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A competência comum ambiental e a utilização de acordos de cooperação técnica na delegação do licenciamento ambiental

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O INSTRUMENTO DE ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA NA DELEGAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O instrumento de Acordo de Cooperação Técnica é instrumento administrativo cuja natureza jurídica caracteriza-se como convênio em sentido amplo (enquanto gênero), logicamente, distinta do convênio em sentido estrito, do Termo de Cooperação e do Acordo de Cooperação.[10]

Ainda, acerca da celebração de convênio em sentido amplo, destaca-se que o mesmo independe de licitação prévia, consoante a seguinte lição doutrinária:

“Consideram-se convênios administrativos os ajustes firmados por pessoas administrativas entre si, ou entre estas e entidades particulares, com vistas a ser alcançado determinado objetivo de interesse público. Como bem registra HELY LOPES MEIRELES, convênio e contrato não se confundem, embora tenham em comum a existência de vínculo jurídico fundado na manifestação de vontade dos participantes. No contrato os interesses são opostos e diversos, no convênio são paralelos e comuns. Nesse tipo de negócio jurídico, o elemento fundamental é a cooperação , e não o lucro, que é o almejado pelas partes no contrato. (...) Outro aspecto distintivo reside nos polos da relação jurídica. Nos contratos, são apenas dois os polos, ainda que num destes haja mais de um pactuante. Nos convênios, aos revés, podem ser vários os polos, havendo um inter-relacionamento múltiplo, de modo que cada participante tem, na verdade, relação jurídica com cada um dos integrantes dos demais polos. Os convênios não se formam com personalidade jurídica autônoma e representam, na verdade, o vínculo que aproxima várias entidades cm personalidade própria. O vínculo jurídico nessa modalidade de ajuste não tem a rigidez própria das relações contratuais.(...)Como esse tipo de ajuste está fundado no propósito de cooperação mutua entre os pactuantes, tem sido admitida a participação, entes os pactuantes, de órgãos públicos, despidos de personalidade jurídica. (...)A celebração de convênios, por sua, natureza independe de licitação prévia como regra. É verdade que a Lei n° 8.666/1993 estabelece, no art.116, que ela é aplicável convênios e outros acordos congêneres. Faz, entretanto, a ressalva de que a aplicação ocorre no que couber. Como é lógico, raramente será possível a competitividade que marca o processo licitatório, porque os pactuantes já estão perviamente ajustados para o fim comum a que se propõem. Por outro lado, no verdadeiro convênio inexiste perseguição do lucro, e os recursos financeiros empregados servem para cobertura dos custos necessários à operacionalização do acordo. Sendo assim, inviável e incoerente realizar licitação.” (destaques do autor)[11]

Forçoso, ainda, destacar a distinção do “Acordo de Cooperação Técnica”(ACT), em que não há transferência de recursos, do“Termo de Cooperação”, que envolve o repasse de recursos. E, tratando-se de delegação de competência para licenciamento ambiental, a nomenclatura mais adequada é o ACT.

Acerca das formalidades a serem observadas pela Administração delegante, primeiramente, importa promover instrução processual devida no sentido de demonstrar a convergência de interesses entre as partes competentes, nomeadamente, no momento da finalização das tratativas e da formalização do ACT.

Quanto à incidência e ao cumprimento de requisitos legais para o ACT, aplicam-se as normas do art.116 da Lei n. 8.666/93, no que couber. Também merece consideração o art. 54 dessa Lei, no que aplicável aos ACT, quando indica cláusulas obrigatórias dos contratos a serem firmados pela Administração, a saber: (i) o objeto e seus elementos característicos; (ii) os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso; (iii) os direitos e as responsabilidades das partes; (iv) os casos de rescisão; (v) a cláusula do foro para dirimir qualquer questão contratual, devendo ser apontado aquele da sede da Administração. Também, são usualmente incluídas cláusulas de vigência, publicidade e publicação.

O ACT é lícito para essa hipótese de delegação exatamente porque foi indicado expressamente no elenco dos instrumentos de cooperação institucional, nos termos do art.4º, II, da Lei Complementar (LC) n° 140/2011, que fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum para a proteção ambiental. A saber:

“Art. 4o  Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional: (...)

II - convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal;(...)”

Em face da divisão de atribuições específicas para o licenciamento ambiental, nos âmbitos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, consoante, respectivamente, art. 7º, XIV, 8º, XIV, 9º, XIV e 10, da LC nº 140/2011, esta mesma LC previu a possibilidade de delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos legais e mediante convênio, consoante seus arts.4º, V, e 5º, in verbis:

“Art. 4o Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional:

(...)

V - delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar;

Art. 5o O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.”


4  OS REQUISITOS DISPOSTOS NA LEI COMPLEMENTAR 140/2011 PARA A DELEGAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Por outro lado, além das formalidades supra tratadas, há que se observar o atendimento aos requisitos legais do citado art.5º, da LC 140/2011.

Na prática administrativa da formalização de ACT sobre delegação de competências, é importante que o ente federativo delegante, em cada ACT, efetue a indicação pormenorizada e individualizada da atividade a ser objeto da delegação de competência do licenciamento ambiental, a fim de permitir o consequente controle do ato de delegação e da sua prerrogativa de avocar o objeto delegado.

Para isso, é salutar a motivação técnica expressa sobre a delegação e acerca da amplitude do objeto do ACT, inclusive, quando se pretender delegar o licenciamento ambiental de mais de um empreendimento de forma genérica e/ou dentro da mesma tipologia de licenciamento ambiental (ex.: licenciamento de hidrelétricas, de postos de gasolina, etc.), a fim de permitir o acompanhamento pelos órgãos de controle da Administração Pública.

No sentido de tornar o instrumento do ACT em comento bastante adequado em termos jurídicos, ainda, devem restar claras as responsabilidades de cada Administração – delegante e delegatária -, no sentido de assegurar a possibilidade de fiscalização e de controle das atividades a serem exercidas pelo ente delegatário em relação ao objeto da delegação, especialmente, a fim de respeitar e deixar expressa a prerrogativa de o ente delegante avocar a execução do objeto do ACT, assim, respeitando-se eventual futura medida discricionária pelo órgão originariamente competente para reassumir o objeto da delegação. Tudo isso, com base nas disposições do art.11, da Lei nº 9.784/99 e do arts.11 e 12, do Decreto-Lei nº 200/67 e arts.1º a 4º, do respectivo Decreto regulamentar nº 83.937/79,[12] cujas normas tratam da delegação de competência no âmbito federal.

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Desse modo, forçoso reconhecer nesse tipo de ACT que sempre haverá a faculdade de o órgão ambiental delegante avocar a execução do licenciamento ambiental do(s) empreendimento(s) objeto do ACT, logicamente, apresentando a razão de relevante interesse em retomar a execução de suas atribuições de sua competência originária, caso se constate a prática de irregularidades na condução das atribuições delegadas ou no caso de qualquer fato superveniente capaz de impossibilitar a continuidade da cooperação por intermédio do licenciamento ambiental pelo órgão delegatário.

Ainda, considera-se essencial que as cláusulas do ACT também prevejam: (i)ausência de repasse de recursos financeiros - dada a natureza jurídica de convênio em sentido amplo do ACT, (ii) vigência do ACT; (iii) possibilidade de renúncia e de rescisão, (iv)possibilidade de aditamento, (v) forma de publicidade da delegação, (vi) forma de publicação do ACT (ou seu extrato) em Diário Oficial, e (vii) foro, no caso de judicialização.

Finalmente, cabe referir que para a celebração do ACT em matéria de delegação de licenciamento ambiental, embora seja preferível a existência de Plano de Trabalho com cronograma e atividades detalhadas para a execução do Acordo, excepcionalmente, dada a peculiaridade dessa delegação, muitas vezes com objeto cujas atividades serão executadas por diversos anos, deve-se admitir como suficiente cláusula com obrigação de apresentação de relatórios (ex.: semestral, anual, etc) a fim de permitir o acompanhamento pelo órgão delegante das atribuições que serão objeto da delegação.


5. CONCLUSÕES

Dentre as conclusões do presente estudo, que foram sendo apontadas ao longo do desenvolvimento supra do assunto, destaca-se a importância de conceber-se a divisão de competências ambientais a partir de medidas adequadas e suficientes ao bem-estar da sociedade, realizando-se a descentralização ambiental a partir da LC n°140/2011.

Essa LC trouxe regras de divisão de competências para fiscalizar e licenciar determinados empreendimentos ou atividades, não se descuidou de reforçar a cooperação, em um contexto de competências comuns, assim, não se deve engessar a atuação de cada ente da Federação , permitindo-se a aplicação de mecanismos de cooperação na gestão ambiental.

Abstraindo-se os aspectos afetos à discricionariedade técnico-administrativa, típicos do âmbito das atribuições do administrador público, admite-se juridicamente a utilização do instrumento do Acordo de Cooperação Técnica, espécie do gênero convênio em sentido amplo, com vistas à delegação do licenciamento ambiental de determinado(s) empreendimento(s), o que deverá estar explícito nesse instrumento de cooperação.

Ainda, a regularidade da delegação do licenciamento ambiental por intermédio do ACT deve observar a possibilidade de o órgão ambiental delegante avocar a execução do licenciamento ambiental objeto do ACT.

Como também, considera-se essencial que as cláusulas do ACT também prevejam: (i)ausência de repasse de recursos financeiros - dada a natureza jurídica de convênio em sentido amplo do ACT, (ii) vigência do ACT; (iii) possibilidade de renúncia e de rescisão, (iv)possibilidade de aditamento, (v) forma de publicidade da delegação, (vi) forma de publicação do ACT (ou seu extrato) em Diário Oficial, e (vii) foro, no caso de judicialização.

E, com vistas à preservação da cooperação, admite-se como suficiente cláusula com obrigação de apresentação de relatórios (ex.: semestral, anual, etc) a fim de permitir o controle e acompanhamento pelo órgão delegante das atribuições que são objeto da delegação.

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Sobre o autor
Gerlena Maria Santana de Siqueira

Procuradora Federal da Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto. Ex Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos do Ministério do Meio Ambiente. Ex Presidente da Câmara Especial Recursal do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Gerlena Maria Santana. A competência comum ambiental e a utilização de acordos de cooperação técnica na delegação do licenciamento ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4782, 4 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35263. Acesso em: 26 abr. 2024.

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