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Amplitude dos nexos de causalidade nos benefícios previdenciários e na reparação civil

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20/07/2016 às 11:32
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Diversidade de tratamento nas esferas previdenciária e cível

As hipóteses de causalidade indireta admitidas na cobertura acidentária não caracterizam o nexo causal para fins de reparação civil. O reconhecimento pela previdência social de um benefício de natureza acidentária não assegura necessariamente a existência do nexo causal para fins de responsabilidade civil. Tal diversidade de tratamento do nexo causal decorre da diferença do bem jurídico protegido ou do interesse tutelado: de um lado os benefícios da infortunística e de outra parte as reparações da responsabilidade civil. O seguro acidentário tem um caráter marcadamente social com o apoio da teoria da responsabilidade objetiva na modalidade do risco integral (OLIVEIRA, 2008, p. 157).

Os princípios que norteiam o seguro social do acidente do trabalho são mais alargados em comparação àqueles que orientam as reparações dos prejuízos no enfoque do direito privado. A lei concedeu uma amplitude maior ao nexo causal para os efeitos do seguro acidentário, incluindo situações não relacionadas diretamente ao exercício do trabalho. Já em termos de responsabilidade civil só haverá obrigação de indenizar se houver nexo causal ou concausal ligando o acidente ou a doença com o exercício do trabalho a serviço da empresa. As hipóteses de causalidade indireta admitidas na cobertura acidentária, portanto, não caracterizam nexo causal na reparação civil.

Desse modo, algumas hipóteses de eventos cobertos pelo seguro acidentário no âmbito da responsabilidade civil são enquadradas como excludentes do nexo causal ou da indenização, como são os acidentes ocorridos por motivo de força maior, caso fortuito, bem como aqueles provocados pela própria vítima ou por terceiros (OLIVEIRA, 2008, pg. 157). Na responsabilidade civil, a obrigação de indenizar existe apenas se houver nexo causal ou concausal ligando o acidente ou a doença com o exercício do trabalho a serviço da empresa.

Ultimamente, no entanto, tem se obervado uma tendência de flexibilização dos pressupostos da responsabilidade civil, com o propósito de aumentar a proteção das vítimas dos danos injustos. Em cuidadosa dissertação de mestrado, anotou na parte conclusiva Gisela Sampaio

“Nos últimos tempos, acompanhando as transformações da responsabilidade civil, o conceito de nexo causal foi flexibilizado, com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral. Não é mais possível em alguns casos, a luz dos princípios constitucionais, exigir da vítima a prova cabal e absoluta da relação de causalidade. Dessa forma apesar de o nexo causal ser, tal qual o dano, um dos elementos da responsabilidade civil, exige-se, com fundamento na nova ordem constitucional, que a prova da relação de causalidade seja flexibilizada em certas situações” (CRUZ, 2005, p.347).

Como já discutido, o nexo causal tem amplitude maior no seguro acidentário, pois que no campo da infortunística a cobertura tem nítido caráter social; na esfera da responsabilidade civil, o interesse protegido é o individual. Pelo seguro social, a sociedade como um todo, por intermédio da autarquia previdenciária, ampara a vítima e/ou seus dependentes, concedendo-lhe prestações alimentares para garantir uma sobrevivência digna; sendo esta beneficiária do progresso e do trabalho dos empregados, também deve ampará-los por ocasião dos infortúnios, socializando os riscos. Sob este prisma, basta que o acidente se vincule ao trabalho, mesmo de forma indireta, para que haja o reconhecimento do nexo causal e a cobertura dos benefícios pagos pelo órgão previdenciário.

O amplo acolhimento da concausa na lei acidentária está em sintonia com a finalidade do seguro social no ramo da infortunística, cujo propósito explícito é dar maior cobertura ao trabalhador. Além disso, o enquadramento ou não do evento como doença ocupacional não gera repercussão econômica para o trabalhador nem para a Previdência Social, haja visto que desde a Lei 9.032/95 os valores do benefícios previdenciários foram equiparados aos acidentários.

Para a Previdência Social não há necessidade de se precisar qual das causas foi aquela que efetivamente gerou a doença, como ocorre na aplicação da teoria da causalidade adequada no campo da responsabilidade civil, pois todas as condições ou causas têm valoração equivalente. Conforme previsto no artigo 21, I da Lei 8.213/91, é necessário que a causa laboral contribua diretamente para a doença, mas não que contribua decisivamente.

O trabalhador, por muita vezes, vai procurar o INSS sem mesmo saber se que o acidente ou doença que foi acometido tem relação com o trabalho, a empresa por sua vez, nem sempre se empenha para emitir a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho). Esta questão, todavia, teve importante alteração no sentido de facilitar o enquadramento da patologia como de natureza ocupacional, porquanto a lei 11.430/2006, que criou o nexo técnico epidemiológico, praticamente instituiu o nexo causal presumido, ao acrescentar o artigo 21-A na lei 8.213/91 com a seguinte redação:

“A perecia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade em que dispuser o regulamento.

PARÁGRAFO 1º - A perícia médica do INSS deixará de aplicar o dispositivo neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo em que trata o caput deste artigo”.

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Com efeito, se a perícia médica do INSS constatar a presença do nexo técnico epidemiológico, deverá reconhecer, por presunção legal, a natureza ocupacional da patologia (OLIVEIRA, 2008, p. 69).


Conclusão

Apesar de apresentar diversas falhas e receber bastantes críticas justas, é fato que a Previdência Social tem obtido êxito ao prover a seus segurados benefícios que garantam subsistência quando da ocorrência de infortúnios na relação de trabalho. Este objetivo tem como base o reconhecimento do valor dos trabalhadores perante a sociedade, que se beneficia como um todo do esforço individual de cada um deles. Inúmeros mecanismos legais foram editados desde a edição da primeira Constituição em vigor no país, ilustrando um movimento incremental de ampliação de direitos ao empregado, até chegarmos ao patamar atual que considera até mesmo ocorrências não-exclusivas às relações de trabalho.

A partir da promulgação da Constituição Federal atualmente em vigor, surge uma nova garantia ao trabalhador acidentado: a reparação na esfera cível, através de indenização pelo causador da doença/lesão ao trabalhador. Todavia, esta possibilidade é tanto quanto menor nesta esfera, por se tratar basicamente de caráter privado em contraposição com o caráter social da Previdência. Ainda assim, por estar a vítima de acidente ou doença sofrendo dano da relação trabalhista não em âmbito exclusivamente privado e pessoal, nota-se uma tendência à ampliação da admissibilidade de hipóteses também para reparação cível.


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Sobre a autora
Nair Maria Correia de Andrade

Advogada atuante na área de Direito Previdenciário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Nair Maria Correia. Amplitude dos nexos de causalidade nos benefícios previdenciários e na reparação civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35460. Acesso em: 29 mar. 2024.

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