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A redução da maioridade penal e a proibição do retrocesso social

02/06/2015 às 08:22
Leia nesta página:

Reduzir a maioridade penal configura retrocesso social, que deveria ser rechaçado pela legislação brasileira e por seus aplicadores.

O dia 31 de março de 2015 termina com a notícia de que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados analisou a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa e aprovou o projeto (PEC 171/2013) que propõe a redução da maioridade penal, atualmente estabelecida em 18 (dezoito) anos, para 16 (dezesseis) anos completos.

Agora é o próximo passo. Uma Comissão Especial deverá ser criada para analisar todo o conteúdo da proposta inicial, assim como todas as outras emendas que foram apresentadas desde o ano de 2013, ou seja, durante os 22 anos de tramitação da PEC n.º 171. (Ressalto que o número 171 atribuído à PEC não tem relação direta com o artigo, de mesmo número, que tipifica penalmente o crime de estelionato na lei penal brasileira – ou não).

Difícil compreender. Quando da promulgação da Constituição Federal, datada de 1988 (27 anos incompletos), e da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990 (25 anos incompletos), havia uma compreensão deveras diferente do projeto (PEC n.º 171/1993) que tem a mesma média de idade (22 anos).

Naquele momento a intenção do legislador foi sim de impossibilitar a alteração da idade penal. Não foi por acaso que seu intuito ficou estabelecido expressamente na Carta Magna Brasileira, através do artigo 228:

“art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

O legislador determinou que os adolescentes estivessem sujeitos a legislação especial, considerando, principalmente, a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

Somente os maiores de 18 anos seriam considerados imputáveis. Somente estes.

O Código Penal Brasileiro determina, em seu art. 27, que:

“art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas da legislação especial”.

Desde 1984 (29 anos incompletos), com a alteração do Código Penal Brasileiro, através da Lei n.º 7.209/84, assim ficou determinado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, em seu art. 104, mantém o mesmo posicionamento:

“art. 104 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medias previstas nesta Lei”.

O projeto (PEC n.º 171/93) aprovado em 31 de março de 2015 contraria todo o entendimento normativo brasileiro.

Um trabalho de anos, uma evolução normativa construída por muitas mãos, a duras penas, sob a ameaça de ser rasgado, dilacerado, ferido.

O Brasil desde 1959 anda atrasado e se atrasando. Naquele ano, o mundo aprovou por unanimidade a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que só veio a ser Promulgada 26 anos depois, através do Decreto-Lei n.º 99.710/90.

A inimputabilidade tem guarida constitucional e amparo legal.

A Constituição Federal estabelece em seu art. 60, §4.º, IV, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais.

Não responder criminalmente, é direito fundamental do adolescente.

Alexandre de Morais defende que “Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo.”[1]

A inimputabilidade penal compõe o elenco de direitos fundamentais das crianças e do adolescente, trata-se de cláusula pétrea. Não há matéria a ser discutida.

A Capacidade Penal é definida a partir da aptidão para que possa ser entendido o caráter lícito ou ilícito de determinado fato, assim como a de determinar-se a partir deste conhecimento.

Mas como falar de capacidade sem analisar e questionar a própria capacidade do Estado em apenas cumprir o quantum estabelecido na legislação vigente?

O Estado sim é incapaz! Incapaz de implementar políticas públicas destinadas à criança e o adolescente.

Não é competente, sequer, em afiançar os direitos garantidos pela Constituição Federal. Não consegue garantir educação de qualidade, serviços dignos de saúde, alimentação adequada, lazer, cultura, estrutura familiar, além de tantas outras garantias estabelecidas na Carta Magna.

Deveria o Estado ser condenado por ferir a Constituição. O Estado e seus Gestores. E não os adolescentes.

Todas as vezes que o Estado fracassar será assim? Irá promover uma alteração normativa, preferencialmente penal, para “resolver” o “problema”?

Reduzir a maioridade penal seguramente não promoverá a redução da criminalidade. A Política Criminal não precisa disso.

Reduzir a maioridade penal configura, evidentemente, o retrocesso social, que deveria ser rechaçado pela legislação brasileira e seus aplicadores. Uma norma poderá sim substituir outra, desde que mantenha a garantia do “núcleo essencial” de tal garantia essencial, neste caso a inimputabilidade penal aos menores de 18 anos.


Nota

[1] MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005

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Sobre a autora
Aline Batista

Professora, Consultora Jurídica em Salvador (BA) e Sócia do Batista & Moscovits Advocacia Especializada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Aline. A redução da maioridade penal e a proibição do retrocesso social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4353, 2 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39655. Acesso em: 28 dez. 2024.

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