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Direito Eleitoral: essência dos conceitos jurídicos inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade em relação à cidadania

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Este trabalho identifica a essência dos conceitos jurídicos de inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade em torno da participação política de um candidato no exercício edificante de sua cidadania.

1-RESUMO:Este trabalho identifica a essência dos conceitos jurídicos de inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade em torno da participação política de um candidato no exercício edificante de sua cidadania.  Considerado uma pesquisa de doutrina sobre o assunto enfocado, especialmente literatura especializada em Direito Eleitoral apresenta como principais conclusões: a essência do conceito de elegibilidade é o direito de ser votado e, também, de expor sem embaraços o nome de um indivíduo em campanha eleitoral, direito subjetivo público nascido do ato jurídico do registro de candidatura; as condições de elegibilidade e vida pregressa foram previstas na Lei Complementar 64 de 18 de maio de 1990 objetivando proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, além da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta; assim, a inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade, o estado jurídico negativo de quem não possui o direito de se eleger; e reelegibilidade é a elegibilidade para o mesmo cargo, por um período subsequente e para que surja essa condição é necessário que o candidato atenda a requisitos legais e às condições de elegibilidade, situação do direito político admitido pela Emenda Constitucional nº 16/97.

Palavras Chave: Direito eleitoral.  Inelegibilidade. Elegibilidade. Relegibilidade


2 INTRODUÇÃO

A cidadania é vista e compreendida como direito público subjetivo e possui contornos estipulados pelo ordenamento jurídico, que determina seu conteúdo, seus pressupostos e seus limites.

Neste estudo aborda-se a cidadania em relação ao sufrágio que abrange tanto o direito de eleger, quanto o direito de ser eleito. O direito de sufrágio (= direito de votar; ius singulii) e a elegibilidade (= direito de ser votado; ius honorum) são espécies do gênero soberania popular (ou cidadania), como explicita o próprio art. 14 da CF/88, ao tratar conjuntamente dos dois institutos: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Logo, votar e ser votado são espécies de exercício da cidadania.

 No entanto, é interessante ressaltar que existem alguns mitos em torno da cidadania em relação aos indivíduos que constituem a sociedade brasileira no que se refere aos direitos políticos.  Como exemplos: o brasileiro não quer se envolver em coisas públicas; sempre reclama dos políticos e mesmo assim não faz nada para mudar situações políticas, está sempre esperando a vinda de um Salvador da Pátria, dentre outros.

Mas essas afirmações não podem ser generalizadas simplesmente porque falar de direito político inclui  o termo povo -, todos os habitantes do território estatal - isto é, toda a população -, que hoje, nas democracias contemporâneas relaciona-se com a legitimidade de uma soberania popular. Ao mesmo tempo em que o povo integra e fundamenta o Estado Democrático de Direito, é também objeto de suas emanações. Em linguagem técnico-constitucional, povo constitui um conceito operativo, designando o conjunto dos indivíduos a que se reconhece o direito de participar na formação da vontade estatal, elegendo ou sendo eleitos.

Diante do fato das eleições se realizarem a cada biênio, os temas inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade torna-se importantes conceitos do Direito Eleitoral e da cidadania.

Elegibilidade é o direito de ser votado e o efeito do fato jurídico do registro de candidatura.

Inelegibilidade é a ausência ou perda da elegibilidade.

E reelegibilidade é o direito subjetivo público de ser votado.

Os manuais de Direito Eleitoral ou os livros que comentam a Constituição Federal tratam das normas eleitorais ou das implicações eleitorais, mas a questão de uma aplicação mais constante das normas eleitorais referentes aos conceitos aqui propostos traz um instigante questionamento: Que construções se podem tecer quanto a esses termos jurídicos em relação às reais possibilidades de um entendimento democrático mais amplo em torno da participação política de um candidato no exercício edificante de sua cidadania?

Sabe-se que um conceito é uma representação intelectual e abstrata de algum objeto, portanto, preenchido ou constituído por uma ideia a respeito de algo. E, considerando-se um conhecimento real de qualquer objeto tem-se que buscar a sua essência no sentido estrito dessa palavra: aquilo que é o mais básico, o mais central, a mais importante característica, o que lhe confere uma identidade ou um caráter distintivo.

Os conceitos jurídicos nem sempre são precisos e a falta de precisão pode conduzir uma ambiguidade de sentidos, o que, no caso do Direito, além de provocar dúvidas ou mesmo perplexidade no intérprete, estimula a insegurança jurídica. Daí a importância do raciocínio analógico em Direito Eleitoral, que normatiza o exercício do sufrágio com vistas à concretização da soberania popular.

A metodologia utilizada foi a pesquisa de doutrina sobre o assunto enfocado, especialmente literatura especializada em Direito Eleitoral para atender ao objetivo do estudo: identificar a essência dos conceitos jurídicos de inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade em torno da participação política de um candidato no exercício edificante de sua cidadania.


3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Considerações iniciais sobre elegibilidade

Pontes de Miranda (1987, p. 64) negou a afirmação de Ernest Isay, em que este diz que a nacionalidade é muito mais que simples relação jurídica, é um laço moral, dizendo “mas isso nada prova porque a relação jurídica da nacionalidade é o pressuposto necessário e suficiente para que ela exista. Não é dispensável reduzi-la a concepção puramente jurídica. Em verdade ela é só isso. Esse plus é que a faz”. Além disso, indicou que para a definição de nacionalidade na esfera jurídica não é necessário levar em consideração critérios como identidade de raça, língua, religião e a comunidade de interesses políticos, econômicos ou morais. O que importa para a esfera jurídica é o ponto em que a relação jurídica específica se diferencia de outros laços do direito público ou privado, qual sua classificação e qual a sua natureza jurídica.

Nacionalidade, então, é o vínculo jurídico que existe entre o Estado e a pessoa, sob a égide do qual nascem os direitos e os deveres. Nacional, por extensão, é o indivíduo que pertence ao povo de um Estado, onde o Estado é a soma povo, território e soberania. O nacional é integrante do Estado e mantém, com ele, vínculos político e jurídico permanentes. Dessa forma, a nacionalidade tem o alcance muito mais amplo, pois compreende o povo de um Estado em um dado momento histórico, não sendo apenas determinado por um critério geográfico. Pode ser considerado um status particular do indivíduo que o acompanhará onde quer ele vá. É uma condição que se anexa a esse mesmo indivíduo (GOMES, 2008; COSTA, 2009; BARROS, 2012; COELHO, 2010; MEYER; 2012).

O art. 12 da CF/88 determina quem pode ser considerado brasileiro. Esse artigo atende ao princípio da atribuição estatal da nacionalidade, em que os Estados são quem podem dizer quem são os seus nacionais e não podem dizer que seus nacionais não são de outros Estados. Assim, temos a distinção entre os brasileiros natos e os naturalizados. Natos são aqueles nascidos em território brasileiro, desde que não sejam filhos de estrangeiros a serviço de seu país, são os nascidos no estrangeiro, cujo pai ou cuja mãe esteja a serviço do Brasil e são os nascidos no estrangeiro, cujo pai ou cuja mãe sejam brasileiros, desde que venham a residir no Brasil e optem pela nacionalidade brasileira. Naturalizados são aqueles que adquiriram a nacionalidade brasileira através da lei exigindo aos originários de países de língua portuguesa residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral e os estrangeiros que residem no Brasil por mais de quinze anos ininterruptos, sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Para as questões de elegibilidade, a CF/88 faz ressalvas para os cargos de presidente e vice-presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados e presidente do Senado Federal. Além disso, traz uma norma que anteriormente não existia no sistema jurídico brasileiro: aos portugueses com residência permanente no Brasil outorgaram-se direitos inerentes à nacionalidade brasileira (com ressalvas nos casos previstos pela CF/88). Isso não dá aos portugueses a nacionalidade brasileira, mas concede direitos à nacionalidade portuguesa semelhante aos concedidos aos brasileiros. Noutra ocasião, a CF/88 anexou outros efeitos próprios à nacionalidade portuguesa advindos da nacionalidade brasileira.

Pontes de Miranda (1987) diz que

[...] quando se passa à eficácia da nacionalidade já se sai do campo das regras jurídicas sobre aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade, que pertencem, dentro do branco que lhe deixa o direito das gentes, ao Estado de cuja nacionalidade se trata. Os efeitos podem ser: a) desse Estado; b) dos outros Estados; c) de direitos das gentes. Se o Estado A confere certos direitos aos nacionais do Estado B, cola efeitos de direito seu à atribuição de nacionalidade pelo Estado B (eficácia anexa) (PONTES DE MIRANDA, 1987, p. 555-5).

 Entretanto, os cargos previstos no §3º do art. 12 são ocupados apenas por nacionais de origem brasileira e não podem ser ocupados por portugueses, mesmo que sejam naturalizados brasileiros ou se encaixem na hipótese do §1º do art. 12 da CF/88. A Constituição Portuguesa também veta que brasileiros ocupem cargos políticos estratégicos ou por portugueses naturalizados.

 Segundo Canotilho (1995):

A CRP (Constituição Portuguesa) também não faz distinção entre cidadãos de origem e cidadãos naturalizados, sendo inconstitucional qualquer restrição de direitos dos portugueses não originários que não tenha fundamento na Constituição (CRF, por exemplo, artigo 125, que reconhece capacidade eleitoral passiva para Presidente da República apenas aos portugueses de origem) (NANOTILHO, 1995, p. 56.). 

Dessa forma, a regra geral é que todos os brasileiros, natos ou naturalizados, possuem elegibilidade, exceto para os cargos de presidente e vice-presidente da República, que só podem ser ocupados por nacionais de origem. A outra exceção são os cargos de presidência das Casas Legislativas, apenas em situações de eleições internas (GOMES, 2008; COSTA, 2009; BARROS, 2012; COELHO, 2010; MEYER; 2012).

Se a nacionalidade é uma das condições de elegibilidade, a sua perda implica na inelegibilidade. A perda de nacionalidade está prevista no §4º do art. 12 da CF/88 e é consequência possível de dois fatos: (a) o cancelamento da naturalização realizado por decisão judicial em função de atividade nociva ao interesse nacional e (b) a aquisição de outra nacionalidade.

(a) a naturalização de estrangeiros pode ser cancelada por sentença, em casos de atividades nocivas ao interesse nacional, como a prática de terrorismo (exempli gratia). Para o Direito Eleitoral, o que importa é o momento em que acontece a perda da nacionalidade e as implicações para o exercício do cargo que o naturalizado pretende ocupar ou se eleger. Segundo a constituição, o cancelamento da naturalização é que causa a perda da nacionalidade por meio de sentença judicial. O cancelamento da naturalização é um efeito que está incluso na sentença. O ato formal de cancelamento de naturalização é uma consequência da desconstituição da naturalização.

Segundo Rollo e Braga (1995),

Mas, de acordo com o art. 12, §4º, inc. I, da Lei Magna, ao brasileiro naturalizado que vier a perder a nacionalidade brasileira por sentença judicial (e aqui não está afirmada a necessidade do trânsito em julgado), em virtude de prática de atividade nociva ao interesse nacional, é imposta a perda da cidadania, caput diminutio media, que importa na perda dos direitos políticos, inclusive o der ser votado” (ROLLO e BRAGA, 1995, p. 15).

. Entretanto, enquanto não houver o trânsito em julgado, o brasileiro naturalizado continua detendo todos os direitos inerentes à sua nacionalidade, podendo votar, ser votado e ainda exercer as funções do cargo político, se eleito. Após transitada em julgado, cancela-se a naturalização ex nunc, sendo os atos jurídicos praticados previamente existentes, válidos e eficazes. O cancelamento da naturalização ainda tem o seu procedimento regrado pela Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949, tendo em vista que o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) não a derrogou.

(b) Aquele brasileiro que adquirir outra nacionalidade perde a nacionalidade brasileira. A perda se dá em função da mudança de nacionalidade e não por abdicação pura da nacionalidade original. Se o Estado admite que o nacional perca a sua nacionalidade sem adquirir outra então ele possibilita a apatria. Em função disso o Direito Internacional Público tem caminhado no sentido de não aconselhar a perda-abdicação da nacionalidade, limitando os casos de autoexpatriação. No entanto, a CF/88, com a Emenda Constitucional 03/94 passa a admitir a polipatria em duas situações: quando a lei estrangeira reconhecer a nacionalidade originária brasileira ou quando a lei estrangeira obrigar ao brasileiro a naturalização como condição para o exercício de direitos civis ou para a permanência em seu território. Em ambos os casos, o brasileiro não perde sua nacionalidade, mesmo obtendo outra. Basta demonstrar que obteve a outra nacionalidade em função da necessidade do exercício dos direitos civis ou da necessidade de permanecer no território da outra pátria. Dessa forma, o brasileiro continua com seus direitos políticos, inclusive com a possibilidade de concorrer ao cargo de presidente da República (no caso de brasileiro nato).

3.2 Da perda dos direitos políticos

A Constituição Federal prescreve a perda definitiva da nacionalidade por brasileiro naturalizado, como hipótese de perda dos direitos políticos. Dessa forma, o brasileiro naturalizado perde a nacionalidade e os direitos políticos assim que tiver a naturalização cancelada. Se houver pena por prática de atividade nociva à patroa adotada e o estrangeiro desnaturalizado queira renaturalizar-se, não conseguirá e, caso obtenha sucesso, será considerada uma nova naturalização e não uma restituição da anterior.

Outro motivo de perda dos direitos políticos é a perda voluntária da nacionalidade (perda-mudança). No entanto, para que a perda dos direitos políticos aconteça, efetivamente, é necessário decreto do presidente da República da perda da nacionalidade do brasileiro nato, pois ele ainda pode defender a polipatria, de acordo com exceções no art. 12, §4º, inc. II, da CF/88. O brasileiro nato que obtiver outra nacionalidade sem respeitar as condições de tal artigo perde a qualidade de nacional por decisão presidencial após processo administrativo (art. 23 da Lei nº 818/49). Uma vez extinta a nacionalidade, todos os direitos dela advinda são extintos também, ex nunc. Se esse brasileiro desejar obter novamente a nacionalidade brasileira, deverá fazê-lo por meio de naturalização, pois a reaquisição da nacionalidade não está prevista na CF/88. De tal fato, o art. 36 da Lei nº 818/49 cuida. Pontes Miranda (1987) diz que

[...] trata-se de aquisição, de reaquisição, com eficácia ex nunc, e nunca ex tunc. Por isso mesmo, para os que foram brasileiros natos, há naturalização; e, para os que perderam a nacionalidade brasileira adquirida, há renaturalização. O mesmo teórico ainda completa, dizendo que “o que perdeu a nacionalidade adquirida de sentença com base no art. 146, III [da CF/69, atualmente art. 12, §4º, inc. I, da CF/88], não pode ser renaturalizado. É o que resulta do art. 36. Da Lei nº 818, mas a regra jurídica, somente de legislação ordinária, pode ser ab-rogada ou derrogada (PONTES DE MIRANDA, 1987, p. 441)..

Quanto à escusa de consciência, ou seja, a recusa de cumprir com as obrigações legais que são impostas a todos, há a suspensão dos direitos políticos, e não a perda. Uma vez suspensos os direitos políticos, o cidadão deve cumprir a obrigação ou alguma alternativa à mesma, de modo a poder exercitá-los novamente. 

3.2.1 Suspensão do exercício dos direitos políticos

A suspensão é a provação provisória dos direitos políticos. Aquele que sofrer suspensão não pode exercitar os direitos políticos, pois a suspensão, diferente da perda, que atua no plano da existência, atua no plano da eficácia. Quem perde a nacionalidade tem suprimido o estado jurídico de nacional e, com isso, a perda dos direitos políticos. O ato de naturalização do brasileiro nato que se expatriou dá para ele a nacionalidade secundária, tal qual a do estrangeiro que adotou a nacionalidade brasileira.

Para definir quem é brasileiro nato, a norma diz que o fato biológico do nascimento com vida mais o elemento geográfico são básicos (ius solis). Há casos em que apenas a ligação biológica a pais brasileiros já dá a nacionalidade (ius sanguinis).

Sobre esse ponto, Pontes de Miranda (1977) diz que a nacionalidade originária resulta da determinação de

[...] qual a ligação de sangue à massa dos nacionais de um Estado, ou qual a ligação à ocorrência do nascimento no território de um Estado, ou qual a relação tida por suficiente pelo Estado de que se trata para que o nascimento forme o laço de nacionalidade. “Não está em causa, portanto, o nascimento só; outro elemento se liga a ele”, enquanto que a nacionalidade secundária é “a que se adquire depois do nascimento, ou porque, ao nascer, a pessoa tenha outra, ou outras nacionalidades, e não ainda a de que se trata, ou porque entre a aquisição da nacionalidade (secundária) e a data do nascimento medeie lapso de tempo em que o indivíduo não teve nacionalidade (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 207).

......

Uma vez suspensos os direitos políticos, o indivíduo torna-se incapaz de exercê-los. Uma vez que seja restabelecida a capacidade civil, o titular dos direitos políticos pode retornar a exercê-los. No art. 15 da CF/88, estão os tipos de suspensão do exercício dos direitos políticos. 

3.3 Da incapacidade dos direitos políticos

Todo ser humano, desde o nascimento com vida, possui personalidade e a esta, corresponde a capacidade de direito, que é a possibilidade de adquirir direitos e deveres na ordem jurídica. Prescreve o art. 3º do Código Civil que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de dezesseis anos, os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário para discernimento para a prática desses atos e os que não puderem exprimir sua vontade, mesmo que por causa transitória. A incapacidade absoluta é a perda ou a ausência da capacidade de agir.

3.3.1 Principais motivos da incapacidade dos direitos políticos

Em primeiro sugar tem-se a condenação criminal, transitada em julgado, configura suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem seus efeitos (art. 15, inc. III, da CF/88). Apenas após sentença penal procedente, em que não caibam mais recursos, há a suspensão dos direitos políticos e sua perdura até os efeitos da decisão irrecorrível (GOMES, 2008; COSTA, 2009; BARROS, 2012; COELHO, 2010; MEYER; 2012).

Com o estudo das cargas eficaciais das sentenças de procedência, pode-se identificar cinco efeitos diferentes e irredutíveis, que exaurem a possibilidade de eficácia das sentenças: a declaração, a condenação, a constituição, o mandamento e a execução.

Segundo Costa (2009),

[...] a declaração certifica o estado jurídico, afastando a insegurança jurídica; a constituição cria, modifica ou extingue situações jurídicas, inovando no mundo jurídico; a execução invade a esfera jurídica do devedor, tirando dela o que lá está indevidamente, passando para a esfera jurídica legítima; o mandamento impõe ato ou omissão à autoridade ou qualquer do povo, em exercício do império estatal; e a condenação limita-se a exortar que o condenado cumpra voluntariamente o que está obrigado, sob pena de sofrer a execução forçada”. A condenação (COSTA, 2009, p. 74).

Dessa forma, parte da certeza do direito subjetivo e da obrigação para que o indivíduo cumpra o que deve sem que haja invasão estatal de sua esfera jurídica e de qualquer forma, os pontos principais são:

(a) a condenação tem por conteúdo a admoestação do devedor para que cumpra seu dever; (b) atua ela no plano do pensamento, sendo enunciado para influir na vontade do devedor, não lhe sendo próprio qualquer atuação prática para satisfação do credor; (c) na grande maioria das vezes, forma o título executivo judicial para que o credor, querendo, movimente o Estado para, substituindo-o, satisfazer o seu direito com a invasão da esfera jurídica do devedor (execução forçada); e (d) a condenação é mais que simples declaração e não se confunde única e exclusivamente com a aplicação de sanção, como poderia fazer supor o seu étimo (COSTA, 2009, p. 75)..

Voltando ao art. 15, inc. III, da CF/88, a suspensão dos direitos políticos é um efeito anexo da sentença penal procedente e transitada em julgado. Basta o trânsito em julgado para que aconteça a suspensão dos direitos políticos. A vontade do decisum é deixada de lado, pois a sentença procedente em si mesma e o trânsito em julgado são encarados como fatores produtores da suspensão dos direitos políticos.

Pode haver dúvidas na interpretação desse artigo em função do art. 92, inc. I, do Código Penal. Exemplificando, era comum uma controvérsia: se o efeito automático da suspensão de direitos políticos existe, bastando a existência da sentença penal procedente, qual o porquê da necessidade da norma jurídica do art. 92, inc. I, do Código Penal? O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a entender que “não é autoaplicável o preceito constitucional do art. 15, III, que depende de lei específica a indicar as hipóteses em que ocorre a suspensão dos direitos políticos em razão da condenação criminal transitada em julgado”. (COSTA, 2009, p. 80).

Essa controvérsia foi superada, pois a Constituição é expressa em fixar a suspensão dos direitos políticos como anexo à sentença penal de procedência, independente do crime apenado e do regime da pena. Os efeitos da sentença de condenação, conforme o art. 92 do CP são naturais da decisão. Ou seja, o juiz precisa expressar uma manifestação, enquanto que pelo viés do art. 15, III, da CF, a suspensão dos direitos políticos é efeito automático da sentença penal procedente.

Para os casos de parlamentares que tem suspensão dos direitos políticos e perda do mandato parlamentar, eles ficam condicionados a processo judicialiforme a ser realizado pela Casa Legislativa responsável. Para que haja a perda dos direitos políticos e do mandato eletivo, são necessárias a concordância da maioria dos deputados ou senadores e a sentença penal procedente transitada em julgado. Veja o esquema abaixo (Quadro 1):

Quadro 1 - Processo de suspensão dos direitos políticos

Sentença pena transitada em julgado (art. 15, inc. III, da CF/88). à

Efeito automático (anexo): suspensão dos direitos políticos à

A perda de cargo público ou mandato eletivo é dependente de outra decisão judicial ou de decisão posterior do Legislativo.

 

Sentença penal que decreta a perda do mandato eletivo ou perda de cargo público (art. 92, inc. I, do CP). à

Efeito dependente de expressa decisão motivada (art. 92, par. Único, do CP) à

Não há suspensão dos direitos políticos como efeito natural, mas sim como efeito anexo (art. 15, III, da CF).

Fonte: COSTA, 2009, p. 81

Por fim, a suspensão dos direitos políticos dura o mesmo tanto que os efeitos da sentença penal de procedência (art. 15, III, in fine, da CF/88).

Em segundo lugar tem-se a improbidade administrativa que é o termo que indica atos de corrupção na esfera pública, com ou sem consequências patrimoniais. São atos ilícitos, praticados por agentes públicos (pessoas que possuam vínculo com órgãos ou entidades da administração pública, ou com entidades subvencionadas pelo erário público, ou com entidades concessionárias, permissionárias, delegatárias, outorgatárias ou contratadas por órgão público) ou por terceiros, ao induzir ou concorrer para a prática de improbidade por agente público ou se beneficiar de um ato ilícito.

Diferente do que acontece com a hipótese de suspensão dos direitos políticos em função de condenação criminal transitada em julgado, a improbidade administrativa, declarada em sentença judicial, não gera a suspensão dos direitos políticos como efeito automático. É necessário que a decisão qualificadora disponha sobre a suspensão dos direitos políticos do agente público que o praticou.

Em função do art. 37, §4º, da CF/88, os fatos geradores de improbidade administrativa são da competência legislativa infraconstitucional. As normas da Constituição são normas de eficácia limitada ou reduzida. Coube à Lei nº 8.429/92 estabelecer a forma e a gradação da suspensão dos direitos políticos, da perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, além de tipificar os atos de improbidade administrativa.

São de três tipos os atos ímprobos: atos que importam enriquecimento ilícito, com suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, atos que causam prejuízo ao erário, de cinco a oito anos, e atos que atentam contra princípios da administração pública, de três a cinco anos de suspensão.

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A ação popular é ação cívica concedida a todos que tenham direitos políticos para controle da legalidade e moralidade dos atos públicos. Qualquer ação popular deve ser proposta respeitando às normas processuais pertinentes, do art. 282 do CPC. Para que a ação popular venha a ser um meio hábil para a declaração de práticas de improbidade administrativa, é necessário que se peça a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. A resolução judicial determina os efeitos do processo. Por essa razão, a procedência de ação popular ou da ação civil pública contra pré-candidato ou candidato não gera a suspensão dos direitos políticos, a não ser que haja expressa disposição nesse sentido. Observe a Figura 1 exemplificativa abaixo:

Figura 1 – Processo de ação popular

alienação ilegal de bem público à

ação popular ou ação ordinária do art. 17 à

improbidade administrativa à

suspensão dos direitos políticos à

outros efeitos

alienação ilegal de bem público à

ação eleitoral à

inelegibilidade

Fonte: COSTA, 2009, p. 87.

A ação popular ou outra ação que tenha a finalidade de indicar improbidade administrativa é da competência da Justiça Comum, tendo como eficácia a perda dos direitos políticos pelo prazo estipulado pela sentença, o dever de indenizar o erário e a perda da função ou do cargo público. Na maior parte das vezes em que a jurisprudência dos tribunais eleitorais menciona improbidade administrativa, está tratando apenas de inelegibilidade prevista na LC 64/90, sem qualquer suspensão dos direitos políticos.

Em terceiro lugar, o alistamento eleitoral configura-se como outra condição de elegibilidade própria. Trata-se de um ato jurídico pelo qual a Justiça Eleitoral qualifica e cadastra o nacional no corpo de eleitores do país. O cidadão pede a inscrição eleitoral e a Justiça Eleitoral qualifica-o e inscreve-o, realizando o alistamento. É o surgimento, para os nacionais, dos direitos políticos, entre eles, o direito subjetivo de votar.

São alistáveis, os brasileiros natos ou naturalizados, alfabetizados, maiores de dezoito anos e menores de setenta anos de idade, segundo o art. 14, §1º, inc. I, da CF/88, obrigatoriamente. Facultativamente, os brasileiros natos ou naturalizados, analfabetos, maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos, ou maiores de setenta anos, segundo o art. 14, §1º, inc. II, da CF/88. Inalistáveis são os estrangeiros e brasileiros conscritos, durante exercício militar obrigatório, segundo o art. 14, §2º, da CF/88, e os nacionais que se subsuma às hipóteses do art. 15 da CF/88. Brasileiros que não saibam exprimir-se em língua nacional também são considerados inalistáveis, segundo o art. 5º, inc. II, da CE.

O alistamento deve ocorrer no domicílio eleitoral do nacional. O requerimento de inscrição deve ser realizado até dentro de cem dias anteriores à data das eleições, conforme o art. 67 e 68, §2º, do CE. Sendo o alistamento o ato jurídico gerador do direito de votar (ius sufragii), seu cancelamento também corta seus efeitos no mundo jurídico, ex nunc. Se uma ação própria tiver o resultado declarando um nacional ímprobo, a sentença que o qualifica desta forma também deve suspender seus direitos políticos. São cargos legitimados para exercer a pretensão do cancelamento da inscrição eleitoral o juiz eleitoral ex officio, o delegado de partido político, qualquer eleitor e o representante do Ministério Público.

Em quarto lugar, o domicílio eleitoral é outro motivo. Segundo o art. 42, parágrafo único, do CE, é o local de residência ou moradia do requerente. Dessa forma, para a legislação eleitoral, moradia é igual à residência, para efeito de domicílio. Domicílio eleitoral e domicílio civil são conceitos distintos de áreas diferentes. Enquanto nesse deve haver a existência de ânimo definitivo na fixação de residência, naquele apenas a existência da residência ou da moradia já satisfaz. Residência é o local em que se mora, onde há permanência do indivíduo por algum tempo (GOMES, 2008; COSTA, 2009; BARROS, 2012; COELHO, 2010; MEYER; 2012).

Segundo Pontes de Miranda (1977), o domicílio civil é o ato jurídico da moradia habitual com ânimo definitivo e ele diz que:

[...] o elemento fáctico mais relevante é o fato de estabelecer-se alguém, permanentemente, num lugar, sem ser preciso que seja para sempre. A temporariedade exclui o fato; bem assim por experiência ou ensaio. Os senadores e deputados que somente vêm à capital, para sessões da câmara, ou das câmaras, têm residência, não domicílio na capital (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 251).

Para o Direito Eleitoral, não basta apenas a estada inabitual. Se alguém que possui domicílio eleitoral em uma cidade, possui um amigo em outro município, por exemplo, e realiza visitas vez ou outra, possui estadia, mas não domicílio eleitoral no segundo município. Residência, ou moradia, para o Direito Eleitoral, é o lugar em que se vive habitualmente, ou, ainda, se for um local de ocupação habitual, de trabalho frequente, há residência, para efeito de domicílio eleitoral.

Nas questões referentes ao registro de candidatos, a questão da transferência de domicílio eleitoral é importante e é tratada pela Lei nº 6.996/82, que regulariza a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais.

3.3.2 A questão da filiação partidária e fidelidade partidária

A filiação partidária é um pressuposto constitucional importante, porque indica a impossibilidade de existirem candidaturas avulsas e independentes dos partidos políticos. O mandato eletivo deve ser outorgado a nacionais que estejam vinculados às agremiações políticas, unidas por ideologia e disposição legítima de alcançar o poder. Segundo o art. 17, §2º, da CF/88 c/c art. 1º da LPP, o partido político se constitui em pessoa jurídica de direito privado, com o objetivo de assegurar a autenticidade do sistema representativo e a defesa dos direitos fundamentais definidos na Carta, dentro dos interesses do regime democrático. Todo partido possui um programa e ideias fortes que unem seus associados ao redor dos objetivos políticos que tem e, esses associados estão sujeitos à ideologia de seu partido, sob pena de ferirem a fidelidade partidária (art. 23 da LPP).

Segundo o art. 16 da LPP, é dado ao nacional o direito de filiação a um partido político. Essa filiação precisa ser feita de acordo com as regras estabelecidas no estatuto partidário, que regem seu funcionamento, organização, estrutura interna e fidelidade e disciplina partidária, conforme previsto no art. 17, §1º, da CF/88.

A LPP estabelece um prazo de filiação aos nacionais que desejem concorrer a cargos eletivos. Esse prazo é instituído por regras estatutárias. E essa lei vai mais além, ao autorizar o partido a fixar prazos maiores para a eleição para a candidatura dos novos filiados. Essa regra é inconstitucional, pois afronta o art. 14, §3º, e o art. 5º, inc. II, ambos pertencentes à CF/88.

Segundo regra legal (art. 19 da Lei 9.096/95 e 36 da Resolução do TSE nº 19.406/95), os partidos políticos devem entregar a lista com seus filiados na primeira semana dos meses de abril e outubro. Essas listas declaram quais são as pessoas que se filiaram ao respectivo partido político. A filiação é um ato interno ao partido. À agremiação partidária cabe apenas o dever de informar ao TSE a lista de filiados e, este deverá verificar e manter o controle sob a regularidade das filiações e evitar duplicidade de filiações. Para evitar a duplicidade de filiação, o filiado precisa extinguir a filiação anterior ou corre o risco de cair na nulidade de ambas. Note que há um prazo para que seja extinta a filiação anterior (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Resumindo a sistemática da LPP, a filiação acontece interinamente aos partidos, conforme seus respectivos estatutos. O partido deve comunicar ao TSE a lista dos filiados. Da mesma forma, a desfiliação pode ser feita dentro de prazos também, desde que seja feita até o primeiro dia posterior à segunda filiação.

Duplicidade de filiação não é irregularidade. A existência de duplicidade não pode ser resolvida por determinação do juiz eleitoral. Há uma grande diferença entre irregularidade, prevista no §1º, e duplicidade, prevista no §2º, ambos do art. 36 da Resolução 19.406/95 do TSE. Se houver duplicidade nas listas, não há irregularidades nas listas, mas na situação em que se encontra o filiado duplo. A duplicidade de filiação é um fato ilícito causado pelo eleitor, que não se desvincula do partido anterior, quando do ato da filiação ao novo partido.

Outra norma notável é a Resolução 22.610/08, que diz que há a perda de mandato eletivo por mudança de partido político, no curso do exercício do mandato, sem justa causa. Segundo o §1º, as justas causas são a) incorporação ou fusão do partido; b) criação de novo partido; c) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; e d) grave discriminação pessoal.

Caso não haja alguma regra direcionando a solução de questões eleitorais, o TSE, com respaldo do STF, criou uma hipótese de perda do mandato eletivo, não prevista na CF/88, tomando decisões sobre tema que foge à sua competência.

3.3.3 A idade mínima exigível

Outra condição importante de elegibilidade está relacionada à capacidade etária de atuação política do cidadão, no que tange a questão de concorrência a determinados cargos eletivos. A Constituição delimita, pelo art. 14, §3º, inc. VI, por exemplo, que é condição de elegibilidade a idade mínima de trinta e cinco anos para o cargo de senador, presidente e vice-presidente da República, trinta anos para governador e vice-governador do Distrito Federal ou de Estado, vinte e um anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito e vice-prefeito e apenas dezoito anos para vereador (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Surge, então, um problema de teor teórico e prático, quando ao momento em que a idade mínima deve ser exigida: no momento do registro da candidatura ou no momento das eleições.

Niess (2000) diz que

[...] todas essas condições deverão evidenciar-se por ocasião do registro do candidato, mas terão de ser consideradas em relação à data da eleição, quando possível, porque são condições de elegibilidade, não de registro. Assim poderá candidatar-se aquele que completar a idade mínima para o cargo pretendido até o dia do pleito eleitoral (NIESS, 2000, p. 63).

O nacional pode ser alistado com idade abaixo do necessário, desde que ele tenha, a tempo da eleição, a idade mínima exigível (dezesseis anos), e tal possibilidade somente pode ocorrer no ano eleitoral, quando o alistamento é encerrado antes do período eleitoral, iniciado com as convenções partidárias. Malgrado isso, a lei nº 9.504/97 prescreve no §2º, do art. 11, que a verificação da idade mínima exigível pela Carta deveria ser observada tendo por referência o dia da posse do cargo para o qual concorrerá o nacional. Essa norma é inconstitucional, pois a idade mínima exigível é condição de elegibilidade, não de exercício regular do mandato.

3.3.4 O Alfabetismo

O §4º, do art. 14 da CF/88 determina que são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. O alistamento é condição típica de elegibilidade (art. 14, §3º, inc. III, da CF/88) e é o ato pelo qual o nacional ingressa no corpo de eleitores e pelo qual adquire o direito de votar. Se não estiverem preenchidas as condições de elegibilidade, existe inelegibilidade inata, conforme dita a norma. Considerado analfabeto, o eleitor, mesmo atendendo a todas as exigências do §3º do art. 14, é considerado inelegível inatamente também e não pode se registrar como candidato. O analfabetismo é um pressuposto essencial para a elegibilidade do eleitor (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Não existe um conceito único de alfabetismo que possa ser aplicado com eficácia e segurança no Direito Eleitoral. O que existem são gradações de analfabetismo, desde a impossibilidade de realização de mínima leitura até a impossibilidade de mínima escrita.

Entretanto, um vereador que seja semianalfabeto ou esteja beirando o analfabetismo completo, poderá ser um importante líder político em sua comunidade de imensa maioria de semianalfabetos. Sem embargo, o mesmo vereador não pode pleitear a vaga de governador do Estado, presidente da República ou senador, por exemplo. Cabe ao juiz eleitoral ter a compreensão da realidade social de sua comunidade, de forma a aplicar o preceito constitucional visando a adequar a norma à comunidade concreta, levando em consideração suas necessidades e mazelas. Tal ato reúne justiça e contribui para a democracia do País.

3.3.5 As condições especiais para militares

O art. 42, §6º, da CF/88 indica que o militar, enquanto estiver efetivo no serviço, não pode estar filiado a partidos políticos. Se for de sua vontade, ele não poderá se candidatar a cargo eletivo, pois se encontra na condição de inalistável, conforme o art. 14, §2º, da CF/88.

Não sendo conscrito, o militar é alistável e pode adquirir a elegibilidade se atender às condições especiais que se encontram no §8º do art. 14 da Carta: se o militar contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; se contar mais de dez anos de serviço será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato de diplomação, para a inatividade.

3.3.6 A questão da indicação em convenção partidária

As convenções partidárias para a escolha dos candidatos e deliberação sobre as possíveis coligações são realizadas pela disposição da Direção Nacional, publicada no Diário Oficial da União, ou pelos estatutos dos partidos políticos.

A convenção é o método pelo qual são indicados os candidatos que concorrerão às eleições. Deve-se atender ao limite legal numérico de indicações, que, atualmente figura em 150% das vagas do legislativo. Esse limite precisa ser respeitado integralmente, pois são nele computadas as candidaturas natas e as especiais dos militares. De tal forma que a indicação em convenção partidária é condição de elegibilidade, sem a qual não poderá o eleitor concorrer a um cargo eletivo.

3.3.7 A questão da desincompatibilização

Os textos legislativos encaram a desincompatibilidade como uma categoria à parte, não subsumível às condições de elegibilidade e às espécies de inelegibilidade. Tal diferenciação pode ser vista no art. 262, inc. I, do Código Eleitoral, quando diz das hipóteses de cabimento do recurso contra diplomação.

Embora fique clara a diferença conceitual entre as condições de elegibilidade e as espécies de inelegibilidade, o certo é que falta um critério claro para o manejo adequado desses conceitos. O Desembargador José Nepomuceno Silva (1996) conceitua incompatibilidade como “o obstáculo legal ao direito de ser votado para cargo público eletivo. O interessado, porém, pode afastá-lo, seja renunciando ao cargo que ocupa, seja deixando o exercício do cargo pelo tempo que a lei exige (SILVA, 1996, p. p. 5)”.

O ordenamento jurídico exige do nacional que ele esteja no pleno exercício de seus direitos políticos por meio do alistamento, que possua domicílio eleitoral, que esteja filiado a um partido político e que tenha idade compatível com o cargo ao qual deseja concorrer, de forma a obter a elegibilidade. Também impõe ao nacional que ele seja indicado em convenção partidária, que seja alfabetizado e esteja desincompatibilizado. Em outras palavras, exige-se que ele não esteja exercendo nenhum cargo público ou político, atuando em direção de entidade de classe e que não possua parentesco com ocupantes de cargos eletivos do poder executivo.

Incompatível, então, é o nacional que não se desincompatibilizou, ou em função de não ter se afastado do cargo que ocupava, ou em função do surgimento de seu mandato político, não se afastou o seu parente que o exercia.

Para que não haja confusão na hora das determinações, é importante analisar a incompatibilidade e a desincompatibilização levando como parâmetro o nacional interessado em viabilizar sua candidatura. Dessa forma, o eleitor pode, por ato próprio, se desincompatibilizar (autodesincompatibilização), ou, por ato alheio, ser desincompatibilizado (heterodesincompatibilização). A incompatibilidade é uma causa de inelegibilidade inata, decorrente do não preenchimento de um dos pressupostos exigidos para a consecução do registro de candidatura: a desincompatibilização.

As incompatibilidades estão previstas nos §§6º e 7º do art. 14 da CF/88 e no art. 1º, incs. II a VII e §§1º a 3º, da LC 64/90.

3.3.8 Das condições de elegibilidade e vida pregressa

Recentemente, é estimulada, na opinião pública, uma postura hipócrita de destruição de legitimidade do parlamento e da classe política tout cort, indicando soluções como o simples fechamento de acesso dos “maus” políticos à disputa dos mandatos. Como o eleitor não teria condições de escolher os seus representantes, que outros façam isso por ele, excluindo de antemão possíveis candidatos por meio de critérios subjetivos.

Em função disso, muitos tentaram criar uma nova hipótese de inelegibilidade decorrente da vida pregressa do nacional, que ficaria excluído do prélio, em atenção a uma leitura do §9º do art. 14 da CF/88. A redação desse parágrafo, veiculada pela Emenda de Revisão nº4/94, deixa clara que competirá à lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de seu fim. Todas as hipóteses de inelegibilidade já previstas na LC 64/90 objetivam proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, além da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. É a lei complementar o veículo legislativo adequado para a criação de nova hipótese de inelegibilidade.

Em verdade, o que se busca é a criação de hipótese de inelegibilidade criada através de princípios, com quebra da previsão de norma introduzida por meios formais próprios.

No Brasil, o direito de ser votado (ius honorum) é consequência do fato jurídico da candidatura registrada. Antes desse registro ser feito, não há direito de concorrência a cargos públicos para o nacional. A ausência ou perda desse direito chama-se inelegibilidade, pois se o nacional não preenche os pressupostos legais, não pode ser elegível. Caso após sua candidatura registrada ele cometer algum ato ilícito, vindo a perdê-la, ele se torna inelegível. Existem dois tipos de inelegibilidade, a inata (originária) e a cominada (ocasional). As condições de elegibilidade são verdadeiras condições de registrabilidade (pressupostos ao registro da candidatura).

Enquanto o cidadão não tiver preenchido todos os requisitos para as condições de elegibilidade, não possui o direito de ser votado. Não existindo o fato jurídico que dá a esse cidadão o direito público subjetivo, há ausência da possibilidade de candidatar-se a um cargo político eletivo. Todos os cidadãos possuem a carência de elegibilidade, chamada de inelegibilidade inata. Logo, é o ordenamento jurídico que concede o direito subjetivo público a concorrer a cargos políticos, atendidos os pressupostos legais, podendo participar, o cidadão, da administração da coisa pública.

Ao admitirmos que a realidade jurídica é normativa, temos de entender que é a norma que significa juridicamente os fatos, impedindo que o jurista possa tratar de fenômenos jurídicos descolados de seus fundamentos de validade.

Observando o direito positivo, o direito de ser votado inexiste antes do registro do candidato. O art. 87 do Código Eleitoral prescreve que apenas podem concorrer às eleições, os candidatos filiados a partidos políticos, cuja filiação tenha acontecido ao menos um ano antes da data fixada para a votação. Segundo o art. 14, §3º da CF/88, as condições de elegibilidade são: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição da votação, a filiação partidária e a idade mínima exigível. Além dessas, existem outras quatro condições: a alfabetização, as especiais para militares, a indicação pelo partido em convenção e a desincompatibilização. Dividem-se em dois grupos, essas condições (Quadro 2):

Quadro 2 – Grupos de elegibilidade

Condições de elegibilidade próprias

{C}·         Nacionalidade brasileira;

{C}·         Pleno exercício dos direitos políticos;

{C}·         Alistamento eleitoral;

{C}·         Domicílio eleitoral na circunscrição;

{C}·         Filiação partidária; e

{C}·         Idade mínima exigível.

Condições de elegibilidade impróprias

{C}·         Alfabetização;

{C}·         Especiais para militares;

{C}·         Indicação em convenção partidária; e

{C}·         Desincompatibilização.

Elaborado pela autora a partir de COSTA, 2009.

As condições de elegibilidade impróprias estão previstas em normas infraconstitucionais ou constitucionais. Essa classificação é topológica apenas, pois do ponto de vista substancial, são condições de elegibilidade os pressupostos indicados pelo ordenamento jurídico para se obter o direito de ser votado.

3.4 Inelegibilidade

A inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade. Sendo a inelegibilidade o direito público subjetivo de concorrer a mandato eletivo, a inelegibilidade é o estado jurídico negativo de quem não possui esse direito, seja porque nunca o teve, seja porque o perdeu. Muitos conceitos jurídicos são construídos sem qualquer relação com o ordenamento jurídico positivo, através de um discurso coerente e logicamente fundado, mas sem serem conciliáveis com a realidade normada. O conceito de inelegibilidade possui interpretações não tão adequadas dentro do ordenamento jurídico (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

O que caracteriza a inelegibilidade não é seu caráter sancionatório, previsto nas hipóteses da Lei Complementar 64/90, mas, sim, a sua condição negativa de elegibilidade. Pode-se dizer que inelegibilidade é a situação de inexistência do direito de ser votado. Ora, o Direito Eleitoral existe, pois o ordenamento jurídico concede a alguns nacionais o direito subjetivo de pleitear cargos públicos eletivos e esse direito nasce apenas se algumas condições forem atendidas. Quem possui esse direito é elegível. A impossibilidade jurídica de concorrer às eleições é o que se chama de inelegibilidade e pouco importa se a inelegibilidade ocorre do fato de não se obter o registro de candidatura ou do fato de se cancelar a elegibilidade (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Nem sempre a elegibilidade opera como uma sanção para fatos exprobáveis. A inelegibilidade decorrente de laços sanguíneos não funciona como castigo, mas como filtro para proporcionar equilíbrio na disputa eleitoral. Se adotássemos o conceito de inelegibilidade como uma sanção, esses e alguns casos deveriam ser afastados, como analfabetismo, por exemplo, do conceito de inelegibilidade e outro termo que abarcasse essas espécies deveria ser cunhado. Existem as inelegibilidades que operam como sanções e outras que funcionam como salvaguarda dos princípios do tratamento igual que deve ser dado aos candidatos e à moralidade administrativa (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

A inelegibilidade não é apenas sanção, entretanto, é sempre efeito jurídico. O Direito prescreve determinadas consequências que são efeitos de fatos jurídicos. Mendes (p. 149) sustenta que a inelegibilidade deva ser havida somente como hipótese de incidência. Dessa forma, a inelegibilidade é sempre efeito jurídico, uma consequência atribuída a algum fato ou complexo de fato descrito facctispecie da norma eleitoral (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

O fato jurídico que origina a elegibilidade inata é o efeito da inexistência do registro (fato negativo gerador de consequências no mundo jurídico), pela falta de pressupostos de registrabilidade (condições de elegibilidade). A inelegibilidade, inicialmente, deve ser vista como o impedimento que o nacional sofre para concorrer a um mandato eletivo, independente de este ser advindo de um fato jurídico lícito ou ilícito (RAYMAYANA, 2008).

Segundo, Costa (2009, p. 151), existem subespécies de inelegibilidade cominada: (a) simples; (b) simples e potenciada; (c) potenciada pura; e (d) duplamente potenciada. Todas elas se encontram previstas no nosso ordenamento jurídico positivo, decorrendo inúmeros equívocos teóricos e práticos o seu desconhecimento por parte da doutrina e pela jurisprudência do TSE, conforme o Quadro 3.

Quadro 3 - As inelegibilidades cominadas combinam-se entre si:

ESPÉCIES DE INELEGIBILIDADE COMINADA

TÉCNICAS

ESPÉCIE 1

ESPÉCIE 2

EFEITOS E EXEMPLOS

I

simples

 

***

Para “essa” eleição (art. 41-A e art. 73 da Lei das Eleições).

II

simples

+

potenciada

“Essa” eleição e em determinado trato de tempo (art. 1º, inc. I, alínea “d”, da LC 64/90).

III

***

 

potenciada

Determinado trato de tempo (art. 1º, inc. I, alínea “i”, da LC 64/90).

IV

potenciada

+

potenciada

Soma de duas inelegibilidades por determinado trato de tempo (art. 1º, inc. I, alínea “e”, da LC 64/90).

Fonte: COSTA, 2009, p. 151

3.4.1 A Inelegibilidade como Ausência de Elegibilidade (Inelegibilidade Inata)

O direito de ser votado é o direito de se candidatar em determinada eleição, após a obtenção do registro da candidatura e não um estado jurídico constante no tempo, ininterrupto que funciona como uma qualidade personalista do nacional. A elegibilidade é o direito de ser votado. Assim que o nacional obtém o registro, nasce o direito subjetivo de ser votado. Encerrada a eleição, o direito deixa de ser votado de existir. Nascem outros direitos desse evento, mas não há mais de se falar em elegibilidade. Até mesmo o candidato vitorioso deverá preencher as condições de elegibilidade e registrar-se de novo, para readquirir o direito de ser candidato novamente (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Dessa forma, pode-se entender que a inelegibilidade cominada, representa um corte na elegibilidade para a eleição que está sendo realizada, de modo a obstruir a vitória e a participação do candidato nas eleições.

A inelegibilidade cominada é a sanção dada pelo ordenamento jurídico em função de prática de ato ilícito eleitoral (ou benefício advindo do mesmo) que consiste na perda de elegibilidade ou na impossibilidade de obtê-la. Há perda da elegibilidade, quando acontece o cancelamento do registro em função de prática ou benefício obtido por ato ilícito, e há obstáculo-sanção, quando o ordenamento jurídico indica um espaço de tempo em que o nacional fica impossibilitado de se registrar (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

Sobre as sanções que podem ser aplicadas, Costa (1009) diz que:

[...] o direito objetivo pode imputar a sanção de inelegibilidade utilizando-se de cinco técnicas: (a) prescrevendo a cominação de inelegibilidade apenas para uma eleição específica, na qual o nacional concorrendo; (b) prescrevendo a cominação de inelegibilidade por um trato de tempo determinado, abrangendo as eleições que ocorram dentro do período fixado; (c) cominando a inelegibilidade por tempo indeterminado, dependente de evento futuro para a sua extinção; (d) coalescendo as duas primeiras técnicas, com a prescrição da inelegibilidade para a eleição na qual o ato ilícito visava influir, acrescida da inelegibilidade para eleições futuras que se realizem dentro de um determinado período prefixado; e (e) aplicando sucessivamente duas espécies de inelegibilidades prolongadas no tempo (COSTA, 2009, p 155).

O art. 1º, inc. I, letra “i”, da LC 64/90 prevê a sanção da inelegibilidade quando o nacional houver exercido, no ano anterior à decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação de estabelecimento de crédito, financiamento ou seguro, que esteja sendo objeto de processo de liquidação extrajudicial ou judicial, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade.

O art. 1º, inc. I, letra “d”, da LC 64/90 aplica a sanção de inelegibilidade àqueles que tenham praticado abuso de poder político ou econômico para a eleição na qual concorre ou para eleições que forem realizadas nos três anos seguintes.

3.4.2 Inelegibilidade cominada simples e pontenciada

A inelegibilidade cominada simples é a sanção aplicada para essa eleição, que no caso é a eleição na qual foi declarada a prática do ato ilícito. Sua decretação implica em mondar o ius honorum do candidato e impedir sua candidatura, ou sua diplomação, ou o exercício do mandato eletivo que tenha sido obtido por meio ilícito.

A partir da Lei nº 9.054/97 foi instituída a sanção de cassação do registro de candidatura como efeito da prática de alguma conduta proibida a agente públicos (art. 73) ou em função de prática de captação de sufrágios ilícita (art. 41-A). A cassação ou cancelamento do fato jurídico da elegibilidade acarreta na perda do direito de ser votado também (GOMES, 2008; COSTA, 2009; ANJOS, 2012; COSTA; 2012).

A inelegibilidade cominada potenciada é a sanção aplicada ao nacional devido à prática de algum ato ilícito ao qual a lei atribua efeitos eleitorais. Por exemplo, se alguém cometeu crime contra a economia popular, além da inelegibilidade decorrente da sentença penal, acontece a suspensão dos direitos políticos (art. 14, inc. III, da CF/88) e a inelegibilidade por três anos após o cumprimento da pena (art. 1º, inc. I, alínea “e”, da LC 64/90). Portanto, além da inelegibilidade que surge da suspensão dos direitos políticos, acrescenta-se aquela prevista pela Lei Complementar.

A diferença entre inelegibilidade inata e inelegibilidade cominada potenciada é que a primeira acontece em função do não preenchimento das condições essenciais para o registro da candidatura, enquanto que a segunda é uma sanção aplicada a fatos ilícitos e seus efeitos se alastram durante determinado trato de tempo. Portanto, a primeira ocorre pela falta do registro do candidato, a segunda é fruto de algum ilícito e serve como impedimento para o direito de ser votado. Há inelegibilidades que são mais que meras ausências de elegibilidade. Funcionam como obstáculos ou castigos à prática de ato ilícito, doloso ou culposo, relacionado ou não às eleições. 

3.5 Reelegibilidade

A Emenda Constitucional nº 16/97 trouxe uma inovação ao regime republicano, no momento em que admitiu a possibilidade de reeleição dos ocupantes de cargos eletivos do poder executivo. Conforme o §5º do art. 14, da CF/88 e a norma atribuída pela EC nº16/97, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quaisquer um que os houver sucedido ou substituído no curso do mandato, pode ser reeleito para mais um mandado subsequente. Esse preceito deve ser interpretado conjuntamente ao §6º do mesmo artigo, que prescreve que o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal e os prefeitos devem renunciar ao cargo até seis meses antes das votações.

O parágrafo reformado trata da possibilidade de reeleição dos ocupantes de cargos eletivos do poder executivo e o próximo parágrafo trata da problemática da incompatibilidade.

Enquanto a elegibilidade é o direito subjetivo público de ser votado (ius honorum), a reelegibilidade é a elegibilidade para o mesmo cargo, por um período subsequente. Para ser reelegível não basta apenas ter a elegibilidade. Para que surja o direito de ser novamente votado, é necessário que o candidato atenda a requisitos legais e às condições de elegibilidade.

Se um presidente da República desejar concorrer novamente ao cargo por mais um mandato, deve possuir todas as condições de elegibilidade: estar filiado a um partido político, possuir domicílio eleitoral e estar em pleno exercício dos direitos políticos. Entretanto, o registro de recandidatura só poder ser admitido se não estiver o registrando inelegível, submetido a alguma hipótese constitucional ou infraconstitucional de inelegibilidade.

A simples possibilidade de reelegibilidade em nível constitucional não admite, sic et simpliciter, a garantia da candidatura do candidato que já ocupa o cargo eletivo, pois o ordenamento jurídico eleitoral impõe obstáculos e critérios que devem ser seguidos. Para que possa existir essa nova oportunidade, o nacional deve, novamente, registrar sua candidatura e cumprir todas as condições de registrabilidade. Quem não possui o registro é considerado inelegível. Quem foi registrado, mas sobreveio a decretação ou declaração de sua inelegibilidade, perde a elegibilidade. A inelegibilidade, dessa forma, é a ausência ou a perda de elegibilidade. Há inelegibilidade para eleição específica e há inelegibilidade para eleição que ocorra no futuro, também conhecida como inelegibilidade cominada potenciada, conforma o art. 1º, inc. I, alínea e, da LC 64/90.

Reelegível é considerado o nacional registrado para concorrer novamente ao exercício do mesmo cargo para o qual já foi eleitor ou que, porventura, chegou a ocupar em função de substituição ou sucessão. A Emenda Constitucional nº 16/97, que alterou a redação do §5º do art. 14, da CF/88, indica a possibilidade de reeleição para esses casos. De acordo com o art. 79, caput, da CF/88, a substituição ocorre em caso de impedimento e a sucessão em caso de vaga do cargo. A substituição é provisória e precária, enquanto a sucessão é definitiva.

3.5.1 O conceito de incompatibilidade e o problema da desincompatibilização na reegibilidade

O que dá conteúdo e caracteriza a incompatibilidade é a necessidade de manter o tratamento isonômico dos concorrentes, não deixando que eles utilizem órgãos públicos indevidamente ou privados que recebam verbas públicas, tornando a disputa desleal.

A incompatibilidade impede o registro de candidatura, pois gera uma inelegibilidade inata (ocorre antes da elegibilidade). Se for suscitada a incompatibilização em sede de AIRC, a inelegibilidade será declarada e não decretada.

A reelegibilidade é uma inovação constitucional introduzida sem mencionar a necessidade de o ocupante do cargo do poder executivo se desincompatibilizar para realizar a recandidatura. A Emenda Constitucional nº16/97 não confere tratamento completo à reelegibilidade, pois deixa sem resposta a questão da necessidade ou não de desincompatibilização.

As incompatibilidades referentes aos ocupantes de cargos eletivos do poder executivo estão previstas no art. 14, §6º da CF/88, com norma que determina que os candidatos que desejam se candidatar a outros cargos devem renunciar em até seis meses antes das eleições, sob pena de invalidarem o registro de sua candidatura.

Com a reformulação do texto do §5º, a norma do §6º tornou-se um critério insuficiente de decisão. Aqueles que quiserem focar na ausência de norma usaram um argumento a contrario sensu, afirmando que se a norma exigia a desincompatibilização quando o mandatário pretendesse concorrer a outro cargo, não seria exigido caso ele desejasse concorrer ao mesmo cargo.

A Emenda Constitucional nº16/97 institui a reelegibilidade sem dispor sobre tal aspecto, não deixando um critério claro para as decisões. Trata-se de uma lacuna normativa, segundo o conceito de Bobbio apud Costa (2009, p. 123) quando diz que “se pode falar de lacuna no ordenamento jurídico: não no sentido, repetimos, de falta de uma norma a ser aplicada, mas na falta de critérios válidos para decidir qual norma deve ser aplicada”.

Havendo essa lacuna constitucional, é interessante saber se ele pode ser colmatado por meio de lei complementar. Levando em conta o art. 1º, incs. II a VII, da Lei Complementar 64/90, que traz prescrições sobre incompatibilidades, seria interessante supor a possibilidade de estatuir disposições sobre a necessidade ou não de desincompatibilização de ocupantes de cargos do poder executivo sequiosos de se reelegerem. É um erro, entretanto. A LC 64/90 acomoda, à sistemática do §6º do art. 14 da CF/88, todas as situações de incompatibilidade que rege, estabelecendo prazos adequados ao afastamento dos cargos e/ou funções para se obter o registro da candidatura. Essa LC criou hipóteses de incompatibilidade de ocupantes de outros cargos e/ou funções desejosos de concorrer a cargos do poder executivo, mas não regulamentou a atitude diversa, quando um ocupante de um cargo do poder executivo se afastar desse cargo para concorrer a outro, ficando essa normatização a critério da Constituição.

Se há uma lacuna na Constituição, o seu preenchimento deve estar sob a responsabilidade de uma Emenda Constitucional (colmatação legislativa), ou sobre responsabilidade de critérios postos pelo ordenamento jurídico, quando da aplicação do instituto lacunoso (colmatação jurisprudencial). A lei complementar não pode preencher esta lacuna,

Segundo Costa (2009), pois:

(a) apenas normas constitucionais preenchem as lacunas constitucionais, e (b) a lei complementar não poderia dispor sobre matéria tratada pela Carta, quando não fosse expressamente autorizada a fazê-lo. E não se diga que o §9º do art. 14 da CF/88 seria a norma autorizativa, pois uma tal proposição encontraria obstáculos sérios: (b.1) haveria necessidade de se provar que já não haveria, na própria Carta, alguns critérios de decisão, que apenas poderiam ser afastados por normas constitucionais; e (b.2) seria necessário demonstrar, em face da lacuna, que seria de acordo com a Constituição a solução dada pela lei complementar. Lembre-se que lacuna não é ausência de critérios de decisão, mas sim apenas ausência de um único critério. Parece-nos próprio concluir que apenas por nova Emenda se deva preencher a lacuna constitucional, ou então por meio de resolução judicial, com base no Direito posto e no Direito pressuposto (COSTA, 2009, p. 125).

As lacunas do ordenamento jurídico devem ser preenchidas por critérios expletivos de decidibilidade. Como não há apenas um critério vinculante de decisão sobre a necessidade ou não de desincompatibilização do mandatário que deseja se reeleger, o caminho indicado para solucionar o problema não é o uso da regra geral excludente. O simples manejo do argumentum a contrario não destitui a ponderação do argumentum a simili.

Ocupantes de cargos do Legislativo que escolherem se candidatar a cargos do poder executivo não precisam renunciar a seus mandatos em tempo hábil, como ocorre com os ocupantes do Executivo, em função do art. 56, inc. II, da CF/88. Por tal motivo, Costa (2009) acrescenta:

[...] já poderíamos assentar uma primeira regra pressuposta do ordenamento jurídico: (a) os parlamentares não necessitam se desincompatibilizarem dos seus cargos para concorrerem à reeleição ou eleição de cargo diverso, porquanto (a.1) a incompatibilidade é disposta por norma restritiva de direitos, que merece interpretação augusta; (a.2) há apenas norma constitucional sobre incompatibilidade de ocupantes do cargo do poder Executivo que desejem sair a outros cargos, não aplicável extensivamente aos parlamentares; e (a.3) não havendo norma sobre incompatibilização, entende-se que não há exigência de desincompatibilização (COSTA, 2009, p. 127)..

Usando a perspectiva do argumentum a simili, a aplicação da reelegibilidade para os cargos do poder executivo torna-se plausível segundo as proposições (a.1) e (a.3). Costa (2009) completa o raciocínio, dizendo que

[...] poderíamos licitamente afirmar, tendo em vista a necessidade de coerência lógica do ordenamento jurídico, que os ocupantes dos cargos do poder executivo não precisam se desincompatibilizar dos seus cargos para concorrerem à reeleição, porquanto (a.1) a incompatibilidade é disposta por norma restritiva de direitos, que merece interpretação augusta; e (a.3) não havendo norma sobre incompatibilização, entende-se que não há exigência de desincompatibilização. Restaria a regra impeditiva prescrevendo (a.2) a incompatibilidade de ocupantes do cargo do poder Executivo que desejem sair a outros cargos, não aplicável extensivamente aos parlamentares (COSTA, 2009, p. 128).

Por fim, o princípio de tratamento igual aos candidatos, impõe que não existam privilégios para este ou aquele, de forma a assegurar oportunidades iguais a todos os candidatos. No que diz respeito à reeleição, é importante frisar que o mandatário ganha certa vantagem sobre os demais concorrentes, pois está ocupando o cargo disputado. Em função disso, ele ganha maior exposição na mídia, pode desenvolver estratégias políticas e eleitoreiras mais bem aplicadas, além de ter apoio pessoal e financeiro para tal. Por outro lado, é inegável que, no Brasil, os mandatários são normalmente alvos de críticas e tendem a possuir grande impopularidade nos finais de mandato. Há ônus e bônus para essa questão (RAYMAYANA, 2008; COSTA, 2009).

De um jeito ou de outro, a reelegibilidade não carece de prévia desincompatibilização do mandatário, podendo ele concorrer novamente no exercício do seu cargo. A solução da inexistência de incompatibilidade para o mandatário que deseja recandidatar-se não é sem consequências políticas. Os princípios e normas jurídicas de nosso ordenamento apontam para a inexigibilidade de desincompatibilização.

Embora outros critérios de decisão possam ser suscitados, tais princípios invocados, tal como o argumentum a simili, conduzem a um critério expletivo de decidibilidade que é válido dentro do sistema e deve ser aceito como resposta única possível. Não são negadas as existências de outros critérios, mas é afirmada a impossibilidade lógica desses critérios frente ao adotado (COSTA, 2009).

Vale lembrar que a reelegibilidade não foi afastada por completo do ordenamento jurídico vigente. Continuam irreelegíveis os candidatos que tenham atingido a reeleição para o segundo mandato. A Constituição admite apenas uma reeleição e o mandatário que já foi reeleito não pode concorrer a um terceiro mandato, tornando-se irreelegível. Para esse caso, a jurisprudência atual ainda não foi reformada, sendo, ainda, aplicável no futuro. 

3.5. 2 A posição do Tribunal Superior Eleitoral

A Resolução-TSE nº 19.952, de 21/10/1997, editada em resposta à Consulta nº 327 – DF (Brasília), de 2/9/1997, foi assim ementada:

Reeleição. Desincompatibilização. 2. Constituição, art. 14, § 5º, na redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997. 3. O art. 14, §5º, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, é norma que prevê hipótese de elegibilidade do presidente da República, dos governadores de Estado e do Distrito Federal e dos prefeitos, bem como dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para um único período subsequente. 4. Na redação original, o parágrafo 5º do art. 14 da Constituição de 5 de outubro de 1988 previa o contrário, regra de inelegibilidade absoluta. 5. Distinção entre condições de elegibilidade e causas de inelegibilidades. Inelegibilidades de previsão constitucional e casos de inelegibilidades estabelecidos em lei complementar, de conformidade com o art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 6. Inelegibilidade e desincompatibilização. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem assentado correlação entre inelegibilidade e desincompatibilização, que se atende pelo afastamento do cargo ou função, em caráter definitivo ou por licenciamento, conforme o caso, no tempo previsto na Constituição ou na Lei de Inelegibilidades. 7. Não se tratando do § 5º do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipótese em que se garante elegibilidade dos Chefes dos Poderes Executivo federal, estadual, distrital, municipal e dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para o mesmo cargo, para um período subsequente, bem de entender é que não cabe exigir-lhes desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado. 8. Cuidando-se de caso de elegibilidade, somente a Constituição poderia, de expresso, estabelecer o afastamento no prazo por ela estipulado, como condição para concorrer à reeleição prevista no § 5º do art. 14, da Lei Magna, na redação atual. 9. O § 5º do art. 14 da Constituição em vigor, por via de compreensão, assegura, também, ao vice-presidente da República, aos vice-governadores e aos vice-prefeitos a elegibilidade aos mesmos cargos, para um único período subsequente. 10. Consulta que se responde, negativamente, quanto à necessidade desincompatibilização dos titulares dos Poderes Executivos federal, estadual, distrital ou municipal, para disputarem a reeleição, solução que se estende aos vice-presidentes da República, vice-governador de Estado e do Distrito Federal e vice-prefeito (COSTA, 2009, p.130).

A reelegibilidade é o direito de ser votado por mais uma vez para o mesmo cargo do poder executivo do qual se é titular e nasce do ato jurídico do registro da candidatura, desde que todas as condições própria e impróprias de elegibilidade sejam cumpridas. Caso haja, dentre essas opções, catalogada uma desincompatibilidade, é necessário avaliação, pois a desincompatibilização não é espécie de inelegibilidade e não possui conteúdo sancionatório. Há dois tipos relevantes: a autodesincompatibilização (o pré-candidato deverá estar afastado de alguma função ou cargo definido em lei) e a heterodesincompatibilização (em função de vínculo familiar e parentesco, o mandatário deverá estar afastado de alguma função ou cargo importante).

Para a reelegibilidade, apenas pode ser exigida a autodesincompatibilização, pois toda a sistemática constitucional anterior já estava em dia, com a elegibilidade do mandatário para o primeiro mandato. Com a Emenda Constitucional 16/97 findou a irreelegibilidade, mas o sistema normativo permaneceu íntegro.

A desincompatibilização é pressuposto para que exista elegibilidade e não hipótese de sua perda. Quem incidir em incompatibilidade não pode realizar o registro de candidatura e torna-se originariamente inelegível. A inelegibilidade inata não é consequência da incompatibilidade, mas da impossibilidade de realizar o registro devido à falta de um de seus pressupostos. Da regra de reelegibilidade não se poder inferir uma regra sobre desincompatibilidade, pois ambas são pressupostos diferentes de registrabilidade de candidatura. A elegibilidade é um direito subjetivo datado, possui data de início (dia de registro de candidatura) e data de término (dia da eleição).

Os chefes do poder executivo podem se recandidatar a seus cargos sem abandoná-los. Os seus parentes, entretanto, continuam inelegíveis se eles não renunciarem aos cargos. Se um presidente da República se afastar do cargo, um parente dele só poderá se candidatar se ele se desincompatibilizar ao tempo da irreelegibilidade. Se o ocupante do cargo do poder executivo se desincompatibilizar para tentar a reeleição, seus parentes também poderão concorrer a qualquer cargo eletivo na circunscrição. O governador de Estado para se recandidatar, não precisa se afastar do cargo, mas para concorrer a deputado estadual, ele precisará se desincompatibilizar. O presidente da Assembleia, que substitui o governador no exercício do cargo, dentro dos seis meses anteriores às eleições, é inelegível para concorrer a outro cargo, exceto para o de deputado estadual. Sem embargo, pode concorrer, também, ao cargo de governador, com esteio do § 5º do art. 14 da CF/88.

Segundo Costa (2009), no que dizem respeito aos vices, as resoluções do TSE são:

(a) ‘Resolução 20.587, de 28/03/2000. Relator: Nélson Jobim. Ementa: Vice-prefeito. Substituição. Seis meses anteriores às eleições. O vice-prefeito que substitui o titular nos 6 meses anteriores ao pleito fica inelegível para o cargo de prefeito. DJU de 11/4/2000’; (b) ‘Resolução nº 20.462, de 31/8/99. Relator: Maurício Corrêa. Ementa: Vice-governador que suceder o titular poderá candidatar-se ao cargo de governador para um único período subsequente (CF, art. 14, § 5º, modificado pela Emenda Constitucional nº 16/97)’; e (c) ‘Resolução nº 20.148, de 31/03/98. Relator: Eduardo Alckmin. Ementa: Vice-governador que substituir o titular a qualquer tempo do mandato poderá candidatar-se ao cargo de vice-governador. Vice-governador que suceder o titular a qualquer tempo do mandato poderá candidatar-se ao cargo de vice-governador (COSTA, 2009, p. 135).

E, sobre a elegibilidade e a reelegibilidade de nacionais titulares de cargos legislativos, Costa (2009) menciona o § 7º do art. 14 da CF/88 e indica o que o TSE diz a esse respeito:

Inelegibilidade. Substituição de prefeito. Presidente de Câmara Municipal. Reeleição. Vereador que, na qualidade de presidente da Câmara Municipal, substitui o prefeito nos seis meses anteriores ao pleito, não se torna inelegível para disputar a reeleição ao cargo de vereador, porque amparado pela regra da CF, art. 14, parágrafo 7º. Recurso especial não conhecido (COSTA, 2009, p. 139).

Concluindo, Costa (2009), avalia que para se candidatar à reeleição não é necessário estar na titularidade ou no exercício efetivo no mandato, desde o tenha exercido durante aquela legislatura, ou como titular, ou como sucessor, ou como substituto e o vice que suceder o titular pode sair apenas candidato à reeleição do cargo que sucedeu, não podendo concorrer à reeleição de vice, não tanto por ter renunciado ao cargo, mas para evitar a fraude ao princípio da irreelegibilidade ao terceiro mandato subsequente; (c) o vice que substituir o titular pode sair candidato à reeleição de vice ou à reeleição do mandato principal, em cujo exercício se houve. 

3.5.3 A reeleição e candidatura itinerante ou profissional

Sobre o papel do intérprete, que é aquele define se determinada proposição é um princípio ou uma regra, diz que “essa qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio intérprete”. Uma vez adotado o relativismo hermenêutico, fica impossível controlar democraticamente a interpretação das normas jurídicas no ato institucional de aplicação. Se o sentido do princípio ou da norma é dado pelo intérprete, por meio de suas posições axiológicas pessoais, é inexistente qualquer interpretação equivocada e todas são consideradas válidas. Nesse contexto surgem constantes tentativas de criação judicial de hipóteses de inelegibilidade. Uma, dentre elas, é a hipótese de irreelegibilidade do ocupante de um mandato do Poder Executivo para concorrer em circunscrição diversa em um período imediatamente subsequente ao final de seu segundo mandato. A jurisprudência indicada pelo TSE apud Costa (2009) procede da seguinte forma:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MUDANÇA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. ‘PREFEITO ITINERANTE’. EXERCÍCIO CONSECUTIVO DE MAIS DE DOIS MANDATOS DE CHEFIA DO EXECUTIVO EM MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ 5º E 6º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. 1. Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares. 2. O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de ‘prefeito municipal’ por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a ‘outro cargo’, ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto. 3. Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.057 (TSE apud COSTA, 2009, p. 142).

Costa (2009) ainda chama a atenção para duas premissas que geraram a conclusão da nulidade da candidatura dos denominados ‘candidatos itinerantes pelo TSE:

(a) Haveria reeleição para um terceiro mandato se um prefeito se candidata em outro município; e (b) o domicílio eleitoral não poderia ser mudado no decorrer do mandato, por ser condição de elegibilidade”, e a desenvolve, insistindo que “a irreelegibilidade para um terceiro mandato do Poder Executivo pressupõe que o mesmo cargo seja disputado por uma terceira vez. Não existe o cargo de Prefeito isoladamente; existe o cargo de Prefeito do Município “A”, Prefeito do Município “B”, e assim sucessivamente. Cada um com atribuições específicas e abrangência territorial delimitada. Logo, o prefeito reeleito de um município poderia disputar o outro cargo de prefeito de outro município, ou seja: mesmo cargo (nomen júris) + outro município = outro cargo (Costa, 2009, p. 143)”.

Além do mais, domicílio eleitoral é pressuposto de elegibilidade e não de exercício do mandato. Pressupostos de exercício do mandato são determinados pela Constituição e normas próprias constitucionais, enquanto que as condições de elegibilidade orientam apenas para o processo eleitoral e cessa a existência uma vez findado o processo.

Ainda sobre o tema do domicílio eleitoral, há premissas pautadas no ordenamento jurídico que não podem ser infirmadas. São elas: 1. o nacional pode optar livremente pelo seu domicílio eleitoral, bastando ter algum interesse econômico, patrimonial, profissional ou afetivo; 2. por determinação constitucional, o nacional apenas pode ser candidato se tiver domicílio na circunscrição do pleito, devendo, por determinação legal, estar a mais de um ano domiciliado; 3. não é hipótese de perda de mandato a mudança de domicílio eleitoral durante exercício o mandato eletivo; 4. o ocupante de mandato do Poder Executivo que desejar se candidatar a outro cargo deve se desincompatibilizar no prazo de 6 meses antes do pleito; 5. não sendo hipótese de perda de mandato a mudança de domicílio eleitoral durante o exercício do mandato e tendo se desincompatibilizado 6 meses antes do pleito, pode o ocupante do mandato eletivo que renunciou candidatar-se a outro na sua nova circunscrição; e 6. o cargo de prefeito do município “A” é diverso do cargo de prefeito do município “B”. Sendo outro cargo, não há irreelegibilidade para um terceiro mandato, pois se trata do primeiro mandato noutra circunscrição, ou seja, no município “B””.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Lilian Maria Gomes. Direito Eleitoral: essência dos conceitos jurídicos inelegibilidade, elegibilidade e reelegibilidade em relação à cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4871, 1 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35804. Acesso em: 22 dez. 2024.

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