Construção de usinas hidrelétricas e povos indígenas afetados

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04/02/2015 às 13:28

Resumo:


  • Desenvolvimento de projetos hidrelétricos no Brasil frequentemente entra em conflito com a sustentabilidade e os direitos dos povos indígenas.

  • O direito à continuidade do fornecimento de energia elétrica colide com os direitos essenciais dos povos indígenas, criando casos complexos que demandam concordância prática e debates públicos.

  • A matriz energética brasileira, embora considere fontes renováveis futuras, ainda prioriza a construção de hidrelétricas, o que pode afetar terras indígenas e exigir medidas de mitigação e compensação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

[1] A Constituição Federal estabeleceu que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII, b). Afirma ainda que os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento e, dessa forma, pertencem à União (art. 176), podendo o aproveitamento dos potenciais hidrelétricos ser efetuado mediante autorização ou concessão da União (art. 176, § 1º).

[2] A norma que fixa o limite de 40 km, constante do anexo II, da Portaria Interministerial n. 419/2011, quanto à presunção de interferência da usina em terra indígena, a meu ver revela-se ilegal, pois restringe direitos sem o crivo do Poder Legislativo. A norma, feita de forma unilateral pelo Executivo, extravasou o objetivo de mera regulamentação e explicitação das leis vigentes.

[3] Um exemplo de área sagrada, afetada pelos recentes empreendimentos, é o” Salto Sete Quedas”, que é lugar sagrado para os “Munduruku” e será afetado pelas sete usinas a serem construídas no Rio Teles Pires. O Salto das Sete Quedas contempla o Aspecto ecológico e reprodutivo, com reprodução de peixes migratórios e impacto da ictiofauna do rio Teles Pires, bem como o aspecto espiritual e sociocultural, em que o Salto é referência simbólica para os povos que habitam a região

[4] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (grifos nossos)

[5] É certo que as novas usinas como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte são da espécie “a fio d´água”, também denominadas de “sem reservatório”. Na prática, a área alagada é diminuta. Por isso, na época em que não há chuvas quase não há geração, já que não há um grande estoque de água. Tudo isso contribui para diminuir o impacto sobre as comunidades tradicionais, mas não tem o condão de eliminá-lo.

[6] “Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental”. (grifos nossos)

[7] Ao julgar o referido que recurso sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a Corte ressaltou o tópico da proteção de grupos vulneráveis na democracia representativa: “A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.”

[8] 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não-índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica.

10. O FALSO ANTAGONISMO ENTRE A QUESTÃO INDÍGENA E O DESENVOLVIMENTO. Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de “desenvolvimento nacional” tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena.
 

[9] CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE TELES PIRES. LICENÇA DE INSTALAÇÃO. AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EIA/RIMA VICIADO E NULO DE PLENO DIREITO. AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE AMBIENTAL (CF, ART. 37, CAPUT). ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CONCESSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 2º DA LEI Nº. 8.437/92 E AO ART. 63 DA LEI Nº. 6.001/73. NÃO OCORRÊNCIA. CONTROLE JUDICIAL DO ATO IMPUGNADO EM SEDE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE. DESISTÊNCIA RECURSAL. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E DIFUSO. INDEFERIMENTO. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. EMPREENDIMENTO HIDRELÉTRICO DE ABRANGÊNCIA REGIONAL. PRELIMINARES DE NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEIÇÃO.
(...)
IX - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.
X - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção (CF, art. 231 e §§), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20).
XI - Nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei".
XII - Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental (CF, art. 231, § 6º).
XIII - De ver-se, ainda, que, na hipótese dos autos, o EIA/RIMA da Usina Hidrelétrica Teles Pires fora elaborado pela empresa pública federal - EPE, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com capital social e patrimônio integralizados pela União (Lei 10.847, de 15/03/2004, arts. 1º e 3º), totalmente comprometida com a realização do Programa de Aceleração Econômica (PAC) do Poder Público Federal, que é o empreendedor, o proponente e o executor desse projeto hidrelétrico, licenciado pelo Ministério do Meio Ambiente, através do IBAMA, como órgão da administração indireta do próprio Governo Federal. Nesse contexto, o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas situadas na bacia hidrográfica do Rio Teles Pires, na Região Amazônica, é totalmente viciado e nulo de pleno direito, por agredir os princípios constitucionais de ordem pública, da impessoalidade e da moralidade ambiental (CF, art. 37, caput).
XIV - Agravo de instrumento desprovido, para restabelecer a eficácia plena da decisão recorrida, na dimensão do artigo 512 do CPC. Numeração Única: AG 0018341-89.2012.4.01.0000 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO, r. Des. Fed. Souza Prudente, 10/08/2012 e-DJF1 P. 823, (grifos nossos)

[10] AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. UHE MAUÁ. COMUNIDADES INDÍGENAS. AFETAÇÃO. COMPROVAÇÃO. PODER JUDICIÁRIO. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. ENTIDADE ATRIBUÍDA. IBAMA. VALOR DA CAUSA. CRITÉRIOS OBJETIVOS. MPF. INTERESSE DE AGIR. NULIDADE PROCESSUAL. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. DANO MORAL COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. EXTENSÃO. AMPLITUDE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVA DA MÁ-FÉ. INEXISTENTE. TERMO DE REFERÊNCIA. EIA/RIMA. EXISTÊNCIA. CADASTRO TÉCNICO FEDERAL. CANCELAMENTO. DESNECESSIDADE.
1. Havendo elementos probantes seguros acerca da influência indígena na região de instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá, sobretudo na Bacia do Rio Tibagi, prudente se apresenta o reconhecimento da irregularidade tópica na obtenção do licenciamento ambiental pela entidade empreendedora do complexo, que desconsiderou os gravames (ou alterações do modo de vida e das tradições) incidentes sobre as comunidades indígenas atingidas (Mococa, Queimadas, Apucaraninha, Barão de Antonina, São Jerônimo, Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha).
2. Verificada a influência das obras da UHE Mauá sobre área indígena, não há como afastar a possibilidade de reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da necessidade de preservação das respectivas culturas, uma vez que a CRFB, em seu artigo 231, assevera que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
3. Não cumprindo a União com o seu dever constitucional de demarcar áreas indígenas (aliás, inobservando prazo constitucional - artigo 67 do ADCT), cabe ao Poder Judiciário atuar em prol dos direitos fundamentais das comunidades impactadas por relevante empreendimento energético, na forma do artigo 5º, XXXV, da Carta Política.
4. A intervenção judicial, em hipóteses tais, encontra amparo tanto na CRFB, quanto em norma internacional convencional que se compatibiliza com os preceitos da Carta Magna pátria (Convenção OIT n. 169).
5. Apurada a existência de reflexos das obras de instalação da UHE Mauá sobre áreas indígenas e reconhecido que a localidade objeto de estudo se caracteriza como território indígena, sobreleva-se a atribuição do IBAMA para o respectivo licenciamento ambiental, nos termos da Lei n. 6.938/1981 e da Resolução CONAMA n. 237/1997, interpretadas na esteira da CRFB (sobretudo quando verificadas irregularidades no licenciamento levado a efeito por entidade ambiental estadual).
6. Quando a valoração da causa encontra amparo em documentos acostados aos autos, denotando a observância, pelo autor, de critérios objetivos na apuração dos reflexos econômicos da demanda, inexiste ofensa às disposições do artigo 259 do CPC.
7. O provimento jurisdicional postulado pelo autor é útil (pois os efeitos da sentença prolatada vão ao encontro da proteção do meio ambiente e da comunidade indígena impactada) e necessário (pois inexistente meio menos invasivo de obtenção do resultado prático equivalente). Há, portanto, interesse de agir, na forma do artigo 3º do CPC.
8. A razão de ser do ajuizamento da demanda originária está contida nas irregularidades verificadas na obtenção do licenciamento ambiental (UHE Mauá) pelas partes envolvidas. Ou seja, havendo indícios de ilegalidade (ou ausência de juridicidade), não há como deixar de reconhecer o interesse de agir do autor e a plena viabilidade de exame judicial da matéria (inteligência, ademais, do enunciado n. 473 da súmula de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal).
9. A utilização de elementos de convicção não constantes dos autos como mera forma de reforço de argumentação não ofende o contraditório e a ampla defesa, mormente quando a fundamentação esta baseada, à exaustão, em provas produzidas em contraditório judicial.
10. Verificada a omissão da empreendedora em abranger, nos estudos prévios, os impactos do empreendimento sobre o modo de vida das comunidades indígenas atingidas, mostra-se de rigor a respectiva condenação ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais coletivos, pois inexistente causa excludente de responsabilidade na situação concreta em apreciação.
11. A natureza da responsabilidade reconhecida na origem, ademais, é objetiva, consoante redação expressa do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/1981.
12. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si considerados).
13. Quando a fixação do quantum indenizatório está em acordo com a extensão do dano moral coletivo, inviável a respectiva redução, sob pena de ofensa à legislação ordinária, à revelia de base fática ou axiológica.
14. A extensão subjetiva do dever de indenizar decorre das disposições expressas do artigo 927, caput, do Código Civil: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
15. A mera cumulação de cargo público e função em Conselho Fiscal de entidade privada, por si só, não é suficiente para impor ao administrador o sancionamento delineado na Lei de Combate à Improbidade Administrativa, pois o próprio Supremo Tribunal Federal, em julgado paradigmático, já indiciou a regularidade de atuação cumulativa em hipótese similar (ADI n. 1.485/DF).
16. Para o reconhecimento do atuar ímprobo, faz-se necessária a demonstração concreta, em juízo, da má-fé do agente público, sob pena de indesejada responsabilização objetiva. Precedentes.
17. A normatização ambiental de regência (Resolução CONAMA 01/1986, artigo 6º, parágrafo único; e Resolução CONAMA 237/1997, artigo 10, I) não faz menção a "Termo de Referência", referindo-se apenas à definição, pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários para analisar a viabilidade ambiental do projeto, devendo o órgão ambiental competente fornecer informações adicionais que se fizerem necessárias.
18. Embora tenham sido reconhecidas deficiências em EIA/RIMA (sobretudo por conta da incorreta definição da área de influência do projeto da UHE Mauá, especialmente no tocante aos impactos sobre as populações indígenas e sobre os levantamentos de impactos sobre a qualidade da água e o abastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi), não há necessidade de reconhecer-se a inexistência do próprio documento ou a nulidade do despacho ANEEL n. 433, uma vez que o próprio IBAMA, por meio de Informação Técnica, assegurou que os limites definidos no Estudo não são imutáveis.
19. A atualizada redação do artigo 11, caput, da Resolução n. 237/1997 do CONAMA expressa que "os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor". Ou seja, não mais se exige que a equipe técnica responsável pelo projeto seja independente do proponente. Apelação Cível, 5012980-68.2012.404.7001, Terceira Turma, 04/09/2013 (grifos nossos).

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[11] São exemplos de decisões, proferidas pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que suspenderam decisões de mérito, exaradas em sede de tutela de urgência, para as usinas situadas no Rio Teles Pires, as suspensões de números: 0018625-97.2012.4.01.0000/MT, 0058115-92.2013.4.01.0000/MT, 0045964-25.2011.4.01.0000/MT, 75395-76.2013.4.01.0000 e 0075520-44.2013.4.01.0000/MT, cujo teor da decisão, bem como acompanhamento do andamento processual, pode ser consultado na página do Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

Ainda, nas suspensões de liminar de números 722, 723, 724 e 726, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisão de mérito colegiada, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou paralisação de obras da usina Teles Pires. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=249462)

[12] “A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração”

[13] PRUDENTE, Antônio Souza. “O terror jurídico da contracautela de suspensão de segurança e a proibição do retrocesso ecológico-ambiental” Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v.25 n. 9/10, set/out 2013.

[14] Trata-se da Suspensão de Liminar número 797 que ainda não tem decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal.

[15] O processo tramita na Primeira Vara Federal de Cuiabá, sob o número 17643- 16.2013.4.01.3600.

[16] Por isso o Desembargador Federal faz duras críticas ao instrumento “De ver-se, assim, que o texto normativo em referência estrangula, com requintes de crueldade, a garantia constitucional do devido processo legal e da segurança jurídica, em tons de violência autoritária, próprios dos regimes ditatoriais, anulando-se o juízo natural das instâncias judiciais singulares e colegiadas (CPC, art. 512)1, com o propósito indisfarçável de enfraquecer e intimidar os magistrados do Brasil, ao restabelecer o império do juízo de exceção na suspensão de segurança, no âmbito monocrático das decisões presidenciais de nossos tribunais, que só tardiamente se manifestam em sessão de julgamento colegiado sobres essas suspensões, quando já se tornam irreversíveis e com danos irreparáveis ao interesse público, ante situações de fato consolidadas pelo decurso do tempo no processo. Aniquila, ainda, a segurança jurídica que resulta das decisões colegiadas dos tribunais de apelação, que não mantenham essas odiosas suspensões, anulando-se o fenômeno preclusivo das referidas decisões, a permitir, qual “fênix malignamente renascida”, a reedição da mesma pretensão de segurança perante a presidência dos Tribunais Superiores (STJ e STF).” “A suspensão de segurança como instrumento agressor dos tratados internacionais e convenções internacionais sobre direitos humanos”. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v.26 n. 5/6, mai/jun 2014.  Disponível em http://www.editorajc.com.br/2014/05/suspensao-seguranca-instrumento-agressor-tratados-internacionais/ consulta em 6/9/2014.

[17] Nota-se que que o Estudo de Impacto Ambiental e Estudo do componente indígena têm sido elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, empresa pública federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, como ocorreu no complexo de usinas do rio Teles Pires, em Belo Monte e em Jirau e Santo Antônio. Esta leva o empreendimento já licenciado a leilão. A meu ver, de lege ferenda, embora haja permissão da lei para tal atitude, o ente responsável por licenciar é suspeito para realizar os estudos.

Cumpre assinalar que o Estado do Rio Grande do Sul disciplinou a matéria, em seu Código Estadual do Meio Ambiente, Lei estadual 11.570/2000 no art. 74: “O estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) serão realizados por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados, não podendo assumir o compromisso de obter o licenciamento do empreendimento. § 1º. A empresa executora do EPIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do estudo prévio de impacto ambiental. § 2º. Não poderão integrar a equipe multidisciplinar executora do EPIA/RIMA técnicos que prestem serviços simultaneamente ao empreendedor’. (grifos nossos)”

No âmbito federal, quem verifica os impactos socioculturais do empreendimento é o empreendedor e o proponente da usina. Além da manifesta suspeição, uma vez que há interesse de avançar no empreendimento com celeridade, verifica-se ainda espaço para pressões políticas. Com isso, a impessoalidade e moralidade, insculpidas no art. 37 da Constituição Federal cedem a interesses pragmáticos de política governamental.

Por isso, entendemos necessário que a legislação do Estado do Rio Grande do Sul também seja aprovada no âmbito federal.

[18] “As mencionadas diretrizes foram denominadas de Akwe: Kon  que é o nome de uma expressão do povo Mohawk, "Akwe: Kon", cujo significado é: "tudo na criação", para enfatizar a natureza holística do instrumento proposto. As diretrizes Akwe: Kon terão que ser adaptadas a cada contexto e cada povo específico, mas representam um interessante padrão que pode ser útil na construção específica de diretrizes para cada caso.” http://www.socioambiental.org/inst/esp/consulta_previa/?q=node/21

[19] “Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no atingimento do desenvolvimento sustentável.”

[20] Art. 2º

1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.

2. Essa ação deverá incluir medidas:

a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população;

(...)

Art. 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

(...)

1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente.

2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.

3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas.

4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam.

[21] CIDH. Derechos de los pueblos indígenas y tribales sobre sus tierras ancestrales y recursos naturales: normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Capítulo IX: Derechos a la consulta y a la participación (p. 108-128). Disponível em:

http://cidh.org/countryrep/TierrasIndigenas2009/Indice.htm. Acesso em: 25 de agosto de 2014.

[22] Para evitar a suspeição e dados que não sejam fidedignos, fizemos referência supra à importância de que seja positivada, no âmbito federal, lei similar à vigente no Rio Grande do Sul em que o responsável pela elaboração dos estudos não pode ser dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto.

[23] “Atrasos na conclusão de obras do setor elétrico como usinas e linhas já geram um prejuízo de ao menos R$ 8,3 bilhões que está sendo assumido, em parte, pelo consumidor, aponta auditoria do Tribunal de Contas da União.” (…)”O problema, segundo o ministro José Jorge, que relatou o caso, é o descasamento entre os empreendimentos, o que faz com que a energia que um pode produzir não entre no sistema, gerando custos adicionais ao consumidor.  É o caso das usinas de Jirau e Santo Antônio, do rio Madeira (RO), que estão com sua capacidade de geração reduzida porque a linha de transmissão não ficou pronta. Além do problema das usinas do Madeira, o TCU analisou outros dez casos em que houve descolamento nos cronogramas. O impacto financeiro disso -recebimento por um serviço que acabou não sendo prestado- foi de R$ 8,3 bilhões, segundo o órgão.” Jornal Folha de São Paulo. Edição de 04/09/2014

[24] Artigo 13

1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.

2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

[25] SILVA, Letícia Borges da. Povos indígenas, direitos humanos e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos. Volume I. Curitiba: Juruá, 2006. p. 134.

[26] Esse entendimento, em linhas gerais, também é compartilhado pela Desembargadora Federal aposentada Selene de Almeida, como se pode observar a partir da leitura do voto proferido nos autos da Apelação Cível nº 2006.39.03.000711-8/PA (Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Rel. Acor. Desembargador Federal Fagundes De Deus, Quinta Turma,e-DJF1 p.566 de 25/11/2011).

[27] É justamente por isso, que, conforme referido acima, o Procurador Geral da República, para proteger índios isolados, ajuizou suspensão de liminar, para restabelecer a decisão de primeiro grau, e impedir a continuidade do licenciamento, no Supremo Tribunal Federal.

[28] CPI e Intimação de Índio

Tendo em vista a proteção constitucional outorgada aos índios (CF, arts. 215, 216 e 231), o Tribunal deferiu habeas corpus impetrado em favor do Presidente do Conselho Indígena do Estado de Roraima para tornar sem efeito sua intimação para prestar depoimento, em audiência a ser realizada em Boa Vista, à CPI destinada a investigar a ocupação de terras públicas na região amazônica, sem prejuízo de sua oitiva na área indígena, em dia e hora previamente acordados com a comunidade, e com a presença de representante da FUNAI e de um antropólogo com conhecimento da mesma comunidade.
HC 80.240-RO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20.6.2001.(HC-80240)

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