Da ação de busca e apreensão e da alienação fiduciária em garantia.

Alterações procedimentais e jurisprudenciais com o advento do artigo 101 da Lei 13.043/2014

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Alterações ocorridas na ação de busca e apreensão de bem garantido por alienação fiduciária, com o advento do artigo 101 da Lei 13.043/2014, que alterou substancialmente o Decreto-Lei 911/1969, simplificando o procedimento da referida ação cautelar.

Em novembro do corrente ano de 2014 entrou em vigor a Lei 13.043, através da qual houve a realização de diversas alterações legais, em especial na área tributária.

Contudo, em seu artigo 101, houve uma significativa alteração procedimental com relação à alienação fiduciária e, consequentemente, às ações de busca e apreensão relativas a contratos com garantia de alienação fiduciária.

Essencialmente, o dispositivo legal citado no parágrafo anterior alterou o teor de diversos artigos do Decreto-Lei 911/1969, bem como introduziu novas orientações normativas com relação à ação de busca e apreensão de bem móvel dado em garantia de alienação fiduciária.

Entretanto, primeiramente merece ocorrer uma breve qualificação da alienação fiduciária em garantia, nos termos do artigo 1º, do Decreto 911/1969:

Art. 1º. O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passar a ter a seguinte redação:

Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor ou possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Demonstrada uma breve qualificação/conceituação da alienação fiduciária em garantia, passa-se a realizar a devida análise das alterações advindas com o art. 101 da Lei 13.043/2014, real objeto do presente trabalho científico

Com relação aos contratos em que haja garantia através de alienação fiduciária, prática cotidiana e mais reconhecida nos contratos bancários para aquisição de veículos, caso o devedor deixe de cumprir com a sua obrigação de pagamento, tornando-se inadimplente e/ou em mora com o credor, há a autorização do proprietário fiduciário para que adote algumas medidas a fim de garantir o adimplemento do seu crédito

Nesta parte surgem as primeiras alterações. Com a nova redação do artigo 2º do Decreto-Lei 911/1969, dada pelo artigo 101 da Lei 13.043/2014, em caso de mora ou inadimplemento de obrigações contratuais que possuem garantia de alienação fiduciária, o credor poderá realizar a venda direta do bem sobre o qual recai a alienação fiduciária, sem a exigência de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo o valor arrecadado com a venda, primeiramente, ser aplicado para o pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes da venda.

Caso haja saldo, após o pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes da venda do bem, o credor deverá entregar ao devedor tal saldo. Contudo, este procedimento é vedado caso haja previsão expressa em contrário no contrato firmado pelas partes.

Até este ponto, nada de novo com relação à redação antiga do artigo 2º do Decreto-Lei 911/1969. A novidade recai sobre a obrigação de o credor prestar contas com relação a todo o procedimento relatado nos parágrafos anteriores, obrigação anteriormente não exigida.

Mas não para por aí. Uma das principais alterações ocorridas recai sobre a nova redação do §2º, do artigo 2º do Decreto-Lei 911/1969, a qual necessariamente acarretará uma mudança jurisprudencial completa nos Tribunais pátrios.

Tal dispositivo legal se refere a forma de comprovação da caracterização da mora do devedor. Através da redação antiga, havia a necessidade de expedição de carta registrada por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos do país ou a realização de protesto do título, para a comprovação da mora do devedor, para fins de propositura de ação de busca e apreensão.

Contudo, através da nova redação do artigo 2º, §2º do Decreto-Lei 911/1969, tal exigência tornou-se muito mais branda e simples ao credor. Basta ocorrer o envio de carta registrada com aviso de recebimento ao endereço do devedor, não sendo necessário sequer que o devedor seja a pessoa que assine o aviso de recebimento.

A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do AgRg no AREsp nº. 403.653/RS, do AgRg no AREsp nº. 529.844/RS, do AgRg no AREsp nº. 461.194/MS, do AgRg no AREsp nº. 575.916/MS, do AgRg no AREsp nº. 396.658/RS, do AgRg no Ag nº. 1.323.805/MG, do AgRg no Resp nº. 885.656/SC, entre diversos outros, possui o entendimento consolidado de que a comprovação da mora do devedor se dá por meio do envio de carta registrada por intermédio de qualquer Cartório de Títulos e Documentos do país ou pela realização de protesto do título, nos termos da antiga redação.

Nestes termos, segue transcrição de trecho do AgRg no AREsp nº. 403.653:

(...) O entendimento consignado no acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte assentada no sentido de que é válida a notificação extrajudicial realizada por intermédio de cartório de títulos e documentos e entregue no domicílio do devedor. (...)

Destaca-se, também, a fundamentação utilizada no julgamento no AgRg no AREsp nº. 461.194/MS, conforme descrição abaixo:

(...) É válida a notificação expedida por cartório de títulos e documentos situado em comarca diferente da do domicílio do devedor (Recurso Especial repetitivo n. 1.184.570/MG). (...)

(...) Com efeito, o tema a respeito da possibilidade de notificação do devedor, em ação de busca e apreensão por cartório situado em comarca diversa da do domicílio do devedor não comporta mais discussão, uma vez que a decisão ora impugnada adotou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consolidado no julgamento de recurso especial submetido ao rito dos repetitivos, razão pela qual a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. (...)

Por fim, deve ser observado o posicionamento adotado no acórdão prolatado no AgRg 529.844/RS, nos termos do trecho a seguir:

(...) Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, nos contratos de alienação fiduciária, para que ocorra a busca e apreensão do bem, a mora do devedor deve ser comprovada pelo protesto do título ou pela notificação extrajudicial, sendo necessária, nesse último caso, a efetiva entrega da notificação no endereço indicado pelo devedor. (...)

Seguem, ainda, trechos do acórdão prolatado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento do recurso de apelação nº. 1002339-87.2014.8.26.0077 com relação ao tema:

(...) Na hipótese dos autos, a Autora, para o fim de demonstração da constituição em mora do Réu, juntou aos autos a certidão de expedição da notificação extrajudicial pelo Oficial do Serviço Notarial e Registral da Comarca de Joaquim Gomes-AL ao endereço do Réu declinado no contrato celebrado entre as partes e a solicitação de encaminhamento desta notificação por meio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (e-fls. 14/15). E, a remessa da notificação ao Réu não foi formalizada, em virtude do motivo “ausente” (e-fl. 15).

Ocorre que tais documentos mostram-se insuficientes para a comprovação da mora “in casu” e isso porque não demonstram o recebimento desta notificação no endereço mencionado, ainda que por terceira pessoa, ou ainda, que a entrega foi impossibilitada por motivo imputável ao próprio devedor.

Com efeito, para que se caracterize a mora do Réu não se exige o recebimento da notificação pelo próprio devedor, porém, é imprescindível a demonstração de que ao menos houve uma tentativa de entrega da referida notificação no endereço apontado e não concretização por motivo imputável ao próprio devedor, o que não restou demonstrado na hipótese dos autos. (...)

Portanto, como já afirmado, necessariamente deverá ocorrer a alteração da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça e, consequentemente, nos Tribunais Estaduais, o que poderá ser observado nos futuros próximos julgados a serem proferidos nas ações de busca e apreensão propostas perante o Poder Judiciário.

Além disso, com a nova redação do artigo 3º, “caput”, do Decreto-Lei 911/1969, fica autorizada a propositura de ação de busca e apreensão de bens garantidos através de alienação fiduciária perante o plantão judiciário.

Tal redação poderá vir a gerar alguns conflitos e polêmicas, já que seria necessário verificar a real extrema urgência para o cumprimento da medida através do plantão judiciário e não no período normal de funcionamento do Poder Judiciário. Deverá ser observado se os magistrados atuantes no plantão judiciário irão receber, analisar e autorizar o cumprimento da medida de busca e apreensão através desse procedimento excepcional.

Somente o tempo poderá nos responder se ocorrerá a efetiva aplicação desta medida, com base em uma análise da prática forense nos Tribunais e do entendimento jurisprudencial que virá a surgir acerca do tema.

Além da alteração ocorrida no “caput” do artigo 3º do Decreto-Lei 911/1969, houve a criação/inclusão dos §§ 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º.

Através de tais novas normas legais, o magistrado, quando do deferimento da medida de busca e apreensão, relativa a veículo garantido através de alienação fiduciária, caso tenha acesso à base de dados do RENAVAM, deverá inserir diretamente a restrição judicial na base de dados do órgão citado, bem como, após o cumprimento da busca e apreensão, realizar a retirada da restrição (art. 3º, §9º do Decreto-Lei 911/1969).

Contudo, caso o juiz não tenha acesso à base de dados do RENAVAM, deverá expedir ofício ao departamento de trânsito competente na área, para o fim de realizar o registro de gravame relativo à decretação da medida de busca e apreensão sobre o veículo, bem como, após a efetivação da apreensão, realizar a retirada do referido gravame (art. 3º, §10º, do Decreto-Lei 911/1969).

Além disso, o magistrado deverá determinar a inserção do mandado de busca e apreensão de veículo garantido com alienação fiduciária, em banco próprio de mandados. Deste modo, caso não haja tal banco próprio de mandados, em razão da nova norma legal, os Tribunais de país deverão realizar a criação de banco específico de mandados para esses casos de busca e apreensão (art. 3º, §11º, do Decreto-Lei 911/1969).

Ainda, a fim de promover uma maior agilidade para o cumprimento da busca e apreensão, caso o veículo sobre o qual vige determinação de busca e apreensão seja localizado em Comarca diversa daquela em que tramita a ação de busca e apreensão, a parte interessada (credor) poderá requerer a apreensão do veículo diretamente ao juízo da Comarca em que está situado o referido veículo (art. 3º, §12º, do Decreto-Lei 911/1969).

Portanto, interpretando tal dispositivo legal, pode se chegar a conclusão de que não é mais necessária a expedição de carta precatória à Comarca em que está localizado veículo. Basta a distribuição de requerimento de busca e apreensão, fundamentado com cópia da peça inicial da ação originária e, caso necessário, cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão na ação originária.

Tal medida é totalmente nova no ordenamento jurídico pátrio, não havendo qualquer similitude dessa forma de procedimento processual, mesmo que comparado com as demais áreas do Direito.

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Sendo localizado o veículo, no momento do cumprimento da medida de busca e apreensão, o devedor fica obrigado a realizar a entrega das chaves e dos documentos do veículo (art. 3º, §14º, do Decreto-Lei 911/1969). Não havia previsão legal expressa a esse respeito anteriormente, mas tal medida já era obrigatória anteriormente no momento da efetivação da busca e apreensão.

Efetivada a busca e apreensão, tal medida deverá ser comunicada imediatamente ao juízo, o qual irá intimar a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 horas (art. 3º, §13º, do Decreto-Lei 911/1969). Tal medida é relativamente nova, já que parte do Poder Judiciário entende que o bem apreendido deve ficar depositado na Comarca até que haja uma decisão definitiva na ação de busca e apreensão. Com esse novo dispositivo de lei, o banco fica autorizado a retirar o veículo e levá-lo para depósito de sua propriedade, o que em muitos casos já vinha ocorrendo.

No §15º do artigo 3º do Decreto-Lei 911/1969 houve a previsão de extensão de todas as medidas previstas nos demais parágrafos no artigo 3º para as ações de reintegração de posse de veículos adquiridos pelos devedores através de operações de arrendamento mercantil.

Outra inovação com relação à matéria recai sobre a nova redação do art. 4º do Decreto-Lei 911/1969, dada pelo artigo 101 da Lei 13.043/2014. Com essa nova redação, para os casos em que não haja a localização do veículo na ação de busca e apreensão, o credor poderá requerer a conversão da demanda para ação executiva, a fim de satisfazer seu crédito.

Através da redação antiga do dispositivo legal supracitado, o credor, em caso de não localização do veículo, somente poderia solicitar a conversão da ação de busca e apreensão para ação de depósito.

Mais que isso, através da nova redação do artigo 5º do Decreto-Lei 911/1969, fica autorizado ao credor, nos casos já tratados neste estudo, propor ação de execução de forma direta, não se fazendo necessária a propositura inicial de ação de busca e apreensão.

A última inovação apresentada pelo artigo 101 da Lei 13.043/2014 é a criação/inclusão do artigo 7º-A no Decreto-Lei 911/1969. Através deste dispositivo legal fica vedada a realização de bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária. Além disso, qualquer discussão acerca de concurso de preferências deverá ser resolvida através do valor da venda do bem, pelo procedimento do artigo 2º do Decreto-Lei 911/1969, já dissecado anteriormente neste estudo.

Portanto, ante as observações realizadas frente as diversas inovações trazidas ao mundo jurídico, em especial ao processo de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, pode-se concluir que no futuro imediato deverá haver uma mudança substancial da jurisprudência pátria com relação ao tema, a fim de se adequar aos termos do atualizado Decreto-Lei 911/1969, através das alterações advindas com o artigo 101 da Lei 13.043/2014.

Não há como precisar, de imediato, como irá reagir o Poder Judiciário frente as alterações substanciais realizadas, em especial ao fato da lei prever a possibilidade de distribuição da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente no plantão judiciário, o que somente poderá ser constatado em futura análise das decisões que vierem a ser proferidas.

Entretanto, uma conclusão essencial que pode ser realizada com base em uma singela análise do artigo 101 da Lei 13.043/2014 é de que esse novo ordenamento busca claramente realizar uma maior proteção ao credor, essencialmente instituições financeiras/bancos, em detrimento do devedor, essencialmente consumidores (protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor).

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Sobre os autores
Dartagnan Limberger Costa

Advogado militante nas áreas de Direito Empresarial, Tributário e Contratos. Foi professor de Graduação nas áreas de Direito Empresarial, Direito Civil e Falimentar. Graduação e Mestrado em Direito (UNISC) Graduação em Ciências Contábeis (UNINTER) MBA em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas) Pós Graduado em Direito Empresarial do Trabalho pela Universidade Cidade de São Paulo Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes Pós Graduado em Direito Penal com fulcro em Direito Econômico pela Verbo Jurídico Pós Graduado em Contabilidade, Auditoria e Controladoria (UNINTER)

Fernando Luis Puppe

Advogado Associado na empresa Dartagnan & Stein Advogados Associados (www.dartagnanestein.com.br). Pós-Graduado em Direito Eletrônico Verbo Jurídico

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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