3. ADAPTAÇÃO AO CONVÍVIO SOCIAL APÓS CUMPRIMENTO DA PENA
Fazendo menção a Cesare Beccaria (2012, p.130): “é melhor prevenir os delitos do que puni-los”. É possível compreende que o autor considera uma arte conduzir o homem a um estado melhor de felicidade ou ao mínimo possível. Assim, segundo seu pensamento, o que move o sentimento de um ser para alguma atitude é extremamente pessoal.
Não existe uma maneira de impedir todas as perturbações que um ser humano pode ter no cumprimento de sua pena. “Desta forma Cesare Beccaria (2012, p. 120) afirma que o preso no estado em que se encontra na prisão, considera-se como “escravo” do próprio sistema prisional”.
Os homens aprisionados se tornam mais volúveis, mais flexíveis para prática do mal, em vista dos homens livres; Eles se apegam dia após dias na sobrevivência, até obter sua liberdade. Sendo assim, pessoas que não se encontram em estado de liberdade condicionada podem refletir sobre outras preocupações e desfrutar de sua liberdade da maneira mais sadia que houver.
Neste raciocínio o autor Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (2011, p.250-251) chama a atenção para os efeitos da prisão:
Pois logo a seguir a prisão, em sua realidade e seus efeitos visíveis, foi denunciada como grande fracasso da justiça penal, estranhamente a história do encarceramento não segue uma cronologia ao longo da qual se sucedessem logicamente, as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crime e de criminosos permanece estável, ou ainda pior aumenta.
O efeito que se espera do cumprimento da pena, seria o que Rogério Greco (2005, p. 468) cita:
“Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros”. No escólio de Cezar Roberto Bittencourt, a prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas àquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgrediras normas jurídico-penais”.
Estes aspectos em relação ao caráter ressocializador da pena que não ocorre, são reflexos direto do que acontecem nas prisões, com muitas controvérsias sobre o resultado pretendido em relação ao cumprimento da pena, como as rebeliões: atos dilacerados, sem controle, com o objetivo de expressar raiva, descontentamento, como o caso do conhecido Urso Branco a denominação pela qual se conhece a Penitenciária de segurança máxima José Mário Alves da Silva, situada em Porto Velho, Rondônia, onde sobre este episódio Jorge Paulo de Freitas Braga escreveu no ano de 2007 o livro “Urso Branco, A porta para o Inferno”.
O autor do livro estava na casa de detenção citada quando houve o massacre em 2002, onde homens eram arremessados do telhado com seus familiares assistindo a cena de horror do lado de fora dos portões, sem saber quem seria o próximo filho, marido, pai, arremessados como um saco de lixo1.
Os presos, que reivindicavam para os Juízes e Ministério Público, exigiam apenas o que consta na própria Constituição Federal Brasileira: dignidade humana, conforme as mensagens em papéis, escritas pelos presos, por outro lado, o Estado, não conseguia obter acordo com os detentos, da Penitenciária de Segurança Máxima (ANEXO A).
O autor descreve com veracidade a situação, pois estava cumprindo pena na casa de detenção, onde obtinha informações de outros detentos sobre os acontecimentos da rebelião.
Nesta sua obra Jorge Paulo de Freitas Braga (2007, p. 229) narra:
As marcas físicas dos espancamentos não são nada perante as feridas que ficam na alma. A “peia” vem acompanhada de outros castigos. Quebram tudo que tem nas celas: rádio, televisão, espelhos, rasgam roupas, derramam mantimentos no chão, frutas, leite tudo enfim, que possa contribuir para minorar o sofrimento do infeliz que, culpado ou não caiu naquele inferno... o rancor e a revolta estimulam mesmo os mais calmos e quietos a se tornarem mais violentos e mais descrentes na justiça.
Já a polícia, tentava conter a situação agindo com mais violência, pois como controlar todos aqueles sujeitos que não possuem controle nem sobre eles mesmos (ANEXO B). Sobre o desencadear da rebelião destaca o referido autor Jorge Paulo de Freitas Braga (2007, p.299):
As autoridades competentes não separam os criminosos pelos artigos, como manda a Lei de Execução- LEP (artigos 5º e 84º, §1º). Se isso acontecesse não haveria esta balbúrdia dentro dos presídios. Somente cerca de 10% dos detentos do Urso Branco são de alta periculosidade. Os 90% restantes são massa de manobra, que temem e fazem o que os 10% mandam, justamente porque não estão separados.
O alto número de presos no sistema prisional, com estruturas que não comportam o número de presos, onde não se consegue, na maioria das vezes, separar os presos de alta periculosidade dos que cometeram crimes mais “leves”, são fatores que causam, muitas vezes, como no “Urso Branco”, horríveis massacres e destruição, conforme (ANEXO C).
Como se pode observar, a Lei de Execução Penal não consegue exercer a sua funcionalidade totalmente, não consegue executar-se. O Artigo 5º, LVII da Constituição Federal, determina “[...] ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, isto define que, se a pessoa não é culpada, não há necessidade de ser ressocializada. Assim, para pessoa ser ressocializada, ela precisa desejar a mudança, do contrário, qualquer medida que lhe for imposta para correção de seu caráter não produzirá efeito.
O pensador Francesco Carnelutti menciona em sua obra “As misérias do processo penal” (2008, p. 80) que:
Na esperança de retornar ao convívio humano [...] de reassumir a condição de homem livre, de retornar ao seu lugar na sociedade, é o oxigênio que alimenta o encarcerado [...] O preso, ao sair da prisão, acredita não ser mais preso; mas as pessoas não. Para as pessoas ele é sempre detento; nesta fórmula está a crueldade e o engano. A sociedade fixa cada um de nós ao passado; e o devedor, porquanto tenha pagado a sua dívida, é sempre devedor.
Refletindo sobre esse pensamento, as pessoas que lidam com os presos, desde o primeiro contato com o sistema prisional, devem possuir um preparo, para conseguir obter êxito no papel que estão obrigados a desenvolver, pois aplicações da pena privativa de liberdade têm como finalidade punir o indivíduo pela prática do delito, prevenir a reincidência criminal e reabilitar o apenado para possibilitar seu retorno ao convívio social. A falta de profissionais capacitados acaba acentuando os problemas estruturais do sistema prisional.
Vale ressaltar que, nos planos internacionais, regras adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU, mediante sua Resolução n.º 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela Resolução n.º 2076 (LXII), de 13 de maio de 1977, as penitenciárias deverão dispor de uma equipe multidisciplinar, funcionários que deverão exercer o tratamento dos presos, com regras para um trabalho de qualidade e de efetivo resultado2.
O Artigo 46 da resolução nº 3, que tratam destas regras mínimas em relação ao tratamento com os presos, menciona nesta relação da execução e gestão que:
Para lograr tais fins, será necessário que os membros [do pessoal penitenciário] trabalhem com exclusividade como funcionários penitenciários profissionais, tenham a condição de funcionários públicos e, portanto, a segurança de que a estabilidade em seu emprego dependerá unicamente da sua boa conduta, da eficácia do seu trabalho e de sua aptidão física. A remuneração do pessoal deverá ser adequada, a fim de se obter e conservar os serviços de homens e mulheres capazes. Determinar-se-á os benefícios da carreira e as condições do serviço tendo em conta o caráter penoso de suas funções.
O artigo 1º da LEP afirma que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, estas condições harmônicas envolvem-se no processo de execução, incluindo todas as classes para o melhor aprimoramento e efetivação da lei.
No artigo nº 13 de sua exposição de motivos, que enfatiza a “[...] oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social”, sendo assim nota-se que as pessoas que lidam diretamente com os presos devem ter preparação adequada, para cumprir com uma específica finalidade, que seria a ressocialização.
No relatório final da pesquisa, realizada em vista da comparação do Brasil na gestão prisional é relatado:
Conforme a Vara de Execuções Penais de Porto Alegre / RS, os baixos salários pagos aos agentes penitenciários, aliados à deficiente formação, constituem elemento facilitador da corrupção [...]. Essa análise remete mais uma vez ao problema da profissionalização do Estado e das carreiras penitenciárias. O emprego no sistema de pessoas que têm outro tipo de preparação técnica (policiais militares) ou que muitas vezes não têm preparação nenhuma (cargos comissionados) definitivamente em nada auxilia o Estado no cumprimento daquilo que lhe determina a lei: a ressocialização.
Desta forma, são constatados grandes problemas no sistema prisional, na estrutura, capacitação dos agentes e número destes, que atrapalham no resultado final da ressocialização do preso impedindo que haja mudança e aprendizagem. As vivências dentro do sistema prisional que vão se interiorizando nos presos, faz com que eles não consigam se socializar após a liberdade, que alguns adquirem com fuga, sem aguardar o procedimento legal de cumprimento de sua pena.
3.1. ASPECTOS DA REINCIDÊNCIA
Caracteriza-se reincidência o conceito jurídico, aplicado ao direito penal, de voltar a praticar um delito, pelo indivíduo que foi anteriormente condenado, por crime de igual natureza ou não, sendo o novo delito analisado para o aumento da pena.
No conceito de Guilherme de Souza Nucci (2008, p 422), no Código Penal Comentado: “reincidência é o cometimento de uma infração penal após já ter sido o agente condenado definitivamente, no Brasil ou no exterior, por crime anterior”. Logo no que tange a definição legal da reincidência, o Código Penal Brasileiro dispõem:
Art. 63. - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Para ser um reincidente o sujeito precisa ter cometido, pelo menos, dois crimes, um anterior e outro posterior. A Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LVII, dita que todos os acusados são considerados inocentes da acusação até que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória. Para haver reincidência, o crime anterior praticado pelo indivíduo, precisa já ter transitado em julgado, com sentença condenatória definitiva.
Ao trabalhar o tema reincidência e das condições dos estabelecimentos prisionais no Brasil, Cezar Roberto Bittencourt (2001, p. 156-157) chama atenção para os seguintes problemas:
a) maus tratos verbais ou de fato (castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.);
b) superlotação carcerária (a população excessiva reduz a privacidade do recluso, facilita os abusos sexuais e de condutas erradas);
c) falta de higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras nas celas, corredores);
d) condições deficientes de trabalho (que pode significar uma inaceitável exploração do recluso);
e) deficiência dos serviços médicos ou completa inexistência;
f) assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do delinquente consegue comprar esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena);
g) regime falimentar deficiente;
g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que permitem o trafico ilegal de drogas);
i) abusos sexuais (agravando o problema do homossexualismo e onanismo, traumatizando os jovens reclusos recém-ingressos);
j) ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder, constrangendo os demais reclusos).
Com todos os problemas citados, segundo o autor, um indivíduo reincidente não obtém aprimoramento de conduta, pois o sistema não lhe proporciona a reeducação necessária para que ele não volte a reincidir novamente. Quando o preso sai do regime fechado, após cumprimento de sua pena, ou após fuga, a sociedade se depara com uma pessoa mais agressiva e perigosa do que a que entrou no presídio.
O indivíduo não possui, na maioria das vezes, condições para encarar um trabalho digno, além de, em muitos casos, empregadores se recusar em contratá-lo. Esta falta de oportunidade pode fazê-lo retornar para o crime, cometendo roubo, furto, assalto, venda de entorpecente, que notavelmente contribui para o crescimento da violência no Brasil.
Todos têm o direito de viver com dignidade. O Programa Começar de Novo, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça e (CNJ) criado em outubro de 2009, com apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), tem como finalidade reintegrar ex-detento à sociedade por meio do trabalho e consequentemente, diminuir a reincidência criminal. O programa foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na gestão do ministro Gilmar Mendes com parceria dos órgãos públicos e sociedade civil é fornecido postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes3.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também criou no seu site um portal de oportunidades, a Arena Pantanal localizada em Cuiabá, tem encontrado grupos de trabalhadores (presos ou egressos) para solucionar a falta de trabalhadores no estado4.
A Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP-DF) encerrou 2011 com aproximadamente 1,6 mil detentos trabalhando em várias instituições públicas e privadas do Distrito Federal, inclusive nas obras do estádio. O objetivo é diminuir a reincidência criminal por meio de oportunidades de capacitação e de trabalho e, dessa forma, promover a inclusão dessas pessoas na sociedade5.
Em Brasília, sete dos detentos que trabalharam na obra, contam como o trabalho foi dignificante e como causou uma mudança significativa em suas perspectivas de para o futuro: “minha vida antigamente era nove e hoje já é quase 100. Hoje estou trabalhando, procuro o que é meu, suado. Por isso eu estou correndo atrás, para ver o meu futuro melhor", disse o detento Jaydison Douglas.
De acordo com os condenados, o trabalho vale a pena. “Estamos respirando ar puro, trabalhando como qualquer outro operário e isso é bom. Nos devolve a dignidade e a coragem para levantar a cabeça novamente”, disse à agência de Brasília outro dos detentos, um homem de 36 anos, conforme é possível verificar no (ANEXO D) deste trabalho.
Sobre o peso que o sistema penal enfrenta Apollo Theodoro (2007, p. 11) comenta:
Sobre o sistema penal pesa uma história secular, que vê, na submissão do corpo e no castigo, formas de penitência. Sobre o sistema penal pesa também toda indiferença do restante da sociedade, que prefere ver afastado de si as "ovelhas desgarradas" que a injustiça social ou o vazio existencial criaram e ainda criam. Não bastasse isso, a proliferação de unidades penais e a crise de segurança atual são resultantes de um capitalismo onde a tecnologia evoluiu a ponto de tornar indesejáveis vastíssimos contingentes de mão de obra. Isso significa seres humanos sem lugar e perspectivas.
O autor, em sua obra “Criando a Liberdade”, retrata os resultados do projeto de teatro, que leva o mesmo nome da publicação, implantado na Penitenciária Estadual de Londrina (PEL). No livro constam alguns depoimentos de presos que participaram das ações. O primeiro foi o de Antônio Marcos Cardoso, 28 anos, que cumpria pena de sete anos e dez meses por furto, e já havia cumprido quatro anos e dois meses de reclusão. Estava fazendo parte do projeto. O autor Apollo Theodoro nesta obra “Criando a Liberdade” (2007, p.07) relata o depoimento do detento dizendo:
“Estou cansado... Cansado de não fazer nada... A cadeia cansa... Todo o dia a mesma coisa... Vai dando um desespero... Ainda bem que agora tem o teatro, o teatro me deixa mais alegre, ocupa minha mente, eu era muito nervoso, hoje me sinto mais tranquilo, claro que tem hora que bate desespero, mas estou mais bem preparado.”
É notório que ele refere que sua mente, seus pensamentos, estava antes das ações do projeto, em turbilhão e mesmo, ainda em algumas situações, que na sua mente havia revolta e desespero. Após a sua inclusão no projeto ele se sente mais preparado, mais tranquilo, já conseguindo controlar suas emoções, devido o tempo ocioso agora preenchido com teatro.
Em um segundo relato, Sidney dos Santos, 28 anos, cumprindo pena de 26 anos por homicídio, assalto a mão armada, tráfico e uso de drogas, dos quais já havia cumprido 10 anos. Apollo Theodoro (2007, p. 39) transcreve o depoimento sobre o auto controle proporcionado com o treino do teatro na visão deste detento que se refere da seguinte maneira em relação ao projeto:
“Minha vida antes era assim: eu não tinha nenhuma disciplina e, se tinha regra, meu objetivo era quebrar ela e arrumar quizomba6 com os agentes. Eu era um dos presos mais castigados. Mas isso mudou bastante depois do teatro. Aí deixei de ser ignorante, parei de ir pro castigo, aprendi a ter autocontrole, saber entender a situação, aprendi até a engolir as coisas se for preciso. Com o teatro a gente aprende a se comportar, a ter segurança. O pessoal do teatro dá segurança, acredita no potencial da gente, não vem pra criticar, vem para ajudar porque eles acreditam que temos algo de bom. Minha vida já mudou. E pra melhor! Antes eu não lia nada, agora pego livro na biblioteca e leio. O teatro esta ajudando a ocupar a minha mente com outras coisas. Até o pessoal aqui da casa falou que eu mudei da lama pro vinho.”
Nos dois depoimentos é possível verificar importância dos presos praticarem atividades. Aprender a controlar as emoções com certeza ajuda a não reincidir no crime. É inerente ao ser humano que vive em sociedade possuir controle de suas atitudes. Outro relato muito pertinente, este dado por Welinton Leal Modesto, 24 anos, cumprindo pena de 6 (seis) anos por assalto à mão armada e estelionato, dos quais já cumpriu três anos, afirma ser a terceira vez que estava preso( 2007, p. 92), e participar do grupo de teatro consiste em:
“O teatro é uma forma de ocupar o meu tempo aqui dentro de forma produtiva. È um tempo que você não fica pensando em porcaria, pensando na rua.Isso aqui é horrível! È a visita que não chega, o advogado que não vem, é uma tortura. Com o teatro eu mudei meu jeito de conviver com os outros e apreender sempre é bom, mesmo sabendo que lá fora ninguém vai me dar emprego. Vão ver meu antecedente criminal acabou ninguém te da oportunidade, não da uma chance, então, desesperado, a gente acaba voltando pro crime”.
Isto retrata um dos problemas do sistema, onde mesmo se ocupando de atividades e trabalho, após o cumprimento da pena e já empregados, os ex-detentos podem ser tratados como uma pessoa que cumpriu sua pena e merece reconstituir sua vida, ou um indivíduo que cometeu um crime e pode voltar a cometê-lo. Como Welinton expressa, era a terceira vez que estava preso e, neste contato com a sociedade, ele não conseguiu se integrar novamente.
Como já mencionado, a punição para a prática de crime, entre algumas nações, é a privação da liberdade, onde a pessoa fica submetida ao controle do Estado, tendo sua liberdade restrita. A sociedade não quer ver a pessoa que delinquiu impune, sem seu devido “castigo”, e tão pouco quer ter convivência com as pessoas que praticaram um crime.
Nesta perspectiva, com avanços tecnológicos, esses indivíduos, sem formação profissional, não conseguem se integrar na sociedade, pois são excluídos por fazerem parte de um grupo de pessoas que são consideradas como risco à sociedade.
O sistema prisional atual forma pessoas mais cruéis diante da falta de estrutura não oferece segurança e não previne o crime, sendo a superlotação um dos fatores que mostra plenamente a condição desumana, que precisa urgentemente de mudanças, e conscientizar a sociedade de que o ser humano que cumpriu sua pena tem o direito de recomeçar sua vida, sem discriminação, pois um sistema rotativo é desumano, onde se prende o indivíduo que comete um crime e, após cumprimento da pena, marginaliza-o, sem ressocialização, embora a finalidade da pena não seja a reincidência.
3.2. CRIMINOLOGIA
A criminologia se ocupa do estudo crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social e do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e de sua ressocialização. Quando esta modalidade de estudo surgiu, ela tentava explicar a delinquência, o crime.
Conceitua a criminologia, Lola Aniyar de Castro (1983, p. 52) como:
[...] a atividade intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante; os processos de infração e de desvio destas normas; e a reação social, formalizada ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos.
Este conceito da criminologia é considerado predominante entre os autores brasileiros. No pensamento da autora, existem alguns aspectos que devem ser considerados para se observar os fatores da criminologia: a sociologia do direito penal e do comportamento desviantes; a etiologia do comportamento delitivo e do comportamento desviante;e, por fim, a reação social compreendendo a psicologia social correspondente.Embora não desconsidere a relação que existe entre a Criminologia, Sociologia, filosofia e Direito Penal, Segundo Gilberto de Macedo (1977, p. 4) , não deve reduzir uma esfera a outra, sendo a criminologia e o Direito Penal inter-relacionada.
O controle social, que envolve a criminologia, para García Pablos de Molina, é compreendido como “conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir referido submetimento do indivíduo aos modelos e normas” (RT, 2002, p.133). Caracteriza-se o controle social pela soma dos conjuntos de sanções, negativas ou positivas, durante a socialização do indivíduo, acrescenta-se à isto a formação de juízos e valores do indivíduo, onde a ajuda da família, junto a outras organizações de profissionais com habilidades e formação, completam o trabalho.
Ao buscar cientificamente explicações para carreiras criminosas, surgiu a teoria do “labelling approach”, também conhecida como “Teoria Interacional da Infração” ou “Teoria da Reação Social”. Originada nos Estados Unidos, sua intenção é encontrar a razão pela qual algumas pessoas são “rotuladas”pela sociedade e outras não.
Sobre a teoria, de acordo com Alessandro Baratta (1899 p. 85-86), na sua obra “Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal”, ha distinção entre os dois tipos de comportamento:
[...] depende menos de uma atitude interior intrinsecamente boa ou má, social ou anti-social, valorável, positiva ou negativamente pelos indivíduos, do que da definição legal que, em um dado momento distingue, em determinada sociedade, o comportamento criminoso do comportamento lícito.
Compreendendo o enfoque para criminologia, esta teoria coloca a criminalidade como a prática de crimes que estão definidos na lei como tal. Logo, a criminalização, seria a rotulagem dos indivíduos que praticam um mesmo crime. Nesta perspectiva a sociedade tem seu próprio senso de punir, criando uma espécie de “etiqueta” para estas pessoas, que são identificadas por ela. Assim, esta teoria caracteriza no efeito desta rotulagem no ser humano.
O autor Antonio García Pablos de Molina (1996, p. 226-227) faz as seguintes considerações a respeito da importância de saber definir as situações das práticas dos crimes, com base na teoria:
[...] segundo esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes, recíprocos, inseparáveis. A infração não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de complexos processos de interação social, processos altamente seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta - se diz - não é como um pedaço de ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente nos pressuposto normativo e valorativo, sempre circunstancial, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a génesis da norma e não os déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma do controle.
Dessa forma, “não há como mencionar a criminalidade de maneira independente, mas como um processo de criminalização” (BARARTTA, 2002, p. 35).O sistema penal além de não ressocializar, rotula os indivíduos que entram em contato. Que além de não ressocializar é uma máquina de afronta aos direitos dos condenados. O primeiro passo para verificação de mudança seria mais controle social informal (escola, igreja, família e trabalho) e menos controle formal (Estado). Há necessidade de políticas públicas para evitar o contato com o sistema penal e o mundo marginalizado do crime.
3.3. POLÍTICA CRIMINAL
Nos jornais é notório o quanto se discute sobre os atos de violência, que se acometem em famílias, estabelecimentos comerciais, escolas, órgãos públicos, ruas. É fato que a criminalidade está presente em todo o país. Segundo o professor Paulo Albuquerque, “política criminal strictu sensu consiste no programa de objetivos, de métodos e procedimentos, de resultado sem que o Ministério Público e as autoridades de polícia criminal prosseguem na prevenção e a repressão da criminalidade7.
Menciona Lola Aniyar de Castro (2005, p. 52) que a Criminologia engloba três ramos:
a) a Sociologia do Direito Penal e do comportamento desviante;
b) a etiologia do comportamento delitivo e do comportamento desviante;
c) a reação social (que compreende a parte da psicologia social que é relativa à mesma, a prevenção, a mal chamada penologia e a análise das respectivas instituições).
A política criminal é integrada desde o processo de mudança social, das antigas ou novas propostas do Direito Penal, passando pelas descobertas da criminologia e seus avanços e principalmente, pelas autoridades competentes, os órgãos que garantem as aplicações das leis com conjunto de recomendações para um processo legal.Mas estes conjuntos da política criminal não são suficientes para combater a criminalidade, deve haver o comprometimento de um profissionalismo a fim de obter a segurança que a sociedade preza combater a criminalidade. O exemplo disto, sobre a pena privativa de liberdade, que obteve grande fracasso, onde alguns renomeados autores, como Bittencourt (2004, p. 156-157) mencionaram seguintes problemas:
a)superlotação carcerária;
b)elevado índice de reincidência;
c)condições de vida e de higiene precárias;
d)negação de acesso à assistência jurídica e de atendimento médico, dentário e psicológico aos reclusos;
e)ambiente propício à violência sexual e física, sendo esta ocorrida tanto entre os próprios detentos quanto entre estes e o pessoal carcerário;
f)ociosidade ou inatividade forçada;
g)grande consumo de drogas;
h)efeitos sociológicos e psicológicos negativos produzidos pela prisão.
Percebe-se que muitos fatores precisam ser ajustados, como a superlotação, sobre a qual o Conselho Nacional de Justiça, disponibiliza algumas informações nacionais. Através de estatísticas, sabe-se que o déficit de vagas nos estabelecimentos prisionais chegam a ser de 189.600 vagas8.
Sobre os efeitos sociológicos e psicológicos negativos produzidos pela prisão, no portal do CNJ, encontra-se a informação de que apenas 134 (cento e trinta e quatro) presos trabalham fora dos muros das penitenciárias, 351 (trezentos e cinquenta e um) presos trabalham internamente e apenas 285 (duzentos e oitenta e cinco) presos se encontram estudando. Com estas estatísticas verifica-se que as leis não têm conseguido atingir seus objetivos9.
O número total de presos registrados em 2012 foi de 542.728 (quinhentos e quarenta e dois mil, e setecentos e vinte oito) sendo 34.079 (trinta e quatro mil e setenta e nove) do sexo feminino. A maioria dos presos são homens que se encontram em celas, sem capacitação alguma, a maioria sem realizar atividades ressocializadora e ainda diante de problemas como a superlotação das celas, num aglomerado de pessoas que, ao saírem do cumprimento de suas penas, não conseguirão se incluir novamente numa sociedade em que uma pessoa sem qualificação e com o rótulo de “ex-presidiário” dificilmente será aceita.
Esta situação atual remete a reflexão de que é necessária uma mudança urgente que deve ser eficaz, produzir efeitos que garantam a dignidade da pessoa humana, mas que em vista das informações constatamos que precisa de uma reforma em todo o processo de Execução Penal, principalmente nas estruturas que abrigam os apenados durante o cumprimento da pena.