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Violência policial: caso dos professores do Paraná

22/05/2015 às 14:28
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Análise da violência injustificada da polícia contra os professores no recente caso do Paraná. Quando o uso da força configura abuso de autoridade?

Sabe-se que a preservação da ordem pública é função de forças policiais, que devem assegurar o exercício dos direitos outorgados ao cidadão.

Os policiais, desta forma, apenas estão autorizados a usar a força necessária para o restabelecimento da paz e da tranquilidade pública.

Desta forma, estão os agentes policiais, no exercício de suas funções, sujeitos aos limites da lei. Fora disso agem em abuso de autoridade.

Para configurar o crime previsto no artigo 3º, ¨i¨, da Lei 4.898/65 não se exige a existência de lesões corporais aparentes ou ocultas, bastando as simples vias de fato que não deixam, geralmente, vestígios (JUTACRIM 95/81).

É  crime que consiste em praticar violência no exercício da função.

A violência é a física, vis corporalis.

O crime de abuso de autoridade exige dolo, não se demandando o dolo específico, um fim ulterior, extrínseco ao ato.

Consuma-se o delito com a prática do atentado ou das ações ou omissões do artigo 4º, não se exigindo dano, bastando o perigo de dano. Nos casos do artigo 3º é impossível a tentativa.

Possível a utilização de concurso material entre o crime previsto na Lei 4.898/65 e eventual crime de lesões corporais, cujas objetividades jurídicas são distintas (JUTACRIM 30/410 - 411). Dir-se-á que a concomitante prática de lesão corporal não resta absorvida pelo delito de abuso de autoridade, devendo ser aplicada a regra da cumulação de penas (RT 598/302). Ao contrário, já se decidiu que não ocorre o abuso de autoridade quando o mesmo é definido na denúncia como atentado à incolumidade física da vítima, o que envolveria o próprio crime de lesões corporais seguidas de morte (RT 517/290).

É crime que, pela pena mínima, pode ser objeto de transação penal. Censura-se a pena máxima in abstrato prevista, pequena, que causa a possibilidade de incidência frequente de prescrição da pretensão punitiva, artigo 110 do Código Penal, contribuindo, decisivamente, para a impunidade na matéria.

A objetividade jurídica do crime de abuso de autoridade é o interesse concernente ao normal funcionamento da Administração Pública, pois ela está para servir com eficiência à sociedade e não com subserviência.

Sendo assim, a Lei 4.898/65 determina que constitui abuso de autoridade qualquer atentado: à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, ao direito de reunião, ao livre exercício do direito de voto, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão.

Não é com arrogância e prepotência que a ordem deve ser restabelecida.

Não podem os policiais agir contra a liberdade de reunião, princípio garantido constitucionalmente, protegido contra abuso de autoridade, na medida em que seus fins são lícitos.

Desde que lícito o objeto ou fim da reunião, desde que sem armas e sem ofensa à ordem, não pode a polícia proibi-la. A licitude que se exige é a do fim da reunião, e não a dos que pretendem opor-se à ela, como disse José Celso de Mello Filho (O Direito Constitucional de Reunião, in Justitia 98/159).

Daí agride a consciência comum o fato de professores apanharem, sem nenhuma piedade, de policiais, em plena via pública, como se viu, de forma escandalosa, em acontecimento ocorrido no Paraná. Foi uma triste lição.

O professor suja as suas mãos de giz, na belíssima e sublime missão de ensinar, um verdadeiro ato de amor ao próximo, exercido no dia a dia da sala de aula. Já os policiais mancharam a suas mãos de sangue.

O confronto entre policiais e professores ocorreu em frente à Assembleia Legislativa, onde houve votação do projeto do governo estadual que modificava a previdência dos servidores do Estado. 

Os servidores tentaram romper o cerco e a Polícia Militar reagiu com bombas de gás, balas de borracha e jatos d'àgua. Os manifestantes atiraram pedaços de pau e pedras. O prédio da prefeitura, que fica em frente à Assembleia, foi transformada em uma espécie de enfermaria para agilizar o atendimento dos feridos. Há informações de que cerca de 30 pessoas tenham se ferido.

As imagens mostradas foram de um cenário de barbárie, onde bombas, balas de borracha e até blindados foram utilizados para reprimir os servidores.

A sessão foi interrompida por cerca de dez minutos, porque o gás chegou a atingir o plenário da Casa. A votação foi retomada, mesmo com o barulho de bombas e gritos do lado de fora.

Essa verdadeira operação de guerra não condiz com o regime democrático, em que as liberdades individuais são a ordem do dia.

Os professores apanharam na rua e na derrota para o projeto de lei aprovado em detrimento de seus interesses.

Tudo isso é uma vergonha nacional.

É caso de improbidade administrativa, por ofensa ao artigo 11 da Lei 8.429/92, uma vez que houve afronta a leis e princípios, devendo os agentes policiais envolvidos serem responsabilizados.

É caso de crime de abuso de autoridade com a devida apenação criminal dos autores e partícipes desse ilícito.

Os crimes subsidiários de abuso de poder só têm aplicação quando não constituem elementares ou qualificadoras de outros crimes.

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Se o abuso de poder é elemento constitutivo ou circunstância qualificadora de outro crime, aplica-se a norma incriminadora deste, mesmo que comine pena de menor gravidade.

Desse modo, sendo o abuso de poder elemento constitutivo de um crime autônomo, aplica-se a norma do crime autônomo; o abuso de poder constitui circunstância legal específica (qualificadora) de outro crime, quando não se aplica a lei, mas a norma de outro crime, não incidindo a agravante genérica; o ato abusivo constitui um crime autônomo que não contém o abuso de poder nem como elementar nem como qualificadora e pode ser praticado por outro particular, quando é desprezada a norma subsidiária da Lei 4.898/65, aplicando-se a norma autônoma com a agravante (é o caso do crime de lesão corporal, em que não se aplica o artigo 3, ¨i¨, da Lei 4.898/65).

Tais garantias protegidas estão fulcradas em cláusulas pétreas, visando preservar a cidadania contra a tirania do poder. Censura-se a prisão arbitrária e as medidas tomadas com absoluto excesso pelas autoridades em violação a garantias constitucionais.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Violência policial: caso dos professores do Paraná. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4342, 22 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38765. Acesso em: 18 abr. 2024.

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