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A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos

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5 DIREITO À APOSENTADORIA X CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA

 A aposentadoria é um direito constitucionalmente assegurado, que tem por finalidade garantir ao servidor inativo condições de sustentar a si e a sua família.

O art. 6 da Constituição Federal estabelece que a aposentadoria é um direito social, assim preceituando:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Os direitos sociais são prestações que exigem do Estado uma atuação positiva com a finalidade de proporcionar melhores condições de vida aos financeiramente mais fracos, de modo a tentar igualar a situação social dos cidadãos.

De acordo com o entendimento de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2014, p. 247):                                    

Os direitos sociais constituem as liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhora das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social.                               

Adilson Abreu Dallari, apud João Batista Ribeiro (2012, p.57) faz as seguintes observações acerca do direito à aposentadoria:                                                        

O instituto da aposentadoria é, antes de tudo, uma conquista social, fundada em um princípio de justiça que não permite o abandono na miséria, depois da velhice ou da invalidez, daquele que prestou seu serviço ao Estado. Themístocles Cavalcanti, ao ressaltar essa característica da aposentadoria, conceituou-a como garantia geral para os servidores, que deve ser considerada como um direito subjetivo a uma condição. Realizada esta condição, invalidez, idade, tempo de serviço, consolida-se o direito às vantagens concedidas pela lei.                                                          

Dessa forma, resta claro que o direito à aposentadoria possui natureza alimentar, possibilitando ao inativo os mecanismos necessários para que este possa obter aquilo que seja essencial para a manutenção de sua vida, observando, assim, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Embora não encontre expressa previsão na Constituição Federal, o princípio da proibição de retrocesso social dos direitos sociais, segundo o entendimento de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2014, p. 264), tem encontrado gradativo acolhimento pela doutrina. Tal princípio tem por objetivo evitar que o legislador tenha uma atuação voltada para desconstituir a concretização de direitos sociais que já tenham sido por ele estabelecidos, ou seja, o legislador não poderá reverter situações que venham a prejudicar ou revogar direitos que já tenham sido legitimamente por ele reconhecidos.

O constitucionalista J. J. Gomes Canotilho, apud Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2014, p. 265), traz o seguinte ensinamento a respeito do princípio da vedação ao retrocesso:                                        

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial.                               

Este princípio prevê, portanto, que os atos legislativos do Poder Público que implicarem na desconstituição da concretização dos direitos sociais serão incompatíveis com o texto constitucional, na medida que esses direitos tem caráter progressivo, não sendo admitido o seu retrocesso, nem mesmo se for determinado por meio de lei.

 Dessa forma, é possível concluir que a concretização do direito à aposentadoria não poderá ser retirada dos trabalhadores, tendo em vista que se trata de direito social que não permite atuação legislativa voltada a desconstituir situações que acarretem prejuízos ao direito já reconhecido.

Entretanto, o instituto da cassação de aposentadoria não observa este princípio, pois apesar de já garantido o direito à aposentadoria, uma vez que o servidor estatutário já tenha cumprido todos os requisitos necessários para a sua concessão, a Administração Pública interrompe o pagamento dos proventos relativos à aposentadoria, negando ao servidor um direito social constitucionalmente assegurado.

Configura-se, pois, verdadeiro retrocesso ao direito do segurado, pois este, segundo a Constituição, teria direito ao recebimento da aposentadoria após o implemento das condições necessárias para a concessão do benefício, mas, em virtude da aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria o servidor não mais perceberá os proventos  relativos à aposentadoria.

O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso dos direitos sociais, como é possível observar na seguinte jurisprudência:                                    

E M E N T A: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOSDAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. (ARE 639337 AgR / SP - SÃO PAULO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Julgamento:  23/08/2011, Órgão Julgador:  Segunda Turma)                                            

A vedação ao retrocesso representa, dessa forma, um obstáculo constitucional à violação de direitos fundamentais de natureza social, impedindo que as conquistas já alcançadas pelos cidadãos sejam desconstituídas. Em razão desse princípio, o Poder Público, após realizar a implementação dos direitos sociais, assume a obrigação de torná-los efetivos e, principalmente, de preservá-los, devendo abster-se de qualquer medida que tenha como resultado a violação total ou parcial dos direitos sociais que já tenham sido por ele garantidos.

Além do mais, tal instituto desprestigia o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que não protege o cidadão, pelo contrário, coloca o trabalhador em uma situação desconfortável, na medida em que, com a aplicação da penalidade de cassação da aposentadoria o cidadão não terá de onde retirar o seu sustento e o de sua família.

A noção do mínimo existencial, que decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, é totalmente suprimida pelo Estado, pois com a cessação do recebimento da aposentadoria é retirado do inativo o direito à condições adequadas que propiciem uma vida digna, inviabilizando a fruição de direitos sociais básicos como por exemplo o direito à alimentação, à saúde, e à moradia.


6 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

   Diante das alterações constitucionais proporcionadas pelas emendas constitucionais nº 3/93 e nº 20/98, a proteção concedida aos servidores públicos passou a constituir um verdadeiro seguro. Os benefícios passaram a ser exigíveis juridicamente, pois o direito já não emanava da generosidade do Estado, mas das contribuições previdenciárias prestadas pelos servidores. O regime adotado agora era retributivo, e está baseado no binômio custeio/benefício. Assim, após o cumprimento de todos os requisitos para a obtenção do benefício, o servidor passava a ter direito adquirido sobre ele.

Foi a partir da instituição desse caráter contributivo que começaram a surgir dúvidas a respeito da constitucionalidade da penalidade de cassação de aposentadoria do servidor estatutário, prevista nos arts. 127, "IV", e 134 da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Percebe-se, portanto, que o benefício advém de uma relação jurídica que independe do vínculo funcional, tendo em vista que as prestações das contribuições previdenciárias se caracterizam pela exigência de uma atividade específica do Estado, tendo natureza de um contrato de seguro.

A aposentadoria é benefício que será concedido após o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei, constituindo verdadeiro direito adquirido a sua concessão. No entanto, a Lei n° 8.112/90, ao estabelecer o instituto da cassação da aposentadoria, vai de encontro ao direito adquirido pelo servidor de se aposentar.

Nesse sentido, Ivan Barbosa Rigolim, apud João Batista Ribeiro, (2012, p.57), realiza interessante crítica ao instituto da cassação de aposentadoria:                      

É rigorosamente absurda a penalidade de cassação de aposentadoria de funcionário estatutário em face de falta cometida na atividade e não punida à ocasião, por absoluta e insuperável falta de nexo causal. A simples idéia em si constitui aberta violação à Constituição e ao princípio atemporal abrigado na Lei da Introdução ao Código Civil (LICC), garantidor do ato jurídico perfeito e do direito adquirido que este origina.

A Constituição Federal assegura no art. 5º, XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. São, portanto, mecanismos que impossibilitam a retroatividade da lei, de maneira que esta não poderá alterar os efeitos de uma situação jurídica que já se encontra consolidada, garantindo a observância do princípio da segurança jurídica.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2010, p.385),

O direito adquirido é uma blindagem. É o encasulamento de um direito que segue e seguirá sempre involucrado pela lei do tempo de sua constituição, de tal sorte que estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei e, por isso, infenso a novas disposições legais que poderiam afetá-lo.

Resta claro, que a função primordial do direito adquirido é garantir o respeito ao princípio da segurança jurídica, evitando que a edição de leis supervenientes possam de alguma forma desprestigiar os situações jurídicas já consolidadas.

Ao efetuar a cassação da aposentadoria, a Administração também estaria violando o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o referido benefício tem natureza alimentar, e retirá-lo, em um momento de fragilidade humana, em virtude da idade avançada ou invalidez permanente, é posicionamento incompatível com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, que encontram previsão na Constituição Federal de 1988.

Além do mais, anuir com tal instituto implicaria desprezar o pagamento de todas as contribuições previdenciárias custeadas pelo servidor, ocasionando verdadeiro enriquecimento ilícito do Poder Público. Uma vez que em um regime contributivo de seguro, perceberia as contribuições do servidor sem ter qualquer tipo de obrigação.

Há quem defenda que a cassação de aposentadoria não ocasiona o enriquecimento ilícito do Poder Público, tendo em vista o caráter solidário das contribuições previdenciárias. Entretanto, tal argumento é por demais frágil, pois a solidariedade deve ser observada de uma forma mais ampla, na medida em que sua efetivação não se restringe apenas na obrigatoriedade da prestação das contribuições, mas, também no dever que o Estado tem de amparar as necessidades  dos contribuintes. Ora, a solidariedade é uma via de mão dupla, na qual o direito de exigir as prestações previdenciárias pressupõe o de efetuar o pagamento dos proventos decorrentes do direito à aposentadoria. Não há que se falar em solidariedade quando apenas uma das partes pode gozar das regalias de tal instituto. Na verdade, quando isto ocorre, o certo seria se falar em arbitrariedade, jamais em solidariedade. A solidariedade é da essência do direito previdenciário, porém tal relação se constitui em virtude do binômio prestação/contraprestação, não podendo ser desvirtuada a ponto de retirar da parte mais vulnerável desta relação, sua única fonte de renda, de forma que é impossível observar, que nestes casos, o princípio da solidariedade esteja sendo observado.

O enriquecimento ilícito do Poder Público ainda vem acompanhado da violação ao princípio do não confisco. Este princípio constitui uma garantia aos contribuintes, representando uma limitação ao poder de tributar do Estado, impedindo o livre-arbítrio do legislador quando versar sobre matéria referente à instituição de tributos.

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É nesse sentido o posicionamento do professor Hugo de Brito Machado (2008, p. 45) ao aduzir que: “Os princípios jurídicos da tributação existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder de Tributar pertencente ao Estado”.

O princípio do não confisco, previsto no art. 150, IV da Constituição Federal, veda a transferência do patrimônio de um particular para o Estado, salvo nos casos em que a finalidade do confisco seja autorizado pela Constituição.

Ocorre, que apesar de encontrar previsão na Lei nº 8.112/90, a cassação de aposentadoria não possui fundamento na Constituição Federal, implicando, dessa forma, total violação ao princípio do não confisco, pois a Administração Pública, ao aplicar a penalidade de cassação de aposentadoria ao servidor público, determina a perda do direito à aposentadoria, que constitui um bem de natureza patrimonial do servidor público.

Entretanto, apesar de encontrar previsão constitucional, o princípio do não confisco, segundo o Ministro Carlos Mauro Velloso, não tem um conceito determinado necessitando assim, que sua análise ocorra no caso concreto. O Ministro se posicionou da seguinte forma:

É que a Constituição não tolera a utilização de tributo com efeito de confisco (CF, art. 150, IV). Como se chega a essa conclusão? Qual seria o conceito de tributo com efeito de confisco?’ O conceito é indeterminado, caso em que o juiz laborará em área que chamaríamos de ‘área cinzenta’.

Diante do seu caráter indeterminado, o confisco deve ser analisado caso a caso. Segundo julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, caracterizou-se como efeito confiscatório a progressividade das contribuições previdenciárias. Nesse caso, o Tribunal decidiu da seguinte forma:

Ementa: PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PSS. NATUREZA DE TRIBUTO. SERVIDOR PÚBLICO ATIVO. LEI 9.783 /99. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. CARÁTER CONFISCATÓRIO. AFASTABILIDADE. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. (...)2. Impossível admitir-se a progressividade da contribuição social do servidor público civil, quando em sua aplicação implica em manifesto caráter confiscatório, por violação a princípios constitucionais sobre tributação. (REO325641/CE. Relator: Desembargador Federal Petrucio Ferreira. Data do Julgamento: 04/11/2003).

Ora, se até mesmo o aumento da alíquota referente às contribuições previdenciárias não podem ter caráter progressivo, pois, caso contrário, estaria se violando o princípio do não confisco, com muito mais certeza a cassação da aposentadoria dos servidores públicos afronta, em um grau mais elevado, o referido princípio, na medida em que com a interrupção do pagamento da aposentadoria o Poder Público realiza atividade de natureza confiscatória, pois todas as contribuições efetuadas pelo servidor ficarão em poder do Estado, já que o servidor estatutário não receberá qualquer contraprestação pelas contribuições previdenciárias que recolheu. O que representa uma medida administrativa de caráter confiscatório.

A penalidade de cassação de aposentadoria mostra-se ainda sanção desproporcional, tendo em vista que os casos que dão ensejo à demissão são os mesmos que acarretam a aplicação da pena de cassação de aposentadoria, conforme redação do art. 134, da Lei nº 8.112/90. O motivo para aplicação das penalidades é o mesmo, no entanto, os efeitos da pena são bem mais graves para o servidor que já se encontra na inatividade.

A cassação de aposentadoria é modalidade de sanção disciplinar que se aplica exclusivamente aos servidores públicos, não atingindo os trabalhadores da iniciativa privada. Mostrando-se mais uma vez desproporcional, uma vez que o trabalhador da iniciativa privada, que contribui da mesma forma que o servidor público poderá cometer qualquer tipo de infração, mas não sofrerá a penalidade de cassação de aposentadoria.

As contribuições previdenciárias prestadas pelos trabalhadores privados são recolhidas pelo Instituto Nacional da Seguridade Social, INSS, órgão competente para realizar o recolhimento das contribuições e a concessão dos benefícios. Estes benefícios representam uma contraprestação ao pagamento das contribuições efetivamente prestadas pelo trabalhador, não possuindo qualquer relação com o desempenho de suas atividades. Assim, mesmo que o trabalhador da iniciativa privada pratique infrações gravíssimas ele não será penalizado com a pena de cassação de aposentadoria, tendo em vista que o exercício de suas funções é absolutamente independente do sistema previdenciário, de maneira que o seu comportamento no trabalho não repercutirá, de forma alguma, na concessão dos benefícios devidos.

Entretanto, apesar das contribuições previdenciárias prestadas pelos servidores públicos serem modalidade de tributo vinculado, ainda subsiste a pena de cassação de aposentadoria, trazendo mais uma exigência para a manutenção do benefício, que o servidor não tenha um mau desempenho na realização de suas atividades.

Assim, apesar das semelhanças existentes, neste ponto, entre o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio, os servidores públicos são tratados de forma distinta dos trabalhadores da iniciativa privada, em situações em que não caberia essa diferenciação, ferindo assim o princípio constitucional da isonomia, na medida em que trata situações iguais de forma diferente.

É interessante observar que apesar do direito à aposentadoria ter sido concedido inicialmente aos servidores públicos, em virtude da prestação de serviços ao Estado, eles representam a única classe de trabalhadores que podem sofrer a penalidade de cassação de aposentadoria. Tal atitude demonstra total incoerência do legislador, na medida em que retira o benefício do servidor público, que inicialmente era o único que usufruía do direito à aposentadoria, enquanto que o trabalhador da iniciativa privada, que só teve garantido esse direito posteriormente, não sofrerá qualquer sanção disciplinar que tenha como punição a cassação de sua aposentadoria.

6.1 DO POSICIONAMENTO DO STF

Apesar da existência de tantos argumentos que demonstram a inconstitucionalidade da pena de cassação da aposentadoria, o Supremo Tribunal Federal vem atestando a constitucionalidade da referida medida disciplinar.

Em março de 2002, no julgamento do MS 23.299 São Paulo, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, foi rechaçada, pela unanimidade do pleno, a tese de violação ao ato jurídico perfeito da aposentadoria. Segundo o Ministro, a sanção disciplinar encontra-se prevista em lei, não podendo a pena ser afastada em virtude da alegação de ato jurídico perfeito, pois a análise do ato de concessão de aposentadoria, pelo contrário, é fundamento indispensável para a obtenção do benefício pelo servidor.

Na análise do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 24.577-7 Distrito Federal, julgado em novembro de 2003, tendo como relator o Ministro Carlos Velloso, a alegação de inconstitucionalidade também foi afastada. No julgamento, o Ministro citou ementa do MS 21.249/RJ, que tem a seguinte redação:                   

EMENTA: I. Cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão (L. 8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo irrelevante que não a preveja a Constituição e improcedente a alegação de ofensa do ato jurídico perfeito. (…) IV. Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal. (Plenário, DJ 12.4.2002).

Ocorre que referido Mandado de Segurança é anterior à promulgação da emenda constitucional nº 20/98, que alterou o art. 40, da Constituição Federal, instituindo o regime contributivo de previdência aos servidores públicos. Ou seja, naquela época, a aposentadoria ainda era considerada uma benesse, uma gratificação do Estado para o seu servidor, ao passo que após a edição da referida emenda, a aposentadoria dos servidores passou a ser semelhante a um contrato de seguro.

Outro julgado mais recente que trata da cassação de aposentadoria foi no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 29.198 Distrito Federal, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, que pela unanimidade da Turma, também reconheceu, em outubro de 2012, a constitucionalidade do art. 134 da Lei nº 8.112/90, limitando-se a fundamentação do MS 21.249/RJ, acima transcrito.

Dessa forma, é possível observar, que o STF vem confirmando a constitucionalidade da medida disciplinar de cassação de aposentadoria, mesmo diante da natureza contributiva do benefício. Vem ainda, rechaçando a tese de violação ao ato jurídico perfeito.

Nesse sentido é oportuno trazer a ementa do seguinte Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, que teve seu provimento negado de forma unânime pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – SANÇÃO DISCIPLINAR – CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA – LEI Nº 8.112/90 – DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA – SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (RMS 32624 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL. AG.REG. NO RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO Julgamento:  03/06/2014)         

No que tange a constitucionalidade ou não da referida sanção disciplinar encontra-se no STF, pendente de julgamento, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4882, que traz alegações favoráveis à declaração de inconstitucionalidade dos arts. 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90, que trazem a previsão da pena de cassação de aposentadoria do servidor público.

6.2 DA ADI Nº 4882     

Diante de tantos questionamentos sobre a inconstitucionalidade do instituto da cassação de aposentadoria, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, ANFIP, ingressou, em 01 de novembro de 2012, com uma ação direita de inconstitucionalidade questionando os arts. 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90. Tais dispositivos versam acerca da cassação de aposentadoria do servidor público.

A ANFIP considera a penalidade de cassação de aposentadoria um verdadeiro confisco, tendo em vista que o Estado transfere para si as contribuições previdenciárias, que tem por finalidade custear a aposentadoria, constituindo, portanto, patrimônio do servidor público.

Alega também que a pena de cassação de aposentadoria poderia ser legítima se considerada no século passado, onde a aposentadoria era conceituada como uma gentileza do Estado para com os servidores. Entretanto, a partir do momento que as contribuições passaram a ser compulsórias, o sistema passou a ser regido de forma retributiva, de modo que, espera-se do Estado uma contraprestação derivada das contribuições efetuadas pelo servidor, caso contrário ocorreria nítido enriquecimento ilícito do Poder Público, o que é vedado pela Constituição Federal.

Além do mais, para a ANFIP o ato que concede a aposentadoria é classificado como ato jurídico perfeito, tendo em vista se tratar de ato lícito, que tem por finalidade a aquisição do direito de se aposentar, pois se ilícito fosse o ato não deveria ter sido realizada pela Administração Pública, que deveria optar pelo reembolso das contribuições efetuadas pelo servidor. E por estar diante de um ato jurídico perfeito, não há que se falar em invalidade do ato, pois este já está consumado, respeitando-se, dessa forma, o princípio da segurança jurídica.

Outra violação à ordem constitucional, segundo a Associação, é a possibilidade da pena passar da pessoa do apenado. Neste caso, diante da aplicação da pena de cassação da aposentadoria, os pensionistas seriam atingidos pelos efeitos da decisão, em clara violação ao princípio previsto no art. 5º, XLV, da CF, que assegura, ressalvado alguns casos definidos em lei, que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.

Além disso, tal instituto viola o princípio do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Aduz por fim, que os arts. 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90 violam expressamente os incisos V, X, XXXVI e XLV, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Diante dos fatos apresentados, a ANFIP requereu ainda a concessão de medida cautelar, arguindo a presença do fumus boni iuris, pois a lei viola expressamente a Constituição Federal, bem como, o periculum in mora, posto que os servidores públicos estão tendo seus direitos violados.

Após o recebimento da ação o Supremo Tribunal Federal solicitou esclarecimentos do Senado Federal e da Presidência da República acerca da constitucionalidade ou não dos arts. 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90.

Segundo entendimento do Senado Federal, a pena de cassação de aposentadoria é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com as informações prestadas pelo Senado, as faltas disciplinares que foram cometidas durante o exercício das atividades públicas afetam os atos posteriores, ensejando a aplicação da pena de cassação de aposentadoria. Aduz ainda, que o instituto da cassação de aposentadoria não está relacionado com o direito ao benefício previdenciário, pois na verdade, a pena é aplicada em virtude da responsabilidade administrativa do servidor.

O Senado também afastou a tese do enriquecimento ilícito, em razão da natureza universal e solidária das contribuições previdenciárias.

A manifestação da Presidência da República também foi pela constitucionalidade da cassação de aposentadoria, demonstrado que tal instituto já tinha sido por diversas vezes declarado constitucional pelos Tribunais Superiores.

Posteriormente foram abertas vistas à Advocacia Geral da União, que em seu parecer, manifestou-se pela constitucionalidade dos artigos que versam sobre a cassação da aposentadoria. Para o Advogado Geral da União, o servidor público possui um vínculo jurídico com o Estado que não se extingue com o encerramento do exercício de suas funções, permitindo, portanto, a aplicação da sanção disciplinar.

Com relação à violação ao ato jurídico perfeito, sustentado pela ANFIP, o Advogado Geral da União, entendeu, com base em jurisprudência do STF, que tal instituto do Direito Civil, não impossibilita a cassação da aposentadoria, uma vez que a pena é aplicada pela prática de infrações graves cometidas durante o exercício das funções públicas. Assim, o ato ensejador da cassação da aposentadoria foi anterior ao ato que concede o benefício, de forma que, se a Administração Pública tivesse conhecimento da prática do ato ilícito não concederia a aposentadoria ao servidor. 

Além do mais, para o Advogado Geral da União, não subsiste a alegação de enriquecimento ilícito da União, pois a seguridade social tem caráter universal e solidário, e que por esse motivo, a prestação das contribuições previdenciárias não implica na necessidade do recebimento do benefício previdenciário.

Após a manifestação da AGU, foi aberto vistas ao Procurador Geral da Repúbica, que em seu parecer também opinou pela constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria do servidor público.

Segundo o PGR, a alegação de violação ao ato jurídico perfeito não possui fundamento, pois o cometimento de infração grave que tenha por consequência a aplicação da pena de cassação de aposentadoria tornaria o ato que concede a aposentadoria em desacordo com as determinações formais expressas na lei, não se configurando, assim, como ato jurídico perfeito.

Com relação à tese de enriquecimento ilícito do Poder Público, o PGR entendeu que mesmo diante do caráter contributivo, não se opera qualquer enriquecimento ilícito por parte do Poder Público, em razão do regime jurídico dos servidores públicos ser autônomo em relação ao regime próprio de previdência. De acordo com o entendimento do PGR, a medida disciplinar prevista na Lei nº 8.112/90 não poderá ser afastada em razão das repercussões que ocasionará no regime previdenciário, pois diante da independência entre eles não poderá haver qualquer interferência.

Em virtude da relevância da matéria, alguns sindicatos solicitaram a admissão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4882, na qualidade de Amicus Curiae, reiterando que a penalidade de cassação de aposentadoria ofende o texto constitucional, e, portanto, deve o pedido ser julgado procedente, a fim de que os arts. 127, IV e 134 da Lei nº 8.112/90 sejam declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Até a data do depósito desta monografia, dia 05.12.2014, o julgamento da ADI nº 4882, ainda encontra-se pendente no STF, inclusive quanto ao pedido de medida cautelar. Os autos estão conclusos ao Relator, ministro Gilmar Mendes, aguardando o seu pronunciamento.

6.3 DO POSICIONAMENTO DOS DEMAIS TRIBUNAIS

O Superior Tribunal de Justiça vem manifestado entendimento pela constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos, como pode ser observado no julgado abaixo:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E RAZOABILIDADE. OFENSA NÃO CONFIGURADA.

[...]

5. A pena imposta de demissão - convertida em cassação de aposentadoria -, é razoável pelos fundamentos de gravidade expostos, pois séria afronta aos deveres funcionais do servidor público. Rejeitada arguição de desproporção ou ilegalidade. (RMS 24606 / SPRMS 24606 / SP. Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Órgão Julgador: Sexta Turma. Data do Julgamento: 16/10/2014).

Para o STJ, a pena de cassação de aposentadoria não afronta o ordenamento jurídico, pois se o servidor fosse punido quando ainda estivesse exercendo suas funções públicas, a este seria aplicado a pena de demissão. Como já está na inatividade a solução é aplicar a pena de cassação de aposentadoria. Corrobora esse entendimento a seguinte jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. POLICIAL RODOVIÁRIO. PROCESSO DISCIPLINAR. OPERAÇÃO POEIRA NO ASFALTO. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO. NULIDADE DA PORTARIA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. MANUAL DE TREINAMENTO DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. UTILIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. FATOS PROVADOS.

 [...]

7. Direito adquirido à aposentação. O ordenamento jurídico, com o fim de não acobertar condutas ilícitas praticadas enquanto o servidor se encontrar na atividade, previu a aplicação da Penalidade de cassação da aposentadoria aos casos onde a falta for punível com a pena de demissão, consoante o disposto nos artigos 132 e 134 da Lei nº 8.112/90. (MS 17535 / DF. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira Seção. Data do Julgamento: 10/09/2014).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também vem entendendo que a pena de cassação de aposentadoria não viola o texto constitucional. Nesse sentido o Tribunal vem adotando o seguinte entendimento:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. GOVERNADOR DO ESTADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INADEQUAÇÃO TÍPICA. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. POLICIAL CIVIL. SANÇÃO PREVISTA EM LEI. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DA PENALIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. SEGURANÇA DENEGADA.

[...] 

4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade de aplicação da sanção de cassação da aposentadoria, mesmo nas hipóteses em que a falta é cometida pelo servidor em momento posterior à implementação dos requisitos necessários à aquisição do direito à aposentadoria.

[...] 

6. Não há falar-se em ofensa a direito adquirido à aposentadoria, quando a falta tenha sido cometida pelo servidor ainda na atividade, notadamente no presente caso, em que as infrações disciplinares foram praticadas e o processo administrativo disciplinar instaurado antes do afastamento do servidor em razão da constatação de sua incapacidade laborativa. (MS nº1.0000.13.071120-3/000. Relator: Des. Bitencourt Marcondes. Data de Julgamento: 16/06/2014).

Diferente da posição dos Tribunais acima, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria do servidor público, conforme demonstra a ementa abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. Delegado de Polícia aposentado. Processo Administrativo Disciplinar com imposição da pena de cassação de aposentadoria. Descabimento. Aposentadoria voluntária que se deu na vigência da EC nº 20/98. Regime de previdência se tornou obrigatório e passou a ter natureza contributiva. Cassação de aposentadoria já não pode ser aplicada como sanção. Precedentes. Ordem concedida. (MS 2012743-23.2014.8.26.0000. Relator: Evaristo dos Santos. Data do julgamento: 29/10/2014).

De acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, o instituto da cassação de aposentadoria é incompatível com o sistema contributivo da previdência, e diante das alterações realizadas pelas Emendas Constitucionais nos 20/98 e 40/03, que instituíram o regime contributivo de natureza retributiva, não existe mais a possibilidade de ser aplicada a sanção disciplinar de cassação de aposentadoria, por total incompatibilidade com o texto constitucional.

Nesse sentido posiciona-se o Tribunal:

No entanto, apesar de evidenciada afronta a deveres funcionais e transgressões disciplinares a caracterizarem procedimento irregular de natureza grave, tudo a justificar a sanção imposta, há controvérsias neste C. Órgão Especial quanto à aplicação da pena de cassação de aposentadoria, prevista no art. 67, inciso VII, da LC nº 207/79.

Curvando-me ao posicionamento do i. Des. PAULO DIMAS MASCARETTI, entendo ser incompatível a aplicação da cassação da aposentadoria como sanção disciplinar diante do que restou contemplado pelas Emendas Constitucionais nos 20/98 e 40/03. (MS 2012743-23.2014.8.26.0000. Relator: Evaristo dos Santos. Data do julgamento: 29/10/2014).

Assim, mesmo diante da presença de todos os requisitos legais para a concessão da penalidade disciplinar de cassação de aposentadoria, o Tribunal afastou-a, tendo por argumento o desaparecimento da natureza de prêmio do benefício da aposentadoria, em virtude da edição das Emendas Constitucionais nos 03/93 e 20/98, passando a ter caráter contributivo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo vem mantendo o posicionamento pela inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, conforme demonstra o acórdão julgado em 24 de outubro de 2014:

Ementa: I - Agravo regimental. Decisão do relator que deferiu liminar para restabelecer a aposentadoria, que fora cassada, até decisão do 'writ'. A cassação da aposentadoria, como forma de sanção disciplinar, não é mais compatível com a nova ordem constitucional após a promulgação da EC 03/93 e 20/98. Precedentes deste colendo Órgão Especial. II Presença dos requisitos ensejadores para a concessão da tutela de urgência. Livre convicção motivada do relator, reconhecendo a existência de tais requisitos. III Agravo improvido. (AR 2165948-72.2014.8.26.0000. Relator(a): Guerrieri Rezende.Órgão julgador: Órgão Especial. Data do julgamento: 29/10/2014).

Não se trata de decisão que se restringe ao estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina também se pronunciou a favor da inconstitucionalidade da sanção disciplinar de cassação de aposentadoria, como é possível observar no julgado abaixo:

Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA CONDENATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL N. 6.843/1986, ARTS. 206, INC. VI, E 212, INC. I. PREVISÃO DE APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA A POLICIAL CIVIL PELA PRÁTICA DE ILÍCITO DISCIPLINAR PERPETRADO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. AFRONTA AO REGIME CONTRIBUTIVO QUE REGE O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, AO FUNDAMENTO DA DIGNIDADE HUMANA E AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO, DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA VEDAÇÃO DE PENA DE CARÁTER PERPÉTUO OU QUE ULTRAPASSE A PESSOA DO CONDENADO E DA PROTEÇÃO AO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, ARTS. 1º, INC. III, 5º, INCS. XXXVI, XLV e XLVII. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, ARTS. 1º e 4º. ARGUIÇÃO JULGADA PROCEDENTE. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO PUNIDO COM DEMISSÃO. POSTERIOR CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DO DIREITO ADQUIRIDO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. PROVIMENTO DO RECURSO ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA RESTABELECIDA. (Acórdão nº 2012.073279-5. Relator: Nelson Schaefer Martins.Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público. Julgado em: 05/02/2013).

6.4 DO POSICIONAMENTO DA DOUTRINA

Diante da natureza contributiva da previdência social, grande parte dos administrativistas vem entendo que a penalidade de cassação de aposentadoria é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro.

Para Maria Sylvia Zanella de Pietro (2010, p. 555), a medida é incompatível com o texto constitucional:                                

Dependendo do regime adotado, a aposentadoria do servidor público, pode, em tese, apresentar-se como direito de natureza previdenciária, dependente de contribuição, ou como direito vinculado ao exercício do cargo público, financiado inteiramente pelo Poder Público, sem contribuição do servidor.   

A aposentadoria é, portanto, benefício que quando concedido de forma legal, ou seja, desde que cumpridos todos os requisitos, não poderá ser cassada, pois não foi conquistada por simples vontade do Poder Público, e sim pela prestação de contribuições destinadas ao financiamento do regime de previdência. Dessa forma, a aposentadoria representa uma contraprestação do Estado em face do recolhimento das contribuições pelo servidor.

Nesse sentido, Ivan Barbosa Rigolim apud João Batista Ribeiro (2012, p.57), aduz o seguinte:

Com efeito, a aposentadoria é um ato jurídico perfeito e acabado, que obrigatoriamente quita toda e qualquer pendência, aresta, descompasso, diferença ou disputa entre Administração e servidor – tanto que a Lei 8112, de 1990, art. 172, simplesmente impede a concessão de aposentadoria ao servidor que esteja sendo processado administrativamente quando a requer, mesmo que tenha completado o direito. Reza esse dispositivo: Ó servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

Segundo o autor, a cassação da aposentadoria só poderá ocorrer quando a sua concessão tiver sido adquirida mediante desrespeito aos requisitos necessários para a concessão do ato, não sendo cabível a aplicação de tal instituto em outra hipótese.

Contudo, em sentido contrário, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 687) entende que a penalidade de cassação de aposentadoria é perfeitamente compatível com o texto constitucional. O autor faz as seguintes considerações acerca do tema:                                                   

Registre-se [..] que não há direito adquirido do ex-servidor ao benefício da aposentadoria, se tiver dado ensejo, enquanto em atividade, à pena de demissão. Por isso, inteiramente cabível a pena de cassação de aposentadoria. Na verdade, até mesmo a aposentadoria compulsória do magistrado, que tem natureza punitiva, está sujeita à cassação se decisão superveniente a decretar em razão da condenação à perda do cargo.                                    

As divergências doutrinárias também se mostram presentes em relação ao tema, evidenciando a necessidade de um posicionamento definitivo do STF para sanar as dúvidas existentes sobre a constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Tamires Paulino Cesar. A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4745, 28 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35130. Acesso em: 19 abr. 2024.

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