Sumário: Introdução. 1. A deficiência no mundo moderno. 2. Mercado de trabalho e deficiência. 3. Ações governamentais. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
RESUMO:Acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e a violência urbana são acontecimentos comuns do mundo moderno e que vêm ocorrendo frequentemente neste início do século XXI. Como consequência disso, há um número crescente de pessoas com deficiência integrando a sociedade, as quais necessitam de condições especiais para poderem viver com dignidade. Sendo assim, o presente trabalho pretende demonstrar que a inserção do indivíduo no mercado de trabalho é uma importante via de integração na sociedade, sendo fator essencial para reduzir a discriminação social, principalmente quando se trata de pessoa com deficiência. Assim como o trabalhador necessita desenvolver habilidades variadas, com o objetivo de assegurar seu lugar no mercado laboral, governos e empregadores procuram novas maneiras de raciocinar a pessoa que trabalha, conjugando temas como inclusão social e potencialidade do trabalho de indivíduos especiais.
Palavras-Chave: Modernidade. Pessoas com deficiência. Mercado de trabalho. Trabalho decente.
INTRODUÇÃO
O século XX, mais especificamente a sua primeira metade, foi um período histórico marcado pela ocorrência dos dois maiores conflitos bélicos da história da humanidade, quais sejam, as duas Grandes Guerras Mundiais, além de outras tantas lutas armadas. Como consequência disso, milhões de vidas foram perdidas e foi produzida uma imensa quantidade de pessoas com deficiência.
Na obra intitulada As consequências da Modernidade, o sociólogo britânico Anthony Giddens tratou, em uma pequena passagem, desse assunto:
O século XX é o século da guerra, com um número de conflitos militares sérios envolvendo perdas substanciais de vidas, consideravelmente mais alto do que em qualquer um dos dois séculos precedentes. No presente século, até agora, mais de 100 milhões de pessoas foram mortas em guerras, uma proporção mais alta da população do mundo do que no século XIX, mesmo considerando-se o crescimento geral da população. (GIDDENS, 1998, p. 15)
Além disso, diversos acontecimentos como acidentes de trânsito, acidentes de trabalho, bem como a violência urbana, só fazem aumentar essas estatísticas. Tendo em vista que tais fenômenos vêm se repetindo com frequência neste princípio do século XXI, não seria possível que a sociedade e o Estado deixassem passar despercebido este número crescente de pessoas que necessitam de condições especiais para poderem viver com dignidade.
O mundo moderno em que vivem hoje as pessoas com deficiência não pode deixar de ser levado em consideração quando se trata da defesa de seus direitos e da análise das previsões legais existentes e de seus efeitos observados na prática. Nesse sentido, meras abordagens técnicas e debates acerca da aplicabilidade de certos institutos ou conceitos jurídicos não são suficientes, sendo necessário contextualizar esses direitos à vida social moderna.
A vida social foi, é e continuará a ser totalmente organizada e desenvolvida para contemplar pessoas cada vez mais sadias caso nada seja feito para alterar o paradigma atual. É verdade que existem várias campanhas voltadas para a inclusão social, nas quais se chama a atenção para a necessidade de se respeitar as diferenças, fazendo com que estas sejam superadas socialmente. Porém, ainda que se perceba a expansão de um movimento no sentido da inclusão das pessoas com necessidades especiais, na sociedade moderna brasileira, em geral, a maioria das atividades sociais como trabalho, educação e lazer não estão preparadas para abarcar essas diferenças.
Tudo no mundo é voltado, em primeiro lugar, para indivíduos considerados normais, sendo as adaptações para as pessoas com necessidades especiais apenas uma consequência direta das necessidades que vão surgindo. Sendo assim, o deficiente mental, físico, auditivo ou visual, ao se desenvolver, percebe que vive em um ambiente onde é a diferença mais indesejada, recebendo todas as influências sociais que receberia normalmente acrescidas das influências da rejeição à condição de desigual. Por conseguinte, ao notar que diversas atividades realizadas pela maioria das pessoas não pode ser realizada por ele, é que o deficiente passa a visualizar as dificuldades, os preconceitos e as discriminações que terá que enfrentar durante toda a sua vida.
Portanto, é necessário tratar um pouco da questão de como é percebida a deficiência no mundo moderno para depois se abordar a relação entre mercado de trabalho e deficiência e, por fim, mostrar as ações governamentais implementadas para fomentar este mercado.
1.A DEFICIÊNCIA NO MUNDO MODERNO
As pessoas com necessidades vivem hoje em um mundo que vai bastante além do que o direito consegue prescrever. O mundo moderno está repleto de desigualdades de todos os tipos e, se por um lado o desenvolvimento de novas tecnologias permite às pessoas com deficiência viver com um maior grau de independência e ter acesso às oportunidades, por outro são produzidos indivíduos deficientes em grande quantidade e de forma bastante acelerada.
As deficiências são causadas por diversos fatores e estas variam de acordo com as condições socioeconômicas de cada região. Por exemplo, pessoas com necessidades especiais que vivem em locais desprovidos de serviços básicos têm maior dificuldade em superar suas limitações. Entre as causas do aumento excessivo do número de pessoas com deficiência, podem ser destacados os conflitos armados, a fome e as doenças, a alta densidade demográfica e as condições precárias de moradia, a falta de conhecimento sobre a própria deficiência (causas, prevenção e tratamento), a insuficiência de programas de assistência e do serviço de saúde, e, principalmente, os acidentes ocorridos nos setores da indústria, da agricultura e dos transportes. Além disso, também devem ser considerados como fatores que causam deficiências: as catástrofes naturais, a poluição do meio ambiente, o uso ilícito de entorpecentes e afins.
Logo, é simples notar que existe alguma relação entre a deficiência e a pobreza. Todavia, as deficiências, por serem congênitas ou adquiridas, podem atingir pessoas das mais diversas condições socioeconômicas. Assim sendo, nenhum indivíduo está livre de um dia se tornar uma pessoa com necessidades especiais ou de ter um familiar ou amigo com alguma limitação, pois não são todas as causas que estão diretamente interligadas a fatores socioeconômicos.
Diante do até aqui já exposto, conclui-se que os fatores responsáveis pelo surgimento ou agravamento das deficiências não se resumem à questão da condição social de pobreza dos indivíduos. Isto quer dizer que qualquer pessoa, independentemente do ambiente onde viva e de sua condição socioeconômica, está sujeita a um dia se tornar um deficiente. Nesse sentido, levando em consideração que as características do que se denomina normal e saudável não são vitalícias, é que a eliminação das discriminações e dos preconceitos é benéfica não somente para as pessoas com necessidades especiais, mas também para a sociedade como um todo, principalmente para aqueles indivíduos que eventualmente tenham a necessidade de conviver com alguma forma de deficiência.
2.MERCADO DE TRABALHO E DEFICIÊNCIA
A inclusão social e no mercado de trabalho é tema recorrente nos fóruns internacionais de discussão e nos debates entre governos e empresas, especialmente quando se trata de promover o desenvolvimento de oportunidades de trabalho e emprego às pessoas que têm algum tipo de deficiência.
O acesso da pessoa com necessidades especiais a um mercado de trabalho que, a cada dia, se torna mais concorrido e desejoso de formações especializadas e notáveis competências, bem como a sua permanência neste mercado, reivindicam legislação exclusiva que estimule o desenvolvimento de programas de capacitação e de inclusão social oriundos, principalmente, de ações combinadas entre Estado, empresas e sociedade civil.
A maioria esmagadora das pessoas que possui alguma categoria de deficiência apresenta imensas dificuldades de obter uma inserção de qualidade no mercado de trabalho. Ademais, tal inserção é geralmente marcada pela precariedade, o que torna complicada a construção de trajetórias de trabalho decente. Essa dificuldade evidencia-se, principalmente, pelas elevadas taxas de desemprego e de informalidade, bem como pelos baixos níveis de rendimento e de proteção social. Em termos gerais, os deficientes brasileiros apresentam taxas de desocupação e informalidade superiores à média e níveis de renda inferiores.
Nesse sentido, pode-se dizer, com absoluta certeza, que não são muitas as pessoas especiais que têm um trabalho decente, sendo tal fato verificável em todas as sociedades. Na maior parte dos países, aproximadamente 80% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar estão desempregados. As demais estão subempregadas ou nunca tiveram acesso ao mercado laboral. Há, portanto, uma disparidade bastante significativa entre as condições de trabalho e as tendências de emprego das pessoas com deficiência e aquelas que não possuem deficiência alguma.
As pessoas deficientes são, em muitos casos, dependentes da caridade ou dos serviços sociais para sobreviver e não de um trabalho digno. A falta de oportunidades e as atitudes negativas são os principais motivos pelos quais as pessoas com deficiência estão excluídas do mercado de trabalho.
Além disso, são várias as nações que não têm um conjunto de leis para fomentar e preservar os direitos desses trabalhadores especiais. Isto acaba legitimando a discriminação, além de obstaculizar a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Todavia, a discriminação costuma ter início em momento anterior, quando são negadas a educação e a formação para o emprego, bem como o transporte e o local de trabalho acessíveis às pessoas com deficiência, oportunidades estas que, sem dúvida alguma, facilitariam a sua inclusão no mercado de trabalho.
Sendo assim, passa-se a perceber que:
o problema não é do surdo, que não entende o que está sendo dito na TV, e sim, da emissora que não colocou a legenda; o ‘problema’ não é do cego que não consegue estudar e, sim, dos estabelecimentos de ensino que não publicam e nem adquirem computadores em braile e que também não habilitam seus professores na língua de libras; o ‘problema’ não é do deficiente físico que não pode subir escada ou entrar no ônibus e, sim, do Estado que aprovou construções e veículos sem rampas ou elevadores de acesso. (CRUZ, 2003, p.133)
Nesse sentido, vale destacar a definição do termo “acessibilidade” disposta no artigo 2º, inciso I, da Lei nº 10.098/2000:
Art. 2o. Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:
I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
Outro fato relevante é que os empregadores que se recusam a contratar uma pessoa deficiente supõem que esta não será capaz de desempenhar as tarefas que lhe forem conferidas e que isso seria muito custoso financeiramente. Esta postura está radicada no receio e em ideias preconceituosas, focados somente na deficiência e não nas competências do indivíduo. As evidências, porém, revelam que pessoas especiais têm avaliações de desempenho superiores, assim como registros de assiduidade melhores do que seus companheiros de profissão sem deficiência. Outro dado digno de menção é que os custos de adaptação para os trabalhadores deficientes podem ser mínimos, sendo que a maioria não requer adaptação alguma.
Não obstante todo o aparato de conhecimentos desenvolvidos pelas ciências que têm o trabalho como fonte de pesquisa e de todo o conjunto de normas e interesses nacionais e de organizações internacionais que giram ao redor do tema “trabalho decente”, é do conhecimento de todos que há ainda bastante que se discutir para implementá-lo e para expandi-lo no Brasil e nos demais países.
Assim, considerando que aproximadamente 24% (Censo 2010 - IBGE) da população brasileira possui alguma modalidade de deficiência e considerando que a maior parte deste grupo de indivíduos está submetida a um processo histórico de exclusão, necessário o debate a respeito do que pode e deve ser realizado, além da implementação de políticas afirmativas de cunho assistencialista, para conscientizar a sociedade acerca das potencialidades dessas pessoas especiais.
Portanto, introduzir o assunto na pauta das discussões jurídicas e acadêmicas torna-se imprescindível, tendo em vista que a efetiva inserção da ideia de trabalho decente na dinâmica social do trabalho deve estar diretamente interligada à proteção da dignidade humana do trabalhador e à redução das desigualdades sociais, do desemprego e da discriminação excludente, e precisa ser ininterrupta e urgente, sobretudo quando se trata de pessoas com deficiência.
3.AÇÕES GOVERNAMENTAIS
O compromisso do governo brasileiro de promover a inclusão social e no mercado de trabalho das pessoas com necessidades especiais começou a ser firmado com a ratificação, perante a Organização Internacional do Trabalho – OIT, das Convenções nº 111/1958 e nº 159/1983 que tratam, respectivamente, da discriminação em matéria de emprego e profissão e da reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes.
Com a promulgação da Constituição da República de 1988, foi iniciada uma nova ordem de progressos no que diz respeito a políticas de habilitação e de reabilitação profissional, qualificação e trabalho de pessoas com deficiência. A nova Carta Política prevê o fomento de programas de integração social destinados exclusivamente às pessoas especiais. Além disso, o acesso a cargos ou empregos públicos, desde então, tem percentual reservado, mediante estabelecimento em lei ordinária, para pessoas com necessidades especiais.
Com a Declaração de Salamanca, em junho de 1994, o termo “integração” foi substituído pelo termo “inclusão”. A inclusão passou a ser compreendida como “um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos” (SASSAKI, 1997, p. 41).
Entretanto, a ação afirmativa mais contundente no tocante à inclusão da pessoa com necessidades especiais no mercado de trabalho está prevista na Lei nº 8.213/91, que trata da habilitação e reabilitação profissional. O referido diploma legal estabelece, em seu artigo 93, a exigência de que empresas com 100 (cem) ou mais empregados estão obrigadas a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência.
A obrigatoriedade em atender a lei de cotas significou a busca de estratégias para preenchê-las, uma vez que a nova lógica do mundo do trabalho passou a ter uma oferta ampliada de vagas para pessoas com necessidades especiais, demandando profissionais com formação ou qualificação adequadas.
O fato de a Constituição da República afirmar que todos são iguais diante da lei não exclui essa medida afirmativa. Trata-se de tornar possível a igualdade entre as pessoas a partir do pensamento de Aristóteles de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na justa medida da desigualdade.
A inclusão social e no mercado de trabalho das pessoas com deficiência repercute na qualidade de vida desses indivíduos e da comunidade como um todo, possibilitando a utilização dos bens e serviços produzidos e oferecidos por essa classe especial, tornando viável uma sociedade mais complacente e livre de preconceitos e, assim, concretizando-se o princípio da igualdade de oportunidades para todos.
O Decreto n° 3.298/99, seguindo a linha de avanços na legislação, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a qual possui princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos especialmente direcionados para a promoção da inclusão social e no mercado de trabalho desses indivíduos. A partir daí, ainda que de forma incipiente, as comuns práticas assistencialistas deram lugar a novos preceitos introduzidos no mundo jurídico, como igualdade de oportunidades e acessibilidade, restando à sociedade a sua fiel observância.
O estudo de Glatt (1995, p. 40) confirma o pressuposto de que a via laboral possibilita o exercício das potencialidades e competências das pessoas para o trabalho, inclusive daquelas com deficiência, permitindo-lhes construir uma vida mais autônoma, com reflexos positivos na sua autoestima e na sua socialização, elementos favoráveis à inclusão social.
Desse modo, a contratação de pessoas com necessidades especiais deve ser encarada como qualquer outra, pois se espera do trabalhador nessas condições profissionalismo, dedicação, assiduidade, ou seja, qualidades e competências inerentes a qualquer empregado.
Já na esfera educacional, ressalta-se a Lei n° 9.394/96, que traz um capítulo a parte para a Educação Especial, dispondo que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais educação especial para o trabalho, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade. A educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para evitar a instituição de um sistema paralelo de educação que nada mais é do que um ajuste estrutural que garante a invisibilidade dos desviantes e faz com que as instituições de assistência assumam a responsabilidade de confinar os elementos desviantes, retirando-os do meio para que não perturbem a ordem social. A finalidade precípua de escolas especiais passa a ser a de garantir a profilaxia social e os padrões de normalidade.
Logo em seguida à formalização do conceito de trabalho decente pela OIT, proliferaram-se os acordos políticos e governamentais a sua volta, como o projeto de uma Agenda do Trabalho Decente.
Em 2003, o então presidente Lula assinou, com o Diretor Geral da OIT, um Memorando de Entendimento que conjectura a instituição de um Programa de Cooperação Técnica, com o propósito de criar uma Agenda Nacional de Trabalho Decente.
No ano de 2005, foi iniciada uma série de ações ordenada e precisa de debates dessa Agenda Nacional entre a OIT e um grupo técnico criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Como produto disso, em 2006, foi realizado o lançamento da Agenda Nacional de Trabalho Decente pelo Ministro do Trabalho e Emprego durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT, realizada em Brasília, oportunidade na qual o Diretor Geral da OIT apresentou também a Agenda Hemisférica do Trabalho Decente.
A Agenda Nacional explicita que a promoção do trabalho decente é considerada uma prioridade política do governo brasileiro e estrutura-se em torno de três prioridades, sendo que a que interessa a esta pesquisa é a geração de mais e melhores empregos com igualdade de oportunidades.
Assim, o Governo Federal firmou um compromisso social na busca de promover a inclusão de pessoas com necessidades especiais no processo de desenvolvimento nacional, fomentando mais oportunidades do que praticando assistencialismos.