Artigo Destaque dos editores

A justificativa da desproporcionalidade na Câmara dos Deputados e o debate do voto regionalizado para escolha dos Deputados Estaduais:

questões para discussão

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

4. Considerações Finais: o debate em torno do voto regionalizado para composição das Assembléias Legislativas

Nos itens anteriores, expôs-se a situação da desproporcionalidade na Câmara Federal em relação ao número de representantes por Estado e sua população, e a partir da revisão bibliográfica a respeito do tema, pode-se chegar à conclusão que, mesmo ferindo os princípios da igualdade democrática (um homem, um voto), o critério de representação territorial é defensável, podendo ser justificado com base na minimização das desigualdades regionais através do mecanismo de maior distribuição do poder político.

Sendo assim, regiões menos desenvolvidas têm a chance de competir politicamente, entre outras coisas, pelas verbas orçamentárias federais que, do contrário, ficariam concentradas nos Estados mais populosos.

Com base em toda essa discussão, que teve como palco central do Poder Legislativo em seu nível federal, neste ultimo item do trabalho tenciona-se apresentar algumas questões para debate acerca dos demais entes federados: os Estados, no que diz respeito à Assembléia Legislativa.

Traz-se à tona, sem pretensão nenhuma de defender ou condenar, a possibilidade da regionalização do voto para a composição da Assembléia Legislativa, como fator de maior distribuição do poder político, tomando como base de exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul.

O Rio Grande do Sul tem macro-regiões muito distintas entre si. Quem percorrer, por exemplo, a região da Campanha e logo depois a Serra Gaúcha, poderia até dizer que passou por países diferentes. As diferenças geográficas dentro do território do Rio Grande do Sul são enormes, e essa distinção vem acompanhada por uma variação significativa na densidade demográfica de uma região para outra.

Por isso mesmo em 1994 foram criados, pela Secretaria de Coordenação e Planejamento do estado do Rio Grande do Sul, os COREDES, Conselhos Regionais de Desenvolvimento, sendo que cada um deles agrupa municípios com perfil sócio-econômico semelhante. A preocupação em criar tais Conselhos se deve justamente a identificação de diferenças materializadas nos espaços (FERRO e HESPANHOL, 2009).

Sem falar, por exemplo, na diversidade econômica, cultural e social, provocada por diversos fatores, como a ocupação e utilização da terra, a instalação intensiva ou moderada de imigrantes europeus, as atividades industriais, todos se constituindo em fatores que moldam essa sensível diferença.

Indiscutivelmente, há regiões do Estado do Rio Grande do Sul, mais desenvolvidas que outras. A Região Metropolitana e a Região da Serra são ilustrações fidedignas dessa disparidade, uma vez que apresentam setor industrial desenvolvido, comércio aquecido, urbanização acelerada, densidade demográfica maior, e ainda o recebimento de pessoas vindas do interior que migram todos os dias para os grandes centros em busca de trabalho e oportunidades.

Bastaria analisar alguns indicadores básicos como PIB per capita, população total, densidade demográfica, taxa de emprego, para verificar através dos mesmos o que é visível aos olhos, ou seja, as diferenças em termos de desenvolvimento de região para região:

Coredes

Educação

Renda

Saneamento

Saude

Idese

Alto da Serra do Botucaraí

0,822

0,733

0,358

0,849

0,691

Alto Jacuí

0,866

0,872

0,521

0,857

0,779

Campanha

0,860

0,712

0,638

0,823

0,758

Campos de Cima da Serra

0,842

0,772

0,638

0,855

0,777

Central

0,852

0,751

0,583

0,856

0,760

Centro-Sul

0,838

0,701

0,530

0,844

0,728

Fronteira Noroeste

0,890

0,796

0,486

0,889

0,765

Fronteira Oeste

0,855

0,725

0,590

0,848

0,754

Hortênsias

0,870

0,747

0,479

0,853

0,737

Jacuí-Centro

0,845

0,706

0,527

0,817

0,724

Litoral

0,849

0,720

0,438

0,870

0,719

Médio Alto Uruguai

0,835

0,698

0,336

0,849

0,680

Metropolitano Delta do Jacuí

0,857

0,851

0,683

0,840

0,808

Missões

0,858

0,774

0,522

0,867

0,755

Nordeste

0,850

0,792

0,483

0,846

0,743

Noroeste Colonial

0,873

0,793

0,436

0,850

0,738

Norte

0,865

0,791

0,484

0,850

0,748

Paranhana-Encosta da Serra

0,851

0,686

0,415

0,884

0,709

Produção

0,868

0,844

0,542

0,823

0,769

Rio da Várzea

0,837

0,775

0,411

0,850

0,718

Serra

0,881

0,825

0,694

0,849

0,813

Sul

0,832

0,732

0,579

0,836

0,745

Vale do Caí

0,856

0,773

0,443

0,887

0,740

Vale do Rio dos Sinos

0,850

0,865

0,560

0,851

0,781

Vale do Rio Pardo

0,836

0,764

0,398

0,848

0,711

Vale do Taquari

0,862

0,795

0,438

0,880

0,744

Rio Grande do Sul

0,855

0,807

0,569

0,848

0,770

Fonte: IDESE/RS

Embora haja um certo padrão do que diz respeito à educação, quando se trata da renda, pode-se observar algumas diferenças acentuadas, como por exemplo, o índice de renda da região Centro-Sul (0,701) em relação ao Metropolitano Delta do Jacuí (0,851), ou ainda, o Vale do Rio dos Sinos (0,865).

No que se refere ao Saneamento, o índice do IDESE para os COREDES revela discrepâncias ainda maiores, sendo possível encontrar diferenças, como por exemplo, entre o COREDE Alto da Serra do Botucaraí de 0,358 em relação ao COREDE da Serra, com 0,694. No índice especifico da saúde, as diferenças também não são grandes, ficando todos no padrão do Rio Grande do Sul, que é de 0,848.

No índice atribuído ao COREDE, ou seja, o Idese de cada região, percebemos que a Região da Serra, Metropolitano Delta do Jacuí e Vale do Rio dos Sinos ocupam as melhores posições, enquanto a Região Médio Alto Uruguai (0,680), Alto da Serra do Botucaraí (0,691) e Paranhana-Encosta da Serra (0,709), ficam com as posições mais inferiores.

Não é o objetivo de tal trabalho realizar um desenho detalhado de tais diferenças, apenas ilustrá-las, mas fica como elemento sugestivo para um próximo estudo mais aprofundado.

Diante de tais evidências, é possível supor – ressaltando mais uma vez que este item do trabalho pincela apenas hipóteses, conjecturas – que as regiões mais populosas urbanizadas, industrializadas, consequentemente, mais populosas e com colégios eleitorais maiores, elegem um número maior de Deputados Estaduais identificados com a região em questão.

É de conhecimento que os candidatos a Deputação Estadual de todo Estado podem e fazem votos em quase todos os municípios do Estado, porém, é a concentração de votos em determinado conjunto de municípios que corresponde à identificação do Deputado com aquele território.

Se o mesmo critério defensável advindo do principio consociativo válido para justificar à alocação de cadeiras na Câmara dos Deputados mediante representação territorial, é válido para outros níveis do legislativo, como a Assembléia Legislativa, é possível supor que a adoção do mesmo critério nos Estados, ou seja, do voto regionalizado, traria maior equilíbrio do poder político dentre todas as regiões do Estado, no Parlamento Gaúcho.

Conforme Ferro e Hespanhol (2009, s/p), “as desigualdades regionais socioeconômicas constituem-se em um desafio a ser superado, na busca de soluções viáveis para os processos de desenvolvimento mediante a dinâmica da relação sociedade-natureza na atualidade”. Sendo assim, a atividade política pode-se assim dizer, constitui-se em um dos principais meios para a superação de tais desigualdades. Como pode ser encontrado em Touraine (1996), o desenvolvimento não seria uma causa em si e sim, uma conseqüência da organização social e política.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Não existem trabalhos científicos já realizados sobre tal temática, sendo impossível no momento revisar teoricamente a proposta com base em dados já levantados e analisados. Porém, trata-se aqui da apresentação breve de uma possível proposta de pesquisa de interesse à Ciência Política.

A adoção do voto regionalizado, na prática, significaria que um candidato da região metropolitana, por exemplo, teria um território circunscrito em sua região onde ele poderia fazer votos, e sendo assim, não poderia ser votado em outras regiões do Estado.

Ainda, é possível adotar uma outra conjectura, de que o voto regionalizado diminuiria o efeito do abuso de poder econômico nas campanhas eleitorais, já que os candidatos com alto poder de investimento, têm alcance estadual, enquanto os demais, que não atingem tanto potencial financeiro, não conseguem competir no mesmo nível.


Referências Bibliográficas

ARAUJO, Washington Luís Bezerra de. Sistema Representativo Brasileiro: análise crítica das instituições representativas. Fortaleza: Unifor, 2009. (Dissertação de Mestrado).

AZEVEDO, Márcia Regina da Silva. A representação popular na Câmara dos Deputados e o pacto federativo no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento Programa de Pós-graduação, 2008.

BOBBIO, N. Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. (Bovero, Michelangelo org.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Federalismo e relações intergovernamentais: implicações para a reforma da educação no Brasil. Revista Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 112, p. 729-748, jul.-set. 2010.

DIAS, Márcia Ribeiro. Da capilaridade do sistema representativo. Em busca da legitimidade nas democracias contemporâneas. Civitas – Revista de Ciências Sociais. V 4. n. 2, jul.-dez. 2004

FERRO, Talita. HESPANHOL, Rosangela. Os COREDES na perspective do desenvolvimento regional. Trabalho apresentado no V Encontro de Grupos de Pesquisa “Agricultura, Desenvolvimento Regional e Transformações Sócioespaciais”. Santa Maria: UFSM, 2009.

LIJPHART, Arend. Patterns of democracy: government forms and performance in thirty-six countries. New Haven, Yale University Press, 1999.

MARTINS, André. A sobre-representação legislativa e a questão orçamentária no Brasil. Revista Espaço Acadêmico, n 76, Ano VII, setembro, 2007.

NICOLAU, Jairo. As Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos Deputados Brasileira. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997. p. 441-464.

______________A Reforma da Representação Proporcional no Brasil. In: Maria Victória Benevides; Paulo Vannuchi; Fábio Kerche. (Org.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 201-224.

QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da Política. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995. v. 2, p 149-188.

REIS, Fábio Wanderley. Engenharia e decantação. In Maria Victoria Benevides, Paulo Vannuchi e Fábio Kerche (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 15-17.

SOARES, Márcia Miranda. LOURENÇO, Luiz Cláudio. A representação política dos Estados na federação brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 19 nº. 56 outubro/2004.

TAVARES, José Antônio Giusti. O problema do cociente partidário na teoria e na prática brasileiras do mandato representativo. Dados,  Rio de Janeiro,  v. 42,  n. 1, 1999.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Juliana Costa Meinerz Zalamena

Graduada em Serviço Social e Sociologia, Unijui/RS, Mestre em Ciência Política, UFRGS/RS, Professora de Sociologia na Escola Estadual de Ensino Básico Yeté, Tuparendi/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZALAMENA, Juliana Costa Meinerz. A justificativa da desproporcionalidade na Câmara dos Deputados e o debate do voto regionalizado para escolha dos Deputados Estaduais:: questões para discussão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4478, 5 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38143. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado para avaliação final na disciplina "Estado e Federalismo" do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - Mestrado - UFRGS

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos