Ações afirmativas e a Lei n.12.711/2012

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08/07/2015 às 23:07
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O presente artigo aborda a evolução do princípio da igualdade, conceito basilar para a promoção de políticas afirmativas. Bem como procurou-se identificar os aspectos constitucionais do princípio em voga. Por fim, fez-se análise da lei 12.711/12.

Sumário: 1. Introdução. – 2. (Re) Apresentando as ações afirmativas. - 3. Ações afirmativas, o princípio da igualdade e seu fundamento constitucional no ordenamento jurídico brasileiro. - 4. O caso concreto: a Lei n.º 12.711/2012, a reserva de vagas em universidades públicas federais e sua eficácia?. - 5. Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

A recente redemocratização do Brasil nos trouxe um compilado de direitos que até então não haviam se materializados nas Cartas Constitucionais anteriores. São direitos e deveres que tem por característica primordial a promoção de bens fundamentais pautados no princípio norteador da dignidade da pessoa humana em escala universal ou em proporções para dirimir as desigualdades mantidas por gerações no núcleo da sociedade nacional.

Muitos dos anseios em defesa aos direitos fundamentais, que nas décadas que precederam a Carta de 1988 foram deliberadamente esquecidos pelo governo militar, são acolhidos e editados pelo legislador constituinte. Desta forma, é sob o terreno fértil do desenvolvimento, até certo ponto recente, destes direitos fundamentais, acostados na dignidade da pessoa humana, que fora acrescido no seio social brasileiro o instituto das ações afirmativas.

Em sua mais simples concepção as Ações Afirmativas nada mais são que modelos ou meios, muitas vezes emanados de políticas públicas, que tem por finalidade combater a discriminação de grupos vulneráveis, dando-lhes igual oportunidade de acesso a distintos bens dentro da sociedade. São políticas que germinaram no Brasil muito recentemente, fomentando muitos debates nas aéreas dos Poderes Públicos Executivos e Legislativos, no Judiciário e bem como se propagou na opinião pública em geral, em face da enorme multiplicação do assunto via meios de comunicação em massa.

Um dos mais intensos debates oriundos do referido instituto foi à questão das cotas sociais e raciais de acesso ao ensino público universitário. O tema ganhou grande foco quando, em 2003, começaram a surgir às primeiras experiências de cotas nas Universidades Públicas Estaduais do Estado do Rio de Janeiro, Uerj[1] e Unef[2], aonde naquela ocasião, por meio da iniciativa do Poder Executivo local[3], foram estabelecidas reservas de vagas para grupos acolhidos como vulneráveis e consideravelmente distantes do acesso aos melhores bens. Neste caso a educação superior.

Neste contexto, o tema das Ações Afirmativas continuou a gerar intensos debates às vezes focalizados nos limites das universidades, outras vezes disseminados nas mais variadas instâncias do Poder Público e, também, da sociedade.

As maiores questões levantadas possuíam viés social, político e jurídico. Muitos levantaram a possibilidade de inconstitucionalidade de tais políticas públicas, outros contestavam o caráter meramente focalizado e alguns atacavam o aspecto psicológico e moral dos seus destinatários. São discursos repetitivos, que reincidem os mesmo argumentos outrora já superados. Contudo, em tempos de políticas tributárias impopulares, com reajustes fiscais, bem como de um desconforto generalizado contra o governo atual, nota-se uma intensificação e até hostilidade as políticas de teor afirmativo. Esses discursos são acompanhados, muitas vezes, de um consenso particular, ou coletivo, infundado e, quando fundado, emanado de conclusões precipitadas, superficiais e incompletas.

Portanto, abordar o tema das ações afirmativas é de extrema importância, pois mesmo com a larga jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal[4], afirmando sua constitucionalidade, a matéria ainda encontra-se conflitante no centro dos discursos sobre o acesso à educação pública superior, bem como no mercado de trabalho, na representação feminina, dentre outros.

Neste artigo procurar-se-á abordar os breves aspectos históricos, conceituais e teóricos do instituto. Noutro momento serão abordados os contextos legais, com fulcro na Constituição Federal de 1988, como forma de concretização do princípio da igualdade, bem como de direitos fundamentais sociais, fazendo uma análise dos artigos constitucionais que versam sobre o dever do Estado, como também da sociedade, em promover políticas de inclusão de acessos a bens fundamentais. Por fim aplicar-se-á ao estudo deste artigo a análise do caso concreto na figura da Lei nº. 12.711/2012, que aplicou reserva de vagas para todas as universidades públicas federais, como meio de inclusão das camadas marginalizadas e vulneráveis da sociedade.

2 (Re) Apresentando as Ações Afirmativas

O instituto das ações afirmativas, ou discriminação positiva[5], ganhou força muito recentemente no plano nacional, como se constatou acima. Por outro lado, no âmbito histórico internacional, as ações afirmativas, que inspiraram as políticas brasileiras de mesmo teor, tiveram suas origens nas experiências constituídas nos Estados Unidos[6]. Naquele país, no calor dos movimentos que reivindicavam medidas democráticas, antissegregacionistas e em prol dos direitos civis, na década de 60, o Estado passou a admitir uma postura mais ativa, editando medidas que visavam acabar com os meios discriminatórios legais, bem como constituir políticas de afirmação das minorias, como meio de promover uma igualdade mais tangível entre os indivíduos.

Contudo, cabe salientar que as políticas de ações afirmativas não tiveram apenas os Estados Unidos como espelho, mas sim, como bem lembra Sabrina Moehleck (2002), outros países passaram, e ainda passam, por experiências similares. É o caso de alguns países Europeus[7], assim como no continente africano e, também, ao redor do globo, como Cuba, Argentina, Canadá, Índia[8], dentre outras nações na qual o Poder Público local interviu no sentido de promover a igualdade por meio da ação afirmativa.

Desta forma, tais políticas tiveram e tem papel fundamental na concretização de um dos princípios mais antigos, fundamentais e basilares de muitos ordenamentos jurídicos, incluindo o nosso: o princípio da igualdade. A relação deste com aquele é demasiadamente estreita.

Em sua essência o princípio em voga, nos moldes revolucionários do final do século XVIII[9], consagrou-se como uma igualdade formal, jurídica e abstrata, destinada a todos sem distinção ou qualquer privilégio. Em um primeiro plano a categoria jurídica do princípio da igualdade significou o movimento libertário-revolucionário contra o antigo regime absoluto, dos reis hereditários que detinham para si um desproporcional poder. De mesmo modo, serviu para fundamentar o novo regime político-social-econômico que passaria a vigorar como predominante e dando base consistente para a consagração do constitucionalismo do Estado Liberal Burguês.

O princípio em tela foi por muito tempo, e ainda é, editado em diversas Constituições, incluindo a Carta Magna brasileira, como fonte de impedimento a privilégios, consagrando todos os indivíduos em um mesmo patamar, uma mesma hierarquia social, na qual, juridicamente, não haveria distinções. Neste sentido, lembra o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 10), que “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”.

Continuando, José Afonso da Silva (2013, p. 2016) chama atenção para o conteúdo trazido no núcleo filosófico da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aonde a afirmação do art. 1º[10] deste documento evidenciou que todos os homens, e isto também inclui o gênero feminino, nascem iguais e permanecem neste status de igualdade jurídico-formal na medida em que tenta abolir os privilégios nas mais variadas esferas e situações da sociedade, emanado do conteúdo estritamente negativo do princípio em tela.

Assim, o conteúdo jurídico carregado no seio das revoluções liberal-burguesas do final do século XVIII trouxe uma igualdade meramente formal e abstrata, que procurou viabilizar um espaço jurídico neutro, de certa forma omissa, contribuindo para um Estado espectador, tão somente.

É através deste esboço histórico que enquadra-se o instituto das ações afirmativas no quadro social moderno-contemporâneo. Neste contexto, nota-se que o Estado Liberal, oriundo das revoluções iluminadas do final do século XVIII, é o pilar de sustento, no sentido de contribuir como fundamento bruto, das ações afirmativas. É no cenário do estado mínimo e não intervencionista e suas consequências de fomento a uma desigualdade real que as políticas distributivas se desenvolvem e, posteriormente, na condição de reinterpretação desta filosofia de Estado, por intermédio do liberalismo igualitário, elas são implantadas.

Neste sentido, o professor José Cláudio Monteiro de Brito Filho (2014, p. 15) explica que o padrão de distribuição de bens só se justifica em modelos liberais, aonde há a possibilidade do uso privado dos meios de produção. Por meio deste as políticas afirmativas ganham viabilidade e aplicabilidade, bem como acaba chocando-se com os próprios conceitos clássicos de estados liberais neutros e mínimos, com os conceitos mais progressistas, de um estado provedor e protetor, sem, contudo, que recaia em excessivo paternalismo.

Logo, é através do modelo político-filosófico do liberalismo igualitário que cria-se condições de aliar os preceitos puros do liberalismo burguês com as suas vertentes mais progressistas, convergindo para o liberalismo igualitário[11].

Nesta direção, sob a perspectiva teórica do liberalismo igualitário, como modelo filosófico-político de Estado, é que as ações afirmativas são implantadas. É um instituto que tem por essência, segundo João Ferez Júnior e Luiz Augusto Campos (2013, p. 86), a definição que são, neste contexto,

políticas, públicas ou corporativas privadas, que visam promover uma determinada categoria social sub-representada em algum espaço institucional ou função. Como tal, é política redistributiva, pois altera uma dada distribuição de bens e oportunidades, imprimindo-lhe outra configuração. A justificativa para tal alteração é sempre um argumento de justiça, ou seja, produzir sempre uma configuração social mais justa.

Desta forma, apreendendo esta definição mais amplas sobre o referido instituto, podemos concluir que a ação afirmativa emana tanto da iniciativa pública como da privada, por meio de políticas que visão compor um acesso a bens fundamentais de forma mais igualitária e justa, com objetivo último de se alcançar uma justiça, redistributiva, social. São políticas aplicadas no núcleo de uma sociedade aonde os meios de acesso a bens como educação, representação, trabalho, dentre outros, são tidos de maneira desigual, representado por uma desiquidade de acesso, que culmina numa discriminação em vários níveis e em vários setores da escala social.

Portanto, as políticas afirmativas levam consigo a missão de reduzir as desigualdades e discriminações sejam elas de raça, gênero, etnia, crença religiosa e tantas outras, com finalidade de alcançar a missão constitucional da concretização e materialização, do princípio da igualdade.

As formas de implantação deste instituto, lembra Moehlecke (2002, p. 199), costumam ser três, que são distintas entre si, representando meios específicos, mas que mantem o objetivo de mitigar as desigualdades.

A forma mais famosa de aplicação da ação afirmativa são as cotas, meio pelo qual se estabelece um determinado percentual, ou número, de vagas a serem preenchidas em campos deliberados, seja de trabalho[12], representação[13], educação[14], dentre outros. As outras formas de modelo de aplicação da ação afirmativa são

as taxas e metas, que seriam basicamente um parâmetro estabelecido para a mensuração de progressos obtidos em ralação aos objetivos propostos, e os cronogramas, como etapas a serem observadas em um planejamento a médio prazo. (MOEHLECKE, 2002, p. 199).

Outra importante questão referente a implantação das ações afirmativas diz respeito a sua temporalidade. São políticas que em sua essência devem ter uma aplicabilidade limitada temporalmente. Que seja aplicada em um determinado intervalo de tempo, para que ocorra a revisão dos efeitos de tais políticas com intuito de ou reformá-la, caso seja identificados deficiências, ou aboli-las, caso aquela atinja seu objetivo estabelecido.

Cabe salientar, contudo, que este caráter temporal não diz respeito a editar políticas com um limite de tempo definido, mas sim um intervalo para apreciação dos efeitos daquela política. Não quer dizer, portanto, que as ações afirmativas terão começo meio e fim definido no ato de sua edição, mas sim, tão somente, que elas serão revisadas no intervalo de tempo definido. De mesmo modo, nada justifica defender um caráter permanente de tais políticas. Há de se estabelecer em qualquer política de ação afirmativa um tempo para a revisão de seus efeitos na sociedade. Assim, afirma o professor José Cláudio de Brito Filho (2014, p. 69), que

não há sentido em pretender que, desde a instituição, já seja fixado o tempo que perdurará o programa; no máximo, o que pode ser feito é prever que em determinado prazo o programa seja reavaliado, para que seja decretado o seu término, caso a igualdade tenha sido alcançada, ou para ajustes, caso necessário ou, então, como já defendido no passado, mas agora de forma menos rígida, prevista uma condição para encerramento do programa em definitivo ou, até, de forma provisória, quando o objetivo da medida for comtemplado.

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Assim, compreendido o aspecto teórico, histórico e institucional das ações afirmativas, cabe introduzi-las, ou reintroduzi-las, no contexto legal constitucional. O que será tomado em tópico seguinte.

3 Ações afirmativas, o princípio da igualdade e seu fundamento constitucional no ordenamento jurídico brasileiro

Ao deparar-se com a Constituição Federal de 1988 podemos notar ao longo do corpo de seu texto a atenção especial em conceder direitos e deveres que culminam na proibição de quaisquer formas de discriminações nocivas a dignidade humana, bem como a edição de dispositivos que dão base constitucional para a concretização de uma justiça social, com garantias individuais e coletivas, ao passo que as elevam a qualidade de fundamentais.

Assim, num contexto histórico, a Carta vigente teve forte influência de duas Constituições que no começo do século XX fizeram a diferença ao eleger os direitos sociais a categoria de direitos fundamentais.

Neste sentido, foi a Constituição Mexicana de 1917, que pela primeira vez elevou os direitos sociais ao patamar de direitos basilares[15] de um ordenamento jurídico constitucional. Noutro momento, em 1919, não muito distante da experiência Mexicana, a Alemanha, logo após o término da primeira Grande Guerra, editou a Constituição de Weimar, dando igual significado a direitos sociais aos moldes do que fora dado no México. Contudo, como chama atenção Fábio Konder Comparato (2010), o Estado da democracia social, pioneiro com a experiência do México, ganhou uma roupagem estrutural mais elaborada na Alemanha, servindo de base de influência para diversas Constituições ocidentais ao longo do século XX.

Destarte, não por acaso fora nas experiências democráticas sociais, até pouco antes do advento do neoliberalismo no final do século passado, que a defesa aos direitos humanos se fez mais intensa, ao passo que integrava direitos civis e políticos com os direitos de ordem econômica e social, haja vista que os primeiros eram negligenciados pelo comunismo e os segundos deixados às margens pelo liberal-capitalismo.

Portanto, sob a influência das experiências constitucionais, mexicana e alemã, referidas acimas, o Estado brasileiro, através do seu legislador constituinte, procurou dar o mesmo seguimento a Carta Magna de 1988, acolhendo e consolidando direitos e princípios que dão fundamentos para políticas como as ações afirmativas.

Assim sendo, o instituto da ação afirmativa, com fulcro na busca incessante pela concretização da isonomia real, passa a ser um instrumento do Estado, ou da sociedade, para que se obtenha uma igualdade real, justa e solidária, que detém na Constituição Federal seu fundamento primeiro, atribuindo-lhe total constitucionalidade.

Não faltam, pois, trechos do texto constitucional que de forma explícita, ou implícita, positiva ou negativa, carregam consigo a missão do Estado brasileiro em promover a isonomia, como a promoção de direitos fundamentais. Desde já, podemos extrair incialmente, do preâmbulo da Constituição, que o Estado democrático é “[...] destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...][16]”.

Desta forma, já no preâmbulo da Magna Carta de 1988, notamos o compromisso do Estado democrático brasileiro, ao eleger a missão de promover e assegurar direitos inspirados nos ensaios de 1917, 1919, bem como no pós segunda guerra com a Carta das Nações Unidas[17], a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dentre outro documentos que procuraram ao longo do século XX consolidar e proteger direitos que tinham por finalidade alcançar um ideal de justiça, viabilizando, assim, uma igualdade material.

O citado preâmbulo da Constituição de 1988 traz no seu enunciado o verbo “assegurar”, como forma de firmar a missão constitucional assumida pelo legislador constituinte. Logo após, deixa claro quais direitos serão protegidos, bem como os eleva a categoria de valores supremos da sociedade democrática brasileira. Por conseguinte, podemos, desde o preâmbulo da Constituição, inclinar para a intenção do texto Maior em promover a igualdade e justiça, dano bases para políticas afirmativas como meio deste fim.

Superada o texto preambular da Carta de 1988, nota-se a continuidade na intenção do legislador constituinte em proteger direitos que possuem o fim de promover uma justiça igualitária. Não por acaso o texto constitucional elege nos artigos 3º; 4º, VII; 5º, caput, XLI e XLII; 7º, XX; 37, III; 170 e 227 meios que compreendem uma clara postura de promoção da igualdade real. Estes dispositivos representam a quebra constitucional da omissão Estatal, em quase toda a história da nossa República, no dever de promover a grupos marginalizados ou vulneráveis condições mais justas e dignas. Dando-lhe direitos, agora, que formam a base de fundamentação legal-constitucional para um Estado mais ativo e garantidor de uma justiça igual e real.

A ruptura do Estado brasileiro com a igualdade meramente formal foi o que deu bases concretas para a edição destes dispositivos constitucionais. Representaram a conclusão histórica que a igualdade formal, carro propulsor das revoluções liberais-burguesas, “gerou as desigualdades econômicas, porque fundada numa visão individualista do homem, membro de uma sociedade liberal relativamente homogênea” (SILVA, 2013, p. 216).

Do ponto de vista de uma sociedade com grandes diferenças, sejam físicas, psicológicas, econômicas e outras mais, a permanência de uma igualdade tão somente formal seria inviável e até contrastante a dignidade da pessoa humana. É a enorme e visível diferença, dentro do Estado liberal brasileiro, que incentiva medidas como as políticas de afirmação de grupos vulneráveis. Neste raciocínio sobre a diferença, lembra Flávia Piovesan (2008, p. 888), que

torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que possa a ser visto em suas peculiaridades [...] isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a promoção de direitos.

Portanto, quando enuncia o art. 5º, caput, da Constituição, que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[18]”, estar-se-á admitindo o sentido jurídico-formal. A igualdade perante a lei, tão somente. Contudo, “a compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-la com outras normas constitucionais [...] e, especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social” (SILVA, 2013, p. 217).

Deste modo, o art. 5º, caput, muitas vezes utilizado como justificativa para a inconstitucionalidade das ações afirmativas, não pode ser interpretado de maneira tão fechada no texto editado. É preciso angariar uma justiça social e econômica que a Constituição vigente muito bem admite. Para isto, é através de outras normas constitucionais, bem como do preâmbulo, que dar-se ao princípio da igualdade a interpretação de um enunciado não apenas formal, mas sim real e material, que viabilize, por objetivo primordial, segundo o art. 3º, I, da Carta Maior: “construir uma sociedade livre, justa e solidária[19]”.

As ações afirmativas entram em pauta nas políticas brasileiras como forma de alcançar uma sociedade mais justa, igual, sem distinções de gênero, raça, credo religioso, idade e qualquer forma de discriminação que possa ser prejudicial à dignidade da pessoa. São medidas que se justificam porque promovem a isonomia material, baseada em outros objetivos fundamentais da Constituição de 1988, também concretizada no art. 3º:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[20].

Outros dispositivos que dão condições constitucionais explícitas para a adoção de políticas de caráter afirmativas estão no art. 7º, XX, onde determina que são direitos dos trabalhadores “a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei[21]”; bem como no art. 37, VIII, segundo o qual “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá critérios de sua admissão[22]”.

Estes dois dispositivos supracitados dizem respeito a uma prestação positiva do Estado. É por meio destes artigos, com seus respectivos incisos, que o Estado fundamenta políticas positivas de promoção da inclusão de mulheres e portadores de deficiência no mercado de trabalho. São por essência dois dispositivos constitucionais que determinam a adoção de ações de afirmação destes sujeitos, que por muito foram, e ainda são, marginalizados e vulneráveis aos olhos das conquistas de bens fundamentais, bem como aos olhos da sociedade.

No mesmo contexto de ação positiva do Estado, que justificam a promoção de ações afirmativas, tem-se no texto do art. 170, IX, outra norma que, explicitamente, proporciona tratamento desigual com o fim de dirimir as desigualdades pertinentes:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País[23].

Analisando outras normas constitucionais, notamos claramente, também, o repúdio do legislador constituinte ao adotar uma postura negativa de certos preceitos legais, quando proíbe discriminações e a permanência das desigualdades. São exemplos os incisos XXX e XXXI do art. 7º, que versam sobre a proibição expressa de diferença de salários, bem como da discriminação por sexo, idade, cor, estado civil e portador de deficiência nos critérios de admissão para ingresso ao emprego:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão de trabalhador portador de deficiência[24];

Outra norma de cunho proibitiva e negativa está representada no texto do inciso VIII do artigo 4º da Lei Maior, donde há o “repúdio do terrorismo e ao racismo”. Nota-se, então, neste postulado legal que o legislador constituinte quis dar tanta ênfase em negar atitudes racistas ou de interiorização das raças, que editou o crime de racismo ao lado do de terrorismo, outro crime igualmente abominável em escala global. É certo afirmar que a Constituição neste ponto quis impactar e, ao mesmo tempo, consagrar a explícita abominação ao crime de racismo. Qualificando este na mesma hierarquia criminosa do crime de terrorismo.

Portanto, a relação deste dispositivo legal acima com políticas de ação afirmativa está justamente na intenção de garantir uma sociedade mais igual e justa. Pois sem medidas de afirmação, no modelo de um Estado ativo, as históricas discriminações sociais e raciais perpetuariam gerações e mais gerações. Políticas de afirmação servem, então, para que este postulado em apreço entre em desuso e recaia no esquecimento, pois só assim se alcançará uma igualdade real e sem discriminações.

Soma-se ao posto na norma anterior a previsão expressa, e proibitiva, do que dispões o inciso XLI e XLII, ambos do art. 5º. São dois dispositivos constitucionais que versam sobre a punição pertinente aos atos discriminatórios contra bens fundamentais da Constituição. O primeiro inciso em análise determina que: XLI – “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais[25]”. Seguindo o mesmo sentido o inciso XLII, determina “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito á pena de reclusão nos termos da lei.[26]”. Notamos uma relação direta entre os três últimos preceitos legais exaltados neste trabalho. São três dispositivos que são semelhantes por terem uma aspecto negativo, bem como assemelham-se por elevarem o ato de discriminação como algo abominável, que a Constituição precisou editar em três[27] dispositivos separados, mas semelhantes.

As semelhanças continuam no sentido de que o inciso XLII do art. 5º encontra sua natureza e fundamentação no inciso XLI e este, então, fundamenta-se no inciso VIII do art. 4º. São três preceitos constitucionais que juntos possuem a função de abolir discriminações, algumas na forma do racismo, por meio da sanção penal. Logo, ações afirmativas, como instrumento ilgualizador, tem a função de criar uma sociedade aonde não precisamos repetir por três vezes, e mais, na nossa Carta Maior o quão são inadmissíveis as discriminações, sejam elas quais forem.

4 O caso concreto: a Lei n.º 12.711/2012, a reserva de vagas em universidades públicas federais e sua eficácia?

É inegável a intenção do legislador infraconstitucional em atribuir um imperativo compulsório as universidades federais de todo o país, fundada na implementação de ação afirmativa na figura de reservas de vagas. A Lei nº 12.711/12 figura bem este papel ao estabelecer cotas de teor social e racial.

É inegável, também, que a referida lei representa o papel ativo do Estado em virtude da busca por uma igualdade material. Representa um imperativo, dentro de suas competências e jurisdição, que busca consertar as deficiências mais superficiais e emergentes do cenário educacional brasileiro como um todo.

A Lei nº. 12.711, de 29 de agosto de 2012, dispõe sobre a reserva de vagas para o ingresso em universidades federais, bem como nas instituições de ensino técnico de nível médio. Foi regulamentada pelo Decreto n. 7.824, de 11 de outubro de 2012 e representa um expressivo progresso no que tange a inclusão social, bem como a melhor distribuição dos bens fundamentais dispostos na sociedade e promovidos, em prima facie, pelo estado.

Logo, Brito Filho (2014, p. 123) entende ser, a legislação supracitada, “uma ação que tem por objetivo a distribuição mais igualitária de um bem importante, que é a educação, tanto no nível superior como no nível médio, nesse caso, nas instituições de ensino técnico”. É uma lei que carrega consigo o objetivo da concretização de uma igualdade justa e material.

A referida lei, sob a égide da igualdade, guarda sua fonte nos preceitos da singularização do indivíduo, no qual residi numa sociedade plural e heterogênea. Portanto, o conteúdo jurídico da lei das cotas para o ensino público federal pauta-se na admissão de uma correlação lógica entre os critérios do discrímen com o objeto fomentador deste.

Em estudo sobre o princípio da igualdade, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2014) analisa os critérios nos quais devem se fundamentar os legisladores na hora de formular e editar leis que sejam, na sua matéria, fontes de discriminações em prol de correção das diferenças. Admite o professor que as discriminações emanadas de leis deste liame material, e neste sentido inclui-se a lei objeto deste tópico, só podem ser acolhidas como justas no plano da igualdade material quando persistir uma conexão lógica-racional entre a característica específica da diferenciação acolhida por estar presente no objeto e a desigualdade no tratamento atribuído às características especificadoras, contando que este vínculo respeite os objetivos da Constituição na sua integridade. (MELLO, 2014).

Portanto, para atribuir uma justiça do ponto de vista jurídico à Lei n. 12.711/2012, precisamos indagar: a) qual o elemento acolhido como critério de discriminação dentro da matéria legislada a qual ele é vinculado; b) se este elemento, fomentador da discriminação, possui fundamentação lógica e racional para sua adoção; e c) se a correlação racional está de acordo com os preceitos e princípios guardados na Constituição.

Basta ler os artigos 1º, caput, seu Parágrafo Único e o 3º, pra se ter uma noção dos elementos usados como critério para se estabelecer a reserva de vagas de acordo com a Lei n. 12.711/12.

Art. 1º. As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único.  No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

(...)

Art. 3o  Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[28].

De acordo com os artigos supracitados, notamos, primeiramente, que a lei usa como critério diferenciador os estudantes oriundos de escolas públicas, que cursaram o ensino médio na sua integralidade nestas instituições. Admite neste dispositivo as deficiências do sistema de ensino público básico e médio. De mesmo modo diferencia duas categorias de candidatos ao ingresso em universidades públicas federais: os alunos advindos de um sistema educacional precário e os que vieram de escolas particulares. Estar-se-á admitindo um critério social.

Continuando, no Parágrafo Único do art. 1º, as vagas reservadas para estudantes de escolas públicas são bifurcadas em duas categorias: os que possuem renda salarial superior a 1,5 salários mínimos e os que possuem renda inferior a 1,5 salários mínimos. Neste dispositivo se faz presente o critério econômico dos candidatos.

Por fim, no art. 3º a lei determina mais uma divisão destas reservas de vagas, aonde são destinatários os autodeclarados negros. Este critério, nitidamente racial, incide nas reservas já admitidas no art. 1º da referida lei. Ou seja, de acordo com a proporção de autodeclarados negros em cada Estado da federação serão as vagas reservadas para grupos vulneráveis, 50% na sua totalidade, preenchidas pelos critérios de raça.

Identificado os três critérios, social, econômico e racial, resta saber se estes possuem uma fundamentação racional e lógica para serem motivo de discriminação.

A educação é um dos bens mais fundamentais, se não o maior, que o ser humano pode adquirir ao longo de sua existência. É por meio da educação que podemos ascender socialmente, intelectualmente, economicamente e até espiritualmente. Desta forma, é inegável que vivemos numa sociedade aonde alcançar este bem fundamental encontra-se desnivelado entre os que possuem bens materiais para formação educação de qualidade e os que carecem do mesmo; bem como aqueles que por um fato abominável na história sempre estiveram distante dos melhores bens e meios para alcançar uma condição mais justa.

Logo, quando a lei estabeleceu o critério social e econômico está buscando mitigar as desigualdades existentes no acesso ao ensino superior público. Essa desigualdade é fomentada pelos meios econômicos disponíveis a uns e escassos a outros, que servem para melhor preparar os estudantes.

Ao analisar o estudo feito sobre os questionários socioeconômicos do Enade, nos três ciclos completos, sendo de 3 anos o intervalo de um ciclo a outro, Dilvo Ristoff (2014) chama atenção para a porcentagem de alunos oriundos de escolas públicas ao longo dos três ciclos ter crescido, mas que em cursos de maior concorrência e prestígio a presença dos discentes saídos de escola pública ainda permanece baixa. Nas conclusões de Ristoff (2014, p. 738)

a grande maioria dos estudantes dos cursos de alta demanda tem origem no ensino médio privado. Dito de outra forma, 89% dos estudantes de Medicina e 75% dos estudantes de Odontologia dizem ter cursado integralmente o ensino médio privado – setor que representa apenas 13% das matriculas do ensino médio como um todo.

O outro elemento usado como critério para a reserva de vagas na Lei n. 12.711/12 é a raça. É fundamento em decorrência de gerações e mais gerações de discriminações e marginalização deste grupo, em face da omissão, quase que proposital, do Estado em proporcionar políticas de inclusão. Já vimos que a Constituição deu atenção especial a questão do racismo, qualificando-a como crime inafiançável e de mesma reprovação como do crime de terrorismo.

Outro estudo importante na constatação das diferenças de acesso ao ensino superior público fora o levantamento feito pelo “GEMAA[29]” (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), que analisa os efeitos das políticas públicas de ações afirmativas na sociedade. No estudo de setembro de 2013 é dada atenção para a discrepante formação do corpo discente universitário, aonde

apesar de representarem uma proporção menor da população que os pretos e pardos (segundo dados do Censo de 2010 do IBGE, a população brasileira é composta por 50,7% de pretos e pardos, 47,7% de brancos), os estudantes brancos representaram em 2008 60% do alunado das universidades públicas e 66% das particulares, o que indica ainda uma sub-representação de não-brancos no ensino superior. (FEREZ, DAFLON, et al, 2013).

Pelo visto os critérios utilizados na lei 12.711 são lógicos na medida da função em diminuir as desigualdades de acesso ao ensino público universitário. A mesma lei vem promovendo um aumento de vagas para estes grupos vulneráveis, intensificando sua representação nos campus das instituições federais de ensino. Desde 2012 a lei procurou viabilizar uma distribuição mais igual e justa do ingresso à educação de nível superior. Os exemplos acostados aqui servem não para mostrar o resultado da referida norma, mas sim chamar atenção que esta última se justifica em virtude da grande sub-representação destes grupos nas universidades. Constituindo um liame lógico e racional para a implantação de políticas com esta.

Quanto à terceira pergunta, resta-nos tomar como resposta o tópico anterior deste trabalho. Ocasião na qual se analisou os dispositivos constitucionais que dão bases para a recepção e implantação de políticas afirmativas. Logo, a lei 12.711/2012, que procura acabar com as desigualdades de acesso ao ensino superior procura materializar vários dispositivos insculpidos no Diploma constitucional de 1988.

Logo, a supracitada lei de 2012 procurou democratizar o acesso a educação superior gratuita e de qualidade. Sua justiça, do ponto de vista jurídico, está perfeitamente ancorada nos princípios e determinações constitucionais estabelecidas, bem como os seus critérios possuem um vinculo lógico e racional como fator de diferenciação legal. Sendo, portanto, justas e constitucionais aos olhos do ordenamento jurídico pátrio.

Considerações finais

Por tudo considerado e exposto no presente trabalho, nota-se que o direito vem se moldando conforme os valores políticos e sociais da sociedade requerem. Logo, com o princípio da igualdade não fora diferente, passando de uma mera igualdade formal, representada como o valor da quebra dos antigos valores do falecido regime absolutista, bem como da proibição do discrímem em face do patrimonialismo monárquico, para uma igualdade de fato, que prega o fim do estado neutro para a germinação de estado provedor de políticas públicas que considerem o princípio da igualdade no seu sentido material, resultando na individualização das necessidades de cada cidadão, considerando suas virtudes e suas hipossuficiências.

Ademais, sob o aspecto histórico do princípio em voga, conclui-se que a constante evolução constitucional em prol dos direitos sociais, do divórcio com o pensamento individualista e da livre iniciativa, que instituiu o liberalismo clássico, bem como da publicidade da deturpação e tortura dos valores morais da vida e da dignidade humana pelo Nazismo Segunda Guerra Mundial é que promoveram o surgimento de uma nova concepção do ser humano e da sua dignidade como valor fundamental e intocável, o que, consequentemente, resultou na nova interpretação de vários princípios e conceitos jurídicos, dentre eles o princípio da igualdade.

Outrossim, a nova concepção e tratamento jurídico de certos valores ensejou ao emprego de uma nova perspectiva de atividade estatal, o que derivou em políticas públicas de ação afirmativa, com finalidade de se atingir a igualdade de fato, que as Constituições mundo a fora passaram a interpretar na dupla dimensão, formal e material.

O Brasil não fugiu a regra, igualmente como Índia, África do Sul, Estados Unidos, e outros mais, promoveu políticas que tinham como fim de promover a afirmação de grupos minoritários, socialmente e economicamente, ensejando tratamento desigual na medida das desigualdades que os mesmos pertenciam. Então, no campo da educação superior, porta para uma profissão e mudança de status econômico e social, tivemos a implementação de cotas sociais e raciais.

O embasamento filosófico, político e jurídico para tais políticas podem ser encontrados na própria Constituição Federal de 1988, na qual pelos enunciados, normas e dispositivos, abordados anteriormente, determinaram a promoção de uma busca pela igualdade material numa sociedade plural, com fim de evitar discriminação de qualquer tipo.

Um exemplo trazido à baila e que serve de análise constitucional é a Lei n. 12.711/2012. Esta lei é, desde logo, perfeitamente constitucional, ampara-se tanto pela Constituição de 1988, como precedentes do Supremo Tribunal Federal, no caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186. Os debates quanto ao tema da constitucionalidade esgotaram-se, defender o individualismo da meritocracia do capitalismo moderno e desenfreado é o mesmo que incorrer no erro da ausência de percepção de mundo e da pluralidade que circunda cada um dos indivíduos entendidos como gente.

As políticas de Ações Afirmativas vieram para incluir o indivíduo, que na loteria social não fora tão felicitado, no núcleo dinâmico da sociedade movida pelo capital. É um modelo de política pública eficaz, na medida que consegue, sim, incluir, dar acesso e trazer cada indivíduo para o debate público da educação, da participação política, da atividade laboral, enfim, da vida em sociedade.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm >. Acesso em: 04 abr. 2015.

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Pinto Santiago

Graduando do 7º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará.

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