Denomina-se jurisprudência defensiva o posicionamento dos Tribunais, especialmente os superiores (STF e STJ), que coloca aspectos puramente técnicos ou excessivamente formais como obstáculo para o exame de mérito dos recursos. Tal comportamento possui um propósito claro, que é desafogar as cortes diante da enorme quantidade de processos que chegam diariamente para julgamento.
As manifestações de jurisprudência defensiva são diversas, a exemplo do não conhecimento de recursos de Agravo de Instrumento por ausência de documentos considerados pelo relator como necessários para compreensão da controvérsia. Embora o atual código classifique determinado documento como de juntada facultativa, é comum a extinção de recursos nestas situações, sem que seja oportunizado ao advogado a apresentação posterior, corrigindo o erro sanável.
É também comum entre os tribunais o não conhecimento dos recursos prematuros ou “extemporâneos”, que foram interpostos antes do início do prazo. Exige-se que o advogado que interpôs o recurso antes da publicação do julgamento em Diário Oficial venha a ratificá-lo posteriormente, sob pena de extinção. A orientação jurisprudencial termina punindo o advogado diligente, que se antecipa à publicação do julgado para acelerar o andamento do processo, especialmente diante do atual quadro de morosidade que marca o Poder Judiciário.
Há ainda casos em que recursos são extintos por irregularidade de representação (ausência de substabelecimento, por exemplo), ou erro no preenchimento das guias de custas, manifestações evidentes de jurisprudência defensiva.
O Novo Código de Processo Civil, que entra em vigor em 16 de março de 2016, promete trazer novidades não só para a celeridade na tramitação das demandas, mas também para o fortalecimento do processo como instrumento de tutela de direitos, o que passa por um combate à jurisprudência defensiva.
Neste sentido, o artigo 932 da nova legislação, inserido no capítulo que trata dos recursos em geral, dispõe que antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
O artigo 218, §4º, do novo CPC acaba com a discussão em torno do recurso prematuro ou “extemporâneo”, ao dispor que será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.
O artigo 76, §2º, estabelece que a concessão de prazo para sanar vício de representação deve ocorrer também na fase recursal, de modo que o não conhecimento do recurso só pode ocorrer caso o recorrente não cumpra a determinação.
O equívoco no preenchimento da guia de custas não poderá ser mais punido de forma imediata com pena de deserção, devendo o relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias (art. 1.007, §7º, do novo CPC).
Há ainda outros dispositivos que visam privilegiar o exame do mérito processual, evitando que a perda de demandas por questões puramente técnicas (art. 1024, §5º, art. 1029, §3º e art. 1033).
Busca-se, com tais inovações, privilegiar o princípio da cooperação, um dos pilares da nova lei processual. À luz deste princípio, o processo deve ser um produto da atividade cooperativa do juiz e das partes. A noção formalista e já ultrapassada de processo como procedimento que possui fim em si mesmo deve ser abandonada de uma vez por todas, dando lugar a um processo de matriz constitucional, no qual os direitos dos jurisdicionados ocupam lugar de destaque.
Entretanto, não se pode aguardar que a mera alteração legislativa seja suficiente para afastar jurisprudência defensiva presente em diversos tribunais estaduais e consolidada nos superiores. O atual CPC, desde 2006, dispõe que nulidades sanáveis poderão ser corrigidas através de determinação do Tribunal (dispositivo presente no capítulo da Apelação, mas plenamente aplicável aos demais recursos). A correção de vício de representação, também já presente na lei atual (artigo 13), pode ser perfeitamente aplicada no âmbito recursal.
Mais do que uma nova lei, é preciso uma nova cultura processual, na qual o comportamento das partes, advogados, e juízes esteja pautado na boa-fé e na primazia da tutela dos direitos.