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A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS                            

Em virtude de todas as considerações elencadas neste trabalho, conclui-se que a penalidade de cassação de aposentadoria dos servidores públicos viola diretamente o texto da Constituição Federal, pois diante das alterações realizadas pelas Emendas Constitucionais nº 03/93 e 20/98, a aposentadoria dos servidores públicos perdeu o caráter de prêmio e passou a constituir um verdadeiro seguro, passando a exigir o recolhimento de contribuições previdenciárias por parte dos servidores.

Após a exigência das prestações previdenciárias, a aposentadoria perdeu o caráter de benesse, pois já não era mais concedida simplesmente em razão do exercício de funções públicas. O benefício não é mais tratado como um prêmio, representa agora, um direito subjetivo do servidor que gera uma obrigação para a Administração Pública, da qual esta não poderá se liberar, tendo em vista o binômio custeio/benefício. A natureza retributiva das contribuições assegura que não haverá custeio sem benefício muito menos, benefício sem custeio. Assim, uma vez efetuado o recolhimento das contribuições e o cumprimento dos demais requisitos previstos em lei, o servidor terá assegurado o seu direito ao recebimento do benefício da aposentadoria. A prestação do benefício constitui o fundamento pelo qual o servidor efetua o pagamento das contribuições, na medida em que, o servidor tem a expectativa de receber os proventos decorrentes de sua aposentadoria.

A penalidade de cassação de aposentadoria imposta ao servidor retira seu direito de receber a aposentadoria, mesmo tendo este efetuado o pagamento das contribuições previdenciárias. Tal atitude revela verdadeiro enriquecimento ilícito da Administração Pública, pois esta, apesar de ter recolhido as contribuições, não mais terá a obrigação de garantir ao servidor o seu direito à aposentadoria. Até porque, as contribuições previdenciárias são modalidade de tributo que tem a sua arrecadação destinada a um fim determinado, qual seja, o de financiar o regime previdenciário dos servidores públicos, exigindo, portanto, uma contraprestação do Estado. Vale ressaltar, que a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria também viola o princípio do não confisco, pois mesmo sendo modalidade de sanção que encontra previsão na Lei nº 8.112/90, a pena de cassação de aposentadoria é incompatível com diversos princípios que estão elencados no texto constitucional.

Um deles é a violação ao ato jurídico perfeito. O ato que concede a aposentadoria é considerado um ato jurídico perfeito, pois foi satisfeito todos os requisitos formais exigidos em lei para a sua concessão, consolidando a situação jurídica de forma a torná-la imutável, assegurando que nem mesmo a superveniência de lei possa alterar a relação jurídica que já se formou, prestigiando, dessa forma, o princípio da segurança jurídica.

Assim, com a homologação do ato que concede o direito à aposentadoria o servidor terá incorporado esse direito ao seu patrimônio, sendo titular do direito adquirido em questão, usufruindo de todos os efeitos legais decorrentes do referido direito, estando ainda protegidos de eventuais mudanças legislativas que venham a diminuir esses efeitos. Portanto, se mesmo a edição de uma nova lei não pode violar um direito adquirido tampouco poderá esse direito ser desconstituído por decisão da Administração Pública.

Até porque retirar esse benefício do servidor público em um momento em que este, na maioria das vezes, não possui mais toda a sua força de trabalho é uma atitude desumana do Poder Público, violando nitidamente o princípio da dignidade da pessoa humana. A aposentadoria é sem dúvidas um benefício de caráter alimentar, que tem por finalidade garantir ao inativo uma fonte de renda, viabilizando uma forma de manter a sua subsistência e a de sua família. Essa natureza alimentar da aposentadoria deveria representar uma garantia ao inativo, tendo em vista que representa a fonte de renda com a qual o inativo poderá obter uma vida digna. O Poder Público estaria, assim, impedido de retirar a fonte de renda do inativo, que lhe garante o mínimo existencial.

Segundo o texto da Constituição Federal, o direito à aposentadoria é direito de caráter social, que exige do Estado uma prestação positiva para garantir a efetividade deste direito. Por esse motivo, é expressamente vedado que o Poder Público tenha a sua atuação voltada para diminuir o alcance dos direitos sociais que já foram por ele garantidos. O princípio da vedação ao retrocesso tem por finalidade garantir que os direitos sociais que já tenham sido assegurados pelo Estado não possam ser suprimidos, pois a atuação do Poder Público nesses casos só poderá ser no sentido de complementar esses direitos, proporcionando a sua evolução, na medida em que são direitos essenciais para que os cidadãos tenham uma vida digna.

Outro argumento a justificar a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria é a desproporcionalidade existente entre as sanções disciplinares aplicadas aos servidores públicos e aos trabalhadores regidos pela CLT. A pena de cassação de aposentadoria não se aplica aos servidores da iniciativa privada, ela é modalidade de sanção que está restrita aos servidores públicos, apesar da semelhança existente na forma do financiamento da previdência entre os dois regimes.

Além do mais, sabe-se que a aposentadoria foi benefício que tinha como destinatários iniciais os servidores públicos, se estendendo aos trabalhadores privados somente depois, demonstrando, dessa forma, que o Estado buscou proteger primeiramente os servidores públicos, em virtude dos serviços que estes prestavam ao Estado. Entretanto, os servidores públicos atualmente se encontram em uma situação de maior fragilidade, pois representam a única classe de trabalhadores que podem ter o benefício da aposentadoria cassada.

O tema em questão é objeto de grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais, que ora se manifestam pela constitucionalidade, ora pela inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria do servidor público. A dúvida acerca da constitucionalidade da referida sanção disciplinar é tamanha, que inclusive encontra-se no STF, pendente de julgamento, a ADI nº 4882, que se julgada procedente determinará a inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, abolindo do ordenamento jurídico brasileiro pena tão incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Espera-se que a Supremo Tribunal Federal, a quem foi atribuída à nobre função de ser o guardião da Constituição, possa exercer de fato tal incumbência, assegurando aos servidores públicos o seu direito constitucional a não ter sua aposentadoria cassada. A declaração de inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos representaria, assim, o cumprimento da principal função da Suprema Corte: garantir a correta interpretação e aplicação do texto constitucional. Além do mais, a extinção da referida sanção disciplinar é atitude que se ajusta perfeitamente com a ideia de justiça social, assegurando que o Estado não retire a única fonte de renda do inativo, garantindo-lhe o mínimo existencial. 


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SANTOS, Tamires Paulino Cesar. A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4745, 28 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35130. Acesso em: 23 abr. 2024.

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