RESUMO: O Serviço Social neste trabalho é analisado de uma perspectiva sócio-histórica, no que diz respeito a sua origem no Brasil através da Ação Católica, sua emergência ainda com bases confessionais, e por fim, a sua institucionalização a partir da década de 30, com a incorporação dos assistentes sociais em grandes instituições assistenciais como a LBA, SENAI, SESI, Fundação Leão XIII e instituições previdenciárias. Todo esse processo tem como plano de fundo a questão social, centrada nas contradições entre capital e trabalho, e suas refrações, expressas em inúmeras formas de problemas sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Origem, emergência, institucionalização, Serviço Social.
INTRODUÇÃO
O período de emergência do Serviço Social, bem como sua posterior institucionalização, é de absoluta e indiscutível importância para a trajetória da profissão no Brasil. Compreender e aprofundar os conhecimentos nesse capítulo da história dos assistentes sociais é importante não só para a formação acadêmica e teórica, mas para a compreensão dos significados sócio-históricos da própria prática profissional.
Nesse sentido, sabemos que o Serviço Social nos moldes atuais sofreu profundas transformações ao longo de sua trajetória, e que demorou muito para se apresentar na sua faceta contemporânea, como é ensinado e posto em prática em nossos dias. Mas não podemos de forma alguma esquecer-nos do seu período de surgimento e de legitimação, e subestimar a importância desse momento histórico, mesmo que as diferenças do Serviço Social de hoje e o daquela época sejam nítidas e gritantes.
Muito embora hoje o Serviço Social tenha rompido com a sua precursora, a Igreja Católica, e tenha assumido uma nova concepção filosófica, foi a igreja no Brasil a responsável pela implantação desse serviço aqui, como um dos departamentos da Ação Social Católica, o que hoje é entendido como as “protoformas do Serviço Social” (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Também a sua institucionalização só foi possível na medida em que esse serviço tinha uma utilidade significativa para o capital, ou seja, a função de regulação e dominação da força de trabalho. Vendo por este prisma, concordamos com Martinelli (1997) quando esta afirma que o Serviço Social tem uma identidade atribuída pelo capital e realizava uma prática por ele determinada.
O sentido histórico da profissão é muito importante para a formação dos assistentes sociais na medida em que propicia o entendimento da evolução gradual da categoria, a trajetória da profissão ao longo das décadas e ainda, a compreensão de muitos aspectos das técnicas e práticas profissionais contemporâneas, marcadas ainda por uma herança trazida desses primeiros momentos do Serviço Social no Brasil.
Nesse artigo, apresentamos inicialmente os aspectos da questão social, ou seja, o conflito entre capital e trabalho (CASTEL, 2004) no momento em que as primeiras manifestações do que viria a ser o Serviço Social começam a serem exportadas da Europa pela Igreja Católica. Em seguida, procuramos trazer aspectos do surgimento do Serviço Social ainda dentro do seio da Igreja, e posteriormente, o surgimento das primeiras Escolas especializadas no ensino do Serviço Social no Brasil.
Uma atenção especial é dada, nesse trabalho, ao processo de surgimento das instituições assistenciais dentro da estrutura estatal, como forma de resposta a questão social e manutenção da força de trabalho, e a incorporação do Serviço Social nas mesmas, representando o seu período de institucionalização.
Por fim, nas considerações finais, procuramos passar aspectos atuais do Serviço Social, e os desafios da profissão na superação de sua condição de instrumento de controle a serviço do capital, que mesmo depois da adoção da filosofia marxista, precisamente no Movimento de Reconceituação em toda a América Latina (década de 60), e a elaboração do Projeto Ético-Político do Serviço Social (na década de 80), em que a categoria superou o conservadorismo e tomou definitivamente o partido das causas trabalhistas, e na defesa dos direitos dos trabalhadores.
1.Aspectos da questão social no Brasil no início do século XX
Utilizando-nos dos pensamentos de Martinelli (1997), podemos dizer que a questão social no início do Século XX era inegável, o próprio capital estava em crise, o desemprego e o pauperismo eram uma constante naquele cenário. Ainda segundo essa autora, a depressão na Europa e as crises cíclicas do capital causavam transformações na questão social, ou seja, nas contradições entre o capital e o trabalho, e espalhavam-se para todos os países que tinham como modelo econômico o capitalismo.
Isso tudo combinado aos impactos da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917, causam problemas políticos, sociais e econômicos, segundo Martinelli (1997), em todo mundo. A sociedade capitalista apresentava um quadro social muito preocupante, a economia estava deteriorada, o desemprego crescia, o pauperismo se generalizava. Enfim, conforme o capitalismo em sua fase monopolista se expandia, os problemas sociais o acompanhavam.
De acordo com Martinelli (1997), com a crescente industrialização e os monopólios fortalecidos, fortalece-se a aliança entre o Estado e a classe dominante. Isso quer dizer, em síntese, que a questão social da época atemorizava a burguesia, pois demonstrava a fragilidade da ordem social imperfeita que produzira, pois na medida em que se acelerava o crescimento do capitalismo monopolista, cresciam também a pobreza e a miséria, a ponto dessa situação caótica ameaçar a própria hegemonia da burguesia industrial. Assim, com base nas interpretações dos autores estudados, era a hora do Estado intervir em favor do capital.
Diante dessas novas situações, eram necessárias novas estratégias de atendimento à questão social, que segundo Martinelli (1997), dever-se-ia levar em consideração essa nova organização societária. Assim, o proletariado, agora organizado e mais combativo, precisava ser freado pela defensiva classe dominante, que para fazer a balança voltar a lhe ser favorável, contou com o apoio fundamental do Estado.
As estratégias de resposta à questão social tiveram como base a tentativa de acalmar o proletariado, controlar sua organização e coibir suas manifestações e reivindicações, que eram uma ameaça iminente à classe hegemônica. Enquanto o proletariado almeja melhores condições de vida, organizados enquanto classe trabalhadora, busca pela conquistas de seus direitos, a classe dominante e o Estado optam em “incorporar” algumas dessas reivindicações e devolvê-las ao operariado em forma de benefícios indiretos, de forma a minorar a situação degradante dos mesmos, evitando sua revolta, mas sem alterar em nada a exploração a que estes eram submetidos (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Da mesma forma que em outras sociedades capitalistas, os trabalhadores brasileiros, conforme lembram Iamamoto e Carvalho (2003), foram submetidos a uma exploração capitalista desmedida e exaustiva de sua força de trabalho, condições péssimas e jornadas longas, e de quebra ao recebimento de um salário que de tão irrisório, mal dava conta de sanar as necessidades fundamentais de um ser humano e de seus dependentes (IAMAMOTO E CARVALHO, 2003).
As condições dos operários eram terríveis, pois eles trabalhavam exaustivamente e mesmo assim, continuavam morando mal, se alimentando mal, enfim, sobrevivendo de forma desumana. A força de trabalho já tinha atingido nesse ponto, o seu caráter de mercadoria, e o capital se limitava a escolher dentre o numeroso exercito industrial de reserva aquele trabalhador que respondesse as suas necessidades. Isso fazia com o valor dos salários fosse cada vez mais, empurrado para baixo, na medida em que a remuneração do chefe da família não era mais suficiente, implicando na entrada de mulheres e crianças de todas as idades no trabalho fabril (MARTINELLI, 1997).
O trabalhador era submetido à autoridade patronal, e não tinha nenhuma espécie de garantia empregatícia, férias, descanso semanal remunerado ou qualquer seguro do tipo, na medida em que o contrato de trabalho era feito entre particulares, ou seja, entre trabalhador e patrão, regulamentado assim pelo Código Civil vigente naquela época (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Como aconteceu em outras sociedades de configuração nos moldes capitalistas, e no Brasil não foi diferente, os trabalhadores, espoliados de suas condições de sobrevivência mais fundamentais, explorados até a última instância, afetados inclusive em sua força vital, passam a se organizar no sentido de encampar uma luta defensiva contra o capital (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Os movimentos sociais então surgem na medida em que o trabalhador adquire consciência de classe e de que a melhor alternativa eram as manifestações, greves, oferecendo resistência a exploração desmedida da qual eram vítimas pelos donos do capital. Esses movimentos, embora tenham sido alvo de repressão através da violência, intolerância e perseguição policial por um lado, e abafados por práticas assistencialistas dentro das próprias empresas por outro, tiveram um papel extremamente importante no sentido de colocar a questão social em foco na época (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Diante das condições desumanas que os operários viviam, e dos movimentos sociais que entravam no cenário da época, a sociedade, incluindo as classes dominantes, o Estado e a Igreja, já não podiam negar o problema nem mesmo ignorá-lo (MARTINELLI, 1997).
Dentre as tentativas de sufocar os movimentos, esteve bastante presente a repressão policial, a violência, a negação da existência de sindicatos, e assim por diante. Mas ao mesmo tempo, dentro das próprias empresas e especialmente as maiores, surgiu uma forma de controle social alicerçada no assistencialismo: em síntese, os trabalhadores tinham uma série de benefícios, mas condicionados ao seu bom comportamento diante das greves e manifestações que não raras vezes sacudiam a calmaria burguesa e ameaçavam a dita ordem social (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003). Por outro lado, a Igreja assumia a “caridade” como um dos seus alvos de atuação e o Estado montava um primitivo aparato assistencial aos trabalhadores. Dessa forma primitiva de assistencialismo como controle social nascem as bases para o Serviço Social no Brasil.
2. A Igreja e seu papel nas “protoformas do Serviço Social”
Utilizando-se das palavras de Iamamoto e Carvalho (2003, p. 140):
Após os grandes movimentos sociais do primeiro pós-guerra, tendo por protagonista o proletariado, a “questão social” fica definitivamente colocada para a sociedade. Datam dessa época o que se poderiam considerar como sendo as protoformas do Serviço Social no Brasil. (...) Esse processo, que durante a década de 1920 se desenvolve apenas moderadamente, se acelerará no início da década seguinte, com a mobilização, pela Igreja, do movimento católico leigo.
No Brasil das décadas de 20 e 30, a questão social atingia patamares insustentáveis, e a Igreja, tendo perdido poder desde a proclamação da República, preocupa-se em encontrar o seu espaço, o seu lugar dentro da nova ordem, buscando assim formas de aproximação com o Estado (AGUIAR, 1989).
Concomitante a esses processos, surge o movimento católico leigo, e o Serviço Social aparece como um dos departamentos da ação social católica, tendo como modelo as organizações que existiam na França e na Itália (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
No entanto, como afirmam Iamamoto e Carvalho (2003), as ações católicas surgidas naquela época tinham muito pouco como preocupação central a questão social em si. A preocupação, embora a caridade seja um dos princípios cristãos, era na verdade se manter como religião oficial desse novo Estado que se apresentava, com o mesmo poder de dantes.
A partir da queda da República Velha, a conjuntura social momentânea abre um grande espaço de atuação para a Igreja Católica, que busca consolidar as suas posições na sociedade civil. Segundo Iamamoto e Carvalho (2003, p. 156), esse período corresponde ao que a:
(...) Igreja e o Estado, unidos pela preocupação comum em resguardar e consolidar a ordem e a disciplina social, se mobilizarão para, a partir de distintos projetos corporativos, estabelecer mecanismos de influência e controle a partir das posições da sociedade civil (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 156).
Ainda segundo esses autores:
As obras caridosas mantidas pelo clero (e leigos) possuem uma longa tradição, remontando dos primórdios do período colonial. A parca e precária infra estrutura hospitalar e assistencial existente até a fase bastante avançada do Império se deve quase que exclusivamente á ação das ordens religiosas européias que se implantam e disseminam no país (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 165).
O que se considera hoje como as protoformas do Serviço Social, como hoje entendemos, tem sua base nas obras e instituições católicas surgidas após o fim da Primeira Guerra Mundial, como por exemplo, a Associação das Senhoras Brasileiras (Rio de Janeiro, 1920), e a Liga das Senhoras Católicas (São Paulo, 1923), que possuem já nesse momento uma diferenciação das tradicionais práticas de caridade, pois envolvem obras com a participação das famílias mais abastadas da burguesia carioca e paulista, recebendo inclusive subvenções governamentais ((IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
A formação dessas instituições assistenciais católicas se dá dentro da primeira fase do movimento de reação católica, ou seja, de divulgação do “pensamento social da Igreja”, nas palavras de Iamamoto e Carvalho (2003). A importância das obras católicas para o surgimento do Serviço Social não pode ser subestimada, pois foi justamente nesse contexto a gênese da profissão.
Segundo Aguiar (1989), a questão social e a luta contra a desigualdade social aparece como uma preocupação da Igreja, mas dentro de uma luta contra o liberalismo e o comunismo. Para esse autor, da necessidade de uma ação mais coerente e organizada, surgem grupos, associações, que organizam cursos, semanas de estudo para formação de seus quadros, etc. No Brasil, a influencia desse processo é enorme, pois como auferem Iamamoto e Carvalho (2003), é justamente dessas ações que surgem as primeiras escolas de ensino especializado em Serviço Social.
A primeira escola de Serviço Social, fundada em 1936, em São Paulo nasceu do Centro de Estudos e Ação Social – CEAS, que é definido por Iamamoto e Carvalho como:
(...) manifestação original do Serviço Social no Brasil, surge em 1932 com o incentivo e sob o controle da hierarquia. Aparece como condensação da necessidade sentida por setores da Ação Social e Ação Católica – especialmente da primeira – de tornar mais efetiva e dar maior rendimento às iniciativas e obras promovidas pela filantropia das classes dominantes paulistas sob patrocínio da Igreja e de dinamizar a mobilização do laicato (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 168).
Já no ano seguinte, e com as bênçãos do Cardeal Leme, figura exponencial nesse período, e por intermédio do Grupo de Ação Social (GAS), cria-se o Instituto Social do Rio de Janeiro (LIMA, 1995). Ambas as escolas hoje estão integradas a PUC de São Paulo e do Rio de Janeiro (SÁ, 1995).
A ligação do Serviço Social com a Igreja vivenciada na Europa se perpetua aqui no Brasil, pois entre as escolas de Serviço Social pioneiras no país, sete delas foram fundadas e administradas por órgãos ligados à Igreja (PINTO, 2003). Estas escolas formavam os assistentes sociais com base na idéia de que o Serviço Social tinha a função de “ajustar o indivíduo ao meio e este ao indivíduo”(PINTO, 2003, p.38). tanto que, segundo Aguiar (1989), a maioria das escolas de Serviço Social até 1950 tiveram origem e influência doutrinária da Igreja Católica.
Na época, o Serviço Social era visto como uma “forma de ação social ou restauração da ordem social exercido por um especialista por meio de um trabalho prático, técnico para difundir os ensinamentos da doutrina da Igreja em matéria social, que formaria apóstolos sociais” (LIMA, 1995, p.44).
A hegemonia eclesiástica acompanhou o Serviço Social desde o seu surgimento, e só começa a ser modificada na década de 60, com as primeiras manifestações acerca da necessidade de reconceituar a profissão. Em 1967 acontece o Seminário de Araxá, que deu origem ao Documento de Araxá, que buscou inserir o Serviço Social nas novas teorias ideológicas que surgiam como melhores alternativas. Esse momento deu inicio ao Movimento de Reconceituação do Serviço Social no Brasil, que procurou “superar o Serviço Social tradicional, que foi transplantado da Europa e dos Estados Unidos e adequá-lo à realidade latino-americana” (AGUIAR, 1989, p.120).
Foi realizado em 1970, três anos depois do Seminário de Araxá, o Seminário de Teresópolis, evento que discutiu a metodologia e o objeto do Serviço Social no Brasil e “nele, o moderno triunfa completamente sobre o tradicional, cristalizando-se operativa e instrumentalmente e deixando na mais secundária zona de penumbra (...) o texto produzido em Araxá” (NETTO, 2002, p.178).
É a partir daí que o Serviço Social adota a teoria marxista e busca superar o assistencialismo, para se transformar em um agente “interveniente, dinamizador e integrador do desenvolvimento da sociedade” (NETTO, 2002, p. 154).
A Constituição de 1988, ao institucionalizar a Assistência Social na categoria de Política Pública, também propiciou condições para que em 7/12/1993 fosse sancionada a Lei Orgânica da Assistência Social nº 8742/93 (LOAS), que coloca a assistência social como “direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva ... para garantir o atendimento às necessidades básicas” (LOAS, Art. 1º) e deverá ser realizada “de forma integrada ... visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais” (LOAS, § único).
O profissional em Serviço Social deve se adequar a essa nova realidade. Deixar de ser “um profissional executivo para ser um profissional propositivo” (IAMAMOTO, 2004, p.20).
Também na década de 80 se constrói o Projeto Ético-Político do Serviço Social, onde a profissão abandona definitivamente a posição conservadorista para tomar a defesa dos trabalhadores e de seus direitos como elementos norteadores. Este projeto, segundo Barroco (2008) elegeu a liberdade como valor ético central, a democracia como princípio político, se posicionando a favor da equidade e da justiça social, bem como da defesa intransigente dos direitos humanos.
3. O Estado Novo, os embriões das políticas sociais e a institucionalização do Serviço Social
Hoje, o Serviço Social é regulamentado pela Lei nº 8.669/1993, possui muitos profissionais espalhados pelo Brasil, muitas instituições de ensino superior que prestam o curso, tendo um Projeto Ético-Político a zelar e um Código de Ética como elemento norteador da prática profissional. A filosofia já não é mais a neotomista e a doutrina católica ficou para trás, embora tenha deixado algumas heranças.
Mas todo esse processo que desemboca no Serviço Social como conhecemos hoje, só foi possível quando, na década de 30, o Estado resolve intervir na questão social, elaborando “embriões” do que seriam as políticas sociais de hoje, e criando para isso um aparato jurídico e uma estrutura institucional.
Como já foi dito, conforme Martinelli (1997, p. 123), o Serviço Social nasce de uma “aliança com a burguesia”. E curiosamente, no período de ditadura militar, quando os direitos civis e políticos eram freqüentemente tolhidos, que se dão os primeiros passos para a construção da idéia de direito de cidadania, ou seja, de direitos sociais. E assim, nesse período de repressão e violência contra o trabalhador e contra as classes marginalizadas, paradoxalmente surgem às bases para a profissionalização da profissão do Assistente Social no Brasil.
Segundo Iamamoto e Carvalho (2003), o processo de industrialização do Brasil decorrente do aprofundamento e desenvolvimento do capitalismo, somado ao colapso que a sociedade como um todo sofre durante e logo após a Segunda Guerra Mundial (1934 – 1945), acentuam a questão social e agravam-se as suas manifestações. Com esse agravamento, se aprimoram os mecanismos de controle e de disciplinamento da força de trabalho.
Conforme Iamamoto e Carvalho (2003), Estado nesse período assume a função de controle social, principalmente no que tange a classe trabalhadora, que mobilizada e combativa, representa uma ameaça para a ordem social estabelecida. Evidente que o Regime Militar recai sobre a parcela mais revolucionária da classe operária usando-se da repressão, violência e proibições quanto a sua organização.
Mas por outro lado, o regime precisava que a população como um todo legitimasse aquele modelo de governo e de sociedade, e aí então, o Estado apresenta uma outra postura: a de incorporar algumas das reivindicações do proletariado, transformá-las de acordo com seus interesses, e devolver a eles em forma de benefícios assistenciais (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Assim, surgiram as primeiras formas de assistência social no país, voltadas para o enquadramento da força de trabalho e a reprodução da ordem capitalista, tarefa da qual as instituições assistenciais irão se ocupar, e terão um papel fundamental, pois “passam a desempenhar funções políticas, econômicas e ideológicas, vitais para a manutenção da dominação de classe” (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 306).
As reivindicações do proletariado, vindas diretamente de sua condição precária e desumana, é incorporada e apresentada a eles não como “seus direitos”, mas sim, como uma doação, uma prova de como o Estado se preocupa com o seu bem estar, desde que eles se comportassem dentro dos padrões tidos como aceitáveis.
Ao realizar esse processo, as Instituições Assistenciais surgem como falsificadoras dos desejos e aspirações do proletariado por melhores condições de vida (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003). São, num primeiro momento, agentes políticos de controle e abafamento das lutas sociais, e tem também algumas funções secundárias, e nada nobres, como: angariar apoio político para o regime militar, demonstrar o “espírito social” do empresariado, o interesse do Estado pelo bem estar de seu povo.
Como exemplo dessas primeiras instituições assistenciais podemos citar o Conselho Nacional de Assistência Social, criado em 1938, que no entanto, nunca chegou a desempenhar as suas funções específicas, sendo que as mesmas acabaram sendo exercidas pela Legião Brasileira de Assistência, criada no período da Segunda Guerra Mundial para prestar assistência as famílias dos soldados convocados, e que foi ganhando maior expressão, terminando por atuar em praticamente todas as formas da questão social (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
A LBA tem grande impacto no aparelho assistencial estatal como elemento “racionalizador e dinamizador” da assistência. Daí por diante, surgem outras grandes instituições voltadas à áreas mais específicas como Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, dirigido á qualificação de jovens e adolescentes filhos de operários para o trabalho na indústria. Da mesma forma, o Serviço Social da Indústria – SESI, incorpora as práticas do SENAI, com objetivo de “estudar, planejar e executar medidas que contribuam para o bem estar do trabalhador na indústria” (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 268).
Ainda deve ser citada a Fundação Leão XIII, fundada com o objetivo de “recuperar” os moradores das favelas, que naquela época já eram os locais onde mais se concentravam a pobreza e a marginalidade, ação essa seguida da implantação de CAS – Centros de Ação Social nas principais favelas, no intuito principal de evitar a proliferação do comunismo.
Todas essas instituições incorporam rapidamente o trabalho do Assistente Social, tanto no que tange a operacionalização de práticas materiais, ou seja, auxílios e benefícios de ordem material, quanto nas práticas educacionais e no tratamento das condutas “desviantes”, afirmando-se o Serviço Social como um agente cujo funcionamento é explicitamente um instrumento político-repressivo (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 282), e de controle das massas mais pauperizadas.
E não se pode esquecer das instituições mais antigas, a de previdência social, que remontam já da época da República Velha, mas que devido as estruturas hierárquicas e burocratizadas, demoram mais para incorporar o trabalho do Assistente Social, entendido como profissional formado nas escolas de ensino especializado(IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Enfim, as instituições assistenciais acima citadas são chamadas naquele momento a atuar num contexto de contradições, e o processo de formação dessas grandes instituições não só coincide, como é parte integrante do processo de institucionalização e legitimação do Serviço Social enquanto profissão(IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
É nesse momento que o Serviço Social consegue cortar seu cordão umbilical com a Igreja, e seu restrito quadro de atuação ligado à ela, tendo como ponto de partida o amplo mercado de trabalho que se abre com o aparecimento de tais instituições. O assistente social aparece agora como membro de uma categoria de assalariados, em posse de um mandato institucional, apoiado por uma estrutura jurídica e estatal (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
Ainda assim, embora tenha o Serviço Social se modificado com seu ingresso nas instituições, ainda guarda nessa época as suas características fundamentais, como a ação educativa e doutrinária de enquadramento da população usuária, como lembra Iamamoto e Carvalho (2003, p. 310).
Há também um outro aspecto a ser ressaltado: a inserção do assistente social nessas instituições se dá de forma rápida, mas isso não significa necessariamente a melhora na qualidade do atendimento, visto que nesse momento histórico, as atribuições do Serviço Social estavam visivelmente atreladas a introjeção ideológica, a reforma moral e a racionalização da assistência, como processo de minimização dos sofrimentos do proletariado, mas sem alterar em nada o cerne da questão social, ou seja, a exploração capitalista (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos brevemente, ao longo da construção desse trabalho, que o Serviço Social surgiu como instrumento a serviço do capital e com identidade atribuída por ele, no sentido de minimizar as seqüelas da questão social, freando o processo de organização dos trabalhadores e de seus movimentos sociais, ameaçadores a sua hegemonia.
Essa prática alienada do Serviço Social percorre por muito tempo a sua trajetória no Brasil, e demora bastante para que a categoria consiga tirar a venda dos olhos, e compreender o sentido sócio-histórico da profissão, e os produtos das ações que estavam sendo desenvolvidas até então.
Porém, cada momento histórico revivido nesse trabalho, estudando autores como Iamamoto e Carvalho (2003), Aguiar (1989) e Martinelli (1997), principalmente, deve ser considerado como elemento fundamental e constitutivo do Serviço Social contemporâneo, inclusive quanto as marcas e raízes deixadas por essas experiências, ainda muito presente no seio da categoria profissional.
A origem na Igreja Católica, as doutrinas marcadamente religiosas, as práticas moralizantes, fiscalizadoras, punitivas, do método católico (“ver, julgar, agir”, como bem destaca Aguiar 1989), as idéias de reforma da pobreza, de tratamento da “desviança”, da institucionalização da prática profissional justamente num período assistencialista e de tolhimento de direitos, em período de regime militar, em busca da reprodução da exploração capitalista e a exploração capitalista, todos esses fatores somados dão a impressão de que o Serviço Social não tem um passado de que possa se orgulhar.
Mas cada um desses momentos foi, de sua maneira, importante para que o Serviço Social se encontre com essa configuração na fase atual. E com certeza, na contemporaneidade, são muitos os desafios que se apresentam para a profissão, em vista de que a sociedade tem mudado a cada década, sofrido metamorfoses estrondosas em questão de anos, e hoje já há quem diga que a postura do Serviço Social já precisa tomar novos rumos novamente.
Enfim, espera-se que a discussão apresentada tenha contribuído para a reflexão em torno da origem do Serviço Social, sua emergência no Brasil e sua consolidação no período de surgimento das grandes instituições assistenciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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