1). Introdução
Integra a rotina daqueles que se utilizam de transporte aéreo suportar os ônus e inconvenientes que muitas vezes decorrem – impunemente – da má qualidade dos serviços prestados.
Uma das incidências mais recorrentes diz respeito ao extravio de bagagem submetida aos cuidados da empresa contratada, além dos danos materiais tantas vezes causados; subtração de objetos despachados no interior das mesmas etc.
Como não poderia ser de modo diverso, tais situações dão ensejo à indenização pelos danos morais e materiais produzidos.
2). Regras jurídicas incidentes
Na hipótese tratada, é evidente a relação de consumo estabelecida entre aquele que contrata e a empresa contratada para o transporte aéreo.
Estão caracterizados os requisitos legais para tal afirmação, tal como decorre do disposto nos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, e disso decorre a aplicação das regras “consumeristas”, de matriz Constitucional – art. 5º, XXXII, da CF.
Inegável que o contratante-lesionado se enquadra no conceito de consumidor, disposto no invocado art. 2º do CDC, e que a empresa contratada, a seu turno, encontra-se submetida ao conceito de fornecedora, tal como disciplinado no art. 3º do mesmo Codex.
Disso também decorre afirmar a incidência do art. 14 do CDC, segundo o qual “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
A responsabilidade por defeito/vício na prestação de serviço é, portanto, objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Conforme remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “Nos casos de extravio de bagagem ocorrido durante o transporte aéreo, há relação de consumo entre as partes, devendo a reparação, assim, ser integral, nos termos do Código de Defesa do Consumidor” (STJ, REsp 300.190/RJ, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 24-4-2001, DJ de 18-3-2002, p. 256, RT 803/177). “Prevalece o entendimento na Seção de Direito Privado ‘de que tratando-se de relação de consumo, em que as autoras figuram inquestionavelmente como destinatárias finais dos serviços de transporte, aplicável é à espécie o Código de Defesa do Consumidor’ (REsp 538.685, Min. Raphael de Barros Monteiro, DJ de 16/2/2004)” (STJ, REsp 612.817/MA, 4ª T.,. rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 20-9-2007, DJ de 8-10-2007, p. 287, RT 869/188).
Estabelecida tal premissa, cabe citar que, consoante dispõe o art. 186 do Código Civil Brasileiro, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Ainda sobre esse tema, diz o art. 927 do mesmo Estatuto Civil que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. E acrescenta seu parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Digno de nota que, a teor do disposto no art. 944, também do Código Civil, “A indenização mede-se pela extensão do dano”.
3). Sobre a justa reparação
São passíveis de justa indenização, portanto, o extravio de bagagem, bem como, dentre outras situações/condutas, a ausência de informações apropriadas, devidas e suficientes, por iniciativa da empresa aérea contratada, e/ou informações desencontradas prestadas ao contratante-lesado, além, é claro, de eventuais danos materiais suportados pelo contratante em razão da ineficiência da contratada.
Nesse passo, calha destacar que “Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extraio de mercadoria subordina-se ao princípio da ampla reparação, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia” (STJ, AGRG 1.230.663/RJ, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 3-9-2010).
Ainda sobre o tema: “O Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista” (STJ, AgRg no AREsp 582.541/RS, 4ª T., rel. Min. Raúl Araújo, j. 23-10-2014, DJe de 24-11-2014). “A jurisprudência pacífica da Segunda Seção é no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde (indenização integral) pelo extravio de bagagens e cargas, ainda que ausente acidente aéreo, mediante aplicação do Código de Defesa do Consumidor, desde que o evento tenha ocorrido na sua vigência, conforme sucede na espécie. Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a indenização tarifada. (REsp 552.553/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 01/02/2006 p. 561)” (STJ, AgRg no AREsp 407.809/SP, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11-2-2014, DJe de 19-3-2014).
O Superior Tribunal de Justiça também já pacificou o entendimento no sentido de que “O extravio de bagagem por longo período traz, em si, a presunção da lesão moral causada ao passageiro, atraindo o dever de indenizar’ (REsp 686.384/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ de 30.5.2005)” (STJ, AgRg no AREsp 117.092/RJ, 4ª T., rela. Mina. Maria Isabel Gallotti, j. 26-2-2013, DJe de 7-3-2013).
No tocante ao valor dos danos morais, a fixação deve levar em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (STJ, AgRg no Ag 538.459/RJ, 3ª T., rela. Mina. Nanci Andrighi, j. 6-11-2003, DJ de 9-12-2003, p. 288; STJ, EDcl no AREsp 368.355/RJ, 4ª T., rel. Min. Raúl Araújo, j. 5-6-2014, DJe de 20-6-2014).
Deve ser estabelecido “(...) consoante a apreciação do magistrado no tocante aos fatos acontecidos (cf. AgRg no REsp 1.101.131/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe 27/4/2011; AgRg no Ag 1.230.663/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJe 3/9/2010, e AgRg no Ag 1.035.077/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe 1º/7/2010) (STJ, AgRg no Ag 1.389.642/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 15-9-2011, DJe de 20-9-2011).
O valor do dano moral deve ser fixado, sempre, levando-se em conta a situação do caso concreto. Nesse sentido: “O valor fixado a título de indenização por danos morais baseia-se nas peculiaridades da causa” (STJ, AgRg no AREsp 280.284/BA, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10-12-2013, DJe de 14-2-2014).
Servem como parâmetro, para tanto, a situação de fato; o grau de stress, aborrecimento e preocupação a que fora indevidamente submetida a pessoa atingida. “O dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais fatores” (Ag. Reg. No Agravo n. 442.487-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 09/10/2006)” (STJ, REsp 612.817/MA, 4ª T., rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 20-9-2007, DJ de 8-10-2007, p. 287, RT 869/188).
E a exigência de sua satisfação deve atender à dualidade de naturezas vislumbradas pela doutrina, assim resumidas por José de Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 9ª ed., vol. 2, p. 736): “Em presença dos danos extrapatrimoniais, ocorre a mesma discriminação, quando possível a restituição das coisas ao status quo, isto é, em face da possibilidade de reparação natural, como nos exemplos da lesão corporal curável, ou das conseqüências exteriores da injúria ou da calúnia etc. Mas se a reparação se tem de fazer em dinheiro, avultam os pontos de contato entre a indenização e a pena, porque também esta pode empregar-se na satisfação do prejudicado, proporcionando-lhe o solatium, apaziguamento, e conseguindo alteração do sentimento e da vontade. Essa função oferece satisfação à consciência de justiça e à personalidade do lesado, e a indenização pode desempenhar um papel múltiplo, de pena, de satisfação e de equivalência.”
A regra básica repousa no neminem laedere romano. Sendo a pessoa humana centro de um feixe de manifestações, direitos e obrigações, valores maiores de uma sociedade fraterna e pluralista, como estampado no preâmbulo da Constituição de 1988, o homem deve viver honestamente e, em o fazendo, não prejudicar seus semelhantes, pena de incidir em conduta ilícita, repudiada pela sociedade. O alterum non laedere está consagrado no art. 5º, não só nos incisos V e X, mas ao longo de todo ele, onde perpassa a idéia do não prejuízo a terceiros.
Portanto, a fixação do valor da indenização, conduz ao reconhecimento de um dever de servir de desestímulo à repetição de situações, theory of deterrance do Direito Inglês (processo de dissuasão ou desmotivação do ofensor), assumindo, em acréscimo, um caráter punitivo (punitive ou exemplary damages norte-americano), que vem já do Direito Romano e se traduz em Diplomas como o Código Nacional de Trânsito, o Código Brasileiro de Telecomunicações, o Código Eleitoral e da revogada Lei de Imprensa.
De sorte que a indenização há de consistir em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento ou o evento lesivo advindo daquele, função preventiva de relevante papel na pedagogia da aprendizagem social. Há de sentir o lesante a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido, pela condenação em quantia economicamente significante, conforme Carlos Alberto Bittar (Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., ps. 219 a 225).
Uma indenização proporcional ao interesse ferido representa considerável desafio ao julgador, ao tentar encontrar um ponto de equivalência entre variáveis que não têm, propriamente, um traço comparativo. Porque nem se pode dar ênfase demasiada à compaixão pela vítima, desconhecendo o peso da condenação para o lesante, nem se pode deixar o prejuízo sem reparação adequada, tampouco devendo incidir no erro de um arbitramento diminuto ou sem a sua quota preventivo-punitiva.
Anote-se, ainda, que nos termos da Súmula 362 do STJ, “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
4). Discussão do quantum em Recurso Especial
Por fim, cabe anotar que o Superior Tribunal de Justiça só admite recurso especial com a finalidade de discutir o quantum da indenização nas hipóteses em que se encontrar fixada em patamar irrisório ou exorbitante. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 597.133/MG, 3ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 5-3-2015, DJe de 11-3-2015; STJ, AgRg no AREsp 596.246/RS, 4ª Turma, rela. Mina. Maria Isabel Gallotti, j. 6-11-2014, DJe de 14-11-2014.
Incide, no caso, a vedação determinada pela Súmula nº 7 do STJ, que tem o seguinte teor: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial” quando for razoável a quantia estipulada nas instâncias ordinárias.