2. BENS PRIMÁRIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A teoria de Rawls é conhecida como adepta do liberalismo kantiano (VITA, 1993) e tem como uma de suas pedras de toque a distribuição de bens primários, que pode ser traduzido como a garantia de um mínimo de bem-estar material que satisfaça as necessidades básicas de todos os indivíduos, ou em outras palavras, trata-se de um modelo de justiça distributiva. Não significa que não existam outras teorias e modelos que também mereçam destaque e que trabalham com o conceito de justiça distributiva[3]. Porém, a opção por trabalhar com a teoria de Rawls se justifica na medida em que apresenta uma tendência normativa, apta a ser incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio – já que é uma teria que encontra espaço em sociedades democráticas, ao mesmo tempo em que aproxima a política da moral.
Se os bens primários são coisas que se supõe que um homem racional deseja, indaga-se o meio pelo qual se daria a incorporação desses bens pelo Direito. Os bens primários da justiça rawlsiana são autorrespeito, autoestima, direitos, liberdades, oportunidades, renda, riqueza.
A resposta dada, então, é que a leitura mais adequada ao nosso paradigma jurídico é a de que ver estes bens como direitos fundamentais. Inicialmente, estes bens se aproximam dos chamados direitos fundamentais civis e políticos (em particular, por ser uma teoria concebida por um liberal). Entretanto, em face das mudanças feitas na interpretação da dignidade humana, a melhor interpretação desses bens é a que a amplia para incluir outros direitos fundamentais, inclusive direitos sociais, por ser uma teoria que visa à garantia de bem-estar material para todos os cidadãos. Os direitos sociais têm como finalidade assegurar a igualdade material entre os indivíduos, servindo como mecanismo de promoção de igualdade e de bem-estar (ABRAMOVICH e COURTIS, 2006, p. 8-21).
Como ensinam Monsalve e Román (2009) existem, pelo menos, três contradições que rodeiam o significado e o alcance da dignidade humana, que são formuladas da seguinte maneira: a tensão entre seu caráter natural e seu caráter artificial ou político; a segunda é a contradição entre seu caráter abstrato e seu caráter concreto; e, por último, existe um problema entre seu caráter universal e seu caráter particular. De onde conclui que todas as tensões estão relacionadas e que a resposta tem sido dada pelos tribunais na análise do caso concreto, em que a dignidade “aparece não somente como um direito ou um princípio reconhecido nos tratados internacionais, mas também renasce como critério de interpretação a favor do sentido mais amplo dos direitos humanos”. Na linha de pensamento dos autores, a filosofia prática kantiana concebeu a dignidade humana como um imperativo geral que impõe que cada ser humano é um fim em si mesmo, sem que possa ser instrumentalizado. Assim, todo ser humano que seja capaz de possuir razão e liberdade para seguir os imperativos morais é dotado de uma dignidade humana universal. Todavia, não há conteúdo concreto ou prático, que tenta ser preenchido com aspectos mais tangíveis da vida social e política de forma a tecer uma relação com o bem viver.
Logo, a justiça rawlsiana carrega consigo a pretensão de universalidade, conforme as premissas vistas acima, mas, para assegurar a distribuição de bens primários é preciso desce aos aspectos tangíveis da vida social e política, o que inclui a configuração do ordenamento jurídico pátrio, que inseriu algumas prestações materiais na Carta de 88, como direitos fundamentais.
Estes direitos, incluído o direito à moradia, são bens primários ou requisitos mínimos para que um individuo possa exercer suas liberdades básicas e devem ser prestados através do Estado, em consonância com o disposto no art. 1º, III e art. 3º, I, III e IV, todos da Lei Maior.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 26/2000, a redação do artigo 6º da Carta Magna foi alterada, acrescentando o direito social à moradia. A ideia trazida pela Constituição de 1988, de que a cidade tem uma função social (art. 182, caput, CF), sendo a moradia um direito do cidadão e um dever do Estado, carreou consigo a questão sobre a forma de implementação. Os direitos sociais formam um grupo heterogêneo, no que diz respeito ao conteúdo e positivação, conduzindo ao raciocínio de que a implementação se dá de forma diferenciada.
O que não deve restar dúvida é de que uma pessoa não pode viver com dignidade sem um local no qual possa residir e descansar, com algum grau de segurança, por ser uma necessidade humana básica, que encontrou guarida na Lei Maior como o direito fundamental à moradia. Não há como um ser humano exercer seus direitos se suas necessidades fundamentais não são atendidas.
A concepção de justiça rawlsiana pressupõe a distribuição dos bens sociais primários como condição sine qua non para que uma pessoa possa realizar seu projeto de vida. Por isso, a interpretação destes bens como direitos fundamentais ajuda a lançar luz sobre o significado de dignidade humana: é o mínimo que uma pessoa faz jus para viver a vida que deseja, com dignidade.
O direito à moradia está relacionado a outros direitos, como infraestrutura urbana e serviços públicos, assim como, coletivamente, manter estreitas ligações com classes econômicas vulneráveis que demandam proteção jurídica especial, como populações carentes e sem recursos financeiros. O que fez com que o tópico tenha ganhado destaque na seara jurídica, com diversos diplomas internacionais e nacionais tratando do objeto.
Cabe destacar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, previa o direito à intimidade do lar e à habitação[4]. No entanto, foi com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966, que se utilizou, pela primeira vez no plano internacional, a expressão moradia[5], mesmo que não tenha ocorrido uma efetiva diferenciação dos termos.
Além desses dois diplomas, a Conferência do Habitat II de Istambul, em 1996, produziu a Agenda Habitat, que define uma moradia adequada, em §39, como aquela em que seja sadia, segura, acessível e com preço viável, que inclua serviços básicos, instalações e áreas de lazer, e que esteja livre de qualquer tipo de discriminação no que se refere à habitação ou à garantia legal da posse. Adotando-se o conceito de moradia previsto em documentos internacionais e considerando-o um direito fundamental, o problema a ser enfrentado é como efetivá-lo, e a resposta não é outra, senão por meio do planejamento urbano.
3. O DIREITO À MORADIA, PLANEJAMENTO URBANO E A JUSTIÇA COMO EQUIDADE
Planejar significa programar ou fazer planos, e no contexto urbano significa fazer planos para alcançar metas relacionadas ao desenvolvimento urbano, que hoje deve levar em consideração os interesses privados, interesses públicos, a sustentabilidade, dentre outros diversos interesses que possam confluir dentro das cidades contemporâneas.
Cabe ressaltar, na linha do raciocínio de Dias (2012, p. 128-131), que o planejamento urbano tem que ser pensado conjugando a interligação entre uma série de serviços que devem ser prestados com eficiência a todos os bairros de uma cidade inserida numa economia nacional, como um microssistema, dentro de limites orçamentários para garantir o bem-estar social. Com isso se evita o deslocamento de pessoas com baixa renda para áreas de invasão, loteamentos clandestinos, formação de bolsões de miséria, dentre outros problemas urbanísticos.
Sem sombra de dúvida o papel do Direito aqui é fundamental, inicialmente por ser necessário para a proteção dos direitos fundamentais e depois para arbitrar os conflitos que possam emergir do convívio social. A Constituição Federal determina ser competência municipal, art. 30, VIII, e art. 182, caput CF, que deve ser exercida em conjunto com a função ordenadora da economia, art. 174, caput, CF, e, por isso, devem ser lidos conjuntamente:
Art. 30. Compete aos Municípios:
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
Nesse passo, todos os entes federados devem cooperar e atuar conjuntamente, o que torna imprescindível o diálogo e a comunicação entre todos, como forma de se ordenar as cidades. Ao ente federal, coube editar normas gerais, materializadas no Estatuto da Cidade (lei 10.257/2001), que seguindo ditames constitucionais, como o que determina que a propriedade deve exercer sua função social (art. 5, XXIII, CF) a ser expressa no plano diretor municipal (art. 182, §2, CF), rompeu com um modelo de apropriação do espaço urbano pautado mais no interesse privado que público e elevou a participação popular a condição de legitimação da aprovação da lei que irá disciplinar os planos traçados para o desenvolvimento da cidade – o plano diretor municipal. Isto pode ser observado nos art. 2, incisos I à IV e XIII, art. 4, III, ‘f’, IV, ‘s’ e §3, art. 40, §4, incisos I à III da lei 10.257/2001:
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
III – planejamento municipal, em especial:
f) gestão orçamentária participativa
V – institutos jurídicos e políticos:
s) referendo popular e plebiscito;
§ 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
Desse conjunto de dispositivos já se percebe uma orientação normativa que visa alterar a forma de pensar a cidade e o espaço urbano. Outra característica marcante é a tendência universalizante da Lei 10.257/2001 de garantir a todos uma cidade sustentável e o direito à moradia digna de todos os cidadãos, que aliada à participação popular permite traçar uma relação com os princípios da justiça de Rawls.
O primeiro princípio protege as liberdades básicas e pode ser usado como um guia para evitar abusos ou ingerências desnecessárias às liberdades dos cidadãos. Com isso, garante-se a propriedade privada (art. 5, XXII, CF), à qual se soma mais uma proteção: até uma eventual desapropriação deve ser motivada consoante o plano diretor, que exige a participação daqueles que serão atingidos e permite controle social por aqueles que possuem menor liberdade. Assim as restrições tentam proporcionar um sistema que melhore ou aprimore as liberdades de todos.
Como exemplo, cita-se o caso de desapropriação de pessoas que moram em lugares de risco à sua vida ou integridade física. Nessa situação deve haver uma regulamentação, inclusive no plano diretor, em que conste que aquela região não deve ser habitada e este assunto deve ser discutido pelas lideranças locais e pessoas interessadas, além de órgãos públicos, tais como Ministério Público, Secretárias Estaduais e Municipais, dentre outros. A exceção, naturalmente, decorre de casos imprevistos ou decorrentes de causas naturais em que a proteção à vida reclama uma ação mais imediata e não pode esperar pela deliberação legislativa.
O direito à moradia se relaciona com inúmeras liberdades, como exemplo de proteção constitucional, cita-se o direito à intimidade, inviolabilidade de domicílio, segredo doméstico (que decorre da intimidade e pode se manifestar como liberdade de pensamento, assunto familiar, sigilo profissional, sigilo de correspondência), direito ao sossego (melhor observado nas normas do direito de vizinhança) e a liberdade de construir (no sentido de fazer o que quiser com a sua moradia desde que a lei não proíba ou ofenda direito de terceiros). Todos estes casos podem ser citados como exemplos de proteção e limitação ao primeiro princípio com o objetivo de assegurar a todos um sistema total de liberdades melhor.
Isto é importante porque nenhum dos entes federados deve, a título de ordenar a cidade, ofender direitos ou restringir garantias constitucionais que assegurem a liberdade. Como o planejamento urbano mantém relação com a organização econômica, é digno de nota que, inclusive, o Estado não deve explorar diretamente atividade econômica, com exceção dos casos previstos na Lei Fundamental (art. 173, caput, CF). Os meios de produção, então, estão, principalmente nas mãos da iniciativa privada, que demanda um determinado nível de liberdade para atuar com eficiência, o que não impede alguma regulação, com vistas a um melhor funcionamento, de acordo com o que preconiza SEN (2000). O que se quer evitar é o abuso de ingerência na esfera privada e nos mercados.
Ao mesmo tempo, os demais requisitos para se ter uma moradia digna, que se consubstancia na prestação de serviços públicos eficientes, como transporte público, saneamento básico e iluminação pública, devem ser pensados para todos os cidadãos. Todavia, ao contrário do que muitas vezes se vê, em que se tenta maximizar a prestação de serviços públicos para bairros e regiões tidas como nobres da cidade, e, no que for possível para a minoria da população, quase sempre, as camadas com menor poder aquisitivo (em alguns casos é a maioria dos habitantes da cidade destituída de influência política ou econômica), os serviços devem ser prestados de forma que tragam o maior benefício possível para os menos favorecidos. Ou seja, os serviços são para todos – porque a cidade é de todos –, mas deve-se privilegiar estes grupos. Desta forma, é possível conceder o mínimo de bem-estar a todos, o que lhes propiciará a realização de seus projetos pessoais.
3.1 PRINCÍPIO DA DIFERENÇA E MORADIA DIGNA
Dentro dos princípios da justiça como equidade, há o princípio da diferença, a permitir a adoção de sistemas econômicos e políticos que tragam benefícios para todos, dentro de certa razoabilidade, que ampliem as oportunidades dos grupos menos favorecidos. É neste princípio que se encontra a defesa de ações políticas, econômicas e sociais em favor de grupos que estejam em alguma situação de vulnerabilidade.
Alguns temas têm sido debatidos, dentre os quais, a adoção de cotas em favor de certos grupos em universidades públicas foi o que chamou a atenção recentemente, que envolvem a interferência do Estado na vida civil. No que tange ao direito à moradia, após o advento do Estatuto da Cidade e da inclusão da moradia como direito fundamental na Constituição, algumas leis foram elaboradas que materializam esta possibilidade.
É digno de nota que a moradia digna, enquanto um direito fundamental não precisa corresponder ao direito à construção de parques habitacionais pelo Estado. Como dito acima, os direitos fundamentais são garantidos e protegidos das mais variadas formas. Pode haver interferência estatal pela regulação, prestação direta e em outros casos o Estado pode se abster de agir.
A moradia digna engloba infraestrutura (por exemplo, abastecimento de água por rede geral canalizada; iluminação elétrica; lixo coletado por serviço de limpeza diretamente); localização que permita aos seus moradores estabelecerem relações sociais; o acesso a serviços públicos básicos (como de saúde e de educação); e a proteção jurídica da posse, que não precisa se confundir com a propriedade privada.
Esse último elemento é interessante porque evidencia que mesmo que a moradia digna deva possuir algum grau de segurança de posse aos ocupantes do imóvel, que lhes garanta a proteção jurídica contra despejos forçados e outros tipos de interferências indevidas na posse, essa garantia pode se dar com o direito real de uso do solo urbano, ou, residualmente, com um sistema de aluguel social ou outra medida, que não precisa coincidir com a propriedade privada.
O direito à moradia não impede a remoção de pessoas, em especial, se for o caso de a área em que estiver localizada a moradia trouxer riscos aos ocupantes. O direito à moradia, nessa situação, exigiria o fornecimento de informação ao morador antes da tomada de decisão e de que o Estado apresente alguma alternativa, como a realocação dos ocupantes para região próxima da área de risco, para que sejam respeitados outros aspectos da moradia digna. Em outras palavras, o direito à moradia impõe limites e condições à remoção forçada, mas não elimina essa possibilidade, em casos extremos ou de interesse público.
Há um duplo caráter, em que de um lado há direito individual, pois cada cidadão tem direito a viver com dignidade, sendo titular do direito à moradia, e do outro lado há forte conotação coletiva, pois é praticamente impossível individualizar a quantidade exata que cada pessoa se beneficia de alguns serviços públicos (SEN, 2000, p. 153).
Nesse passo, por exemplo, a Lei Federal 11.977/2009 expressa bem a adoção de atuação estatal pautada por princípios de justiça, em especial do princípio da diferença. No primeiro capítulo deste diploma legal estão contidas normas sobre o subsídio de crédito para beneficiar a aquisição de residências, pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. No terceiro capítulo está disciplinada a regularização fundiária como instrumento de proteção da moradia.
Existem, então três situações diferentes. A primeira é a possibilidade de se buscar, via mercado, a aquisição de uma residência com condições dignas. A segunda é a utilização de crédito subsidiado, também, para a compra de moradias. A última é a regularização fundiária de assentamentos informais.
Ou seja, os arranjos políticos, sociais e econômicos estão dispostos de maneira a distribuir a propriedade entre todos, utilizando-se de diversos mecanismos diferente.
A regularização fundiária emerge como uma alternativa de política pública para o tratamento de áreas já ocupadas irregularmente (PRESTES, 2006, p. 42-47). Dentre as diversas diretrizes gerais da Política Urbana, a Lei Federal 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) em seu art. 2º, inciso XIV, dispõe que a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda será feita mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população. Dessa forma, é possível atuar nas duas formas de irregularidades existentes.
A existência deste arcabouço não é sinônimo de trabalho concluído por, basicamente, duas razões. A primeira é que tanto o Programa Minha Casa, Minha Vida e as políticas de regularização fundiária precisam ser aperfeiçoados. Não há a exigência legal, por exemplo, de que sejam observadas ou criadas leis municipais e estaduais urbanísticas, com vistas à promoção do direito à moradia. No caso do Programa Minha Casa, Minha Vida, quem define o local em que as residências serão construídas é a própria construtora, que tende a escolher regiões com menor custo, sem se preocupar com outras questões referentes à moradia digna, como infraestrutura.
A segunda razão é que pelo Princípio da Diferença seria necessário estar atento ao surgimento de novas formas de desigualdades e se os atuais programas de auxílio estatal conseguem dar conta de eventuais problemas novos que surjam.
Contudo, a base da justiça como equidade fornece corpo à compreensão de que o Estado deve gerir o espaço atento à forma como as pessoas se utilizam dele e se há grupos que estão sendo preteridos no acesso aos bens primários.
Esta é uma concepção de justiça que endossa a interferência estatal, mas que exige a adoção de critérios públicos e claros para pautar a ação do Estado.