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Inconstitucionalidade do art. 156, I, do Código de Processo Penal

19/09/2016 às 13:18
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O artigo faz uma análise da constitucionalidade do artigo 156, I, do CPP (com redação dada pela Lei 11.690/08), que permite ao juiz, de ofício e antes de iniciada a ação penal, ordenar a produção de provas.

A Lei Lei 11.690/08, de nova redação ao artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal para dispor que:

 Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Para se discutir sobre a constitucionalidade ou não do art. 156, I, do Código de Processo Penal importante é saber qual o modelo processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 129, I, indubitavelmente, ao atribuir ao Ministério Público a titularidade da ação penal, adotou no sistema processual penal brasileiro o princípio acusatório, no qual, em contraposição ao modelo inquisitório[1] (ou inquisitivo) há sujeitos distintos para as funções de investigar, acusar e julgar:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Mesmo se sabendo adotado o sistema acusatório, a idéia de que no processo penal se busca a verdade real e que, portanto, o juiz, como representante do Estado, deve regular a persecução penal, suprindo falhas de outros entes estatais como polícia ou o próprio Ministério Público, por exemplo), sob o argumento de que o interesse público deve se sobrepor ao interesse da parte acusada é até compreensível, sendo acolhida por boa parte da doutrina.

Entretanto, data vênia,  considerando o sistema processual adotado pela Constituição, não pode também esse pensamento ser admitido como constitucional, sob pena de se ferir, inclusive, o princípio da isonomia (art. 5°, caput da Constituição da República).[2]

Dessa forma, tem-se que, após iniciado um processo penal, deve o magistrado conduzir as atitudes probatórias com maior isenção possível, evitando assim que haja um desequilíbrio na relação processual. Não é crível que com todo o aparato material com o qual conta e com toda a capacitação de seus representantes, o Ministério Público ainda tenha que ter seu dever complementado pelo juiz.

Considerando o já exposto, tomemos, portanto, como premissa a hipótese de que após a constituição de 1988 não mais se pode admitir que os magistrados interfiram nas iniciativas probatórias durante o curso de um processo, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade.

Após a explicação inicial, a pergunta que se faz é: seria constitucional a permissão trazida no bojo do novo art. 156 do Código de Processo Penal, na qual se concede ao magistrado a iniciativa probatória antes mesmo de se iniciar uma ação penal? Outra resposta não seria admissível além da negativa.

Se entendendo que  os princípios constitucionais trazidos no bojo da carta de 1998 claramente demonstram a  opção pelo sistema acusatório, inadmissível é tal hipótese. Não há como se considerar outra afirmação além da de que a opção adotada pelo constituinte foi a do judiciário inerte até o exercício da ação penal pelo seu titular, no caso, o Ministério Público, nos termos do art. 129, I, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Ainda para os que admitem a possibilidade de complementação probatória pelo magistrado  no curso do processo em nome da busca pela “verdade real”, a permissão de iniciativa probatória no curso da investigação criminal pelo juiz seria, também, algo como um piano desafinado em uma banda. Veja-se que a busca da verdade real, para os que a defendem, ocorre no curso de um processo devidamente iniciado pelo titular da ação.

Impota ressaltar que também no processo penal a inércia do judiciário deve ser mantida, sob pena de o magistrado, deixar sua isenção para tornar-se perseguidor penal, voltando, assim, à adoção do princípio inquisitivo no sistema.

Ainda, apesar de um pouco arriscado, pode-se dizer que o devido processo (penal) legal, trazido no art. 5°, inciso LIV, não admite que o judiciário se movimente de ofício, antes mesmo que a ele seja levado, pelo órgão titular constitucionalmente investido, uma ação penal.

Ressalte-se que a disposição do art. 156 do Código de Processo Penal fere também a isonomia (art. 5°, caput, da CR/88), colocando o indiciado em uma posição de inferioridade bastante grande em face do estado-acusação. Não se pode esquecer que o Ministério Público e as Polícias, apesar da existência de problemas orçamentários, estão, não raro, muito à frente do acusado, que em diversas hipóteses sequer pode ser atendido pela Defensoria Pública  durante o processo, quiçá durante o inquérito.[3]

Dessa forma, muito mais inconstitucional que atribuir a um magistrado poderes de iniciativa probatória durante um processo penal, é permitir que este o faça de ofício, durante o curso de investigações, ferindo princípios constitucionais importantíssimos para se assegurar a justiça no sistema.

Inconstitucional, portanto, a nova redação do artigo 156 do Código de Processo Penal, por ofender principalmente o sistema acusatório (art. 129, I, da CR/88) o devido processo legal (art. 5°, LIV, da CR/88) e a isonomia (art. 5°, caput, da CR/88).

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REFERÊNCIAS

CINTRA, A. C. A.; DINAMARCO, C. R.; GRINOVER, A. P. Teoria Geral do Processo. 22a ed. São Paulo: Malheiros. 2006.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 12ª Edição, Saraiva, São Paulo, 2015.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18ª edição rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006.

CAPEZ,Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª edição, São Paulo: Saraiva,2009.

Sites visitados

<www.lfg.com.br>

<www.stj.jus.br>

<www.tjmg.jus.br>


[1]O princípio inquisitivo traduz, em síntese, a concentração, em uma só pessoa, no dever de investigar, acusar e julgar os crimes e seus respectivos autores.

[2]Não que a verdade real não deva ser buscada, mas o que se deve evitar é que o magistrado tenha iniciativa probatória em tal busca. Dever de demonstrar a verdade possível ao magistrado é atribuído pela Constituição Brasileira ao Ministério Público.

[3]É notório que a Defensoria Pública na maioria dos estados brasileiros carece de pessoal e aparato material para trabalhar, contando seus serviços com condições bem piores do que as do Ministério Público.

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Sobre o autor
Fabiano Bastos Pinto

Advogado da União, Formado em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Pós Graduado em Direito Processual e Processo Civil. Ex assessor de Juiz no TJMG e Professor Universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Fabiano Bastos. Inconstitucionalidade do art. 156, I, do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4828, 19 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36207. Acesso em: 22 dez. 2024.

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