesar de não se ignorar o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal), pode eventualmente ser questionado o interesse de agir do Estado, representado pelo Ministério Público, titular exclusivo da ação, para a pretensão socioeducativa, desde que o ato infracional tenha sido praticado antes do cumprimento de prazo razoável da medida, da sua progressão para medida menos rigorosa ou da sua extinção.

Ainda que venha a ser aplicada uma nova medida socioeducativa de internação nas condições anteriormente descritas, o juízo da execução não poderá determinar que ela seja reiniciada, visto que há vedação legal neste sentido. Acresça-se que em tal hipótese o adolescente já se encontra inserido na medida socioeducativa mais grave e de maior amplitude aflitiva e sociopedagógica prevista no ECA, medida que está sujeita à progressão para as medidas socioeducativas de semiliberdade, liberdade assistida e/ou medida protetiva.

Há precedentes na jurisprudência sustentando o entendimento de que, por ausência de previsão legal, a justificativa de que o adolescente já se encontra inserido em medida socioeducativa de internação não é motivo suficiente para a extinção do procedimento de apuração de ato infracional, no seu início, na fase de instrução ou na de julgamento. Conforme alguns desses julgados, a execução de medida socioeducativa de internação não deve impedir a apuração da prática de ato infracional por fato anterior.

Observa-se, no entanto, que esses precedentes, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, são anteriores à Lei do SINASE. Além disso, disso, quando eles foram elaborados, parte da doutrina já se inclinava no sentido de que mesmo sendo levado adiante o procedimento de apuração de ato infracional nas condições anteriormente mencionadas, em caso de reconhecimento de responsabilidade, não deveria ser aplicada nova medida ao adolescente.

Apesar das considerações apresentadas e das inovações trazidas pela Lei do SINASE, a questão sobre a vedação da aplicação de nova medida de internação por atos praticados anteriormente ainda suscita controvérsias no meio jurídico, com questionamentos, inclusive, sobre a constitucionalidade do art. 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012.

Debruçando-se sobre decisões antagônicas de turmas julgadoras a respeito do tema no âmbito da própria corte, no dia 11 de outubro de 2013, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria de votos do seu órgão especial (4º Grupo Cível), proferiu um acórdão de uniformização de jurisprudência sob o nº 70056517204, nos autos do proc. CNJ nº 0376347-40.2013.8.21.7000 (disponível no DJ nº 5191, de 24.10.2013, Capital, 2º grau, p. 70), que ensejou a edição da Súmula nº 43 por aquela corte de justiça, com o seguinte teor:

Os atos infracionais cometidos anteriormente ao cumprimento de medida socioeducativa de internação ou à progressão desta para uma menos gravosa são absorvidos por aquele ao qual se cominou a medida extrema, carecendo o Estado de interesse de agir, o que conduz à extinção do processo, com base no art. 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012.

Um dos argumentos determinantes para a conclusão exposta no acórdão de uniformização de jurisprudência do Tribunal de Justiça Rio Grandense foi extraído da interpretação sistemática da própria redação do art. 45, 2º, da Lei do SINASE.

Segundo o acórdão em questão

[...] Em outras palavras, embora o § 2º do art. 45 da Lei n.º 12.594/2012, num primeiro momento, disponha ser vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa – sugerindo, assim, a possibilidade de aplicação de qualquer medida diversa (semiliberdade, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo) –, adiante, e ao mesmo tempo, estabelece que os atos infracionais anteriores são considerados como absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema, deixando evidenciada a inexistência de motivos a determinar ou justificar a aplicação de qualquer outra medida. Daí o paradoxo (grifos do autor).

É importante então perquirir qual seria o interesse jurídico da mobilização da estrutura do Poder Judiciário, além dos demais órgãos e agentes atuantes no procedimento de apuração de ato infracional, para prosseguir com o feito, se o provimento final não terá efeito jurídico e utilidade prática quando se tratar de ato infracional anterior e o adolescente já estiver inserido há tempo razoável em medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado.

Percebe-se que boa parte dos julgados que sustentam a impossibilidade da extinção da medida ou da pretensão socioeducativa fora das hipóteses previstas expressamente em lei, têm suas argumentações alicerçadas, até certo ponto, em uma perspectiva da medida socioeducativa como instrumento de satisfação de anseios manifestados por parcela da sociedade e pela mídia. Anseios esses para os quais a adoção de algumas estratégias pedagógicas próprias das medidas socioeducativas, como é o caso da regra introduzida pelo art. 45, § 2º, da Lei do SINASE, conduzem à sensação de impunidade, quando analisados os atos equiparados a crime ou contravenção penal, praticados por adolescente. Outro aspecto observado é o forte apelo retributivo-punitivo em alguns desses julgados, na medida em que enfatizam sobremaneira a gravidade (em alguns casos presente apenas de forma abstrata) da infração atribuída ao adolescente, desprezando a avaliação criteriosa sobre a natureza e a verificação da real necessidade pedagógica, assim como da finalidade protetiva da medida socioeducativa.

Tais premissas de interpretação impregnadas de apelo sancionatório-aflitivo, ditadas, em alguns casos, pelo reclame midiático ou de uma parcela da sociedade, envolvendo a aplicação de medida jurídica ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, não condizem com a lógica da tratativa socioeducativa, que não é orientada pelo princípio da obrigatoriedade, mas, como já foi frisado, pelos princípios da oportunidade, da brevidade, da excepcionalidade, da intervenção precoce, da proporcionalidade e atualidade, dentre outros princípios próprios.

O interesse de agir do Estado, representado pelo Ministério Público, para a apuração de atos infracionais, fundamenta-se na necessidade de cumprir os direitos fundamentais dos adolescentes, assim como trazer segurança e paz à sociedade. Por isso, uma vez superada a necessidade dessa intervenção e do seguimento da mobilização estatal (Estado-juiz, Ministério Público, Defesa e programas de atendimento ao adolescente que esteve em conflito com a lei), não haverá justificativa para continuar caminhando com o procedimento judicial de apuração de ato infracional, avaliadas as questões anteriormente mencionadas e as circunstâncias que envolvam o caso concreto individualmente analisado.

Não se trata de apregoar a extinção em perspectiva da pretensão socioeducativa, com base no provável resultado ineficaz da aplicação de medida socioeducativa ou da sujeição do adolescente ao seu cumprimento. Trata-se de avaliação prévia, sim, todavia, à vista de elementos concretos e da aplicação das próprias disposições legais e dos objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas e protetivas.

Não custa lembrar que o interesse processual (ou interesse de agir) decorre da necessidade ou utilidade que o provimento jurisdicional acarreta à parte, ou seja, do proveito que o processo deve propiciar ao demandante. Esse almejado proveito deve existir na data do ajuizamento da demanda e persistir até o seu julgamento, caso contrário, o processo deverá ser extinto por falta de interesse processual, que poderá ocorrer já na propositura do pedido inicial ou vir a ser verificado em momento superveniente, no curso do processo.

Ainda que se pondere que a eventual aplicação de uma nova medida socioeducativa ao adolescente já em cumprimento de medida de internação possa ter repercussão sobre as avaliações para fins de manutenção, suspensão ou substituição da medida em fase de execução, avalia-se que não se justifica a imposição de nova medida socioeducativa por ato anterior, pois não se vislumbra qualquer fim útil ou proveito pedagógico a ser perseguido com a sua aplicação.

Na prática, a avaliação multidisciplinar do adolescente e da medida extrema que ele estiver cumprindo ou terminado de cumprir, feita pelos técnicos da entidade ou do programa de atendimento socioeducativo, leva em consideração primordialmente os eventos ou situações posteriores ao início do cumprimento da medida, que concretamente possam ser interpretados como elementos de evolução ou de retrocesso no desenvolvimento da medida. São os casos, por exemplo, de fugas reiteradas, participação em rebeliões, inadaptação ao programa e reiterado descumprimento das atividades do plano individual, prática de novo ato infracional ou de crime (já na condição de imputável), apuração e condenação em processo criminal envolvendo o jovem socioeducando etc.

Por isso, caso haja a aplicação de nova medida socioeducativa na condição anteriormente analisada, ainda que se trate de internação, não restará ao juiz responsável pela execução outra alternativa a não ser ouvir o Ministério Público e a Defesa e extinguir o procedimento de execução, assim como a medida aplicada, visto que é vedado o reinício da medida de internação e as demais medidas em meio aberto são também absorvidas pelo ato que ensejou a medida extrema. Quando muito, o juiz da execução, determinará a comunicação sobre a nova sentença ao programa de atendimento socioeducativo que acompanha o adolescente e/ou jovem, todavia, apenas para que os registros sobre o procedimento de apuração do ato infracional sejam anotados no plano individual de atendimento, dado o direito de acesso a essas informações pelos referidos programas, conforme estabelece o art. 57 da Lei do SINASE.

Avalia-se que somente haverá justificativa para a instrução e julgamento do mérito no procedimento relacionado a ato infracional praticado anteriormente à internação, nos casos em que possa ter lugar a improcedência dos termos da representação oferecida pelo Ministério Público, quando houver, por exemplo, a negativa ou a dúvida sobre a autoria do ato infracional e, consequentemente, o adolescente deva ser absolvido das imputações feitas pelo Órgão Ministerial. Ou, ainda, na hipótese em que se vislumbre a possibilidade de aplicação da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano, caso o ato infracional praticado anteriormente à execução da medida de internação tenha reflexos patrimoniais (o que é possível ser verificado já no momento em que é recebida a representação oferecida pelo Ministério Público), justificando-se, neste caso, o processamento da ação socioeducativa até a sentença de mérito e a eventual imposição da medida legal.

Tratam-se, portanto, de exceções às situações anteriormente indicadas, prevalecendo os casos para os quais não se vislumbra haver pertinência em levar à instrução e ao julgamento do mérito o procedimento de apuração de ato infracional por ato anterior à execução da medida socioeducativa de internação.

O argumento de que os julgamentos de procedência dos pedidos feitos nas representações do Ministério Público (quanto aos fatos anteriores à execução da medida socioeducativa de internação) podem servir eventualmente para aferição futura acerca da reincidência do adolescente, no contexto dos atos infracionais, ou de maus antecedentes, no âmbito penal, também não se sustenta, segundo a nossa opinião. É que a medida socioeducativa de internação, cumprida como medida única ou levada à progressão para medidas em meio semiaberto e aberto, tomará praticamente toda a adolescência do socioeducando, não se justificando o esforço em novas instruções processuais para torná-lo “reincidente” na prática de atos infracionais, mesmo porque todas as medidas socioeducativas em meio aberto podem ser aplicadas em sede de remissão, caso em que não prevalecem para efeito de antecedentes, conforme os termos do art. 127 do ECA.

Quanto aos maus antecedentes para fins de aplicação da pena base e dosimetria de penas aplicadas pelos juízos criminais, já foi pacificado na jurisprudência que a sentença que reconhece a autoria e a materialidade de ato infracional e aplica medida socioeducativa ao adolescente não configura maus antecedentes para o propósito em questão.

Apenas para fins de decretação de prisão preventiva do maior de 18 anos é que o STJ vem admitindo a utilização da circunstância relativa ao cometimento reiterado de atos infracionais, quando o indiciado ou acusado ainda era adolescente (STJ HC 43350 MS. J. 04/12/2013); (STJ HC 281882 MG. J. 05/06/2014).

Ainda assim, é preciso que se ressalte que a instauração, o processamento e o julgamento do procedimento de apuração de ato infracional não deve trabalhar com a perspectiva de que o adolescente continuará praticando condutas típicas e antijurídicas na fase adulta de sua vida. Pelo contrário, todos os órgãos e agentes envolvidos no Sistema de Atendimento Socioeducativo devem direcionar suas ações e somar esforços para que as medidas socioeducativas aplicadas alcancem os objetivos e ideais traçados pela Constituição Federal, pelo ECA e pela Lei do SINASE, de sorte que o socioeducando seja afastado da situação de conflito com a lei e reintegrado socialmente.

Cabe ainda destacar que as medidas socioeducativas e protetivas regem-se pelos princípios da intervenção precoce e da proteção integral e prioritária, o que requer a atenção especial do Estado quanto a sua adequada execução, para que as metas e objetivos traçados no plano de atendimento individual sejam atendidos. Não necessariamente com a imposição de várias medidas socioeducativas ao adolescente, mas, caso seja necessário, pelo seu acompanhamento e de sua família, ainda que posteriormente ao cumprimento da medida socioeducativa, consoante estabelece o art. 11, inc. V, da Lei do SINASE, que prevê os requisitos mínimos para o funcionamento da entidade de atendimento socioeducativo.

Por fim, não se deve perder de vista que a aplicação e a execução da medida socioeducativa orientam-se também pelo princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medida sociocioeducativa (art. 35, inc. II, da Lei do SINASE), o que equivale dizer que somente quando for realmente necessário, deverão ser adotadas as providências necessárias (dentre as quais a instrução do procedimento judicial) para a aplicação de medida socioeducativa ao adolescente.

Como foi pontuado, apesar da discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema, tratando-se de ato infracional praticado antes do cumprimento de medida socioeducativa de internação, há vedação legal até mesmo para uma nova aplicação dessa medida ao adolescente, desde que ele tenha pelo menos concluído o cumprimento da medida extrema, sendo os atos praticados anteriormente absorvidos por aqueles que deram ensejo à medida socioeducativa de internação, conforme o regramento estabelecido pelo art. 45, § 2º, da Lei do SINASE.

Caso o adolescente tenha cumprido prazo razoável da medida socioeducativa de internação e o seu desempenho adequado, demonstrado no plano de atendimento individual, justifique a reavaliação da medida, ainda que antes do prazo da reavaliação obrigatória (art. 43, § 1º, da Lei do SINASE), há também incidência da vedação quanto à determinação de nova internação, por ato praticado anteriormente.

Para Ramidoff (2012, p. 100)

Incorpora-se ao patrimônio subjetivo do adolescente o direito de não ser socioeducativamente responsabilizado por fatos pretéritos quando no cumprimento de medida socioeducativa for enaltecido (alínea c do inciso III do art. 11 da Lei n. 12.594/2012) pelo seu esforço realizado na consecução dos objetivos do plano individual.

Ainda que se entenda não ser cabível a extinção da pretensão socioeducativa nos casos de ato infracional anterior à sujeição do adolescente à medida de internação por prazo indeterminado, sob o argumento de que não está configurada a falta de interesse de agir do Estado ou de que inexiste expressa previsão legal, há, como frisamos anteriormente, uma segunda alternativa para dar solução ao acúmulo desnecessário de procedimentos de apuração de ato infracional, relativos a atos infracionais anteriormente praticados, envolvendo o mesmo adolescente.

Trata-se da possibilidade da concessão de remissão, pelo Ministério Público ou pela autoridade judiciária, em relação aos procedimentos remanescentes, que poderão ser reunidos para decisão conjunta, inclusive em audiência, com a presença do adolescente, seu defensor e seus pais ou responsável, assim como dos técnicos da entidade de atendimento socioeducativo.

A seguir são apresentados alguns exemplos, meramente ilustrativos, de situações em que se pode eventualmente deixar de aplicar medida socioeducativa, de dar início ao seu cumprimento ou de prosseguir com ele, com base na verificação da real necessidade pedagógica da medida, analisando-se sempre, no caso concreto, a condição peculiar e a situação jurídica do adolescente, sua capacidade de cumprimento da medida e a gravidade da infração, assim como os objetivos e os princípios orientadores das medidas socioeducativas:

a) o adolescente e/ou jovem já está inserido em uma medida socioeducativa em meio aberto, pelo prazo máximo, e vem a ser sentenciado novamente à mesma medida, todavia, por ato infracional praticado antes do início da execução em andamento ou já encerrada. Neste caso, há vedação legal para o reinício de cumprimento da medida socioeducativa (art. 45, § 1º, da Lei do SINASE). Em tal hipótese, somente será possível a sujeição do adolescente a uma nova medida socioeducativa se ela puder ser cumprida cumulativamente com a medida já em andamento;

b) o adolescente e/ou jovem já cumpriu medida socioeducativa de internação, está imerso em medida socioeducativa resultante da sua progressão (semiliberdade, liberdade assistida e/ou medida protetiva), ou já concluiu o cumprimento dessas medidas. O ato infracional em apuração ou já apurado (que poderia ensejar nova medida de internação) foi praticado antes do cumprimento da medida socioeducativa extrema. Nesta hipótese há vedação legal expressa para a aplicação de nova medida socioeducativa de internação, pois há a presunção legal de que o ato infracional praticado foi absorvido por aquele que ensejou a medida de internação (art. 45, § 2º, da Lei do SINASE). Vedada a aplicação da medida socioeducativa de internação, caberia então perquirir sobre a possibilidade da aplicação das medidas de semiliberdade, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade. Para as duas primeiras a resposta parece ser também negativa, pois, conforme o art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, tratando-se de ato infracional praticado antes do início da execução de determinada medida socioeducativa, é vedado à autoridade judiciária determinar o seu reinício (considera-se a hipótese de o adolescente ter passado por essas duas medidas, em sede de progressão da medida socioeducativa de internação). Quanto à medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, fica afastada a sua aplicação por não ser possível o seu cumprimento concomitante com a medida socioeducativa de internação. Progredida a medida de internação para semiliberdade ou liberdade assistida, não se vislumbra mais qualquer objetividade pedagógica com a sujeição do adolescente à medida de prestação de serviço à comunidade por ato anterior ao início da internação. Restam, então, as medidas socioeducativas de obrigação de reparar o dano e advertência, cuja aplicação fica condicionada à verificação das condições do adolescente e sua família, além da viabilidade e da necessidade das medidas, conforme a situação concreta individualmente analisada, avaliados os fatores legais e principiológicos já mencionados;

c) o jovem, maior de 18 anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responde a processo-crime. Nesta situação, caberá à autoridade judiciária (juízo responsável pela execução da medida) decidir sobre a eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100, 112, § 1º e 113 do ECA, além do art. 46, § 1º, da Lei do SINASE);

d) o adolescente e/ou jovem maior de 18 anos já cumpre, por prazo razoável, medida socioeducativa de internação, medida legal que possui vasto alcance aflitivo, social e pedagógico, e que está sujeita à progressão para medidas em meio semiaberto e aberto, onde o socioeducando deve ser atendido nos aspectos gerais de sua vida pessoal, familiar, educacional, promoção e integração social. O ato infracional foi praticado antes do início da execução da internação, não foi cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, não justificando, portanto, a aplicação de nova medida de internação. Neste caso, a aplicação de eventual medida socioeducativa em meio aberto não teria nenhuma finalidade prática ou proveito pedagógico (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100 e 113 do ECA). Insistir na apuração, com a instrução e o julgamento do ato infracional anteriormente praticado representaria unicamente dispêndio de tempo e trabalho desnecessários, pelos atores envolvidos no processo socioeducativo;

e) o jovem, maior de 18 anos, estuda e trabalha, ajuda no sustento dos pais, da esposa ou companheira e filhos, além de estar integrado socialmente, conforme aferição feita por equipe técnica multidisciplinar, no plano de atendimento individual, não se vislumbrando a existência de déficit social e pedagógico a ser suprido (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100 e 113 do ECA).

É importante frisar que antes de decidir sobre a não inserção do adolescente (ou jovem) em medida socioeducativa, por considerar que não subsiste a necessidade ou finalidade pedagógica da medida, a autoridade judiciária colha a manifestação do Ministério Público e do defensor do adolescente. Igualmente importante é que a decisão a ser tomada pelo magistrado não tenha como base unicamente as declarações prestadas pelo adolescente e seus pais ou responsável, mas que busque subsídios em outros elementos para a formação do convencimento, como estudos feitos por equipe técnica interprofissional a serviço do Juizado da Infância e da Juventude (art. 186, § 4º, do ECA) ou pertencente a entidades de atendimento socioeducativo e protetivo, conforme o caso.

Outro ponto relevante que deve ser observado diante de cada caso concreto, é a possibilidade de composição do conflito estabelecido entre o adolescente e a vítima (que pode também envolver a família de ambos), dada a excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, conforme o princípio enumerado no art. 35, inc. II, da Lei do SINASE.

A adoção dessa nova estratégia de abordagem no contexto da busca por soluções alternativas para os problemas relacionados à prática de ato infracional, embora seja alvo de crítica, por desviar, de certo modo, o foco da pessoa do adolescente, também pode ensejar a não aplicação de medida socioeducativa nos moldes convencionais que até então vinham sendo adotados.

3.3 Circunstâncias do ato infracional

Um fator que também precisa ser analisado e sopesado pela autoridade judiciária quando da aplicação e também por ocasião da reavaliação da medida socioeducativa é a circunstância (ou circunstâncias) em que o ato infracional foi praticado. Deve-se avaliar até que ponto os fatores que circundaram a prática do ato infracional podem influenciar na escolha desta ou daquela medida socioeducativa ou protetiva, assim como quais as possíveis correlações entre tais circunstâncias e a personalidade do adolescente, além dos desdobramentos que o ato infracional pode ter gerado no seu relacionamento com a vítima, com familiares daquela e com a comunidade.

Verificam-se, então, quais as causas, motivos, estado, condição, dentre outros fatores circunstanciais, que envolveram a prática do ato infracional. Se houve a colaboração da vítima; a participação de pessoa maior de 18 anos, inclusive induzindo o adolescente à prática do ato infracional; se o adolescente agiu por ciúme, vingança, com crueldade ou desprezo pela pessoa da vítima; se foi ou não por ela provocado; se, diante da gravidade do ato infracional, da utilização de meios ou instrumentos para a sua prática, ele ganhou repercussão e reprovação tamanha que pôs em risco a segurança pessoal do adolescente ou a manutenção da ordem pública; se o adolescente já vinha sofrendo ameaças por parte da vítima e tentava evitar o confronto direto; se ele agiu sob o efeito de álcool ou drogas ilícitas; se o ato infracional foi praticado para fomentar o uso ou a dependência de substâncias psicoativas etc.

As estratégias de abordagem e de atendimento ao adolescente adotadas por equipe técnica interdisciplinar, quer em sede de internação cautelar, internação por prazo indeterminado ou medida em meio aberto ou de semiliberdade, também podem sofrer influência e direcionamento, sob certos aspectos, das circunstâncias que nortearam a prática do ato infracional.

3.4 Gravidade da infração

Diversamente do que ocorre com as medidas socioeducativas, para as quais a Lei do SINASE estabelece a ordem de gravidade, conforme o regime de cumprimento ou a sua natureza (art. 42, § 3º), para a gravidade do ato infracional nem ela nem o ECA traz uma conceituação específica.

Em alguns dos seus dispositivos o ECA faz referência às expressões infrações graves, gravidade do ato infracional, gravidade da infração e fato grave, como se observa pelas redações dos artigos 112, § 1º, 122, inc. II, 174 e 186, § 2º. No entanto, em nenhuma dessas disposições é indicado o real significado das expressões apresentadas, o que, em princípio, remete o aplicador da Norma Estatutária aos conceitos e orientações aplicáveis às condutas típicas previstas nas legislações penal e contravencional pertinentes, pois o ato infracional é conceituado legalmente como a conduta descrita como crime ou contravenção penal (art. 103 do ECA).

Sob essa ótica, conforme maior ou menor for o grau de reprovabilidade social da conduta praticada ou a importância do bem jurídico lesado, maior ou menor será a gravidade da infração praticada pelo adolescente.

A regra em questão funciona perfeitamente para o Direito Penal, onde a natureza e a duração da pena indicam o grau de repulsa à conduta que a enseja. No entanto, tratando-se de adolescente em conflito com a lei, para algumas situações específicas a regra mencionada não poderá ser aplicada, pois nem sempre haverá correspondência entre a gravidade da infração sob a ótica da legislação penal e a sua aplicação em sede de ato infracional.

A título de exemplo, cita-se o crime de tráfico ilícito de drogas, que apesar de ser tratado no art. 2º da Lei nº 8.072/90 (que dispõe sobre crimes hediondos) como crime de natureza hedionda, para o ECA sequer pode ensejar a medida de internação, cuja característica peculiar é a privação da liberdade.

Segundo o enunciado da Súmula 492 do STJ, por não ser praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não enseja a aplicação de medida socioeducativa de internação ao adolescente. Idêntico raciocínio pode ser feito em relação a outros atos infracionais análogos a crimes que não são praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa, como são os casos do dano simples, do porte de arma, do furto, da receptação, do estelionato, do descaminho, dentre outros crimes.

Como exemplos de infrações graves, podem ser citados, dentre outros, os atos infracionais equiparados aos crimes de roubo, lesão corporal grave, homicídio doloso, estupro e latrocínio.

Observa-se, segundo o que se expôs, que apesar de não ter sido trazida no ECA, tampouco na Lei do SINASE, uma conceituação específica para a expressão gravidade da infração e expressões correlatas, citadas Estatuto, guardadas as observações feitas há pouco sobre situações específicas, a gravidade do ato infracional pode ser verificada pela análise do seu correspondente em matéria penal ou contravencional, notadamente, pelos aspectos de natureza e duração da pena aplicada ao imputável que comete a conduta descrita como crime ou contravenção.

3.5 Objetivos e princípios que orientam as medidas socioeducativas

Além de objetivos específicos, as medidas socioeducativas são orientadas por uma gama de princípios, que norteiam todo o seu processo de elaboração, aplicação e execução.

Observar os objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas, princípios que em parte orientam também as medidas protetivas, é dever de todos aqueles que, de algum modo, atuam no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente. Além disso, quanto aos procedimentos de investigação e de apuração de condutas típicas atribuídas à criança ou ao adolescente, assim como ao de execução das medidas legais aplicadas, essa atenção constante aos princípios de regência das medidas socioeducativas e protetivas precisa estar sempre presente.

Adiante serão apresentados os objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas, trazidos pela Lei do SINASE e extraídos de normas internacionais, da Constituição Federal e do próprio ECA.

3.5.1 Objetivos das medidas socioeducativas

No art. 1º, § 2º, incs. I a III, a Lei n. 12.594/2012 apresenta os objetivos das medidas socioeducativas, a saber:

a) a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;

b) a integração social do adolescente e a garantia dos seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e

c) a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

O objetivo contido na alínea “a”, que orienta para o incentivo à reparação quanto às consequências lesivas do ato infracional, é alvo de crítica por alguns doutrinadores, como Rossato, Lépore e Cunha (2014, p. 632), e Ramidoff (2012, p. 14-15), sob o argumento de que se está alinhando o ato infracional ao ideologismo repressivo-punitivo, característico do Direito Penal.

Com efeito, tais premissas distanciam-se, de certa forma, do que preconiza o ECA no seu art. 100, combinado com o art. 113, que trazem a orientação para que as medidas socioeducativas contemplem as necessidades pedagógicas do adolescente, sobretudo as que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Não que se ignore o disposto no art. 112, § 1º, do ECA, que orienta para que o julgador (responsável pela escolha da medida), observe quando da sua aplicação as circunstâncias e a gravidade da infração, além da capacidade do adolescente de cumpri-la. Ou que se esqueça que dentre as medidas socioeducativas contempladas pelo ECA está a que prevê a obrigação de reparar o dano causado à vítima, com a possível restituição da coisa, promoção do ressarcimento ou compensação, por outra forma, do prejuízo a ela causado com a conduta infracional do adolescente (art. 112, inc. II, c/c art. 116, caput, do ECA).

Conforme já foi observado, existe um forte apelo, que vem encontrando ressonância até mesmo em bases legais, no sentido de realçar o caráter sancionatório-aflitivo da medida socioeducativa.

A questão passa a inspirar certa preocupação, como bem salientaram os autores citados, a partir do momento em que se verifica um desvirtuamento da medida legal imposta ao adolescente autor de ato infracional, colocando-se em segundo plano a natureza primordialmente pedagógica e a finalidade protetiva da medida socioeducativa.

Como não se deve perder de vista que a medida socioeducativa possui natureza diversa da pena criminal, a solução para esse aparente conflito ideológico-normativo, ao que tudo indica, deve ser mesmo dada pela adequada aplicação dos objetivos, princípios e normas de regência da Lei Infantojuvenil, analisadas as peculiaridades de cada situação específica.

3.5.2 Princípios orientadores das medidas socioeducativas

a) respeito aos direitos humanos;

b) responsabilidade solidária e dever jurídico da família, da sociedade e do Estado, pela promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes;

c) adolescente como sujeito de direitos e pessoa em condição peculiar de desenvolvimento;

d) proteção integral;

e) prioridade absoluta no atendimento ao adolescente;

f) respeito ao devido processo legal;

g) legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;

Sobre o tratamento não mais gravoso ao adolescente, cita-se o seguinte exemplo: embora o ECA preveja para o cumprimento da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade jornada máxima de oito horas semanais (art. 117, parágrafo único), devido à redução dessa jornada máxima para uma hora por dia (sete horas semanais) para o adulto que cumpre pena restritiva de direitos em condições assemelhadas (art. 46, § 3º, do Código Penal, acrescentado pela Lei nº 9.714/1998), alguns magistrados vêm aplicando ao adolescente o limite semanal de horas menor.

h) excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;

i) proporcionalidade em relação à ofensa cometida;

j) brevidade da medida em resposta ao ato cometido;

k) individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;

l) mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;

m) não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status;

n) fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo;

o) incolumidade, integridade física e segurança;

p) respeito à capacidade de cumprimento da medida, às circunstâncias, à gravidade do ato infracional e às necessidades pedagógicas;

q) incompletude institucional;

r) garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência;

s) municipalização do atendimento;

t) descentralização político-administrativa;

u) gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

v) co-responsabilidade no financiamento do atendimento às medidas socioeducativas;

w) mobilização da opinião pública no sentido de promover a participação dos seguimentos da sociedade.

Conforme o art. 1º da Lei nº 12.594/2012, a lei em questão institui o SINASE e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, o que sugere que as suas disposições não tenham aplicação ao processo de apuração do ato infracional.

No entanto, conforme advertem Lépore, Cunha e Sanches (2014, p. 630-631), como a definição do SINASE dada inicialmente pelo art. 3º da Resolução nº 119/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), contemplou desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas, “[...] não é possível aceitar que o legislador tenha diminuído esse campo de abrangência unicamente para a execução das medidas socioeducativas, como fez no § 1º da Lei 12.594/2012 […].”

Por isso, para os autores citados, a diminuição da extensão do SINASE deve-se ao fato de a execução das medidas socioeducativas também ser o foco da Lei nº 12.594/2012, mantendo-se, no entanto, o rol das medidas, assim como o procedimento de sua aplicação com as regras previstas no ECA.

Com esses argumentos, concluem os autores em questão que “[...] o Sistema foca-se no atendimento ao adolescente em conflito com a lei, englobando a apuração, a aplicação e a execução das medidas socioeducativas, muito embora tenha a Lei 12.594/2012 se direcionado ao aspecto executório das medidas.”

Já para Ramidoff (2012, p. 73-74), apesar de a Lei nº 12.594/2012 destinar-se apenas ao cumprimento de medidas legais, especialmente as socioeducativas, e não a sua aplicação, o cumprimento das medidas socioeducativas deverá atender não apenas aos parâmetros estabelecidos pela citada lei, mas, principalmente, ao que determinam as Leis de Regência, a saber, a Constituição Federal de 1988 e o ECA.

Sob esse enfoque, ilustra o autor derradeiramente citado:

[...] não se ouvida que essas medidas legais possam ser modificadas, suspensas e extintas a qualquer tempo não só em razão das novas figuras legislativas estabelecidas pela Lei n. 12.594/2012 (SINASE), senão, mesmo, em virtude do que já se encontrava previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 99, 100 e 113, todos da Lei n. 8.069/90).

Apesar de não existir unanimidade a respeito do tema, não se pode negar que algumas disposições e até mesmo princípios relacionados no ECA e na Lei nº 12.594/2012 incidem igualmente sobre o procedimento de apuração de ato infracional e aplicação de medida socioeducativa e sobre a execução da medida, conforme se observa pelos exemplos adiante citados: a) expedição de mandado de busca e apreensão do adolescente (art. 184, § 3º do ECA e art. 47 da Lei 12.594/2012); b) substituição de medidas - considerada a possibilidade de retomada do procedimento de apuração de ato infracional, em caso de descumprimento da medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo - (art. 99 c/c art. 113 do ECA e art. 43 da Lei 12.594/2012); c) brevidade e excepcionalidade das medidas socioeducativas (art. 121, caput, do ECA e art. 35, incs. II e V, da Lei 12.594/2012); d) fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (art. 100 c/c art. 113 do ECA e art. 35, inc. IX, da Lei 12.594/2012); e) atendimento a adolescentes portadores de doença ou deficiência mental (art. 112, § 3º do ECA e art. 64 da Lei 12.594/2012); f) reavaliação das medidas socioeducativas, considerada a observação feita na letra “b” (arts. 118, § 2º, 120, § 2º e 121, § 2º, do ECA e art. 42 da Lei 12.594/2012).

Até mesmo os princípios elencados no parágrafo único, incs. I a XII, do art. 100 do ECA, cuja aplicação é extensiva às medidas socioeducativas (art. 113 do Estatuto), não podem deixar de ser considerados na fase de execução dessas medidas, mesmo porque o cumprimento das prescrições contidas no art. 100 do ECA é um dos fatores a serem observados por ocasião da avaliação dos programas de atendimento socioeducativo, consoante estabelece o art. 24 da Lei do SINASE.

Algumas das diretrizes contidas nesses princípios, a exemplo do princípio da responsabilidade parental, segundo o qual a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente (art. 100, parágrafo único, inc. IX, do ECA), podem inclusive ser encontradas, embora em outras palavras, no texto da Lei nº 12.594/2012. Assim, observa-se que o art. 52, parágrafo único, da lei mencionada, ao tratar das atividades desenvolvidas com o adolescente por meio do plano individual de atendimento (PIA), destaca que o referido plano deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, estando passíveis de responsabilização administrativa (art. 249 do ECA), civil e criminal, caso não observem o preceito legal.

O princípio da proteção integral e prioritária (art. 100, parágrafo único, inc. II, do ECA), de igual modo, é inarredável na interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida no Estatuto e, por extensão, na Lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas.

Avalia-se ainda não ser concebível que o princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos (art. 35, inc. II, SINASE), assim como o princípio da prioridade a práticas ou medidas de índole restaurativa, com o atendimento, sempre que possível, às necessidades das vítimas (art. 35, inc. III, SINASE), sejam aplicáveis unicamente à fase de execução de medidas socioeducativas, mesmo porque o exemplo que já se tem no ECA quanto à prática semelhante é a remissão, ministerial ou judicial, verificada na fase de investigação ou na fase do processo de conhecimento.

Ishida (2014, p. 482) adverte que “a menção autocomposição melhor se adequaria à fase do conhecimento.” Sobre a justiça restaurativa, de acordo com o citado autor, é uma estratégia que “procura substituir a punição do adolescente pela restauração da paz entre as partes”. O acordo restaurativo, na avaliação do autor em questão, dá-se na fase “anterior à aplicação da medida socioeducativa, tratando-se de verdadeira substituição em relação à mesma.”

É importante frisar também que apesar de não ser vedada ao juízo do processo de execução a imposição de medidas, dado o que ocorre, por exemplo, na substituição de medidas socioeducativas, que é feita perante aquele juízo, sabe-se que a aplicação de tais medidas tem lugar originalmente perante o juízo do processo de conhecimento, não havendo, portanto, impedimento a que as chamadas práticas ou medidas restaurativas, assim como os possíveis meios de autocomposição dos conflitos ocorram perante o último juízo citado.

São situações que uma vez verificadas, poderão até mesmo obstar a instauração do procedimento de apuração de ato infracional, que terá lugar apenas quando restarem frustradas aquelas intervenções e abordagens alternativas preconizadas pela Lei do SINASE.

A estratégia de intervenção em exame poderá contar com o importante trabalho dos profissionais integrantes das equipes técnicas multidisciplinares a serviço do Juizado da Infância e da Juventude e do Ministério Público. Além disso, diante do princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, mesmo após o ajuizamento e o recebimento da representação oferecida pelo Ministério Público, a adoção de tal estratégia poderá ter o condão de afastar a aplicação, pelos métodos convencionais, de medida socioeducativa ao adolescente, optando-se por intervenção diferenciada.

Cuida-se, na verdade, de metodologia semelhante à prática que utiliza mecanismos de autocomposição (mediação e conciliação) de conflitos, em que se dá a composição dos danos civis e a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade a pessoas adultas, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, nos moldes estabelecidos pela Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995).

Em comentário acerca dos princípios trazidos pela Lei do SINASE, Frassetto et al (2012, p. 48-49) destacam que

Alguns princípios inscritos na nova lei, em seu Art. 35, são uma boa novidade que sinaliza uma intenção de diminuir a ação judicial formal prescrevendo que se favoreça “meios de autocomposição de conflitos” (II), priorizando práticas ou medidas que sejam restaurativas (III), reduzindo mesmo a intervenção ao necessário para a realização dos objetivos da medida (VII). Ora, a diminuição da ação judicial é a senha para a ampliação das ações de caráter educativo, não apenas durante a execução da medida, mas também depois dela (ou antes) com ênfase em metodologias de resolução de conflitos em que se exercite a justiça como valor (grifo nosso).

Portanto, mesmo após a instauração do procedimento de apuração de ato infracional, com o recebimento da representação ofertada pelo Ministério Público, não está descartada a possibilidade da aplicação dos meios de autocomposição dos conflitos, de práticas ou medidas restaurativas, pois, a exemplo do que ocorre com a remissão (art. 126, parágrafo único, do ECA), tais práticas ou medidas alternativas podem ser buscadas também após a instauração do procedimento.

Vale ainda frisar que na adoção de práticas ou medidas restaurativas, a Lei do SINASE enfatiza que se deve, sempre que possível, procurar atender às necessidades das vítimas (art. 35, inc. III, segunda parte).

Dentre as medidas socioeducativas previstas na Lei nº 8.069/90, aquela que mais se aproxima da ideia de restituição em relação aos prejuízos causados à vítima com a prática do ato infracional é a obrigação de reparar o dano, prevista no art. 112, inc. II e disciplinada no art. 116 do ECA. Sobre ela (e também sobre a medida socioeducativa de advertência), a Lei do SINASE pontuou que quando for aplicada de forma isolada, será executada nos próprios autos do processo de conhecimento, ou seja, pelo juízo do conhecimento, o que constitui um motivo a mais para sustentar que as medidas ou práticas restaurativas, bem assim os meios de autocomposição dos conflitos podem ter lugar na fase do conhecimento e perante o juízo do conhecimento.

Por isso, respeitando as opiniões em sentido contrário, avalia-se que apesar de constar no art. 35 da Lei do SINASE que é a execução das medidas socioeducativas que são regidas pelos princípios arrolados nos incisos I a IX daquele artigo (indicados neste trabalho nas letras “g” a “n”), tais princípios, em maior ou menor intensidade, podem incidir também sobre o processo de apuração de ato infracional e aplicação de medidas socioeducativas, e até mesmo em momento pré-processual.

Superada a discussão relativa a disposições gerais e princípios, no que se refere às garantias processuais previstas no ECA, destinadas a adolescente autor de ato infracional, a Lei nº 12.594/2012 estabelece de forma expressa e categórica que elas são integralmente aplicáveis também na execução das medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo (art. 49, § 1º, SINASE), o que não poderia ser diferente, pois a execução envolve o cumprimento da medida socioeducativa e também os seus incidentes.

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Sobre o autor
Rosinei da Silva Facundes

Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas, Analista Judiciário e Assessor de Juiz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACUNDES, Rosinei Silva. Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4716, 30 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34903. Acesso em: 10 mai. 2024.

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