UM POUCO DE HERMENÊUTICA E DIREITO ADMINISTRATIVO
Devemos interpretar o decreto de acordo com a lei, e não o contrário. Então, como a lei chama os CACs de “autorizados a portar a arma de fogo”6 compreendemos que o nome dado no decreto 5.123/2004 de “Porte de Trânsito” refere-se ao porte de armas dos CACs emitido pelo Comando do Exército, materializado em uma Guia de Trânsito.
Estudando Direito Administrativo, vemos que quando o ente público defere a prática de atos PROIBIDOS ao cidadão, o faz através de AUTORIZAÇÃO (art. 10 do Estatuto do Desarmamento), e quando apenas CONTROLA a mesma atividade para quem a princípio tal ato não é proibido, o faz através de licença ou permissão. Então a natureza jurídica da Guia de Trânsito é de LICENÇA, enquanto o Porte de Armas excepcional, deferido a quem o porte é proibido, tem natureza jurídica de AUTORIZAÇÃO. Apesar da natureza jurídica distinta, em razão da qualidade específica dos institutos, ambos os documentos autorizam o PORTE DE ARMAS, com as seguintes particularidades:
1 – O porte de armas excepcional é muito mais restritivos, justamente por ser deferido a pessoas sem grande intimidade com o uso e manuseio de armas, então tais pessoas não podem adentrar em certos ambientes, tem restrições diversas previstas no Dec. 5.123/2004;
2 – O porte de trânsito se defere em um documento chamado Guia de Trânsito, que por ser emitido atualmente por meios eletrônicos recebe o nome de GTE7, que, no caso de Colecionadores e Caçadores, tem a limitação de que a arma deve estar desmuniciada e separada da munição8.
CONCLUSÃO
Vimos então que a legislação portuguesa, e posteriormente a legislação brasileira primeiramente se referia genericamente ao uso, e não ao porte de armas. E como tal, não havia referência específica a armas de fogo. A referência a armas de fogo nasce primeiramente no R-105, e não para o porte, mas sim para o transporte das mesmas.
Então, de tudo o que se viu, depreende-se que não há diferença em termos legais no que diz respeito a Porte de Trânsito, Porte de Tráfego e Porte de Arma, exceto a natureza jurídica das mesmas sob o prisma do Direito Administrativo, e isto em razão da QUALIDADE dos agentes. Todas as três se referem à autorização para se ESTAR com a arma, e esta é uma condição histórica do Direito, que não se alterou desde os tempos do Brasil colônia até o presente momento, podendo ser observada tanto na legislação que antecedeu como na atualmente em vigência, sempre com o significado de licença ou autorização para se estar com a arma.
Quando as pessoas pensam em “Porte de Arma”, imaginam o DOCUMENTO de Porte de Arma expedido pela Polícia Federal. Esqueçam o nome.
O que existe no nosso ordenamento jurídico em relação às armas dos cidadãos comuns são a AUTORIZAÇÃO de porte de arma, emitida pela Polícia Federal na forma de uma carteira, e a LICENÇA de porte de arma, expedida pelo Comando do Exército para os CACs, na forma de um documento denominado Guia de Trânsito.
Então, para efeitos penais, o Porte de Trânsito é o equivalente dos CACs para o Porte de Armas do restante dos civis.
Notas
1http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1226.htm
2Pélas significam “bolas”, e ao se mencionar as bolas de “Pedra Feitiça”, se depreende que se tratava de munição.
3Colecionadores, Atiradores e Caçadores
4Aí também podemos fazer um exercício lógico bem simples: Se o CAC estiver sem a Guia de Trânsito, comete o crime de Porte Ilegal de Arma de Fogo. Daí se subentende que o porte para CACs (não importa aqui a denominação que se dê ao porte) se defere mediante a Guia de Tráfego. Isto é facilmente aferível se lermos os artigos 6, Inc. IX, 8, 9 e 24 do Estatuto do Desarmamento conjuntamente com os artigos 30 a 32 do Decreto 5.123/04.
5PCE – Produto Controlado pelo Exército, definição do R-105
6Art. 8 da Lei 10.826/2003
7GTE – Guia de Trânsito Eletrônica
8Na Portaria 04 do DLog, de 08 de Março de 2001, constava no art. 41 que a GT não era documento de porte de arma, e no art. 42 que as armas deveriam ser transportadas “descarregadas e desmuniciadas, além da desmontagem sumária que o tipo de arma permitir, de forma a caracterizar a impossibilidade de uso imediato”, mas esta portaria foi expressamente revogada pela Portaria 01 do COLOG, de 16 de Janeiro de 2015, onde nada disto mais consta.