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A não incidência do ITBI (imposto de transmissão sobre bens imóveis) nas desapropriações por utilidade pública

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20/07/2016 às 12:32
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5 - Imunidade Tributária, Isenção Tributária e Não-Incidência de tributos

Quando o legislador trata sobre a não tributação ele está se referindo à imunidade tributária. Nesta seara é importante destacar que trata-se de previsão constitucional sobre a não incidência de tributos, como bem salienta Paulo de Barros Carvalho:

O universo do direito positivo brasileiro abriga muitas interdições explícitas que, num instante considerado, podem ter o condão de inibir a atividade legislativa ordinária, escala hierárquica em que nascem as regras tributárias em sentido estrito. Tão-somente aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental, entretanto, guardarão a fisionomia jurídica de normas de imunidade. O quadro das proposições normativas de nível constitucional é seu precípuo campo de eleição. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 307.

Observa-se a impossibilidade de tributação sobre o fato, onde o ente federado não pode promover arrecadação de tributo.

A imunidade tributária é também norma que não abre espaço para exceções e sua aplicação é obrigatória a todas as esferas do Poder Público. A Carta Magna quando atribui a imunidade tributária, estabelece mandamento que não necessita de lei que trate sobre o assunto.

Faz-se mister distingui-la da denominada isenção, iniciando com sua conceituação. E para efeitos deste trabalho, foi adotado o conceito dado por Paulo de Barros Carvalho:

Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente. (...) Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse. (...) o encontro de duas normas jurídicas, sendo uma a regra-matriz de incidência tributária e outra a regra de isenção, com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da conseqüência da primeira (regra-matriz).” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 504-5.

Assim, a isenção tributária decorre de lei. Com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 151, inciso III) a União não pode mais instituir isenções tributárias de competência dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios, logo, o Poder Público que exige o tributo tem o poder de isentar. Importante mencionar um dos entendimentos doutrinários sobre o assunto:

1) a imunidade é, por natureza, norma constitucional, enquanto a isenção é normal legal, com ou sem suporte expresso em preceito constitucional; 2) a norma imunizante situa-se no plano da definição da competência tributária, alocando-se a isenção, por seu turno, no plano do exercício da competência tributária; 3) ainda que a isenção tenha suporte em preceito constitucional específico, a norma constitucional que a contém possui eficácia limitada, enquanto a imunidade abriga-se em norma constitucional de eficácia plena ou contida; e 4) a eliminação da norma imunizatória somente pode ser efetuada mediante o exercício do Poder Constituinte Originário, porquanto as imunidades são cláusulas pétreas, desde que não seja o caso da imunidade ontológica; uma vez eliminada a isenção, por lei, restabelece-se a eficácia da lei instituidora do tributo, observados os princípios pertinentes. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109 - grifo do original.

É a isenção um caso de dispensa do crédito tributário, ou seja, de exclusão deste (artigo 175, inciso I, do Código Tributário Nacional -CTN). 

A não incidência de tributos é a falta de enquadramento ou de respaldo quanto à hipótese normativa, trata-se de análise quanto ao fato gerador do tributo, vale menionar que:

Quanto à não-incidência, tem-se que é o não enquadramento normativo a uma conduta isto é, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico-tributária. Assim, na “não-incidência, o fato não pode ser contemplado legalmente como gerador de determinado tributo, como é o caso de lavagem de roupas que não constitui fato gerador do IPI”. MELO. José Eduardo Soares de. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p. 192 – grifo do original.

O art. 184 da Constituição Federal § 5º e artigo 26 da Lei Nacional n.º 8.629/93 estabelecem que são imunes de impostos municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, assim, o ITBI não deve incidir nesses casos.

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A Emenda n° 10/64 também trata sobre a imunidade tributária sobre a transferência de imóveis rurais em caso de desapropriação por reforma agrária. Assim, por não haver tratativas sobre a imunidade conferida às ações de desapropriação por utilidade pública, alguns tribunais veem aplicando essas normas de forma analógica para conceder imunidade tributária nesses casos.

Assim, as previsões de limitação da tributação e de não incidência são imunidades e não isenções.

Destaca-se que a não incidência do ITBI nas ações de desapropriação o Poder Público alcança o domínio desta, como se ela nunca tivesse pertencido a alguém, como se fosse a primeira aquisição. Não há a derivação do domínio pois não há transmissão, mesmo porque, na aquisição originária há a sub-rogação no preço de eventuais credores.

Outra questão que merece respaldo sobre o tema tratado, é que não há voluntariedade do alienante pois o Poder Público desapropria em função do princípio de que o interesse público prevalece sobre o interesse particular.

O primeiro interessado a desapropriar, é o Estado, pois só ele pode consumar a transferência da propriedade pela desapropriação. Assim, a imunidade tributária do ITBI decorre do fato de que o Estado não poderia tributar fato que é originário de sua própria vontade.

Nas transmissões ou transferências, o repasse oneroso e o pagamento de referido imposto se deve ao fato de que a propriedade saiu das mãos do antigo proprietário, passando para o novo adquirente.

Destaca-se que os municípios devem observar os critérios de imunidade tributária. Ocorre que muitos entes municipais exigem o pagamento de referido imposto para procederem os registros das ações de desapropriação pois eles não possuem base legislativa sobre a competência tributária relacionada ao ITBI.


7 – Conclusão

O presente estudo, como inicialmente dito, teve como objetivo discutir a não-incidência do ITBI na aquisição da propriedade imobiliária por meio da ação de desapropriação por utilidade pública. O entendimento aqui defendido é no sentido de ser a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade, tendo em vista a transmissão pressupor uma vinculação decorrente entre o titular anterior e o novo titular. Inexistindo vínculo entre aquele que perde a propriedade e o que o adquire, decorre a aquisição originária, nesse caso o direito do novo titular não se funda no título anterior.

A par disso, não há que se falar em incidência do Imposto de Transmissão sobre Bens Imóveis – ITBI, haja vista qualquer tributo só ser exigível em face de fato gerador previsto em lei e que deverá estar em consonância com a Carta Magna, visando o cumprimento dos princípios da legalidade e da constitucionalidade. O que não ocorre, in casu, posto que na desapropriação por utilidade pública não há transmissão da propriedade e, sim, em aquisição da propriedade.

Em razão de não haver qualquer fundamento jurídico que autorize a exigência desse imposto e a Carta Magna prescrever que o tributo em tela será devido, tão-somente, para os casos de transmissão da propriedade, pode-se considerar inconstitucional a cobrança de ITBI nestas ações, pelos municípios.


8 - Referências

BRASIL, Código Civil e Constituição Federal. 12ª Edição. São Paulo, Editora Saraiva: 2006.

CASSONE, Vitório. Direito tributário: fundamentos constitucionais da tributação, classificação dos tributos, interpretação da legislação tributária, doutrina, prática e jurisprudência. 16ª Edição. São Paulo: Atlas, 2004.

CONTI, José Maurício. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): principais questões. In: Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1401. Acesso em 07/05/2014.

DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8ª Edição. São Paulo: Atlas, 2002.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 12ª Edição. São Paulo: Atlas: 2004.

______________. Imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI). In: Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1400. Acesso em 07/05/2014.

SILVA, Bruno Mattos e. Compra de imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos. 4ª Edição. São Paulo: Atlas, 2003.

SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo. Revista dos Tribunais. 6ªed. 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008.

COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELO. José Eduardo Soares. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social. In: Imunidade tributária.Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005

 

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Sobre a autora
Carla Campos

Mestre em Direito na Universidade Catolica de Brasilia - UCB, é Advogada e Contabilista, especialista em direito civil e empresarial, direito de trabalho e processo do trabalho pela Faculdade Damásio E. de Jesus e especialista em Contabilidade e Direito Tributário pelo IPOG - Instituto de Pós -Graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Carla. A não incidência do ITBI (imposto de transmissão sobre bens imóveis) nas desapropriações por utilidade pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35360. Acesso em: 26 abr. 2024.

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