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O princípio da obrigatoriedade de licitar em suas perspectivas burocrática e democrática

14/02/2017 às 14:15
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Têm-se criado, cada vez mais, hipóteses de contratação direta (sem licitação) e possibilidades de beneficiamentos que restringem a participação de empresas, nos certames públicos, limitando a competitividade.

A realização de contratos pela Administração Pública exige, em regra, a obediência ao certame licitatório (princípio da obrigatoriedade). Contudo, há exceções a esta obrigatoriedade que encontram fundamento no próprio texto constitucional, uma vez que o inciso XXI do artigo 37, da Constituição Federal, ao estabelecer a obrigatoriedade do procedimento de licitação para os contratos feitos pela Administração, já inicia seu texto com a ressalva aos casos especificados na legislação.

“Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (CF, inciso XXI do artigo 37)

Importante frisar que o princípio da obrigatoriedade (de licitar) se manifesta sobre duas perspectivas, a burocrática e a democrática[1]{C}

Pela perspectiva burocrática, o princípio da obrigatoriedade estabelece ao Poder público o compromisso de realizar licitações para contratar obras, serviços, compras e alienações, ressalvadas as hipóteses admitidas pela legislação (contratação direta).

Pela perspectiva democrática, o princípio da obrigatoriedade impõe que seja protegido o direito dos particulares de, consagrada a isonomia, ter resguardada a possibilidade de participação na seleção necessária ao atendimento daquela pretensão contratual da Administração Pública, de acordo com as condições e exceções previstas pela legislação.

O próprio constituinte admite ressalva ao princípio da obrigatoriedade, nas hipóteses especificadas pela legislação. Importante frisar que essa condição para admitir-se a ressalva (previsão legal), não se restringe à obrigatoriedade, sob sua perspectiva burocrática. As ressalvas à obrigatoriedade, em sua perspectiva democrática, também exigem fundamento legal.

A Lei pode estipular hipóteses em  que o gestor prescinda da seleção formal (licitação), realizando a “contratação direta” (dispensa ou inexigibilidade), o que ressalvará a obrigatoriedade em sua perspectiva burocrática. Outrossim, o legislador pode fixar possibilidades de exigência na habilitação, condições para participação ou mesmo estabelecer sanções com efeitos impeditivos, admitindo, então, restrições à obrigatoriedade, sob sua perspectiva democrática.

De qualquer forma, importante perceber que, por imperativo constitucional, as exceções ao princípio da obrigatoriedade, em sua perspectiva burocrática ou democrática, devem ser criadas por Lei, e não por ato infralegal. Assim, não cabe criação de hipótese de contratação direta (dispensa ou inexigibilidade), nem criação de condições que restrinjam absolutamente a oportunidade de participação em certames licitatórios, sem fundamento legal.

O Tribunal de Contas da União, em interessante Acórdão relatado pelo Ministro Marcos Bemquerer Costa, firmou que “o fato de o preço a ser cobrado da Administração ser o mesmo por qualquer empresa prestadora do serviço demandado não justifica, por si só, a contratação direta por inexigibilidade de licitação, uma vez que o procedimento licitatório, além de se destinar à busca da melhor proposta para a Administração, também deve propiciar aos possíveis interessados em prestar o serviço a possibilidade de competir pelo contrato sob igualdade de condições” [2]. Essa decisão, de forma correta, percebe a perspectiva democrática do princípio da obrigatoriedade, que se manifesta pela proteção ao direito relativo dos particulares de participar do certame, disputando a contratação pública.

Assim, em nossa opinião, não é possível, por ato infralegal, criar-se hipóteses de contratação direta, nem mesmo restrições à participação nas licitações públicas (por exemplo, novos requisitos de habilitação ou condições para participação), sem base legal. Obviamente, não se exigirá do legislador a descrição específica das regras de participação do certame, esta tarefa é delegada ao edital, o qual, contudo, deve ter seu regramento baseado nas premissas estabelecidas pela Lei. Sem fundamento legal, as restrições à participação no certame devem ser consideradas inválidas. 

Por fim, convém ponderar que, tratando-se de exceção à regra geral (obrigatoriedade de licitar), necessariamente, a competência legislativa para criar as ressalvas à obrigatoriedade (como se dá nas hipóteses de “contratação direta”), é da União Federal, tendo em vista a competência estabelecida pelo inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal, o qual outorga à União a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. O próprio TCU já externou entendimento, nesse sentido, firmando que as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação, envolvem matéria a ser disciplinada por norma geral, de competência privativa da União[3].


Notas

[1] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 6ª edição. Salvador: Jus podivm, 2014.

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[2] TCU. Acórdão 2585/2014-Plenário.

[3] TCU, Acórdão 1785/2013-Plenário.

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Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. O princípio da obrigatoriedade de licitar em suas perspectivas burocrática e democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4976, 14 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39860. Acesso em: 21 nov. 2024.

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