A união homoafetiva diante do neoconstitucionalismo:uma interpretação hermenêutica sobre a união homoafetiva no Brasil e no mundo

30/03/2015 às 22:59
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Na legislação brasileira nossa Carta Magna não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente a margem dos fatos. Como também não distingue entre família homo ou heteroafetiva.

A homossexualidade sempre existiu na história da humanidade. Contudo, somente por amor ao debate, faz-se pertinente um breve relato da questão sobre o enfoque religioso.

Esta é a lição de Chaim Perelmam: “(...) mesmo nas sociedades pluralistas, quando uma religião é nitidamente majoritária, é nela que em geral se inspiram as decisões do legislador” (Ética e Direito, p.315).

Inobstante é a influencia que pode ser exercida por fatores religiosos e alhures chegar aos extremos de criminalização e abominação.

A homossexualidade que a até 1985 era tratada como um diagnóstico psiquiátrico, a CID n.9, no capítulo “Das doenças mentais” e no subcapítulo “Dos desvios e transtornos sexuais”, sob n. 302.0. Não olvidando-se para o uma ótica pela Medicina Legal onde era considerada como Parafilia.

Em 1995 deixou de constar nos diagnósticos e vislumbrando uma evolução foi retirado o sufixo “ismo” que significa doença e substituído pelo sufixo “dade” que designa modo de ser. O que posteriormente o termo homoafetivo foi criado para diminuir a conotação pejorativa que se dava aos relacionamentos homossexuais, e tornou-se uma expressão jurídica para tratar do direito relacionado à união de casais do mesmo sexo.

Diante de tais fatores, a evolução do Direito, as nuances hermenêuticas e seus exegetas. Tomás de Aquino já entendia hermenêutica como elucidação dos significados obscuros de um texto. Não haveria outro caminho a trilharmos por um estudo mais pormenorizado da Hermenêutica jurídica capitaneada pelos fundamentos da dignidade humana.

Com a quebra do positivismo jurídico, a interpretação arraigada da letra fria da lei, o “la bouche de la loi”, surge uma nova acepção do Direito.

Carlos Maximiliano informa que a hermenêutica jurídica não importa em tão somente na arte de interpretar, mas também na preocupação de aplicação do direito. Interpretar significa explicar, esclarecer, reproduzir por outras palavras o pensamento exteriorizado e extrair da sentença, norma ou frase tudo o que a mesma contém.

Ainda abeberando-se da magnificência de Carlos Maximiliano “Toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e o alcance das suas prescrições. Incumbe ao intérprete aquela difícil tarefa. Procede a análise e também a reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto; compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica, e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta.” Não mais é cabível uma Hermenêutica literal da norma, logo, buscar um sentido mais amplo da norma.

O neoconstitucionalismo nasce exatamente sob esse escopo, da reaproximação entre o Direito e a Ética, analisar “o homem, não centro estático do mundo, como se julgou durante muito tempo, mas eixo e flecha da evolução” _ Theilhard de Chardin.

Sendo certo que a vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os Direitos Fundamentais já constitui um postulado no qual se assenta o Direito Constitucional contemporâneo. É precisamente sobre essa linguisticidade que após uma breve introdução dos conceitos sociológicos, médicos, paradigmáticos que iremos debruçar o caso emblemático ocorrido na Austrália. Muito embora, a Austrália conceda o direito à nacionalidade por motivo de união homoafetiva e tendo a Assembleia Legislativa de Canberra aprovado o matrimônio homoafetivo na cidade, em consonância com decisões similares em outros seis estados e dois territórios australianos. Liderado pelo conservador Tony Abbott, o governo do país indagou a decisão local na Suprema Corte, afirmando que ela era inconstitucional com as leis federais. O Tribunal concordou com o pleito. Deixando de reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo no país.

Sob o argumento de que "Decidir se o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser previsto na lei é uma questão para o Parlamento Federal", disse o Supremo australiano em um comunicado. O Tribunal considerou inconstitucional a lei que aprovava união homoafetiva em Canberra. Para os juízes, cabe ao Parlamento Federal decidir sobre a questão.

Antes de nos fixarmos na dimensão jurídico-constitucional de dignidade da pessoa humana, e mesmo sabedores de que aqui estaremos oferecendo uma abordagem genérica e inevitavelmente incompleta, cumpre seja esclarecido que qualquer conceito (inclusive jurídico) possui uma história, que necessita ser retomada e reconstruída, para que se possa rastrear a evolução da palavra para o conceito e assim apreender o seu sentido.

Muito embora, não se possa e tampouco seja o intento reconstruir minuciosamente a órbita de noção de dignidade humana da pessoa no pensamento filosófico ao longo dos tempos, é inevitável uma efêmera passagem buscando trazer a lume alguns momentos relevantes. Cumpre ressaltar que a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes no ideário cristão e no pensamento filosófico clássico. Não se tem por objeto aqui reivindicar para a religião cristã a hegemonia dentre as diversas religiões professadas pelo ser humano ao longo dos tempos, o fato é que na bíblia podemos encontrar referências de que “O homem foi criado a imagem e semelhança de Deus” _ Gênesis 1, 27, premissas que lamentavelmente foram olvidadas durante o período da Inquisição, para uma ilustração mais apurada vide “Malleus maleficarum”.

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No pensamento filosófico da idade Clássica, verifica-se que dignidade da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade. No estoicismo era vista sob o prisma de uma qualidade, que por ser inerente ao ser humano o distinguia das demais criaturas, passando pelas idealizações de dignidade cada um a seu ver o Contratualistas, Hobbes, Hegel, Rousseau, Kant. Bem como, a ênfase dada por alguns autores a dimensão histórico-cultural da dignidade como Niklas Luhman, Peter haberle, Jurgen Habermas, que merecem menção mais adiante.

A dificuldade em atribuir uma definição a dignidade não deixa dúvidas quanto a sua realidade a “contrario sensu” podemos dizer que quando se verifica sem maiores dificuldades em identificar claramente quando é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade. Eis o cerne da questão, não há que se tratar a dignidade de uma maneira fixista.

Oxigenando o caso em tela, na legislação brasileira nossa Carta Magna não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente a margem dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por indivíduos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Indubitável é a ausência de qualquer ginástica mental ou ciência oculta interpretativa para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo "família" nenhum significado ortodoxo, fixista, inexorável.

Na visão de Viehweg a questão central é perceber que a decisão final do juiz ou intérprete é fruto do exame de um elenco de pontos retóricos de partida para a solução do problema, que será ponderado dialeticamente para que se chegue a uma solução justa para o problema a resolver, e não o contrário, ou seja, o juiz primeiro decide e depois elabora a sua fundamentação com base em um dos pontos de vista relevantes previamente considerados.

Note que a tópica sempre será uma forma de controle intersubjetivo da dimensão retórica das decisões judiciais, na medida em que os destinatários do discurso jurídico (os componentes da comunidade aberta de intérpretes da Constituição, tal qual formulada por Peter Häberle) estarão aptos a julgar a decisão final a partir da escolha dos topoi juridicamente relevantes na formulação daquela decisão, ou seja, a tópica contribui para o controle das decisões judiciais porque permite que todos os intérpretes da Constituição avaliem sua escolha a partir dos pontos de vista julgados relevantes para o caso concreto. No direito, são topoi, neste sentido, noções como, interesse público, boa fé, autonomia da vontade, soberania, direitos individuais, legalidade, legitimidade (grifo nosso). Peter Häberle, identifica a importância jurisdicional, todavia, não é, nem deve ser a única, a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição é permeada justamente pelos órgãos estatais, o sistema público, a opinião pública, os grupos de interesse e os cidadãos (grifo nosso). Constituindo-se em força produtiva de interpretação, atuando pelo menos como pré-intérpretes do complexo normativo constitucional. Daí a importância de que um núcleo familiar não é rígido, inflexível, permite a maleabilidade da união homoafetiva criando espaços domésticos plenamente estruturados e estabilizados merecendo um tratamento isonômico e sorvendo da magistral obra de Perelman onde sintetiza que os debates nas relações humanas se dão em torno de argumentos, prevalecendo aquele que tiver melhor argumentação para convencer os interlocutores, em suas palavras “o auditório”, “locupletando-se” da obra de Gabriel Chalita “A sedução do discurso”, no que satisfizer os ditames constitucionais e a melhor solução para o jurisdicionado.  

Entendemos em tese que a melhor escolha é pelo reconhecimento de que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada – Haberle – (Hermenêutica Constitucional, p. 10) e optar por um sentido mais aberto, de vanguarda, portando-se como realidade do mundo do ser.

Quanto maior o espaço a esses núcleos familiares, maior a possibilidade de efetiva colaboração entre Estado, sociedade, arriscando dizer numa prospecção no cumprimento de deveres que são funções essenciais à cidadania, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, aos valores morais, de integração social e dos valores sociais do trabalho.

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Sobre o autor
Arley Silva

Silva <br>Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá<br>Curso de Aperfeiçoamento em Gerenciamento de Crises – SENASP<br>Curso de Aperfeiçoamento em Investigação Policial - SENASP<br>Curso de Aperfeiçoamento em Direitos Humanos – SENASP<br>Pós-Graduado em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes<br>Especialização em Criminologia - Portal da Educação<br>Pós Graduando em Direito Público, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá<br>Servidor Público no Estado do Rio de Janeiro.<br>Professor de Direito Penal: Parte Geral e Especial no Centro de Formação de Polícia Militar do Rio de Janeiro.<br>Professor de Criminologia na Academia de Polícia Civil do Rio de Janeiro.<br>Professor de Criminologia no Curso Preparatório para área jurídica Mestre dos Concursos - EAD - Vídeo aulas.<br>Professor em Cursos preparatórios para área jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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