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O problema do fim dos lixões

11/08/2015 às 08:22
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Quando todas as cidades eliminarem os lixões (como previsto em lei), apresentarão planos de gestão integrada de resíduos e aumentarão a taxa de reciclagem, incluindo os catadores no processo?

A Lei 12.305/2010, modificando a lei que trata dos crimes ambientais (9.605/1998), penaliza quem abandona produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança, manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da prevista em lei ou regulamento.

Está aí, para lembrança, como triste exemplo, o acidente radiológico em Goiânia, ocorrido em 1987, considerado um dos maiores acidentes radiológicos do mundo, que só não foi maior do que aquele ocorrido em Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. O incidente teve início depois que dois jovens catadores de papel encontraram e abriram um aparelho contendo o elemento químico césio-137. A peça foi achada em um prédio abandonado, onde funcionava uma clínica desativada. Nunca se sabe o que vai se encontrar num lixo, lembrando-se que o Brasil gasta cerca de setecentos e sessenta milhões de reais por ano para tratar de doenças decorrentes do lixo. Os mais afetados são catadores de materiais recicláveis e as populações que vivem às margens desses lixões. Deve ser encarada com seriedade uma política de gestão de resíduos sólidos. Fica a pergunta: Quando, como previsto na Lei 12.305/10, todas as cidades terão eliminado os lixões, apresentando planos de gestão integrada de resíduos, aumentando a taxa de reciclagem, incluindo os catadores no processo?

No caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a questão em destaque é o fim dos lixões em todos os municípios brasileiros. Quando a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2010 (Lei 12.305/2010), depois de tramitar por nada menos que 20 anos, as cidades que ainda não faziam seus descartes de resíduos em aterros sanitários teriam quatro bons anos para se adequar a lei. Eis que ao final do prazo, agosto de 2014, o Congresso brasileiro decidiu pela prorrogação por mais um ano, ou seja, agosto de 2015.

Com a proximidade do fim do prazo e diante da falta de empenho dos municípios, não deve causar estranheza o fato de o Senado Federal propor um novo adiamento. Um projeto de lei (PLS 425/2015) aprovou a prorrogação, desta feita de maneira escalonada, para que os municípios se adaptem à PNRS no que se refere ao fim dos lixões. O PL dos digníssimos senadores representantes da Câmara Alta brasileira definiu que: capitais e municípios de regiões metropolitanas terão até 31 de julho de 2018 para acabar com os lixões; já os municípios de fronteira e os que contam com mais de 100 mil habitantes terão um ano a mais (31/07/2019) para implementar os aterros sanitários; em relação às cidades que têm entre 50 e 100 mil habitantes,  estas terão prazo ainda maior, ou seja, até 31/07/2020; e os municípios com menos de 50 mil habitantes serão favorecidos com uma extensão de prazo até 31/07/2021 para cumprir o que determinava a lei. Agora o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados para apreciação e, apesar de não ter bola de cristal, posso afirmar que os atuais deputados, pelo que temos visto até agora, certamente não deverão alterar a proposta do Senado.

Parece que o país ainda não entende o dever de lidar com o lixo de maneira sustentável.

Estarão os Estados devidamente preparados e preocupados em fazer planos de gerenciamento e acompanhar o trabalho dos municípios que têm grande importância nessa relevante tarefa?

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) já apresentou  reclamação. O presidente, Paulo Ziulkoski, afirmou que há anos tem alertado o Congresso e a União para o fato de que as prefeituras não possuem recursos para fazer cumprir a lei e, assim, acabar com todos os lixões do país, bem como organizar a coleta seletiva, instalar usinas de reciclagem e depositar o material orgânico em aterros sanitários. São necessários R$ 70 bilhões para transformar todos os lixões em aterro sanitário, no total, se forem considerados os municípios que estão atrasados nesse processo. Isso equivale à arrecadação conjunta de todos os municípios do país.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em março de 2014, aponta que, do total de municípios no país, mais da metade não trata o lixo devidamente ou tem lixões. Para se ter ideia, 2.810 deles não tratam o lixo, enquanto 2.906 ainda possuem lixões em funcionamento, em situação que, mesmo as prefeituras tendo iniciado a política nos últimos três meses, não permitirá a adequação a partir de agosto.

O que é resíduo sólido? Vem o conceito trazido por Paulo Afonso Leme Machado (Direito ambiental brasileiro, 7ª edição, São Paulo, Malheiros, 1998, pág. 462), quando diz que significa lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais e agrícolas e de atividades de comunidade, mas não inclui materiais sólidos ou dissolvidos nos esgotos domésticos ou outros significativos poluentes existentes nos recursos hídricos, tais como a lama, resíduos sólidos dissolvidos ou suspensos na água, encontrados nos efluentes industriais, e materiais dissolvidos nas correntes de irrigação ou outros poluentes comuns. A Lei 9.921, artigo 2º, de 27 de julho de 1993, fala de resíduos provenientes de: atividades industriais, atividades urbanas (doméstica e de limpeza urbana), comerciais, de serviços de saúde, rurais, de prestação de serviços e de extração de minerais; outros equipamentos e instalações de controle de poluição.

Resíduos são substâncias, materiais ou objetos dos quais o seu detentor se pretenda desfazer ou tenha a obrigação legal de se desfazer. Há resíduos perigosos, que são resíduos ou misturas de resíduos que, em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade podem apresentar riscos à saúde pública, provocando ou contribuindo para um aumento da mortalidade ou incidência de doenças, apresentando efeitos adversos ao meio ambiente, quando manuseados ou dispostos de forma inadequada (ABNT – NBR 10004). 

A falta de efetividade de uma lei que é de extrema importância para o país preocupa.

Quando os Municípios, isoladamente, ou reunidos, estarão em condições de implementar politicas públicas, programas, projetos, com metas estabelecidas para esta área?

O certo é que devem ser incentivadas parcerias, em consórcios interfederativos, de forma a permitir parcerias para a construção de aterros sanitários. Essa uma solução a ser pensada, dentre várias.

O papel do Ministério Público é de extrema importância para tanto, no sentido de expedir recomendações, efetivar termos de ajustamento, e, se for o caso, ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses difusos.  

Como instrumento da democracia participativa, a ação civil pública é a via processual adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens coletivos tutelados, encontrando-se disciplinada pela Lei nº 7.347/85, com as modificações posteriores e, subsidiariamente, pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11.09.1990, art. 90.

O modelo a ser seguido com relação a tal remédio jurídico pode levar em conta a tutela específica declinada na redação do art. 461 do Código de Processo Civil, dentro da reforma processual, e ainda do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor.

Pode a ação civil pública servir de instrumento de tutela com relação ao ilícito que provocou dano (tutela ressarcitória), como pode, outrossim, servir de instrumento de uma tutela preventiva (inibitória), que evite tal prática ou impeça a sua continuidade, através de ordem da autoridade judicial ao infrator (fazer ou não fazer sob pena de multa), ou para ser cumprida com a colaboração de terceiros (tutela preventiva-executiva) ou para que , ainda, elimine a prática do ilícito (tutela reintegratória). Não há como deixar de admitir tais tutelas contra o Poder Público.

Assim como a tutela inibitória, a tutela reintegratória não se importa com o dano, mas com a eliminação do ilícito com nítido conteúdo executivo lato sensu. É o caso da demolição de obra irregular, da busca e apreensão e da interdição de fábrica ou estabelecimento nocivo ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores ou da população.

O dano é consequência meramente eventual do ilícito.

Os danos aos quais se refere a ação civil pública são os patrimoniais e os morais. O dano, que é lesão causada aos bens tutelados, abrangendo os de caráter emergente (prejuízo efetivo), diretos e imediatos e os  lucros cessantes, só poderá ser relacionado a tutela ressarcitória, que exige, em regra, a comprovação de dolo ou culpa. Há danos não patrimoniais como o causado ao meio ambiente em relação aos quais decerto não se pode falar em dano expresso em pecúnia.

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Em vigoroso estudo sobre a matéria, Marinoni (Tutela específica, São Paulo, RT, 2ª edição, pág. 153) adverte que a tutela ressarcitória sempre foi relacionada com o ressarcimento em pecúnia numa visão tipicamente liberal e patrimonialista dos direitos.

 Adapta-se a tutela ressarcitória à possibilidade de reparação de forma específica, em que não se fala em equivalente pecuniário. Mas há tutela ressarcitória específica ou tutela ressarcitória sobre o equivalente pecuniário, cuja característica lembra a tutela condenatória e a execução por créditos por quantia certa contra devedor. Aliás, a restitutio in integrum é a forma considerada adequada, já que se retorna ao status quo ante. Só em caso de impossibilidade dessa fórmula vislumbra-se a compensação em forma do pagamento de uma indenização em dinheiro.

Dir-se-á que se está diante de uma reserva do possível e que os Municípios não podem se adequar, de pronto, a essa nova realidade.

Ouso discordar, apontando as lições de Andreas Joaquim Krell, quando disse que a Constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado e que a eficácia dos direitos fundamentais sociais depende dos recursos públicos disponíveis. No entanto, a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos, de modo a permitir a intervenção do Judiciário em caso dessas omissões. 

O certo é que não há discricionariedade na adoção de políticas públicas, pois a Constituição já determina sua realização.

Há casos em que há normas impositivas de ação governamental que são acompanhados de parâmetros de concretização e sanções por sua inobservância.

O princípio da separação de poderes não pode ser usado para descumprimento de deveres públicos quando se exige da Administração uma obrigação de fazer.

Aqui aplica-se o princípio da proporcionalidade.

Nota-se que o processo coletivo impõe evidente papel de participação democrática, influenciando nos destinos da sociedade.

Termina-se por alertar que não se pode aguardar indefinidamente para implementação de lei, por sua efetividade, sob pena de legar a gerações futuras o estigma do fracasso na implementação de políticas públicas ambientais em prol da sociedade.

Mas não se perca de vista a correta aplicação do artigo 54, V,  da Lei de Crimes Ambientais. Ali se diz que é crime se a poluição causada ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, com pena de reclusão de um a cinco anos.

Trata-se de crime de perigo, permanente, onde se exige o dolo como elemento do tipo.

Uma empresa pode tornar imprópria área urbana ou rural para ocupação urbana, se atuando nas proximidades de um conjunto residencial abre um depósito clandestino de seus resíduos industriais, contaminando solo, subsolo, ar e água. Atua ainda o agente, dentro da qualificadora prevista no artigo 54, parágrafo segundo, I, se contamina a população, lançando gases tóxicos como benzeno, metano, o clorobenzeno, dentre outros.

Contaminação, mister se diga, é a presença indesejável de materiais radioativos em pessoas, materiais, meios e locais. Por sua vez, a contaminação ambiental é a introdução, no meio ambiente, de agentes que afetam negativamente o ecossistema, provocando alterações na estrutura e funcionamento das comunidades (Lei 7.802, artigo 5º, de 11 de julho de 1989). A contaminação pode ser em superfície externa ou interna.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O problema do fim dos lixões . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4423, 11 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41597. Acesso em: 8 nov. 2024.

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