A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários

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O Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90 é ainda considerado recente e sua aplicação, mormente nas relações bancárias, ainda é discutida no Poder Judiciário.

Resumo: O Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90 é ainda considerado recente e sua aplicação, mormente nas relações bancárias, ainda é discutida no Poder Judiciário. Entre os anos de 2003 a 2005 o Superior Tribunal de Justiça definiu qual teoria (objetiva ou subjetiva) deveria ser aplicada, quanto à definição de consumidor, sendo o critério subjetivo o aplicado desde então. O Código preceitua princípios importantes para o bom funcionamento da relação jurídica entre consumidor e estabelecimento bancário. Sabendo-se disso, a presente monografia analisa o Código de Defesa do Consumidor e os contratos bancários, considerando sua efetiva aplicação perante as abusividades impostas pelas instituições financeiras. De forma ordenada, o trabalho fora dividido em tópicos tratando da relação consumerista, com a definição de consumidor e fornecedor, a proteção do consumidor nos contratos bancários, a definição e a natureza dos principais contratos bancários e, por fim, a possibilidade de aplicação da legislação em razão da decisão do STF sobre a ADIN 2591, proposta pela CONSIF (Confederação Nacional do Sistema Financeiro). Fora empregado o método de abordagem hipotético-dedutivo, utilizando de pesquisas bibliográficas e infográficas. Enfoque na análise crítica sobre a devida aplicação do CDC aos contratos bancários, sendo abordado e discutido a importância da legislação e sua efetiva aplicação nos contratos bancários, no intuito de coibir as ações coercitivas das instituições financeiras, mormente nos contratos bancários. Assim, não há motivos que ensejam a não aplicação do CDC aos serviços e produtos bancários, bastando apenas que o cliente/bancário seja destinatário final e que demonstre sua vulnerabilidade nos termos da lei, da doutrina e da jurisprudência.

Palavras-chave: Código de Defesa do Consumidor. Contratos Bancários. Serviços Bancários. ADIN 2591.


INTRODUÇÃO

O crescimento acelerado da economia e as facilidades de créditos oferecidos pelos bancos tornaram a relação Homem e Banco costumeira nos séculos XX e XXI. É sabido que os serviços bancários integram e mobilizam as vidas de diversas pessoas e de diversas classes sociais. A importância das instituições financeiras decorre da circulação e da promoção de riquezas, principalmente, a possibilidade de gerar crédito por meio de empréstimos as pequenas, médias e grandes empresas bem como à particulares, garantindo aplicações rentáveis ao capital de giro. Em verdade boa parte da população mundial, mormente os trabalhadores, detém de algum tipo de vínculo junto a banco, até porque é quase impossível a não utilização dos serviços bancários, que é vasto e bastante atrativo.

Em virtude da demanda, ao longo dos anos, fora sentido pelos consumidores-bancários certa onerosidade, na verdade, encargos excessivos por parte dos bancos, e por este motivo, tais conflitos repercutiram no Direito. São ainda constantes os conflitos entre clientes, usuários dos serviços bancários e instituições financeiras, principalmente porque vários eram os serviços ofertados por estes. Ademais, boa parte dos contratos, para não dizer todos, de empréstimos ou financiamento são contratos de adesão.

Sabemos que, no contrato de empréstimo, geralmente, a relação é de longa duração e no ordenamento jurídico há poucas regulamentações que vigiem o bom andamento da execução deste contrato, sem que o consumidor seja subitamente prejudicado; é por isso que a criação do CDC visou a proteção dos mais vulneráveis, e sua intervenção é responsável pelo bom equilíbrio.

É plausível a necessidade de padronizar os contratos bancários, em decorrência do crescimento desacelerado da economia mundial devido aos efeitos da globalização, e como já dito, da atratividade imposta dos bancos aos cidadãos. Entretanto, muitas vezes, tais contratos (adesão) acabam impondo cláusulas abusivas, que oneram demasiadamente o contratante, sem que estes possam negociar/discutir cada cláusula, não havendo o que chamamos hoje em dia de equilíbrio contratual.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor na década de 90 foi devidamente aprovado pelo Congresso Nacional, vindo com a missão de preencher as lacunas deixadas pela legislação brasileira, protegendo o consumidor nas diferentes relações de consumo e em qualquer atividade econômica agregadora de produtos ou serviços.

O presente Trabalho propõe expor com maior reflexão as características dos contratos bancários, levando em consideração a relação consumerista (consumidor e fornecedor). Iniciando-se com a parte histórica, definição imposta pelo CDC sobre consumidor e fornecedor, os princípios que norteiam o direito do consumidor, chegando ao conceito de produto e serviço de natureza bancária. A posteriori, a proteção contratual conferida pelo CDC às relações de consumo. Em seguida será estudado o conceito das diferentes espécies de contratos bancários bem como a natureza, enfatizando os principais contratos bancários que estão postos aos consumidores-bancários e os direitos sobre os produtos e serviços deste. Por fim será analisado a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIn 2591, relatando de modo geral a tentativa frustrada da CONSIF (Confederação Nacional do Sistema Financeiro) a cerca da inconstitucionalidade e devida aplicação do CDC face aos produtos e serviços bancários.


1. A RELAÇÃO CONSUMERISTA

[...] está claro que a importância deidentificar uma relação de consumo dentro de um negócio jurídico está no fato de poderestabelecer com precisão a competência para a incidência do Código de Defesa do Consumidor como corpo legal para dirimir os conflitos, poisconfigurada tal relação o consumidor poderá experimentar todas as vantagens relativas à sua aplicação. (MANUCCI, 2011)

A relação consumerista foi bastante contestada por diversos doutrinadores, mormente na jurisprudência. Para sua verdadeira conceituação foram necessários longos anos de interpretação jurídica, sendo definida a teoria subjetiva a utilizada até hoje.

Cabe salutar que, é notadamente indispensável o conhecimento prévio do conceito desta relação consumerista que se dá entre consumidor e fornecedor, com uma breve análise do conteúdo histórico, adiantando que tal relação pode ser facilmente identificável pela fragilidade inerente do primeiro (consumidor) em relação ao poderio econômico do mercado que o outro (fornecedor) detém.

1.1. Noções de Contratos – Breves considerações históricas

Os contratos possuem certa conotação de comércio, pois sua história foi marcada pela relação de troca, compra e venda de mercadorias no período da Antiguidade. Ao se falar em contrato, muitos já o associam ao negócio jurídico, uma vez que neste há uma relação obrigacional manifestado de vontade com o intuito de realizar determinado fim. (WALD, 2005).

Sendo um dos institutos mais antigos da humanidade, o contrato se traduz, em um negócio jurídico realizado entre duas ou mais pessoas, jurídica ou física, “visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo patrimonial).” (WALD, 2005, p. 188).

O Direito Civil atual possui procedimentos que foram advindos em parte do Direito Romano, sobretudo o instituto da falência.

Assim, o desapontamento dos bens do comerciante falido foi modelado na cessio bonorum dos romanos, procedimento segundo o qual o devedor insolvente era desapossado de todos os seus bens pelo Estado, que os vendia em hasta pública. (MARTINS, 2005, p. 06)

Os contratos surgiram no direito romano sendo firmado no direito canônico, “num clima de formalismo, de inspiração religiosa, o contrato se firmou, no direito canônico, assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações”. (WALD, 2005, p. 188)

Devemos saber que os contratos, para consubstanciarem na realidade de hoje, passaram por processos relevantes durante a história. No início dos tempos, o que existia eram as trocas, o que não servia para um servia para outro e vice-versa, originando uma troca constante e com a finalidade de satisfazer determinada necessidade momentânea. (MARTINS, 2005)

Logo após, deu-se a criação de uma mercadoria “capaz de ser permutada por qualquer outra e não apenas, como acontecia na troca, por um bem determinado.” (MARTINS, 2005, p. 01)

Foi no século XIX, diante do Código de Napoleão, que a liberdade contratual deu início, já que houve uma redução na intervenção estatal, o que deu margem a liberdade de escolhas, sendo estes restritivas, modificativas ou limitativas. (WALD, 2005)

O contrato se tornou ao longo da história, um instrumento dinâmico, sendo em primeiro momento o principal contribuidor pelo crescimento da economia capitalista do mundo, e em segundo momento, inteiramente responsável pela formação das sociedades anônimas em decorrência da evolução técnica que exigia a criação das grandes financeiras, indústrias e comércios. (WALD, 2005)

Assim, em decorrência da explosão produtiva das grandes indústrias e a venda de diversos produtos e serviços, a sociedade consumerista fora alvo direto deste comércio tornando-se, ainda que lógico, frágeis e vulneráveis face a força e o poderio de indução dos aglomerados econômicos. Não poderia assim o Direito manter-se indiferente e não regular matéria que tratasse especificamente do consumidor.

1.2. História do Negócio Bancário

Se formos analisar a etimologia, a palavra negócio trás em seu significado algo ligado a empreendimento, acordo, pacto ou convenção, entretanto quando ligado às palavras “Negócio Bancário” poderíamos defini-lo como um empreendimento financeiro.

Nas palavras do professor Costa (2009, p. 67) “o negócio bancário é aquele em que há intermediação das operações em que uns depositam dinheiro e bens em uma instituição que, por sua vez, empresta estes valores cobrando juro pela intermediação”.

Os romanos e gregos foram os precursores dos negócios bancários, entretanto, foi no século XVI que a economia mundial começou a lidar intensamente com as modificações. Estas modificações deram início:

[...] com a internacionalização do mercado e a participação do capital financeiro nos novos empreendimentos, inclusive na descoberta de novas terras. Depois, nos séculos XVII e XVIII, com a revolução industrial, houve a consolidação dos bancos, como centro propulsor da nova economia, baseada no crédito, sendo criados os primeiros bancos modernos, na Inglaterra e na Holanda. Por fim, no século XIX, o capital financeiro passou a concentrar renda e dirigir todas as atividades produtivas, integrando o mercado mundial. (COSTA, 2009, p. 98)

Com a produtividade em massa de diferentes produtos e os avanços tecnológicos com custos menores, os consumidores se viram aptos a adquirir todo e qualquer produto ofertado pelos fornecedores, ainda mais com o tecnismo de vendas realizados pelos meios de comunicação. Esse processo de querer sempre o mais é o que chamamos hoje de forma coletiva como, sociedade consumerista. Nesta garrida necessidade de consumir, surgiu a necessidade de desenvolver novas formas de crédito, a fim de que o consumidor pudesse de maneira fácil e rápida adquirir o produto desejado, e é aí que o negócio bancário tornou-se ainda mais evidente na economia.

O negócio bancário teve maior evidência na economia no século XX “instituindo a hegemonia do capitalismo financeiro, em volta do qual as empresas e as pessoas passaram a viver”, sendo definitivamente considerado a principal instituição econômica no século XXI, por dominar o capital das empresas que realizavam a produção de bens e de serviços, não se tornando meramente caixa destas “mas controlador das grandes corporações empresariais”. (COSTA. 2009, p. 68).

Portanto, com a internacionalização do mercado e a abertura de novos empreendimentos inicialmente no século XVI, e a posteriori nos séculos XVII e XVIII, com a revolução industrial, os bancos e as instituições financeiras, em geral, tornaram-se efetivamente importantes e sólidos, sendo considerados os únicos meios de fornecer e até mesmo controlar o capital das grandes corporações empresariais.

1.3. O advento do Código de Defesa do Consumidor – Lei Federal nº 8078/90

A Revolução Industrial foi de grande importância para o desenvolvimento do Direito do Consumidor, isto porque o crescimento desacelerado da população bem como da economia resultou em uma grande necessidade de se produzir mais, e com isso a responsabilidade das grandes indústrias (fabricantes) em responder por vícios e defeitos oriundos de seus produtos.

Ensina Souza (apud PEDRON; CAFFARATE, 2000):

Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo.

Com o aumento da produção e consequentemente do aumento do número de vendas, muitas vezes o produtor acabava por cometer atos fraudulentos, ímprobos, e por consequência, carreados de abusos. Por este motivo, como bem descreve Souza (apud PEDRON; CAFFARATE, 2000):

[...] o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador. (grifo nosso)

No Brasil, a idéia de criar uma norma que tratasse especificadamente de relação consumerista não fora nenhuma surpresa, a não ser obrigação, vez que a Constituição Federal de 1988 trouxe a idéia de proteção ao consumidor no art. 5º, inc. XXXIII, como direito fundamental.

O sistema protetivo ao consumidor em razão da criação do CDC como norma infraconstitucional, assumiu um aspecto protuberante de tutela da dignidade da pessoa humana, assumindo papel basilar da atividade econômica.

Fora evidente a preocupação do legislador constituinte no interesse da criação do Código especializado em regular as relações de consumo haja vista a necessidade de tutelar o hipossuficiente em razão de sua vulnerabilidade no mercado de consumo. (artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor)

O artigo 4º, caput, do Código de Defesa de Consumidor, explica o objetivo de sua criação:

Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...] (grifo nosso)

Sobre art. 4º, inciso III do CDC:

Os direitos básicos do Consumidor devem ser exercidos, reivindicados e aplicados em consonância com o inciso III do art.4º que determina doses de harmonização e equilíbrio, sempre com base na boa-fé nas relações entre fornecedores e consumidores. (GAMA, 2008, p. 55, grifo nosso)

Em análise ao texto do artigo supramencionado, notemos que o objetivo do CDC é gerir uma Política Nacional ligada às relações de consumo no intuito de melhorar as necessidades dos consumidores, respeitando a dignidade, a saúde, a segurança e assegurando a proteção dos interesses econômicos do consumidor sempre com transparência e harmonia.

1.4. A relação consumerista e sua identificação

Nem sempre foi fácil identificar uma relação de consumo. A relação jurídica de consumo apesar de ter como requisito básico para sua caracterização a figura indispensável do consumidor adquirente de determinado serviço ou produto, e de outra parte o fornecedor, muito se debateu para interpretar o verdadeiro significado de destinatário final como definição do art. 2º do CDC. A partir disso surgiram duas teorias: teoria objetiva e teoria subjetiva.

1.4.1. A teoria objetiva

Nesta teoria, a figura do destinatário final: segundo Zanetti (2005) é a pessoa física ou jurídica, que detenha “[...] como destinatário final fático do bem ou serviço, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação de serviços, como por exemplo, a compra de um ônibus somente para transporte dos funcionários”.

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Para essa teoria não importa buscar na compra a finalidade meramente de consumo, pois torna-se irrelevante se o indivíduo tem por objetivo a satisfação pessoal ou profissional com o intuito de aferir lucros.

Além disso, de forma ampla, Zanetti (2005) expõe que na teoria objetiva não importa se o “consumidor” é tecnicamente mais fraco na relação, ipsis litteris :

Ainda, não interessa analisar sua vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimentos específicos quanto aos caracteres do bem ou serviço consumido), jurídica (falta de conhecimentos jurídicos, contábeis ou econômicos) ou socioeconômico (posição contratual inferior) em virtude da magnitude econômica da parte adversa ou do caráter essencial do produto ou serviço por ela oferecido.

Enfim, na teoria objetiva não importa se o consumidor é hipossuficiente mais fraco na relação jurídica, seja por falta de conhecimento de natureza jurídica, contábil ou econômica, quanto se o produto ou serviço adquirido por ele for em benefício pessoal ou profissional.

1.4.2. A teoria subjetiva

A teoria subjetiva ou finalista tem cunho restritivo, a aplicação do CDC não pode e nem deve ser tão ampla quanto a teoria objetiva. Na teoria subjetiva fora analisado o verdadeiro binômio da relação de consumo, que é o consumidor (parte hipossuficiente mais fraca na relação jurídica) e fornecedor. Assim, para que seja considerada uma relação de consumo, e não uma relação mercantil ou comercial se faz necessário uma análise mais restritiva do conceito de consumidor no artigo 2º do CDC.

Aduz Zanetti (2005) de maneira lógica e concisa que a teoria subjetiva:

[...] parte de um conceito econômico de consumidor e entende que não basta ser o adquirente ou utente destinatário final fático do bem ou serviços, deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta.

O devemos entender diante do que fora bem argumentado acima, é que o consumidor não deve ser meramente um indivíduo que adquiri determinado produto ou serviço, além isso, ele deve adquirir produto ou serviço como destinatário final, com o intuito de usufruir privativamente, sob pena da não aplicação do CDC, mas sim de outros institutos jurídicos.

Como exemplo, podemos citar uma empresa “A” que efetua a compra de 1000 (mil) madeiras de cedro para a produção de guitarras com o intuito de comercializa-las. Se eventualmente, o empresário constatar que tais madeiras vieram carreadas de vícios não deve no caso em tela ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o mesmo não é destinatário final do bem de consumo, pois tem como intuito aferir lucro com o uso das madeiras na produção das guitarras. Já se “B” efetua a compra da guitarra da empresa “A”, e esta vem com vício de fábrica, é aplicável o CDC, uma vez que “B” é usuário privativo do bem, cujo intuito não é o da venda (lucro).

A teoria subjetiva é a que fora devidamente aceita pelos tribunais superiores, mediante decisões importantíssimas, sendo estas predominantes e aplicadas nos dias atuais desde 2004, tudo em decorrência das decisões do STJ. (Superior Tribunal de Justiça - STJ. Resp. 476.428. T3. Min. Nancy Andrighi, j. 19/04/2005. DJ: 09/05/2005, p. 390)

Portanto, para que haja uma relação de consumo deve sempre existir a bilateralidade, de um lado o consumidor e do outro o fornecedor, tendo como objeto o intuito de adquirir produto ou serviço e como finalidade deste a utilização do bem de forma privativa, ou seja, como destinatário final.

1.4.3. Conceito jurídico e doutrinário de consumidor

É no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 2º que encontramos sua definição, sendo “consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Segundo Filomeno et. al. (2011, p. 26), um dos autores do projeto do CDC, entende-se por consumidor “[...] qualquer pessoa física ou jurídica que, isoladamente ou coletivamente, contrate para o consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou locação de bens, bem como a prestação de um serviço.”

O artigo 2º deve ser interpretado de maneira restrita, entendendo a expressão destinatário final como destinatário fático e econômico do serviço ou do produto, seja pessoa jurídica ou física, e sempre levando em consideração os princípios básicos e harmônicos expostos no Código de Defesa do Consumidor, artigos 4º e 6º.

Ante exposto, como já visto, fora adotado pela doutrina majoritária e pela jurisprudência a teoria subjetiva ou finalista, onde o conceito de consumidor além de ser analisado sua vulnerabilidade e hipossuficiência, o mesmo deve ser uma pessoa (física ou jurídica), que adquire bem ou serviço com fim não comercial, sem intenção de lucros.

1.4.4. Conceito jurídico e doutrinário de fornecedor

Como bem trás o CDC no artigo 3º fornecedor:

[...] é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Como bem demonstrado, ainda que o texto legal aparentemente seja autoexplicativo, é importante saber que:

Praticamente, a definição legal esgotou todas as formas de atuação no mercado de consumo. Fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende, ou seja, comercializada produtos nos milhares e milhões de pontos-de-venda espalhados por todo o território. Nesse ponto, portanto, a definição de fornecedor se distancia da de consumidor, pois, enquanto este há de ser o destinatário final, tal exigência já não se verifica quanto ao fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso sua profissão ou atividade principal. Fornecedor é, pois, tanto aquele que fornece bens e serviços ao consumidor como aquele que o faz para o intermediário ou comerciante, porquanto o produtor originário também deve ser responsabilizado pelo produto que lança no mercado de consumo (CDC, art. 18). O conceito legal de fornecedor engloba também as atividades de montagem, ou seja, a empresa que compra peças isoladamente produzidas para a montagem do produto final (p. ex., automóveis), as de criação, construção, transformação (de matéria-prima em produto acabado), bem como as de importação, exportação e distribuição (p. ex., do atacadista para os pequenos varejistas). (ALMEIDA, apud OLIVEIRA, 2010):

Retirando qualquer dúvida a cerca da definição de fornecedor, Gama (2008, p. 39) em seu escólio comenta que “aquela pessoa que eventualmente venda um bem ou preste um serviço, sem caráter de habitualidade, não é fornecedora e os negócios feitos com ela não são abrangidos pelas proteções ensejadas pelo CDC”. (grifo nosso)

Portanto, nota-se que legislador pátrio versou em tratar fornecedor de toda e qualquer forma de atuação perante o mercado consumerista, não importando, de certa forma, se o fornecedor é pessoa física ou jurídica, uma vez que tal definição acaba por ultrapassar a figura de mero empresário individual e dos operadores privados como os profissionais liberais (médicos, advogados entre outros) e autônomos, entretanto, importante ressaltar que aqueles que não prestam atividades comerciais de forma contínua não poderão ser considerados fornecedores, e não sendo considerados fornecedores, a eles não se aplicam o CDC.

1.5. Principais princípios que norteiam o Código de Defesa do Consumidor

Ainda que já citado anteriormente, de forma resumida, são nos arts. 4º e 6º do CDC que se extraem os princípios básicos que combatem às cláusulas abusivas nas relações de consumo, como: o princípio da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor, princípio da boa-fé, princípio do equilíbrio contratual, princípio da harmonização e da transparência.

1.5.1. Princípio da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor

O princípio da hipossuficiência é direito básico do consumidor e como tal, encontra-se inserto no inciso VIII, art. 6º do CDC garantido a este, in verbis :

Art. 6º. (omissis)

[...]

VIII – Facilitação da defesa dos direitos, inclusive a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

O princípio da hipossuficiência é fonte do Direito do Trabalho, o que quer dizer que tal terminologia é advinda do Direito Social, devendo ter como significado, a idéia de pobreza econômica. (FILOMENO et. al., 2011)

Facilmente se nota que o princípio da hipossuficiência está ligado diretamente a parte economicamente mais fraca na relação jurídica (in casu , o consumidor), devendo ser tratado de maneira mais branda, não deixando o juiz, logicamente, de aplicar os rigores da lei com imparcialidade.

O princípio da vulnerabilidade diz respeito a falta de conhecimento técnico do consumidor a cerca de determinado produto ou serviço, podendo ser facilmente enganado pelo fornecedor quanto a qualidade, além de fática ou jurídica. (FILOMENO et. al., 2011)

O consumidor é vulnerável porque:

[...] é a parte mais fraca nas relações de consumo. Por isso tem direito à boa informação sobre os produtos e serviços que recebe e quanto aos contratos que assina (vulnerabilidade técnica). Tem também direito de ser protegido quando se dirige ao Poder Judiciário (vulnerabilidade jurídica), podendo o Juiz determinas medidas para assegurar os seus direitos, no tocante às soluções alternativas que a Justiça pode encontrar parada dar – ao Consumidor – o resultado equivalente ao do adimplemento das obrigações do Fornecedor. (GAMA, 2008, p. 43)

Cumpre frisar que, o princípio da hipossuficiência e da vulnerabilidade do consumidor, apesar de ambos os princípios se apresentarem entrelaçados no Código de Defesa do Consumidor, tais não devem ser interpretados de maneira que se acredite terem os mesmos significados.

É mister que não se confunda hipossuficiênciastrictu sensu”, de cunho eminentemente econômico, com vulnerabilidade, que [...] é o apanágio de todo e qualquer consumidor, em decorrência de sua desinformação técnica, fática ou dificuldades de acesso aos meios de resolução dos conflitos de consumo [...].(FILOMENO et.al., 2011, p. 164, grifo nosso)

Portanto, utilizemos o seguinte entendimento – o princípio da vulnerabilidade é a falta de conhecimento técnico do consumidor a cerca da qualidade e riscos do produto e serviços como quanto ao conhecimento jurídico e fático, enquanto que o princípio da hipossuficiência diz respeito a falta de capacidade econômica do consumidor.

1.5.2. Princípio da boa-fé objetiva

O princípio da boa-fé objetiva, como é sabido, está atrelada a função social do contrato. Tal princípio não deve existir tão somente na parte inicial do contrato, ou seja, na ocasião em que se consubstancia o contrato do fornecedor junto ao consumidor, mas, durante todo o lapso temporal de sua duração.

Desta maneira:

O princípio da Boa-Fé Objetiva caracteriza-se pela exteriorização material, no contrato, das ausências das intenções de lesar pelas partes e estas desenvolverem esforços para os respeitos dos direitos de uns quanto aos direitos dos outros, nas buscas dos ganhos contratuais, pois é claro que um contrato só é bom quando permite vantagens ou utilidades para ambas as partes (a boa-fé, que é em si subjetiva, passa a ser objetiva ante o que é positivado, ou escrito no contrato). (GAMA, 2008, p. 129)

A boa-fé objetiva bem como o equilíbrio contratual (que será debatido no tópico abaixo) deve estar sempre presentes nas relações jurídicas e sociais. Sobre isso, e mui sabiamente, o saudoso Nery Junior et al. (2011, p.521) leciona que “essa boa-fé objetiva decorre também dos princípios gerais do Direito, e a exigência de as partes terem de comporta-se segundo a boa-fé tem sido proclamada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência”.

Diante disso, entende-se por boa-fé objetiva a autonomia de vontade das partes, contratante e contratado, de forma proba e sem interesse de lesar ou causar qualquer prejuízo a outrem para que ambos usufruam dos benefícios e proficuidades aferidas no mesmo, sob pena do contrato celebrado ser revisto (revisão do contrato) “pela incidência da clausula rebus sic stantibus, a possibilidade de arguir-se a exceptio doli, a proteção contra as cláusulas abusivas anunciadas no art. 51. do CDC, entre outras aplicações cláusula geral.” (NERY JUNIOR et. al., 2011, p. 521)

1.5.3. Princípio do equilíbrio contratual

O princípio do equilíbrio contratual é de suma importância, pois quando o fornecedor contratado onera excessivamente o consumidor o mesmo estará cometendo um abuso, configurando, obviamente, um desequilíbrio contratual e um enriquecimento sem causa, sendo este ato posteriormente coibido e nulo pelo Poder Judiciário quando prejudicado o consumidor se sentir.

O CDC não esta preparado apenas para proteger o consumidor vulnerável após a assinatura e confirmação dos direitos e obrigações contratuais, mas também na fase pré-contratual, que seria aquela onde há a discussão inter partes a cerca das garantias que tal produto ou serviço lhes darão. O artigo 4º, caput do CDC informa com muita sabedoria que o contrato deve ser harmônico, ou seja, deverá proteger ambas as partes, realizando assim a efetiva justiça contratual através do equilíbrio contratual.

São costumeiras as revisões contratuais no Poder Judiciário, mormente nos contratos de Revisão Contratual de financiamento de carro, onde muitas vezes as instituições financeiras se aproveitam do sonho do consumidor em conquistar aquele tão sonhado bem como forma de impingir-lhes juros exorbitantes, estes que contrariam as leis em vigor e, é neste momento que notamos a importância do CDC em busca da proteção contratual.

Portanto, devemos entender o equilibro contratual como um princípio importante, do qual serve como orientador para os consumidores, e, sobretudo, para os fornecedores para que estes realizem contratos com equilíbrio contratual, sem que haja onerosidade excessiva de ambos, evitando uma Revisão Contratual.

1.5.4. Princípio da harmonização e da transparência

Tais princípios estão devidamente inseridos no art. 4º, caput do CDC. O princípio da harmonização se traduz como um princípio que visa harmonizar as relações de consumo, cujo intuito é proteger toda e qualquer ação do fornecedor em desfavor do fornecedor.

A Política Nacional de Relações de Consumo visa:

[...] exatamente à harmonia das sobreditas “relações de consumo ,” porquanto, se por um lado efetivamente se preocupa com o atendimento das necessidades básicas dos consumidores (isto é, respeito à sua dignidade, saúde, segurança e aos seus interesses econômicos, almejando-se a melhoria de sua qualidade de vida), por outro visa igualmente à paz daquelas, para os quais se destacam as boas relações comerciais, a proteção da livre concorrência, do livre mercado, da tutela das marcas e patentes, inventos e processos industriais, programas de qualidade e produtividade, em fim, uma política que diz respeito ao perfeito possível relacionamento entre consumidores – todos nós em última análise, em menor ou maior grau – e fornecedores. (FILOMENO et al., 2011, p. 72, grifo nosso)

Foi proposital o interesse em expor dois princípios com idéias similares, já que as relações de consumo devem pautar-se na transparência devendo o consumidor na realização de qualquer compra (produto ou serviço) ser esclarecido de sua real obrigação.

Ao lermos a palavra transparência de forma quase que automática nos vem a idéia do direito do consumidor a informação, haja vista que ambas marcham juntas. De um lado o princípio da transparência que laconicamente tem como função apresentar o ônus e o bônus advindo do contrato, e do outro, o direito do consumidor ser informado sobre o valor daquele contrato, as principais características e a qualidade.

O artigo 46 do CDC fala sobre o direito a informação:

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. (grifo nosso)

Não dá para negar o interesse do legislador infraconstitucional em querer proteger o consumidor de todas as arbitrariedades imposta pelos fornecedores, mormente pelas instituições financeiras. A jurisprudência defende veemente o princípio da informação, mormente nos negócios jurídicos bancários:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. Pontos Comuns. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) é aplicável às instituições financeiras, portanto, aplica-se aos contratos objeto de revisão na presente demanda. Súmula nº 297 do STJ. No entanto, a sua aplicação depende da comprovação de abusividade. JUROS REMUNERATÓRIOS. Contratos das fls. 32-34, fls. 123-133 e fls. 134-139. Possibilidade da limitação da cobrança de juros remuneratórios, quando comprovada a abusividade, como na hipótese dos contratos em tela. Limitação à taxa média do mercado prevista para as operações da espécie. Contratos das fls. 35-40, fls. 41-43, fls. 44-46 e fls. 152-155. Possibilidade da cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano. Súmula nº 382 do STJ. MORA. ENGARGOS DE MORA. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. Contratos das fls. 32-34, fls. 123-133 e fls. 134-139. Diante do reconhecimento da abusividade dos encargos exigidos, resta descaracterizada a mora e suspensa a cobrança dos encargos dela decorrentes, até o recálculo do débito, bem como impossibilitada a inscrição do nome da parte autora em cadastros de inadimplentes. Contratos das fls. 35-40, fls. 41-43, fls. 44-46 e fls. 152-155. Não configurada abusividade a ensejar revisão substancial das cláusulas dos contratos, referente ao período da sua normalidade. Caracterizada a mora. Possibilidade de inscrição do nome da parte autora em cadastros de inadimplentes. Apelação da parte ré. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Licitude da cobrança desde que pactuada e não cumulada com a correção monetária, juros remuneratórios, juros moratórios e multa. Súmulas ns. 294. e 296 do STJ. JUROS MORATÓRIOS. Não há proibição quanto à incidência da taxa de juros moratórios de 1% ao mês, nos termos da Súmula 379 do STJ, desde que não cumulada com a comissão de permanência. MULTA MORATÓRIA. A multa moratória relativamente a contratos celebrados após a edição da Lei n. 9.298/96 encontra-se limitada em 2% (dois por cento), vedada sua cobrança cumulada com a comissão de permanência. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, cabe a repetição do indébito. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS. Possibilidade, diante da sucumbência recíproca. Art. 21. do CPC e Súmula 306 do STJ. PROTESTO (cautelar n. 1.09.0258770-0). Impossibilidade, diante da abusividade dos encargos exigidos. Apelação da parte autora. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. A capitalização mensal de juros somente pode ser admitida mediante expressa disposição legal e desde que devidamente pactuada, sob pena de violação aos princípios da boa-fé objetiva e do direito do consumidor à informação (arts. 6º, inc. III, 46 e 54, § 3º, do CDC). A Medida Provisória n. 1.963-17, 31/03/2000, revigorada pela Medida Provisória n. 2.170-36, admite a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em operações realizadas por instituições financeiras. Os contratos pactuados entre as partes prevêem expressamente a capitalização mensal dos juros. Possibilidade de incidência, uma vez que preenchidos os requisitos para tanto. TARIFAS BANCÁRIAS - TAC E TEC. Cobrança indevida. IOF. Imposto que decorre de lei e se trata de encargo fiscal de aplicação obrigatória. PROTESTO (cautelar n. 1.09.0270503-6). Possibilidade, tendo em vista a manutenção dos encargos da normalidade. APELAÇÕES PROVIDAS EM PARTE.

[Apelação Cível Nº 70039232806, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em 27/07/2011] (grifo nosso)

A falta de transparência no contrato, ou a falta de informação constitui crime:

A falta ou omissão das informações [...] constitui crime. Ou seja: é crime não especificar a quantidade do produto contido na embalagem; é crime não indicar, na embalagem ou nos folhetos que acompanham o produto, as suas características, as suas qualidades e a sua composição; é crime omitir informação sobre os riscos que os produtos ou serviços apresentam e é crime omitir o preço de cada produto. [...] Quando houver menção de prazo, devem obrigatoriamente constar: a quantidade de prestações e o valor de cada uma delas e o valor do preço à vista (como exemplo o contrato de financiamento de automóvel). (GAMA, 2008, p. 47-48)

Como bem demonstrado, tais princípios elencados afetam o imo do negócio jurídico e envolvem derradeira necessidade do dever de cuidado do consumidor bem como os deveres do fornecedor de informar (ônus e bônus) e de transparecer os contratos formulados, tudo para facilitar o entendimento do consumidor tecnicamente vulnerável, sob pena de se ter cláusula(s) nula(s).

1.6. O Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias

De forma direta e lacônica, o que se pode falar é que os clientes de serviços e produtos bancários estão devidamente amparados pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se enquadram na definição de consumidor.

O CDC trás em seu bojo a possibilidade da aplicação do mesmo nas relações bancárias. O art. 3º, §2º deixa claro que as instituições financeiras são consideradas como fornecedoras de produtos e serviços, enquanto os consumidores, usuários desses serviços e produtos. Assim, §2º, do art. 3, disciplina que o serviço “é toda atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

De forma bem peculiar, fica evidente que o cliente bancário atuando na relação consumerista como consumidor (destinatário final), e determinada instituição financeira atuando como fornecedor de prestação de serviços e produtos bancários, não se caracterize nesta relação jurídica uma relação de consumo. Como sequela de aplicação do CDC, o consumidor é considerado presumivelmente vulnerável frente ao fornecedor, por isso aplicar-se-á o CDC em defesa dos vulneráveis e hipossuficientes.

Assim, para melhor elucidar segundo Silveira (apud COSTA, 2009, p. 507-508):

[...] a conclusão inexorável a que se chega a termo é que a atividade bancária é serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, sendo o usuário/cliente, consumidor, nos termos da lei, bem como os bancos, as instituições financeiras de crédito, além das companhias de seguro, fornecedores. Ademais, a relação estabelecida entre tais entes e os consumidores deve ser considerada como uma tradicional relação de consumo, inclusive por decorrência do fenômeno denominado ‘bancarização’. A Resolução Bancen 2.878/2001 e ainda sua conseqüente – Resolução 2.892/2001 – não revogam nenhum princípio, norma ou regra inserida no Código de Defesa do Consumidor, até porque o Banco Central do Brasil não tem competência legislativa para dispor sobre as relações de consumo. [sic]

Aqui notamos a devida aplicação do CDC quando figura de um lado o consumidor, ainda que pessoa jurídica, e do outro as instituições financeiras, fornecedor, desde que comprovado, no caso concreto, sua vulnerabilidade e hipossuficiência na relação jurídica. Não figurando como relação jurídica consumerista, como já dito, deve-se utilizar outros institutos jurídicos admitidos no ordenamento jurídico pátrio como o Direito Civil e o Direito Comercial para dirimir o conflito.

1.7. Instituições Financeiras

Demonstra-se com clareza a aplicabilidade do CDC face aos serviços e produtos bancários – o art. 3º, §2º do CDC deixa óbvio que a aplicação se estende, inclusive “a atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”.

O conceito de instituição financeira é verdadeiramente amplo e envolve pessoas jurídicas e físicas que de determinado modo, atuam no mercado financeiro, possuindo como atividade principal, sem equívoco, a das instituições bancárias. (COSTA, 2009)

É de fato importante a atuação dos Bancos no mercado financeiro vez que mobilizam e integram a vida de boa parte da população. De forma clara:

A principal instituição financeira, não obstante, continua sendo o banco, nas suas diversas modalidades, como banco comercial, de crédito ou múltiplo, dentre outros. As caixas econômicas também são instituições financeiras importantes. Incluem-se, ainda, os bancos postais, novidade na popularização do serviço bancário no século XXI. (COSTA, 2009, p. 244, grifo nosso)

Sem dúvidas, o dinheiro é um atrativo para os bancos, mostrando-se, muitas vezes, como um produto bastante desejado e necessário a todas as atividades que integram a economia de maneira direta ou indireta, pessoa física ou pessoa jurídica. Esse dinheiro, ora produto está subordinado ao CDC, ao passo que a relação banco/cliente necessita de proteção à parte mais fraca nesta relação jurídica.

As instituições bancárias (como principal instituição financeira) são passíveis de aplicação do CDC. Reforçando esta idéia, Oliveira (2006, p.20) conceitua instituições bancárias como sendo “empresas que atuam no mercado de bancário de consumo, mediante autorização do Banco Central, estando sujeitas também, as normas do Código de Defesa do Consumidor.”

1.8. Conceito de Produto

O Código de Defesa do Consumidor define produto no §1º do art. 3º como “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Esta definição não demonstra ou traz qualquer dúvida, senão que, produto no CDC tem natureza patrimonial, ou seja, tudo o que seja suscetível de uma valoração econômica. (GAMA, 2008)

Um dos autores do anteprojeto, ao falar em produto, carrega um pouco da história na produção do CDC ao falar, in verbis :

Na versão original da Comissão Especial do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, bem como no texto final aprovado pelo Plenário do referido órgão extinto pelo atual governo federal, em todos os momentos se fala em “bens” – termo tal que de resto é inequívoco e genérico, exatamente no sentido de apontar para o aplicador do Código de Defesa do Consumidor os reais objetos de interesses nas relações de consumo. Desta forma, e até para efeitos práticos, dir-se-ia que, para fins do Código de Defesa do Consumidor, produto (endenda-se “bens”) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final. (FILOMENO et al., 2011, p.52, grifo nosso)

Em suma, aos olhos do legislador infraconstitucional, produto é todo e qualquer bem destinado a satisfazer uma necessidade do consumidor, como destinatário final, ou seja, produto é qualquer bem, objeto da relação de consumo.

O CDC classifica os produtos em bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, momento em que necessário se faz o uso do nosso Código Civil:

a) Segundo o artigo 79 do C.C são bens imóveis “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Ainda que demasiadamente claro bens imóveis são aqueles bens que não se podem transportar ou retirar de determinado local para outro sem que altere sua natureza;

b) Nos termos do artigo 82 do C.C são bens móveis “os suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”;

c) A respeito de bens materiais podemos considerar os bens que são passíveis do tato humano, ou seja, podem ser tocados como: uma flor, uma madeira entre outras coisas. E como bens imateriais bens de caráter abstrato, intocáveis, como: amor, conhecimento, inteligência entre outros.

1.8.1. Produto de natureza bancária

Sobre isso, bem descreve Efing (apud SENE, 2002):

[...] especificamente, quanto à conceituação de produto, no que diz respeito aos contratos bancários, a jurisprudência já se manifestou no seguintes termos: ‘o conceito de consumidor por vezes se amplia, no efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas as práticas nele previstas. O CDC rege as operações bancárias, inclusive de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado. Sendo os juros o preço pago pelo consumidor, nula cláusula que preveja alteração unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos figurantes do negócio. Sendo a nulidade prevista no art. 51. do CDC da espécie pleno iure, viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciando o vício (art. 146. do CC). É nula a cláusula que impõe representante para emitir ou avalizar notas promissórias (art. 51, VIII, do CDC). Objetivando a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da congruência, deve a sentença ater-se ao pedido. Sentença parcialmente reformada (Ap. 193051216, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, rel. Juiz Janyr Dall’ Agnol Júnior).’ Assim sendo, também através da conceituação de produto pode ser vislumbrada a relação de consumo entre os bancos fornecedores e sua clientela de consumidores”.

O entendimento não é outro se não afirmar que produtos de natureza bancária são aqueles produtos cuja essência de fornecer é realizada pelas instituições bancárias. Sendo passível a aplicação do CDC as instituições bancárias, o professor Oliveira (2006, p. 20) exorta do dever/cuidado do cliente/consumidor ao informar que:

O consumidor ou cliente bancário deve estar atento quanto às exigências feitas pelo banco e às tarifas cobradas. Quando ocorrer irregularidade na prática dos Bancos, os órgãos de defesa do consumidor, bem como o Banco Central, devem ser imediatamente comunicados para a adoção das medidas cabíveis.

Portanto, atento deve esta o consumidor, cliente bancário, ao dispor de qualquer produto, vez que podem ser “pegos” de surpresa por tarifas cobradas indevidamente pelos bancos.

1.9. Conceito de Serviço

De acordo com o § 2º do art. 3º do CDC, serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” Nesta definição, é possível acreditar que os serviços públicos não são passíveis da aplicação do CDC, entretanto, exorta com clareza Gama (2008, p. 39) que “algumas atividade gratuitas, fornecidas graciosamente no bojo das demais ofertas de bens e serviços, não perdem caráter de serviço remunerado, eis que há sempre embutido um interesse negocial.”

Portanto, fica evidenciado que os serviços, supostamente gratuito, recebem uma remuneração embutida, bem como os serviços da esfera pública, principalmente a energia elétrica, água, esgoto entre outros, estão submetidos às normas de proteção estabelecidas pelo CDC.

1.9.1. Serviço de natureza bancária

Em sua etimologia, a definição pura e simples de serviço poderia significar o desempenho de qualquer trabalho, entretanto quando associado a palavra “Serviço Bancário”, seu significado torna-se peculiar, uma vez que entende-se como serviços bancários as atividades de bancos cujo os benefícios ofertados estão postos à venda.

Realmente, não há dúvida sobre a natureza consumerista dos serviços bancários, atraindo para as relações jurídicas firmadas entre as instituições financeiras e os consumidores a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, mormente por expressa disposição do artigo 3º, parágrafo segundo da lei.

Para identificar quatro são as características que compõem os serviços bancários sendo: a) por serem remunerados; b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; c) por serem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC e d) pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação. Nery Junior (apud FILOMENO et al., 2011, p. 55-56)

Desde que os serviços prestados possuam as características em epígrafe estarão sujeitos à proteção do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, quanto a definição de serviço do CDC, já descrita em tópico anterior, as relações derivadas de relação trabalhista não será caracterizada como relação de consumo, pois a atividade subordinada com vinculo empregatício, não é serviço para fins de defesa do consumidor.

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Sobre o autor
Hebert Henrique de Oliveira Melanias

Possui graduação em Direito pela Faculdade Raimundo Marinho - Unidade Maceió (2011) e Pós-graduação em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera (2014). Realizou estágios no âmbito jurídico no 1º Cartório de Registro Civil de Casamentos e Notas de Maceió nov/2006 a junho/2008; no Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de Alagoas (PROCON/AL) Jan/2009 à Março/2011; no Escritório Jurídico Dr. Virgílio Andrade março de 2011 a agosto de 2011. Assumiu o cargo de Assessor Técnico/Jurídico no Conselho Estadual de Segurança Pública em Alagoas - (CONSEG/AL) - Set/2009 à Fev/2014. Atualmente é Escrivão da Polícia Judiciária - Delegacia Geral da Polícia Civil do Estado de Alagoas, com atuação na Assessoria Jurídica do Gabinete do Delegado Geral. Cursou a disciplina de Mestrado em Sociologia "Conflitos e disputas no campo jurídico: uma sociologia dos tribunais e seus juízes". Detêm de experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Consumidor, Direito Penal e Direito Penal Ambiental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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