Humanização no sistema penitenciário

14/08/2015 às 22:24
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Tendo em vista os flagrantes desrespeitos por que passam os encarcerados, faz-se necessária uma análise da questão da implantação de um modelo mais humanitário no sistema penitenciário e variáveis cercam esse meio.

   O direito enquanto meio, o humanismo enquanto fim.

(Carlos Ayres Britto)

RESUMO:

O sistema penitenciário brasileiro, a cada dia que se passa, torna-se cada vez mais, sinônimo de situações degradantes para os apenados que ali estão. Superlotação nas celas, exploração sexual dos presos, revoltas dentro das penitenciárias, fugas e comando de associações criminosas de dentro das prisões, como mostram os noticiários diuturnamente, só fazem reforçar ainda mais a fragilidade de nosso sistema prisional e quem mais sofre com essa falta de atenção do poder público é a própria pessoa que tem sua direito a liberdade retirado pelo Estado, o que provoca diversos casos de violação aos direitos humanos. Esse artigo busca, portanto, discutir as violações aos direitos humanos fundamentais e como isso se reflete na procura por um cárcere de qualidade. . A partir dos resultados apresentados neste escrito, poder-se-á ter uma visão do modo como essa questão está sendo tratada pela sociedade, pelas autoridades e pelo Direito, tendo em vista a tendência crescente das busca pela implantação dos direitos humanos em todas as esferas da sociedade.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário, Direitos Humanos, Direito Penal.

RESUMEN:

El sistema penitenciario brasileño, cada día que pasa, se vuelve cada vez más sinónimo de degradación de las situaciones para los reclusos que están allí. El hacinamiento en las celdas, la explotación sexual de los presos, revueltas en prisiones, senderos y comando asociaciones criminales dentro de las prisiones, como lo muestra el día de noticias y noche, reforzar sólo hacer aún más la fragilidad de nuestro sistema penitenciario y los que más sufren esta falta de la atención del gobierno es la misma persona que tiene su derecho a la libertad tomada por el Estado, lo que hace que muchos casos de violación de derechos humanos. Este trabajo tiene como meta, por lo tanto, para discutir las violaciónes de los derechos humanos fundamentales y cómo esto se refleja en la búsqueda de una prisión de calidad. . A partir de los resultados presentados en este escrito, es posible que se tenga una visión de cómo este tema está siendo tratado por la sociedad, por las autoridades y por la ley, en vista de la creciente tendencia de buscar la aplicación de los derechos humanos en todas las esferas de la sociedad.

Palabras clave: Prisiones, Derechos Humanos, Derecho Penal.

1 INTRODUÇÃO

            O Sistema Penitenciário passou por duras mudanças ao longo dos tempos, evoluindo de masmorras onde os encarcerados eram tratados com o mínimo existencial, para um padrão onde o recluso deve ter todos os seus direitos respeitados, já que o único direito a que o Estado tem o poder de infringir aos que estão presos é o da liberdade de ir, vir e permanecer.

            A realidade brasileira, entretanto, fica longe dessa utopia. O que se vê são condições degradantes e desumanas onde homens e mulheres são jogados sem que possam ao menos questionar a situação em que se encontram, tendo em vista que cadeia é “lugar de criminoso” e, para a sociedade em geral, quem está preso tem que sofrer para aprender que “o crime não compensa”.

            O que a sociedade não percebe é que tratando mal os condenados, fechando os olhos para o que acontece dentro das penitenciárias brasileiras, estamos desrespeitando os cidadãos que estarão nas ruas dentro de alguns anos. O que precisa ser refletido é uma forma de tratar a questão da marginalidade, punindo quando necessário e trabalhando para que os considerados culpados possam sair do cárcere de uma forma melhor, mais digna, afinal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil explicitada por meio de nossa Constituição Federal de 1998. Trabalhos que possibilitem a remição da pena, meios menos degradantes de revistas aos familiares que visitam os reclusos, tratamento humanitário por parte dos que trabalham no sistema prisional, reforma dos presídios existentes e aumento nas vagas no regime fechado são formas para humanizar as condições do sistema carcerário brasileiro e buscar uma efetividade da dignidade da pessoa humana, que foi impulsionada pela chegada do neoconstitucionalismo.  Outra solução, como diz Medina (2013), seria a adoção do Direito Penal Mínimo em nossa legislação, onde só seriam reclusos os que cometessem crimes mais graves e deveria haver um maior incentivo à aplicação das penas alternativas.

            Essa crise no sistema é reflexo da incapacidade do Estado de gerir políticas que possibilitem uma vivência digna dos condenados e os prepare para voltar à sociedade de uma forma melhor, sem a intenção de cometer novos crimes, contrariando assim, Hulsman (1986, p. 56) que julga as prisões como instituições falidas e que são meios inviáveis para uma política de ressocialização. A falta de cuidado com os presos geram as revoltas e fugas de presídios que vivenciamos em nossos meios de comunicação já como uma rotina.       

            O tratamento digno no Sistema Penal é uma possível solução para reduzir a situação alarmante de insegurança que vivemos hoje, pois tratar o próximo com respeito não é apenas uma norma de boa conduta social, mas sim uma forma de receber de volta um bom tratamento, como prediz Beccaria (1977, p. 54) que traz o ensinamento de que a prisão deveria influenciar a conduta humana, tendo, portanto, um caráter utilitário.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A IMPORTÂNCIA DO NEOCONSTITUCIONALISMO PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

            A mudança ocorrida do Estado Constitucional para o Neoconstitucional marca uma nova forma de olhar a questão dos direitos do homem e do cidadão. Se antes tínhamos uma previsão constitucional dos direitos, limitando assim, a atuação abusiva do Estado, com essa nova forma de ver as garantias constitucionais e, mais especificamente, o Constitucionalismo, daí o prefixo “neo” usado em Neoconstitucionalismo, passou-se a buscar, efetivamente, a concretização de tais direitos.

            Com essa nova perspectiva tem-se uma maior valorização aos direitos fundamentais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira dimensão, já que o ideário de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa se faz mais do que presente em nossa sociedade. Assim sendo, vemos uma maior promoção da igualdade material embasada no princípio da dignidade humana para a reestruturação de tais direitos nesse novo momento constitucional. (MAIA, 2013).

            Por outro lado, percebe-se certa dificuldade em caracterizar ou conceituar essa forma tão vital de promoção e preservação dos direitos fundamentais que é o neoconstitucionalismo, devido, de certa forma, ao pouco tempo que esse termo é empregado, tendo início no começo de nosso século. O que é certo é seu caráter de busca da efetivação material nas prestações do Estado, como preleciona Walber de Moura Agra:

O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado um movimento caudatário do pós-modernismo. (AGRA apud LENZA, 2014, p. 72). 

            Outros autores ainda buscam uma classificação para essa nova forma jurídica de pensar os direitos da pessoa humana, mas o que importa realmente são as efetivas mudanças ocorridas em nosso Estado e na sociedade como um todo:

Este é, na verdade, um sintoma dessa multiplicidade de propostas agrupadas sob a mesma denominação. Porém, fica claro que, sob esse rótulo, estão reunidas as reflexões teóricas que buscam desenvolver um novo quadro de referências capazes de dar conta das mudanças geradas pelo Estado Democrático de Direito. (MAIA, 2013, p. 28).

            Desta forma, o que vale ser ressaltado ainda, como aponta Maia (2013), é a maior interação entre os poderes sob o paradigma neoconstitucionalista, promovendo um verdadeiro sistema de trabalho em equipe onde o Judiciário pode realizar atos que antes eram considerados apenas políticos.

           

2.2 DIREITOS HUMANOS EM PERSPECTIVA

            A Declaração Universal dos Direitos do Homem começa afirmando que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

            Tratar de assuntos como os direitos humanos requer uma ampliação de nossa visão de mundo, afinal, quando se cita esse tema, o que logo vem à cabeça das pessoas é a proteção aos presidiários ou uma forma de limitar a punição que lhes é devida pelo Estado. Entretanto, a triste realidade é que nem o senso comum pode ser atendido, tendo em vista o estado deplorável em que se encontram os presídios de todo o país. Além disso, revela-se uma forte necessidade de proteção de direitos que antes não eram levados tão em consideração no tratamento dos apenados, como o direito de não terem suas relações sociais e familiares reduzidas ou, até mesmo, extintas, mesmo na condição de cárceres, pois as situações humilhantes por que passam os visitantes, como a completa nudez e a realização de posições vexatórias inibem, significativamente, as visitas familiares nas prisões. O que acaba revelando a perspectiva de que dentro de alguns anos, outros direitos tenham de ser protegidos pelo Estado para garantir pelo menos o básico para a pessoa humana, como diz a teoria do mínimo existencial, onde os direitos fundamentais versam sobre as necessidades vitais mínimas do ser humano, ou seja, eles são os direitos sem os quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive e limitam a atuação do Estado sobre as pessoas e não se esgotam com os previstos em nossa Constituição Federal de 1988, levando em consideração que adotamos o caráter material da lei:

Não é fácil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito a respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. (BOBBIO, 2004, p. 18).

            Vale ressaltar aqui, que parte da doutrina diferencia direitos humanos dos direitos fundamentais. Para os que assim entendem, os direitos humanos seriam a ideia da fundamentabilidade dos direitos no plano internacional, assim visto no conteúdo da Declaração Universal, que trouxe o caráter de universalidade dos direitos humanos:

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A partir da entrada em vigor da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se discutiu sobre a forma mais eficaz de assegurar o respeito aos direitos consagrados em 1948. Desta forma, prevaleceu o entendimento que a Declaração deveria ter seu conteúdo detalhado de forma jurídico-formal, com base em uma estrutura de tratado internacional que fosse juridicamente vinculante e obrigatório no âmbito do Direito Internacional. (PIOVESAN apud LEITE, 2013, p. 218).

           

            Um fato que ainda merece ressalva é a questão de não serem tais direitos, absolutos, porém isso não é fundamento para o esquecimento por parte das autoridades do dever de cuidar de todos os cidadãos, inclusive daqueles que praticaram algum ilícito penal e estão respondendo pelo crime. Afinal, o direito retirado dessas pessoas é apenas o de liberdade, não podendo haver supressão de outros relativos à sua condição existencial que não sejam antinômicos entre si. Como bem afirma Bobbio (2004, p. 21) “a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles”.  

            Por outro lado, vem a posição de Carlos Ayres Britto, para quem há na Constituição exemplos de direitos absolutos, que não são em nenhuma hipótese restringíveis em sua abrangência, como os trechos referentes à vedação das penas degradantes ou cruéis e vedação à tortura, levando-nos ao mínimo exigido para a legalidade das prisões realizadas no Brasil, desconsiderando aqui, as etapas posteriores ao encarceramento.

2.3 APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO DIREITO PENAL

            A criminalidade é uma questão que cada dia mais ganha enfoque nos noticiários mundiais e, principalmente, brasileiros. É uma questão de segurança pública, assim como as políticas de segurança devem incluir a administração dos presídios e o tratamento dos reclusos baseados no princípio da dignidade da pessoa humana, não apenas como uma forma de cuidar daqueles que ali estão, mas sim, como forma de prevenção e combate a criminalidade.

            A naturalidade com que ocorrem as violações aos direitos humanos mostra a fragilidade do nosso Estado de Direito ao permitir a prática de violência em nosso país com tanta naturalidade, além de não receber a atenção necessária por parte da sociedade e da mídia.

            O desrespeito à cidadania dos presos relaciona-se às contínuas práticas de tortura nas unidades prisionais, baseadas muitas vezes em métodos americanos de interrogação, sendo que alguns desses últimos são permitidos pela legislação dos Estados Unidos, ao contrário da nossa realidade, onde existem diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que deveriam assegurar a boa permanência dos presos em suas lotações, como a própria Constituição de 1988 e a LEP – Lei de Execuções Penais, trazendo garantias utópicas, raramente cumpridas nas penitenciárias do Brasil e, portanto, constantemente violando os direitos humanos:

Não se inverte, em hipótese alguma, o eixo que levam justiça penal e direitos fundamentais a inevitável choque, quando, em verdade, deveriam juntos caminhar neste processo de evolução e amadurecimento dos institutos do direito processual penal, que na maioria das vezes somente na retórica se pode dizer instrumento de proteção do indivíduo perante o Estado. (SAMPAIO JÚNIOR, 2009, p. 304).

            Uma questão que também merece destaque é o aumento no número de mulheres presas, em sua maioria, por envolvimento com o tráfico de drogas. Muitas vezes são pessoas que se relacionam com traficantes e acabam enveredando por esse caminho até mesmo por falta de alternativa para o progresso social, levando ao crescente aprisionamento dessas mulheres. É bem verdade que os presídios femininos devem conter apenas funcionárias e no caso das gestantes e lactantes, deve haver um acompanhamento médico e espaço próprio ao longo desse período, entretanto, isso não inibe a desrespeito aos direitos humanos das mulheres que permanecem reclusas em celas sem estrutura, que amamentam seus filhos em espaços insalubres e pequenos e perdem o convívio com os mesmos, pouco tempo após o nascimento, dando margem, assim, para a má criação desses bebês por parte dos familiares que arcam com o ônus de uma criança inesperada no orçamento e convívio familiar, podendo levar aos casos de maus tratos, exploração sexual e até mesmo inserção no mundo do crime como forma de “compensar” os gastos por ela gerados, ou seja, as prisões femininas acabam gerando, até certo ponto, maiores problemas na sociedade como um todo, se levarmos em consideração que muitos núcleos familiares são comandados por mulheres. Lembrando, obviamente, que isso não é um problema exclusivamente das mulheres jovens, das pessoas pobres ou negras, como bem prediz Grego (2011, p.266) “o tráfico de drogas, com a sua política devastadora, aguça os interesses de todas as pessoas, não importando o sexo, a idade, a classe social ou o estado civil”, além de não ser um problema exclusivamente brasileiro, conforme esclarece Andrew Coyle:

Em vários países, a legislação  mais rigorosa contra o narcotráfico causou um grande impacto sobre o número de presidiárias, resultando em um aumento proporcional no número de presidiárias muito maior do que entre a população carcerária masculina. Em certos países, como Reino Unido, isso também trouxe um aumento do número de presidiárias estrangeiras, que hoje constituem uma percentagem desproporcionalmente alta das presidiárias. (COYLE apud GREGO, 2011, p. 266).

            Em suma, o que se observa é a ausência ou descaso das autoridades em relação aos detentos, sejam eles homens ou mulheres, em instituições do Estado, levando ao descrédito, principalmente, do Poder Judiciário que é o responsável por assegurar não só a aplicação da lei, como também o seu acompanhamento e que não se importa com a falta de humanização no tratamento das pessoas que tiveram retirado o direito a liberdade:

Como visto, não mais se pode tolerar a convivência complacente com um direito fundamental constitucional de faz-de-conta, ou o Poder Judiciário aplica a Constituição, à custa da legislação infraconstitucional que com esta confronte, ou se paga de vez o preço, quiçá irrecuperável, da perda definitiva da legitimidade política que ainda se espera da jurisdição. (SAMPAIO JÚNIOR, 2009, p. 305).

2.4 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

            Muito se discute a respeito da redução da maioridade penal como forma de reduzir a criminalidade exorbitante que está instaurada em nossa sociedade, assim como a questão da possibilidade jurídica e constitucional dessa redução.

            O que a sociedade presencia atualmente é o aumento considerável do número de crimes praticados por adolescentes e, algumas vezes, até mesmo por crianças. O fato de serem inimputáveis perante a lei levou ao senso comum de impunibilidade, inclusive aos que praticam os crimes. Mas será que apenas jogar os jovens na prisão, sem qualquer perspectiva de ressocialização, aumentando ainda mais a população carcerária brasileira que já passou do seu limite tempos atrás e, provavelmente, instigando ainda mais a maldade nos jovens, seria uma boa solução para resolver esse problema? Ou apenas uma forma política de agradar a sociedade que se vê desacreditada diante de tanta marginalidade? Exemplifica Petry (2006, p. 66):

[...] Então o Brasil deveria reduzir a idade penal para permitir que adolescentes possam ser presos como qualquer adulto criminoso? A resposta parece óbvia, mas não é. Será que simplesmente despachar um jovem para os depósitos de lixo humano que são as prisões brasileiras resolveria alguma coisa? Ou apenas saciaria o apetite da banda que rosna que o bandido não tem direitos humanos?

            Se o início dos anos 2000 foi considerado a Era da tecnologia, hoje podemos dizer que vivemos uma Era das drogas que marca, definitivamente, a inserção dos jovens cada vez mais cedo no mundo do crime. Meninos pobres, em sua maioria negra, sem uma presença paterna no âmbito familiar, uma mãe que passa o dia fora para sustentar a casa e um sonho de ascender socialmente e da forma mais rápida possível são os fatores de risco mais comuns que levam a maioria dos adolescentes ao mundo do crime organizado.

            A própria Constituição Federal dispõe sobre a imputabilidade aos menores de 18 anos e ainda temos dispositivos infraconstitucionais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reforçar a proteção dos mais jovens. A questão dos direitos humanos também se faz muito presente nesse aspecto por impedir que a dignidade da pessoa humana, mesmo em crimes juvenis, possa ser ferida e esquecida para atender aos clamores sociais, que apesar de não terem força suficiente para criação de dispositivos legais, proporcionam uma pressão suficiente para a formulação de determinadas leis em nosso país. Desta forma, estabelecer uma redução na idade que possibilite a punição dos infratores cada vez mais cedo, não é um fato exato e que comprove a diminuição da criminalidade nos locais em que essa política foi adotada. Por outro lado, é um fato realístico a situação dos presídios brasileiros, com a superlotação, a falta de higiene e desrespeito à dignidade da pessoa humana no tratamento dos encarcerados, além de não possuírem a mínima condição de recuperar alguém. Outro ponto que deve ser levado em consideração é a questão de ser cláusula pétrea a redução da imputabilidade penal, apesar de vozes em contrário, como Lenza (2011, p. 529):

Ser perfeitamente possível a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, já que o texto apenas não admite a proposta de emenda (PEC) que tenda a abolir o direito e garantia individual. Isso não significa como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada. O que não se admite é a reforma que tenda a abolir, repita-se, dentro de um parâmetro de razoabilidade.

           

Volta-se, então, ao que deveria ser a base de toda a sociedade: educação. Só com educação podemos realizar medidas efetivas de combate ao crime antes mesmo que ele surja. Investir em um ensino público de qualidade, políticas assistenciais que beneficiem que realmente precisa e a valorização do esporte são medidas que além de serem mais econômicas, poderiam elevar como um todo, o padrão social brasileiro, seguindo o exemplo de países como o Japão, onde a educação é prioridade e é uma nação internacionalmente reconhecida pela prática de bons modos e baixa criminalidade.

Por tudo que foi exposto, fica clara a necessidade de aplicação dos direitos humanos no âmbito penal para a efetivação da dignidade da pessoa humana, principalmente no que diz respeito aos jovens que mesmo praticantes de ilícitos penais merecem atenção especial por parte do Estado e da sociedade como um todo, já que, em verdade, ainda não apresentamos condições de tratar o tema de outra forma sem a violação de alguns princípios primordiais da lei, afinal, na experiência de prender por prender, já se viu que os resultados pós-cárcere não são exatamente os mais satisfatórios.

2.5 A QUESTÃO DA PENA DE MORTE

A atual Constituição do Brasil, que foi promulgada em 1988, fortaleceu proibição da pena capital com a inclusão dessa proibição nos “Direitos e Garantias Fundamentais”:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

O caos social por qual estamos passando é fruto de um longo e progressivo processo de impunidade por parte do Estado para com aqueles que praticam os crimes e de insatisfação oriunda da população. As medidas coercitivas e sancionatórias de quem tem o poder de aplica-las tornaram-se ineficientes de tal forma que foi preciso chegar ao ponto de querer matar os considerados culpados para sanar o problema. No caso do Brasil, algumas vezes esse tipo de pena foi adotada, como no período de Império e da ditadura. Atualmente, a nossa Magna Carta só permite a pena de morte em caso de guerra declarada. Na situação em que nos encontramos, chegou-se ao ponto de vivermos em guerra uns com os outros? Virtudes como a tolerância e a sabedoria foram esquecidas ou, pelo menos, suprimidas pela sede de punição que muito se vê nos casos de justiça com as próprias mãos, onde os próprios cidadãos prendem o acusado de roubo, assassinato, por exemplo, e aplicam a pena que eles consideram justa e suficiente para que o possível criminoso não volte a praticar esse tipo de coisa, mostrando, cada vez mais, que a frase de Thomas Hobbes “o homem é o lobo do próprio homem” fica cada vez mais atual.

Nas palavras de Maria Bierrenbach:

É legítima a indignação das pessoas contra os assassinatos bárbaros e crimes violentos. Agrego-me às vozes que clamam por justiça e exigem o fim da impunidade. É preciso das um basta à insegurança generalizada e recuperar a tranquilidade perdida, provavelmente na perversidade de um equivocado crescimento e acelerada concentração urbana. (...) Enquanto certos recortes diagnósticos se apegam a recortes fragmentados da violência, exploranndo a dor e tragédia de alguns crimes, exarcebando os aspectos macabros e criando um clima emocional que no fundo, atende aos interesses de uns poucos, propõe-se um sereno resgate de causas mais abrangentes.

            No atual contexto mundial, marcado muitas vezes pela ausência de perspectivas causadas pela repercussão de uma crise socioeconômica mundial, a perda de referenciais éticos e morais com altos níveis de corrupção, violência e desvalorização de valores públicos, talvez crie na população uma implícita sensação de que o agravamento das reprimendas é ferramenta hábil para combater os altos índices de violência. Assim, a explicação mais plausível para a aplicação da pena de morte, ou pena capital, seria o medo da ocorrência do crime mais uma vez, o que não pode ser levado em consideração em um país como o Brasil que prega, pelo menos em tese, a promoção da ressocialização dos que tiveram seu direito a liberdade infringido. Por isso, qualquer coisa que ultrapasse ou atinja o direito à vida, que é bem maior de qualquer pessoa, deve ser evitado, em virtude da não comprovação de eficiência por parte desse tipo de penalidade quando imposta, além de que, a possibilidade de recorrer das penas, prova que pode não existir consenso quanto à culpabilidade ou não de uma pessoa, sendo que o julgamento, embora siga padrões técnicos de análise, acaba por ser analisado de forma subjetiva que varia de pessoa para pessoa.

            No século XVIII, Cesare Beccaria já apontava:

Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime. (...) É necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado. (...) Qualquer excesso de severidade torna-se supérfula e, portanto, tirânica.

           

            Por tanto, falar em pena de morte e não relacionar aos direitos humanos é uma forma de esquecer o lado mais importante do ser humano, no caso, a vida. Além disso, a imposição de penas mais graves não é o suficiente para comprovar a redução da criminalidade, que poderia ser melhor caso o Estado investisse mais em programas de segurança, melhorando as condições das penitenciárias, tornando-as mais humanitárias e não esquecendo, jamais, da educação que é o fundamento maior para uma sociedade sem violência, assim como afirma Bobbio (2004, p. 183):

Uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da história é que a violência chama a violência, não só de fato, mas também – o que é ainda mais grave – com todo o seu séquito de justificações éticas, jurídicas, sociológicas, que a precedam ou a acompanham.

2.6 PENAS ALTERNATIVAS DE LIBERDADE COMO FORMA DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NAS PENITENCIÁRIAS

            A partir do momento em que aceitamos a realidade de que nosso sistema carcerário está passando por uma crise instalada anos atrás, mas que foi sendo “levada” apenas como mais um dos muitos problemas existentes em nosso país podemos, efetivamente, pensar em medidas efetivas que tentem dar condições mais dignas e humanas para os encarcerados. Nesse escopo, as penas alternativas de liberdade funcionam como uma forma moderna de auxiliar o sistema penitenciário na aplicação das penas, sem a necessidade de abarrotar as celas com ainda mais presos, evitando assim, a superlotação e o estabelecimento de relações entre os presos que cometeram crimes menos graves com os considerados mais perigosos.

            Já é de conhecimento geral, que a cadeia não cumpre seu papel de ressocialização tornando, pelo contrário, ainda pior as pessoas que lá entram. A saúde dos presos é comprometida, principalmente pelo HIV, adquirido por meio de abusos sexuais e drogas injetáveis presentes nesses locais. As fugas e rebeliões são constantes e mostram a saturação dos encarcerados quanto à situação vivida no cumprimento de suas penas. Os chefes das máfias continuam a comandar seus esquemas mesmo após a prisão. A entrada de materiais proibidos, como armas e drogas não consegue ser impedida pelas autoridades responsáveis. Alguns outros comentem crimes já com a intenção de serem presos, pois a dura realidade é que apesar de todas as atrocidades ocorridas dentro do sistema carcerário, muitos homens preferem perder a liberdade em troca de auxílio para suas famílias, sendo essas beneficiadas caso o preso tenha contribuído para a Previdência Social. Enfim, temos uma lei regulamentadora que praticamente não existe na prática: apenas subsiste nos códigos como uma meta a ser alcançada em um dia ainda muito distante.

            A população em geral considera a efetividade das penas quanto a sua rigorosidade e tempo de aplicação, mas o senso comum esquece-se da parte em que os presos voltam para o convívio da sociedade e, quanto pior tratados no cumprimento de suas penas, dificilmente voltarão às ruas com o pensamento de reabilitação, que além do mais se torna muito difícil, principalmente na busca por emprego, onde concorrer com alguém que tem seu histórico policial sem ocorrências é quase inviável para alguém que acabou de cumprir uma pena.

             Para tentar reduzir os inúmeros problemas encontrados durante a após a condenação, surgiram as penas alternativas de liberdade que possibilitam não apenas uma diminuição no número de condenados, como também serve para que não se perca o convívio social durante o tempo de aplicação da pena, existindo assim, certa tolerância com os crimes de menor potencial ofensivo e impedido que essas pessoas entrem em contato com assassinos, traficantes, pedófilos e outros que cometeram atos mais graves.

            Nesse âmbito, a tecnologia atua como uma forma de utilizar os avanços tecnológicos em favor do Direito Penal, promovendo uma atualização nas formas de aplicar a lei e reduzindo as tradicionais penas restritivas de liberdade:

A tecnologia é o presente. Ela já chegou e está à disposição de todos, para inúmeras finalidades. A cada dia se descobre algo novo, uma evolução que, certamente, deverá ser utilizada no sistema penal. (GREGO, 2011, p. 384).

            Uma das alternativas são os Centros de Reintegração Social que se utilizam do método APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), onde não existem policiais e os próprios presos possuem a chave da porta de saída, tendo como objetivo principal a valorização do preso para a criação efetiva de uma ressocialização.

            Cabe desta forma, uma ponderação por parte das autoridades na hora de aplicar a pena para avaliar se realmente há a necessidade de encarceramento do condenado, ou se esse pode ter sua sanção aplicada de uma maneira menos invasiva, seja por meio de pulseiras eletrônicas, restrição aos fins de semana, perda de bens e valores, aplicação da pena de multa, entre tantas outras possibilidades mais razoáveis para crimes de menor potencial ofensivo.

            Portanto, a criminalidade vai deixar de existir com o aumento da aplicação de penas alternativas de liberdade? Certamente não, mas poderá promover a humanização no sistema penitenciário que além de urgente, torna-se vital em nossa atualidade.

3 CONCLUSÃO

            O disparado crescimento da violência, da marginalidade e dos crimes hediondos faz aumentar na sociedade a vontade de punir com maior severidade os que elas julgam merecedores do poder de sanção do Estado.

            O neoconstitucionalismo trouxe assim, uma nova forma de pensar e ver o Estado, buscando a efetividade dos direitos do cidadão, destacando-se, entre eles, a dignidade da pessoa humana, usada nesse artigo como pilar fundamental para a questão da humanização no sistema penitenciário.

            A aplicação dos direitos humanos no sistema prisional faz-se, dessa forma, imprescindível, principalmente nessa época de caos no âmbito carcerário, com suas fugas, rebeliões, superlotação, denúncias estupros, extorsão, a comprovação de que os grandes chefes do tráfico ainda continuam a comandar seus negócios mesmo de dentro das prisões... Tudo isso gera uma insegurança social por parte dos que estão do lado de fora dos muros, tornando-os apreensivos com a volta dos encarcerados ao convívio social, esquecendo que durante todo o processo de aplicação da pena, o acusado é tratado da pior forma possível, as vezes esquecendo que ali está uma pessoa que também possui direitos e, no máximo, irá perder seu direito à liberdade, permanecendo todos os outros assegurados pela Constituição Federal de 1988, pelo menos na teoria.

            Portanto, a área penal é carente não só de mais presídios e políticas públicas que melhorem a condição das penitenciárias, como também de medidas que promovam o tratamento adequado para cada tipo de preso, nunca esquecendo os direitos básicos e fundamentais da pessoa humana, pois tratar com respeito e dignidade os que estão cumprindo pena é o mesmo que respeitar os cidadãos que estarão livres e fazendo parte do convício social mais uma vez dentro de um espaço maior ou menor de tempo. O ponto que merece destaque é: vivemos todos em sociedade e para tentarmos viver em paz é preciso lembrar que todos somos iguais perante a lei e sujeitos de direitos e deveres, sendo dever de todos e não só do Estado, cuidar para que gente seja sim tratado como gente.

4 REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

_____________. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007, p. 49-50. 

BIEREENBACH, Maria Ignês de Souza. A favor da vida – contra a pena de morte. In: Reflexões sobre a pena de morte. São Paulo: Cortez Editora, 1993. 

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 212 p.

CELIS, J. B; HULSMAN, Louke. As Penas Perdidas. Paris: Luam, 1986.

GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011. 486 p.

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