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A (i)legitimidade da fazenda pública de requerer a falência do empresário ou sociedade empresária por créditos tributários inadimplidos

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Capítulo II 

1.    ORIGEM, SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO FALIMENTAR

A gênese da palavra falência provém do verbo “falir”, este derivado da palavra latina falece, que exprime a mesma coisa que faltar com o prometido, com a palavra, enganar, falha, falta, omissão[41]. Outrora usava-se também da expressão “quebra” para definir a falência, que, por sua vez, significava pobre, arruinado, sem dinheiro.

Esta última expressão, que a princípio proveio de Portugal, predominou na legislação falimentar brasileira por muitos anos, deixando de ser utilizada somente no fim do século passado ao dar lugar para o verbo “falir”, de linguagem técnica[42].

O instituto da falência desde os primórdios e até mesmo nos dias atuais é visto com certa reserva pelos credores. Porém, o mencionado instituto desde o seu surgimento, pouco a pouco, passou por transformações significativas, adquirindo, hoje, um marcante sentido econômico-social, que a seguir passará a se expor.

O surgimento do instituto da falência remonta ao direito quiritário, a fase mais primitiva do direito romano, no qual as obrigações por dívidas não pagas recaíam sobre a própria pessoa do devedor ao invés de seus bens[43]. Nesse contexto histórico quando não cumprida à obrigação pelo devedor, este permanecia em estado de servidão para com o credor, pelo período de sessenta dias, a fim de saldar o débito. Escoado esse prazo, e não solvida a dívida ou não avocada por um terceiro (vindex), facultava-se ao credor vende-lo como escravo no exterior, ou então, mata-lo, repartindo-lhe o corpo em tantas partes quantas forem o número de credores[44].

Com a introdução no direito romano da Lex Poetelia Papiria, a execução pessoal foi suprimida pela execução patrimonial[45].

Mais tarde, pelo pretor Rutilio Rufo foi instituída a bonorum venditio, que consistia no desapossamento dos bens do devedor, a pedido do credor e por determinação do pretor que, por sua vez, nomeava um curador (curator bonorum) para administração dos bens do devedor. De outro lado, o credor encarregava-se de dar publicidade do ato, no prazo de trinta dias, aos demais credores, para que pudessem concorrer aos bens. Decorrido o prazo de trinta dias, sem que o devedor saldasse a dívida, seu patrimônio era alienado pelo curador ao melhor ofertante[46]. Esta modalidade de alienação acarretava a infâmia (indignidade do devedor)[47].

Dessa forma, seria de bom alvitre, caso o devedor preferisse, utilizar-se da cessio bonorum, introduzida pela Lex Julia (737 a.C.), para evitar a sanção imposta pela primeira modalidade de alienação. Essa segunda modalidade, facultava o devedor pôr os seus bens à disposição dos credores que, por sua vez, podiam vendê-los separadamente[48], sendo que parte do produto da arrecadação era resguardada para atender as necessidades pessoais daquele. Estaria aí o embrião da falência, conforme ensina Amador Paes de Almeida citando Waldemar Ferreira[49]:

Não poucos romanistas divisam na Lex Julia o assento do moderno Direito Falimentar, por ter editado os dois princípios fundamentais – o direito dos credores de disporem de todos os bens do devedor e o da par condictio creditorum. Desde então, o credor, que tomava a iniciativa da execução, agia em seu nome e por direito próprio, mas também em benefício dos demais credores. Com isso, veio a formar-se o conceito de massa, ou seja, da massa falida.

Todavia, é na Idade Média que o procedimento falimentar desenvolve-se, ao pico de sua estrutura aproximar-se do direito falimentar moderno, mormente por considerar que o crédito passava a ser de interesse de todos e não apenas de duas figuras (credor e devedor)[50].

Naquela época, o concurso creditório passou a ser chancelado pelo Poder Judiciário, e os credores, para satisfazerem os seus créditos, habilitavam-se no juízo por onde se processava a arrecadação dos bens do devedor[51]. Amador Paes de Almeida revela “é nessa época que o concurso de credores se transforma na falência, quando o comércio, sobretudo o marítimo, atinge extraordinária expansão nas cidades italianas” [52].

Em que pese à acentuada evolução do instituto falimentar, que possibilitou maior ingerência do Poder Público e deslocou a responsabilidade do devedor para o seu patrimônio, ainda, infelizmente, permaneceram as punições excessivas para os devedores falidos, tais como: exclusão de benefícios, privação da cidadania, humilhação em praça pública etc. Por essas razões o devedor buscava obstar a ação dos credores, seja por meios lícitos ou ilícitos e, caso não fosse possível, fugia, o que não desagravava sua situação, eis que a fuga era prevista dentro das hipóteses para decretação da falência[53].

Conforme já apontado no primeiro capítulo deste estudo, a edição do Código Napoleônico provocou profundas mudanças, influenciando notadamente o direito falimentar, que passou a disciplinar um conjunto de regras especiais voltadas aos devedores insolventes que possuíam a qualidade de comerciantes[54]. No entanto, a legislação francesa não chegou a mudar a ideia que se tinha a respeito da pessoa do falido, este era visto como um criminoso, razão pela qual a legislação francesa lhe impunha severas restrições[55].

Paulatinamente, a legislação francesa diminuiu a severidade no tratamento com o falido, assumindo a falência um caráter econômico-social, diferenciando os devedores desonestos e honestos, concedendo-se a estes os benefícios da moratória[56].

Depois da primeira guerra mundial, a crise no comércio estendeu-se por toda a Europa, obrigando os comerciantes a requererem judicialmente a Falência. Em resposta a crise, o Estado passou a editar normas de cunho social visando à manutenção da Empresa no mercado, como exemplo, cita-se a Lei Alemã de 1935 e a Lei Italiana de 1942, esta melhorou a concordata preventiva, aquela estabelecia acordos preventivos[57].

Com efeito, essas crises econômicas, de tão rotineiras, passam a ser vistas sob novos horizontes, onde a superação da crise financeira e a manutenção da empresa tomam lugar da nefasta decretação da falência. Essa nova ideia do direito falimentar, contraposta à antiga concepção que impunha severas penas ao falido, influenciou a reformulação da legislação em diversos países[58], dentre eles, o Brasil que introduziu no seu ordenamento jurídico falimentar o princípio da preservação da empresa, tanto no âmbito da recuperação judicial e extrajudicial como na da falência ou autofalência.

2.    INSOLVÊNCIA EMPRESÁRIA

A insolvência é normalmente repudiada pela sociedade, por estar intimamente ligada à imagem de caloteiro, desonesto, fraudador etc. Essa tendência é marcada pela errônea ideia que o empresário chegou a esse estado por vontade própria. Não se nega que a insolvência pode derivar de atos desonestos e também por atos de desídia extrema para com os negócios, contudo, não é a regra. A insolvência é um elemento intrínseco ao risco de empreender e o fracasso na sua maioria advém de casos alheios à vontade do empresário[59].

Por oportuno, faz-se necessário aclarar que, a insolvência empresária é regida por um regime próprio (Lei nº 11.101/2005), destinados a todos os empresários que se amoldam à definição do art. 966 do Código Civil, excetuando as empresas inseridas no rol taxativo do art. 2º da Lei 11.101/2005[60].

O estado falimentar do empresário é caracterizado pela insolvência, revelada pela incapacidade de cumprir as obrigações passivas por meio dos ativos ou pela adoção de práticas indutoras de estado patrimonial deficitário[61]. Mas, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, “é necessário atentar-se para o fato de que o segundo pressuposto da falência [...] não é a insolvência entendida na sua acepção econômica [...]”, mas, sim, “a insolvência entendida em um sentido jurídico preciso que a lei estabelece”[62].

Dessa forma, não é necessária a prova da inferioridade do ativo em relação ao passivo ou vice-versa, para a instauração da execução por falência, basta, isso sim, que o empresário decaia nas previsões dos incisos I, II e III do art. 94 da Lei Falimentar[63]. Tais previsões serão abordadas no item 5 deste Capítulo.

3.    FUNÇÃO DA FALÊNCIA

Mostra-se indispensável, para compreender a função da falência, conceitua-la, num primeiro momento, para logo após traçar os seus objetivos.

Pois bem, a falência se caracteriza como um processo judicial de execução concursal do acervo patrimonial do devedor empresário ou da sociedade empresária, em que todos os credores concorrem, observadas as preferência legais, para o recebimento do crédito[64].

Denota-se do explanado conceito que, um dos escopos da falência é promover o concurso de credores. Esta é a via eleita pelo ordenamento jurídico para solucionar o conflito de interesses entre o devedor e os credores e destes entre si, por meio de critérios objetivos que classificarão a ordem de preferência dos créditos a partir de sua natureza.

Gladston Mamede[65], com a maestria que lhe é inerente, ilustra a relevância que exerce o concurso de credores:

“Ai longo do processo de evolução histórica do Direito, percebeu-se cedo que a insolvência criava um desafio jurídico e econômico: sobre o patrimônio de um mesmo devedor concorrem as pretensões de diversos credores, sem que todos possam ser satisfeitos. Nesse caso, não funciona o modelo da execução individual o que implicaria ter alguns credores plenamente satisfeitos, em prejuízo dos demais, que nada receberiam, já que as dívidas excedem o montante dos bens do devedor.”

Outrossim, a legislação falimentar tem por finalidade atender a necessidade econômico-social, de modo a retirar do mercado as empresas arruinadas financeiramente, com o fito de proporcionar a circulação de capital de forma segura e a diminuição do custo de crédito, o que possibilitará aos agentes econômicos idôneos de exercerem suas atividades em um mercado ideal[66]. Isso porque manter empresas inviáveis no mercado significaria transferir o risco do negócio aos credores, o que é inaceitável.

Os desígnios da falência, também, encontram-se estabelecidos no art. 75 da Lei Falimentar[67], são eles: I) afastar o empresário de suas atividades; II) preservar a atividade empresarial, quando possível, e otimizar os bens tangíveis e intangíveis da empresa. Veja-se:

 I) Decretada a falência será o empresário afastado de sua atividade empresarial, por decorrência do desapossamento de todos os seus bens e direitos. Frisa-se que o desapossamento não acarreta a perda da propriedade, mas sim a privação da livre administração e disponibilidade dos bens até o encerramento da falência[68]. Essa sanção por mais injusto a que se possa parecer para o empresário honesto, que não deu causa a falência, é a fórmula encontrada para garantir tanto o recebimento do crédito pelos credores da massa quanto à manutenção dos empregados, quando isso for viável, pelo simples fato que a nova administração visará o bem comum e não permitirá atos que possam prejudicar os credores da falida.

II) Empossado no cargo de administrador judicial, a este competirá à responsabilidade pela arrecadação dos bens, a guarda, conservação e alienação antecipada ou não destes[69]. Nesse momento, o administrador judicial organizará todos os conjuntos de bens, força de trabalho, estrutura gerencial, marcas, nomes de domínio, patentes e recursos disponíveis em caixa visando a maior arrecadação do ativo para o pagamento do maior número possível de credores.

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Não raras às vezes, o instituto da falência era/é utilizado de forma coercitiva para satisfação do crédito, o que é inadmissível, por desvirtuar a finalidade proposta pela citada norma legal.

Nota-se, desse fechamento, que a falência é um instrumento de utilização excepcional e seu objetivo não é atender vaidades.

4.    PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO FALIMENTAR ATUAL

Roque Antônio Carraza[70], nos fornece, com sabedoria, a definição de princípio jurídico: “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.”

A partir desse ensinamento, percebe-se que os princípios são nortes e bases para a aplicação das Leis.  Os princípios que regem a Lei Falimentar precisão estar bem fixados e presentes na mente dos operadores do direito que laboram no âmbito empresarial.

Irá se traçar seis princípios norteadores da falência, quais sejam: I) viabilidade da empresa, II) publicidade dos procedimentos, III) indivisibilidade do juízo falimentar;  IV) universalidade do juízo falimentar V) celeridade, eficiência e economia processual; VI) preservação da empresa viável.

I) O primeiro princípio apresentado parte do pressuposto que a empresa encontra-se numa situação financeira deficitária, ensejando uma aferição completa de suas condições, de forma que se possa concluir pela viabilidade da recuperação ou não. A viabilidade passa pela análise de inúmeros fatores (ativo, faturamento, nível de endividamento, relevância socioeconômica da atividade etc.), e o plano de recuperação deverá ser aprovado pelos credores e apreciado pelo juízo onde se processa a recuperação judicial ou a falência[71].

É certo que, se constatada, a impossibilidade da execução do plano de recuperação judicial, a medida imposta será a decretação da falência, e o contrário também é verdadeiro, quando requerida à falência e o devedor mostrar a viabilidade da recuperação, a falência será indeferida[72].

II) O segundo princípio assegura a transparência dos atos a serem praticados no processo falimentar e está intimamente ligado ao conceito de previsibilidade, a qual permitirá aos envolvidos tomarem ciência dos atos a serem praticados no processo falimentar. Waldo Fazzio Júnior complementa esse espírito ao elucidar que “as estipulações objetiva de requisitos, fundamentos e prazos, se não impede a adoção de manobras procedimentais e expedientes protelatórios, dificulta bastante essa prática negativa.[73]”.

III) O terceiro princípio tem por fundo a indivisibilidade do juízo da falência, pois a ele compete conhecer e julgar todas as ações sobre bens e interesses da massa falida, por força do enunciado do art. 76 da Lei Falimentar[74].

Quando se diz que o Juízo da falência é indivisível, afirma-se também que ele é uno (universal), por decorrência da vis attractiva do juízo falimentar, que como um imã atrairá todas as ações que versarem sobre bens, interesses e negócios da massa falida, visando concentrar num único órgão jurisdicional as ações de interesse da massa, a fim de evitar decisões contraditórias[75].

Todavia, a regra da vis attractiva do juízo falimentar, comporta certas exceções, principalmente, no que diz respeito à execuções fiscais que não se submetem ao crivo do juízo falimentar[76], como, aliás, enfatiza do art. 187 do Código Tributário Nacional[77]. Amador Paes de Almeida aperfeiçoa expondo: “na eventualidade de executivo fiscal em andamento contra devedor cuja falência venha a ser declarada, este prosseguirá normalmente, não sendo a execução atraída para o juízo universal da falência. [78]”.

IV) O quarto princípio diz-se ser juízo universal, pois concorrem perante a ele todos os credores da massa falida e aplicar-se-á uma única regra[79]. Esse princípio está estampado no art. 115 da Lei nº 11.101/2005[80].

V) O quinto princípio esculpido no parágrafo único do art. 75 da Lei Falimentar[81], visa privilegiar uma condução rápida, apropriada e econômica em busca do “bem da vida”.

João Pedro Scalzilli, Rodrigo Tellechea e Luís Felipe Spinelli[82], em seu artigo, citando José Pacheco da Silva, nos mostra a aplicação prática do presente princípio, referindo que o Magistrado:

“ao definir as questões incidentais ocorrentes no processo, deverá pautar-se pelas decisões que tenham uma produção jurídica de efeitos mais rápida, pois a demora no processo traz a deterioração do patrimônio e sua perda de valor econômico, acarretando prejuízo irrecuperável tanto para o devedor como para os credores”.

E complementa:

“o princípio da economia visa a garantir ao credor o menor gasto possível na busca da satisfação de seu crédito, bem como na definição por parte do Magistrado, acompanhado pela manifestação do Ministério Público, de medidas menos burocratizantes que não só prolongarão a tramitação do processo como também o tornarão mais oneroso”.

Justifica-se o rito falimentar nortear-se por esse princípio, pelo fato de salvaguardar os interesses da massa, do falido, dos credores, da sociedade, enfim, de todos os envolvidos direta e indiretamente, pois uma norma eficiente e segura obsta a evasão de capital por parte de investidores.

VI) O sexto e último princípio visa preservar a atividade empresarial viável, por meio de instrumentos técnicos, que comportem uma reorganização eficiente e o resgaste da empresa. O mercado e a sociedade são afetados pela atividade empresarial, daí a razão de reerguer a empresa (leia-se: atividade e não o empresário), quando esta se mostrar viável[83].

Não se pode abandonar ao oblívio esse princípio, que revela o espírito da atual Lei Falimentar, espírito este gravado nos artigos 47 e 75 do citado diploma lega[84], de dar condições para permanência da empresa no mercado, em decorrência do forte papel social que exerce, implicando em benefícios tanto para os credores que terão mais sorte de receber o que lhes é de direito, como para a sociedade que terá uma fonte ativa de distribuição de riquezas.

Na contramão, caso o salvamento da empresa não se mostrar viável, restar-lhe-á um único caminho, a falência, eis que a Lei Falimentar não assegura a recuperação da empresa a todo e qualquer custo.

5.    CAUSAS QUE AUTORIZAM O PEDIDO DE FALÊNCIA

O estado falimentar do empresário caracteriza-se pela insolvência, na sua concepção jurídica (vide item 2 deste Capítulo). Ressalta-se, que não é necessária a demonstração inequívoca (matemática e contábil) da inferioridade do ativo frente o passivo, apenas que o empresário enquadre-se nas previsões a seguir expostas.

5.1.        Impontualidade

A falência do empresário será decretada quando, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência[85].

Impontualidade injustificada, frisa-se, eis que havendo relevante razão para o empresário inadimplir o título (prescrição do título, obrigação inexistente etc.), à insolvência jurídica não estará caracterizada e, por conseguinte, não haverá a decretação da falência[86].

O título executivo judicial ou extrajudicial protestado (art. 475-N e art. 585 do Código de Processo Civil, respectivamente), deverá ser certo, líquido e exigível[87]. A certeza refere-se à existência da relação jurídica que ensejou a obrigação. Liquidez não há dúvida do quantum devido. Exigível é quando a obrigação venceu.

Em face dos nefastos efeitos da decretação da falência, o título executivo judicial ou extrajudicial protestado, não poderá ser inferior a 40 (quarenta) salários-mínimos na data da distribuição da ação, contudo, nada obsta que o requerimento da falência seja fundado em vários títulos executivos, da mesma natureza ou não, que somados ultrapassem o valor legalmente exigido. Ainda, nada impede que credores se reúnam em litisconsortes ativo na intenção, de somados os seus créditos, alcançar aquele patamar[88], conforme preconiza o artigo 94, §1º, da Lei 11.101/2005[89].

Por fim, a peça inaugural do pedido de falência deverá se acompanhada do título executivo original ou da cópia autenticada, juntamente com os instrumentos de protestos para fins falimentares[90].

5.2.        Execução Frustrada

No atual Direito Processual Civil Brasileiro, o credor de posse de um título executivo judicial (sentença transitada em julgado etc.) ou extrajudicial (duplicata, cheque, nota promissória etc.) dispõe de um mecanismo jurídico para forçar o devedor a pagar a quantia materializada no(s) título(s), trata-se no primeiro caso da Fase de Cumprimento de Sentença (antiga execução autônoma)[91], e no segundo caso da Ação de Execução[92].

Nesse quadro, estar-se-á diante da Execução Frustrada, quando o executado (devedor), devidamente citado e dentro do prazo legal, não paga, não deposita, não nomeia ou não tem bens penhorados[93]. Desigualmente da impontualidade, a execução frustrada não exige valor mínimo e protesto, mas somente a certidão do juízo de execução, certificando a não interposição de embargos do devedor ou de seu trânsito em julgado, ou ainda, o não pagamento, depósito, nomeação ou penhora de bens para praceamento[94].

Reunido os requisitos, o credor estará autorizado a requerer a falência do devedor, pela execução frustrada.

5.3.        Atos de Falência

Por fim, o artigo, 94, inciso III, da Lei Falimentar[95] prevê a possibilidade do pedido de falência fundado em práticas tidas como atos de falência, salvo se os mesmos fizeram parte do plano de recuperação judicial. Como o próprio nome revela, esses atos cometidos pelo empresário ou sociedade empresária pressumem um estado de insolvência que, aos olhos dos credores, prejudicará o recebimento de seus créditos[96].

Somente para ilustrar, em apertada síntese, se tecerá as hipóteses previstas nas alíneas do supramencionado artigo. Veja-se:

A alínea a, evidencia que o empresário caminhará, cedo ou tarde, para o inadimplemento de suas obrigações, posto que a alienação de bens da empresa de forma precipitada e a preço vil, derrocará a continuidade da empresa e, por conseguinte, esvaziará o patrimônio ativo desta[97].

Já a alínea b, sem titubear, demonstra conduta temerosa do empresário com vistas a beneficiar-se da malevolência pela busca incessante do lucro em detrimento dos credores, na medida em que, não reserva bens suficientes para adimplir com suas obrigações, frustrando a expectativa de garantia dos credores, qual seja, o patrimônio da empresa[98].

Com relação à alínea c, além do empresário lesar o recebimento do crédito por parte dos credores, independentemente da alienação ser direcionada a credor ou não, também estará prejudicando o tratamento isonômico conferida pela Lei Falimentar aos credores de determinada classe (trabalhista, garantia real, fiscal, privilégio especial, privilégio geral, quirografários etc.)[99].

Não obstante, a alínea d, atesta uma conduta reprovável e ardilosa por parte do empresário que transfere, de forma simulada, o principal estabelecimento da empresa, com o efeito de dificultar o requerimento da falência por parte dos credores, tendo em vista que o juízo competente para decretação da falência é o juízo de onde está situado o principal estabelecimento da empresa[100].

Se a alínea c, fere a igualdade entre os credores, de igual modo à prática do ato mencionado na alínea e, também lesa a isonomia entre eles, porquanto o credor sem garantia real, por ato do devedor, gozará daquela garantia real até então não obtida, prejudicando um futuro concurso de credores a depender da monta do bem gravado em garantia[101].

Não raras às vezes, por pânico, o empresário em situação financeira ruinosa, abandona o estabelecimento empresarial sem deixar administrador com poderes para pagar os credores ou se oculta a fim de evadir-se das obrigações assumidas perante os credores e do assédio destes, incidindo na hipótese da alínea f [102].

A última hipótese, alínea g, não admite que o empresário beneficiado com a recuperação judicial, deixe de cumprir com as obrigações assumidas no plano de recuperação, caso em que acarretará a convolação da recuperação em falência[103].

Por fim, calha referir que o ônus da prova de comprova os transcritos atos, recairá no credor que ingressar com o pedido de falência, por força do parágrafo 5º do inciso III do artigo em análise[104], e do próprio artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil[105], que atribui ao autor o ônus de provar o fato constitutivo do direito alegado.

6.    LEGITIMIDADE PASSIVA PARA O PEDIDO DE FALÊNCIA

Não basta apenas a tipificação da insolvência (impontualidade, execução frustrada ou atos de falência), para a abertura do processo de falência, faz-se necessário que tanto a parte ativa (quem pede) como a parte passiva (contra quem é dirigida a pretensão) sejam partes legitimas.

No dizeres de Darlan Barroso a legitimidade para propositura da ação “encontra-se no vínculo jurídico existente entre a parte e o direito material invocado; é a regra pela qual o direito de ação apenas pode ser exercido por aquele indivíduo que for o titular do direito material litigioso”[106]. Transmudando esse conceito para o campo do nosso estudo, só será legitimado ativa e passivamente para o procedimento falimentar aquele a quem a norma confere tal capacidade.

Em regra, a falência por ser um regime de execução concursal do devedor empresário, submeterá todos os indivíduos que exercerem uma atividade empresarial (vide item 2 do Capítulo I), nos exatos termos do art. 1º da Lei Falimentar[107]. Nesse contexto, a referida lei optou por afastar da disciplina do regime jurídico-falimentar as empresas públicas e sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, entidades de previdência complementar, sociedades de capitalização, sociedades seguradores, sociedades de plano de saúde, sociedade simples, fundações e pessoas naturais, as quais dispõem de normas específicas aplicáveis para a insolvência[108].

7.    LEGITIMIDADE ATIVA PARA O PEDIDO DE FALÊNCIA

Ao contrário da legitimidade passiva que delimita quem poderá ser demandado, a Lei Falimentar, em um primeiro momento, não impõe quaisquer restrições quanto à legitimidade ativa, para postular a falência do empresário devedor.

Diz o artigo 97 e incisos I, II, III e IV, da referida lei que, tanto o devedor, como o seu cônjuge sobrevivente ou herdeiro, inventariante, cotista ou acionista, bem como qualquer credor, podem requerer a falência daquele[109].

No entanto, no presente trabalho, interessa-nos o que dispõe o inciso IV do artigo 97 da Lei Falimentar, o qual traz a declaração “qualquer credor”, que na acepção jurídica, “é todo aquele que tem o direito de exigir de outrem o cumprimento de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa”[110], o que, a priori, leva-nos a crer que a Fazenda Pública é parte legítima, para postular a falência de seus devedores por crédito tributário impago.

A figura do credor é a hipótese mais comum no pedido de falência, seja pela impontualidade, execução frustrada ou atos de falência (vide item 5 deste Capítulo). Em se tratando de credor empresário ou sociedade empresária, a lei em comento impõe a estes a obrigatoriedade da apresentação da certidão do Registro Público de Empresas, cujo teor comprove a regularidade de suas atividades. Ainda, no caso de credor que não possua domicílio no Brasil exige-se, por precaução, que preste caução, cujo montante se destine a cobrir o valor das custas, bem como o valor de uma possível indenização, na conjectura de ser condenado por uso abusivo do instituto da falência[111], por decorrência do enunciado do artigo 101 da Lei Falimentar[112].

8.    DEFESA DO DEVEDOR NO PEDIDO DE FALÊNCIA

O papel da empresa na sociedade contemporânea, vai além do lucro gerado pela produção ou da transformação de bens e serviços. A empresa, como sinônimo de atividade, hoje, é tida como umas das mais importantes instituições sociais, graças à função social, conforme visto alhures. Não por acaso é que uns dos princípios que regem a lei de falência, dentre outros, é o da preservação da empresa. Visando a esse fim, o legislador definiu os meios de defesa[113] que o empresário devedor poderá se utilizar para que seja denegada a falência.

Dessa feita, abre-se um leque de opções, para que o devedor, devidamente citado, apresente defesa na intenção de fulminar o processo de falência.

8.1.        Contestação

A contestação é o instrumento por meio da qual o réu se opõe a pretensão do autor, expondo fatos e fundamentos de direito e arguindo vícios formais advindos do processo ou da ação[114]. Tal instrumento processual assegura o exercício dos direitos a ampla defesa e do contraditório, constitucionalmente garantidos.

Proposta a ação falimentar contra o empresário devedor, este será citado para defender-se. Uma vez citado, poderá apresentar, no prazo de dez dias, contestação com ou sem depósito elisivo e, caso for, conjuntamente com esta, apresentar o pedido recuperatório, exceção de incompetência, impedimento ou a suspeição do juízo[115].

Contestado o pedido, mas sem o depósito elisivo ou pedido recuperatório, cujos efeitos serão explanados no momento oportuno, restar-lhe-á alegar, preliminarmente, matéria de ordem processual, esculpidas no artigo 301 do Código de Processo Civil[116] e/ou, no mérito, alegar matéria relevante aos fatos previstos no artigo 96 da Lei Falimentar[117].

As defesas de mérito arroladas ficam restritas ao pedido de falência fundado na impontualidade e execução frustrada, não se aplicando na hipótese do pedido lastreado em atos de falência, porquanto, neste caso, o ônus da prova incumbe ao credor, cabendo ao devedor tão somente impugnar o pedido do autor, expondo as razões de fato e de direito.

Havendo fortes razões para o juízo não julgar o feito no estado que se encontra – seja pela procedência ou improcedência do pedido, o processo se “ordinarizará”, o que permitirá que o juízo designe audiência de conciliação. Restando exitosa a conciliação, a falência não será mais decretada naquele feito, cabendo ao credor/prejudicado, no caso de não cumprimento do acordo, executar o crédito naqueles autos[118].

O leitor deve estar se perguntando, por que a falência não poderá ser decretada nos autos em caso de descumprimento do acordo? A resposta é simples, porque a falência não pode ser utilizada como meio de cobrança (vide item 3 deste Capítulo), assim, o processo da falência se converterá num processo de execução[119].

8.2.        Depósito Elisivo

O Depósito Elisivo, de previsão legal[120], é o ato pelo qual o devedor deposita em juízo, no prazo de sua defesa, o valor do crédito principal mais os acessórios (juros, correção monetária, honorários advocatícios e custas), como forma de elidir (extinguir) o fantasma da falência[121]. O efeito do depósito é “produzir prova da solvência do devedor e garantir o recebimento do valor da dívida pretendido pelo credor”[122].

Observe-se, nesse ponto, que a Lei Falimentar prevê o Depósito Elisivo apenas para os casos do inciso I e II do artigo 94 da referida lei. A grande parte da doutrina entende correta a finalidade da norma de excluir da previsão o inciso III, na medida em que “o fundamento deste é o desrespeito aos princípios da socialidade, eticidade e moralidade empresariais (...)”[123].

Sem embargo, discorda-se dessa posição, pois se o devedor deposita o valor integral (leia-se com os acessórios), descaracterizada está o seu estado falimentar. Nas palavras de Waldo Fazzio Junior: “Quem elide solve. Quem solve não é destinatário da LRE.”[124]. Aliás, não é outro o entendimento do Ilustre Magistrado Manoel Justino Bezerra Filho, quando afirma: “seria mesmo o caminho mais correto, pois, se o requerido deposita, demonstra que tem ativos suficientes para suportar aquele passivo que instrui a inicial e, assim, não está em estado falimentar.”[125]. Porém, a discussão a esse respeito é tema para jurisprudência e a doutrina debater.

Sem perder o foco, retornando, efetivado o depósito elisivo, o mérito da ação desloca-se para a legitimidade do crédito, cabendo tão somente ao juiz decidir acerca da relação creditícia, ordenando, em favor do credor, o levantamento da quantia paga, caso acolha a legitimidade do crédito ou, liberando a quantia, em favor do devedor, caso julgue ilegítimo o crédito[126].

Frisa-se que, em qualquer dos casos a declaração da falência estará afastada pelo Depósito Elisivo.

8.3.        Pedido de Recuperação Judicial

A terceira opção, senão a mais relevante no presente trabalho, diz respeito à possibilidade do devedor empresário ou sociedade empresária, no prazo de defesa (dez dias), apresentar, conjuntamente com a contestação ou não, o pedido de recuperação judicial, garantido pelo artigo 95 da Lei Falimentar[127], cujo efeito repelirá a decretação da falência, até o pronunciamento da assembleia geral de credores sobre o plano recuperatório. A rejeição do plano ensejará a falência[128].

O pedido de recuperação será autuado em autos apartados do processo de falência, mas distribuído por dependência em função deste. No mesmo ato, o réu protocolizará petição nos autos da ação falimentar, informando o juízo da falência a respeito da propositura da ação de recuperação judicial e de pronto requererá a extinção do processo falimentar, sem resolução do mérito[129].

Mais do que respeitar o prazo legal para apresentar o pedido recuperatório, faz-se necessário que o réu (devedor), cumpra com as exigências[130] e requisitos[131] estabelecidos no regramento falimentar.

É imprescindível, atentar, que no exíguo prazo de dez dias, somente empresas preparadas e organizadas serão capazes de cumprir com as exigências impostas pela Lei Falimentar, de modo que não se justifica a restrição dessa benesse ao devedor que tenha cometido atos de falência, quando atendendo o conteúdo da norma, reúne todas as condições para salvaguardar a sua empresa da ruína, mediante o pedido de recuperação judicial[132]. Ora, até porque descumprido o plano, o empresário terá sua falência decretada e não poderá se utilizar do mesmo expediente de defesa, a recuperação, por força do enunciado do inciso II do artigo 48 do citado diploma legal.

Por derradeiro, insta referir que, o prévio ajuizamento da recuperação judicial obsta um futuro ajuizamento de ação falimentar, em razão de que todas as ações e execuções movidas contra o devedor ficarão suspensas, salvo situações específicas reguladas por Lei, como exemplo o crédito tributário (tema do item 9 deste capítulo).

8.4.        Revelia

Revelia é ausência de resposta do réu contra a pretensão do autor[133]. Na falência, citado o devedor e transcorrido in albis (em branco) o prazo para defender-se, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, artigo 319 do Código de Processo Civil[134]. Contudo, a procedência do pedido passará pelo crivo do juízo que analisará o preenchimento dos requisitos necessários à propositura da ação falimentar[135].

9.    CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial alcança, como regra, todos os créditos existentes ao tempo do pedido[136]. Apesar disso, o crédito tributário permanece intocável frente ao pedido, deferimento e processamento da recuperação judicial, já que a regra do artigo 187 do Código Tributário Nacional[137] é estreme de dúvida no sentido de excluí-lo do juízo universal (concurso de credores).

Por seu turno, as execuções fiscais movidas pela Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), da mesma forma, não são atraídas pelo juízo universal, conforme preceitua o parágrafo 7º do artigo 6º da Lei Falimentar[138] e artigo 29 da Lei nº 6.830/80[139], de modo que seu curso não restará suspenso[140].

Justifica-se essa supremacia do crédito tributário em detrimento aos demais, em virtude do princípio da indisponibilidade do interesse público de dispor ou transigir com o devedor, haja vista que o tributo é da sociedade e não do Estado[141]. Firmado esse raciocínio, seria ilógico e ilegal o Fisco submeter o crédito tributário a um deságio previsto no plano de recuperação.

Ademais, a concessão da recuperação judicial pelo juiz, fica adstrita a juntada das certidões negativas de débitos tributários[142]. Note-se, assim, que para o devedor fazer jus ao benefício recuperatório, deverá de antemão quitar ou parcelar os débitos tributários, sob pena de indeferimento da recuperação. Tal fato, por si só, obsta a inserção do mencionado débito no plano recuperatório, pois, repita-se, se a exigência foi cumprida o credito estará extinto pelo pagamento ou suspenso pelo parcelamento.

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Sobre os autores
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Mailon Rodrigo Romani

Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro ; ROMANI, Mailon Rodrigo. A (i)legitimidade da fazenda pública de requerer a falência do empresário ou sociedade empresária por créditos tributários inadimplidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4341, 21 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36552. Acesso em: 4 nov. 2024.

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