5. SURSIS PENAL
O sursis é uma das medidas encontradas pelo legislador para diminuir os males causados pela prisão. Visto que a falência do sistema prisional manifesta-se em todos os objetivos da pena, não evitando a criminalidade e nem ensejando a ressocialização, mas, em alguns casos, aumentando a reincidência. Segundo Aníbal Bruno:
a suspensão condicional da pena é o ato pelo qual o juiz, condenando o delinquente primário, não perigoso, à pena detentiva de curta duração, suspende a execução da mesma, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas condições.35
De acordo com Juarez Cirino dos Santos36, “constitui substitutivo penal impeditivo da execução e extintivo da pena privativa de liberdade aplicada, decidido pelo juiz na sentença criminal, com o objetivo de evitar os malefícios da prisão...”.
Sobre a alegação que o instituto pode extinguir a pena privativa de liberdade, não seria a mais correta, uma vez que o sursis pode vir a ser revogado, por descumprimento de suas condições, tendo o condenado que cumprir por inteiro a sua pena privativa de liberdade que se encontrava com sua execução suspensa.
A doutrina brasileira, em sua grande maioria, vê no instituto em exame um direito público subjetivo do condenado, pois uma vez preenchidos os requisitos, é obrigatória a concessão. Tem a natureza jurídica de condenação, sendo uma medida penal restritiva de liberdade.
PENAL E EXECUÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA . E FIXAÇÃO DE CONDIÇOES. NA OMISSÃO DO PROLATOR DA DECISÃO, PODE FAZE-LO O JUIZO DA EXECUÇÃO. 1. COMPETE AO JUIZ OU AO TRIBUNAL, MOTIVADAMENTE, PRONUNCIAR-SE SOBRE O 'SURSIS', DEFERINDO-O OU NÃO SEMPRE QUE A PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE SITUAR-SE DENTRO DOS LIMITES EM QUE ELE E CABIVEL. A FATOS OCORRIDOS APOS A VIGENCIA DAS LEIS 7209 E 7210 DE 1984 NÃO SE ADMITE QUE O JUIZ CONCEDA A SUSPENSÃO CONDICIONAL "SEM CONDIÇOES ESPECIAIS" TENDO EM VISTA O QUE ESTA EXPRESSAMENTE PREVISTO NAS ALUDIDAS LEIS. TODAVIA, SE O JUIZ SE OMITE EM ESPECIFICAR AS CONDIÇOES NA SENTENÇA, CABE AO REU OU A MINISTERIO PUBLICO OPOR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, MAS SE A DECISÃO TRANSITOU EM JULGADO, NADA IMPEDE QUE, PROVOCADO OU DE OFICIO, O JUIZO DA EXECUÇÃO ESPECIFIQUE AS CONDIÇOES. AI NÃO SE PODE FALAR EM OFENSA A COISA JULGADA, POIS ESTA DIZ RESPEITO A CONCESSÃO DO 'SURSIS' E NÃO AS CONDIÇOES, AS QUAIS PODEM SER ALTERADAS NO CURSO DA EXECUÇÃO DA PENA. 2. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
(REsp 15.368/SP, Rel. Ministro JESUS COSTA LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/1994, DJ 28/02/1994, p. 2906)
Sendo uma novidade no direito penal brasileiro, introduzida no atual sistema penal por influência do modelo Belga-francês, a medida é aplicada depois de proferida a condenação. Diferentemente é o modelo Anglo-americano, probation system, onde o juiz declara o réu culpado, mas não condena.
É necessário diferenciar o instituto do sursis penal do processual. Este é para crimes cuja pena mínima não exceda a 1 (um) ano, enquanto aquele é para condenações que a pena não ultrapasse os 2 (dois) anos, via de regra. O processual tem como pressuposto a denúncia ou a queixa recebida, o penal tem a sentença penal condenatória. Quanto aos efeitos, a primeira suspende a execução da pena, induzindo em reincidência, já a segunda suspende o processo, caso venha a ser condenado por um novo crime, será considerado réu primário.
A doutrina majoritária preleciona que existem quatro tipos de sursis: simples, previsto no artigo 77 do código penal; especial, regulado no artigo 78, §2°, do código penal; etário e humanitário. Existe uma doutrina minoritária que afirma que só existem dois tipos de sursis, o simples e o especial, pois o etário e humanitário apresentam as mesmas condições do simples ou especial, não havendo condições diferenciadas para sua obtenção.
A pena para ser substituída tem de ser privativa de liberdade, em qualquer tipo, não englobando as restritivas de direitos e multa.
No sursis simples tem como requisitos objetivos: pena tem de ser condenatória de no máximo 2 (dois) anos, porém se for o caso de crimes contra o meio ambiente, Lei n° 9605/98, será possível a substituição com pena de até 3 (três) anos, conforme o artigo 16 da referida lei. Deverá o magistrado do juízo da condenação também verificar se, no caso concreto, não é indicada ou cabível pena restritiva de direitos, pois caso seja cabível, afasta a possibilidade de suspensão condicional da execução da execução da pena.
Com relação aos requisitos subjetivos do sursis simples, tem-se a não reincidência em crime doloso, pois a condenação anterior por crime culposo ou contravenção, por si só, não é causa impeditiva da suspensão condicional. A condenação precedente à pena pecuniária não obstaculiza a obtenção de sursis, independente da natureza do crime, doloso ou culposo.
Caso haja passado mais de cinco anos do cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade, o condenado por crime doloso novamente pode ser “agraciado” com o sursis uma vez que o prazo de reincidência é limitado a cinco anos de acordo como artigo 64, do código penal.
Outro requisito é possuir as circunstâncias judiciais, elencadas no artigo 77, II, do código penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e circunstâncias favoráveis, informando da conveniência ou não da suspensão da pena aplicada na sentença.
Esses elementos têm a delicada função de subsidiar a previsão da conduta futura do condenado, que, se for favorável, isto é, de que provavelmente não voltará a delinquir, autorizará a suspensão da execução da pena imposta, mediante o cumprimento de determinadas condições. Ainda que uma circunstância isolada seja desfavorável é necessário analisar o conjunto, tornando possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu.
Preenchidos os requisitos, suspende-se a execução da pena por uma prazo de 2 (dois) a 4 (quatro) anos , período de prova, mediante o cumprimento de algumas condições. No primeiro ano, o condenado fica sujeito ao cumprimento de prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana, como condição legal obrigatória.
De acordo com o artigo 79, do código penal, o juiz também pode impor outras condições, desde que não sejam vexatórias, humilhantes ou que agridam a consciência do condenado. Existem também as condições legais indiretas que são as que dão ensejo as causas de revogação do sursis, previstas no artigo 81 do código penal.
O sursis tido como incondicionado não existe, “se o juiz concede sursis sem condições especiais, artigo 79 do CP, ficam preservadas, implicitamente, as condições legais, artigo 78 do CP” (RJDTACrimSP 6/101).
No curso do período de provas que dura entre dois a quatro anos, via de regra, o sentenciado se submete as condições que ao seu término, opera-se a extinção da punibilidade, caso não haja revogação.
Existe uma omissão na Lei n° 8072/90 quanto à questão da possibilidade do sursis, não havendo unanimidade da doutrina acerca do tema. Porém, quando se trata de crimes hediondos, na maioria dos casos de condenação, a suspensão condicional da pena não pode ser aplicada, pois a pena costuma ser muito superior aos dois anos.
Uma das correntes doutrinárias defende que sim, a suspensão condicional do processo pode ser aplicada, pois a Lei de 8.072 de 1990 não vedou seu cabimento, e que por esta razão, não cabe ao juiz criar restrições não previstas pelo legislador.
Outra posição defende que não é cabível a concessão do sursis, uma vez que, tendo-se praticado um delito considerado hediondo, que impõe regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, seria então absolutamente incompatível a concessão da suspensão condicional.
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS . SURSIS. IMPOSSIBILIDADE . VEDAÇÃO LEGAL . SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. MANIFESTA ILEGALIDADE RECONHECIDA, DE OFÍCIO. 1. A Lei n. 11.343/2006 vedou, no tocante aos crimes dos artigos 33, caput e § 1º, e 34 a 37, da mencionada lei, o implemento de sursis, razão pela qual, por expressa vedação legal, não se pode cogitar da concessão de suspensão condicional da pena aos condenados pela prática do crime de tráfico de drogas. 2. A conclusão no sentido de seria possível a concessão de sursis aos condenados pela prática de tráfico de drogas viola a cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição Federal. 3. Esta colenda Sexta Turma, ainda que não julgue expressamente a inconstitucionalidade, não pode afastar a aplicação da lei - no caso, o disposto no artigo 44 da Lei n. 11.343/2006, na parte em que veda a concessão de sursis -, sob pena de violação à Súmula Vinculante n. 10. 4. Diante da declaração de inconstitucionalidade pela Corte Suprema da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", constante do § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", contida no artigo 44 do mesmo diploma normativo, mostra-se possível, em princípio, proceder-se à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados pela prática do crime de tráfico de drogas, mesmo que perpetrado já na vigência da Lei n. 11.343/2006. 5. Reconhecida a inconstitucionalidade do óbice contido no § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/1990, a escolha do regime inicial de cumprimento de pena deve levar em consideração a quantidade da pena imposta, a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, bem como as demais peculiaridades do caso concreto (como a natureza e a quantidade de drogas apreendidas, por exemplo), para que, então, seja escolhido o regime carcerário que, à luz do disposto no artigo 33 e parágrafos do Código Penal, se mostre o mais adequado para a prevenção e repressão do delito perpetrado. 6. Recurso especial provido, a fim de afastar a concessão de sursis ao recorrido. Habeas corpus concedido, de ofício, ao recorrido, apenas para que o Juízo da Execução Penal analise eventual cabimento da substituição da pena e fixação de regime menos gravoso ao condenado, porquanto ausentes as vedações dos artigos 33, § 4º e 44 da Lei 11.343/2006, e do § 1º do art. 2º da L. 8.072/1990, na redação da Lei 11.464/2007.
(REsp 1264745/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 02/06/2014)
TRÁFICO DE DROGAS – SURSIS. O óbice, previsto no artigo 44 da Lei nº 11.343/06, à suspensão condicional da pena imposta ante tráfico de drogas mostra-se afinado com a Lei nº 8.072/90 e com o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal.
(HC 101919, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011 EMENT VOL-02615-01 PP-00017)
Com relação ao sursis especial, possui todos os requisitos objetivos e subjetivos do sursis simples, além desses, exige a reparação do dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo e é necessário possuir todas as circunstâncias judiciais inteiramente favoráveis, caso uma seja desfavorável, ensejará a impossibilidade de obtenção do sursis. O condenado ficará dispensado do cumprimento das penas restritivas de direito no primeiro ano do período de provas de dois a quatro anos, caso tenha reparado o dano e tenha todas as circunstâncias judiciais favoráveis. (artigo 79, §2°, do CP)
A suspensão condicional da pena, nesta espécie, será sempre mais benigna do que qualquer pena restritiva de direitos ou mesmo do que a pena pecuniária, qualquer que seja seu valor. Possui as seguintes condições: proibição de frequentar determinados lugares; proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização judicial; comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
Não pode haver cumulação das condições do sursis especial com as do sursis simples. O juiz pode estabelecer circunstâncias judiciais no sursis especial. (art. 79. do CP)
O sursis etário privilegiou o cidadão com mais de setenta anos de idade, levando em consideração o fator velhice, que reduz a probabilidade de voltar a delinquir e diminui a expectativa de voltar a viver em liberdade de quem, eventualmente, for encarcerado nessa faixa etária.
Aplicável ao sentenciado que possuir mais de 70 (setenta) anos na data da sentença e preencher os requisitos do sursis simples, para condenações de até 4 (quatro anos) com período de prova de 4 (quatro) a 6 (seis) anos.
O sursis humanitário ou por razões de saúde, acrescida pela Lei n° 9714/98, afirma que o condenado maior de 70 (setenta) anos ou o que apresentar a essa data, razões de saúde que justifiquem a concessão do sursis, evitará a pena privativa e o possível agravamento da doença de presos enfermos, estendendo dessa forma os requisitos do sursis etário para os condenados cujo estado de saúde justifique a concessão. É necessário pena de até 4 (quatro) anos de condenação e razões de saúde que justifiquem como os doentes em fase terminal.
A fiscalização do cumprimento das condições, regulada nos Estado, Territórios e Distrito Federal por normas supletivas, é atribuição do serviço social penitenciário, patronato, Conselho da Comunidade ou instituição beneficiada com a prestação de serviços, inspecionados pelo Conselho Penitenciário, pelo Ministério Público, ou ambos, devendo o juiz da execução suprir, por ato, a falta das normas supletivas, artigo 158, §3.
A audiência admonitória marca o início da execução do sursis, e a competência pra sua realização é do juízo da condenação. A audiência especial presidida pelo magistrado visa emprestar à cerimônia dignidade compatível com o ato, evitando-se que a sentença e as condições sejam anunciadas por funcionários do cartório, que colhem, no balcão, a assinatura do condenado. A exceção é prevista no artigo 159, §2° da LEP.
As causas que podem ocasionar a revogação do sursis são expressas, também chamadas de condições legais indiretas. Causas de revogação obrigatória:
1) SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA IRRECORRÍVEL POR CRIME DOLOSO, não fazendo a lei distinção sobre o momento da prática da infração;
2) FRUSTRAR, EMBORA SOLVENTE, A EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA, foi tacitamente revogada pela Lei n° 9268/96 que alterou o artigo 51 do CP, a multa não mais se converte em pena privativa de liberdade quando o condenado, embora solvente, deixa de pagá-la ou frustra sua execução. Em sendo assim, também esta situação não pode provocar a revogação do sursis, já que pela nova lei a pena de multa se reveste da condição de dívida de valor, portanto não constituindo pena privativa de liberdade;
3) NÃO EFETUAR, SEM MOTIVO JUSTIFICADO, A REPARAÇÃO DO DANO;
4) DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES LEGAIS DO SURSIS SIMPLES;
5) NÃO COMPARECIMENTO, INJUSTIFICADO, DO RÉU À AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA, segundo Bitencourt37,”Os autores em geral têm chamado essa hipótese de cassação do ‘sursis’. Em nossa opinião não há razão que justifique a denominação diferenciada das demais situações chamadas de causas de revogação”, o não comparecimento, injustificado, do acusado é causa obrigatória de revogação, porém existe um certo abrandamento jurisprudencial. “A ausência do condenado à audiência admonitória não implica revogação do sursis, mas apenas torna ineficaz o benefício, a teor do art. 161, da LEP.” (RJDTACCrimSP 29/400)
As causas de revogação facultativa:
1) DESCUMPRIMENTO DE OUTRAS CONDIÇÕES DO SURSIS, nessa hipótese de revogação facultativa, a decisão fica à discricionariedade do juiz, que, em vez de revogar a suspensão, poderá prorrogar o período de prova. O descumprimento que qualquer condição judicial não será causa de revogação obrigatória do instituto, mas será facultado ao juiz revogá-lo, exacerbar as condições, advertir o sentenciado ou prorrogar o período probatório, se já não estiver em seu limite máximo;
2) CONDENAÇÃO IRRECORRÍVEL, POR CRIME CULPOSO OU CONTRAVENÇÃO, À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E RESTRITIVA DE DIREITOS, essa hipótese afasta a pena de multa;
3) DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES LEGAIS DO SURSIS ESPECIAL.
Além das hipóteses de prorrogação do período de prova a critério do juiz, existe também a hipótese de prorrogação obrigatória, automática, como a elencada no artigo 81, §2°, se o beneficiário do sursis estiver sendo processado por outro crime ou contravenção durante o período de prova. Conforme Celso Delmanto e outros, “a razão da prorrogação é dilatar o tempo de prova de quem, pelo fato de estar sendo processado, coloca em dúvida ter merecido, ou não, o sursis que recebeu.” Se houver condenação, revoga-se automaticamente o sursis e o condenado deverá cumprir as duas condenações.
Assim é a jurisprudência do STJ:
“Se outro processo for movido contra o réu, no período de prova do sursis, este fica automaticamente prorrogado. Havendo sentença condenatória irrecorrível, mesmo que findo o período probatório inicialmente fixado, tal benefício fica revogado.”
(STJ, REsp 126.450/PR,6ªT.,rel.Min. Anselmo Santiago, j.10/3/98, DJ 6/4/98, p. 169, LEXSTJ 108/346)
Assim é a jurisprudência do STF:
“Segundo o magistério do STF, a cassação do sursis opera-se automaticamente, mesmo depois do prazo de prova, se verificado no seu decurso que o réu viera a ser condenado irrecorrivelmente por crime doloso.”
(STF, HC68.833/SP, 2ªT., rel. Min. Célio Borja, j. 3/12/91, DJ 12/6/92, p. 9029)
A extinção da punibilidade em razão do cumprimento da suspensão condicional da pena não é automática, devendo o juízo da execução decidir a respeito, não sem antes determinar a abertura de vista dos autos ao Ministério Público a fim de que se manifeste e averiguar eventual causa de prorrogação do período de prova ou revogação do benefício por força de nova condenação.
Mesmo na hipótese do novo delito praticado pelo executado ser noticiado nos autos após o término do período de prova, não será caso de extinção da punibilidade antes de terminado o novo processo instaurado.
Assim é a jurisprudência do TJSP: “A prorrogação do prazo do sursis, pelo início de nova ação penal contra o beneficiado, se opera automaticamente, sendo inexigível qualquer pronunciamento judicial, pouco importando, ainda, que o juiz da execução só tenha tomado conhecimento do novo feito instaurado após expirado o prazo originalmente estabelecido.” (TJSP, HC 265.456-3/6,2ª,Câm.,rel. Silva Pinto, j. 7/10/98, RT 759/618). No mesmo sentido: STJ, RHC 6941/SP,6ªT, rel. Min. Anselmo Santiago, j. 17/2/98, DJU 23/3/98, p. 172, RT 717/396, 721/401 e 828/609. Porém, existem decisões contrárias pelo próprio STJ, a questão ainda não é pacífica.
Segundo Bitencourt, uma vez extinta a pena, ainda que venha a descobrir que o beneficiário não merecia o sursis, em face da existência de causas impeditivas, por exemplo, não será revogável a suspensão.
5.1. ORIGEM DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA
Segundo Bitencourt, a origem da suspensão condicional se deu em Massachusetts, Estados Unidos, em 1846, com a criação da Escola Industrial de Reformas38. Destinava-se aos delinquentes menores, primários, que, em vez de sofrerem a aplicação da pena, deveriam ser recolhidos para a tal escola, sendo assim subtraídos dos malefícios ocasionados pela prisão.
Em 1896, com o Probation of First Offenders Act, foi estendida a concessão do benefício a delitos cuja pena fosse de até dois anos de prisão, com a condição de o condenado manter boa conduta durante o período probatório.
Para maioria dos doutrinadores, o origem moderna do benefício foi com a apresentação do projeto apresentado por Berenger em 1884 no parlamento francês, consagrando a suspensão condicional da pena.39
A Bélgica, sabendo do valor do trabalho realizado por Berenger, se adiantou e foi o primeiro país da Europa Continental a introduzir em sua legislação as vantagens da melhor política criminal conhecida como sursis. Três anos depois, foi a vez da França, passando a ser conhecido o instituto como modelo Belga-francês. No geral todas as legislações apresentam o mesmo contorno do instituto, alterando pouco, de acordo com seu âmbito de aplicação.
No Brasil, com a reforma penal de 1984 houve uma preocupação com as penas privativas de liberdade ditas de curta duração, pois são suficientemente longas para iniciar o criminoso primário na graduação acadêmica do crime.
Redimensionou-se assim o instituto do sursis penal, dotando-o de maiores exigências, com a finalidade torná-lo mais eficaz, visando a prevenção especial sem esquecer da prevenção geral.
5.2. SOLUÇÃO DO SURSIS PENAL
O sursis funciona como uma “segunda chance” para o condenado que está ciente de seu ilícito, sendo uma questão de confiança do Estado com o condenado, acreditando que o mesmo está arrependido e que não vai mais delinquir. Preenchidos os requisitos do simples, é obrigação do Estado conceder, evitando assim que um réu primário se “corrompa” ainda mais na prisão com o contato com outros detentos.
Quando se trata do sursis especial, em tese, é alguém que tem plena capacidade de voltar ao convívio social de forma recuperada, com o trabalho, a assistência social correta e o contato mais próximo da família, tendem a criar uma reabilitação mias eficaz, diferentemente se o mesmo estivesse numa prisão, tendo esse trabalho já explicitado os inúmeros problemas apontados e impossibilidade de recuperação, inclusive progredindo para o aumento do crime organizado.
Tendo já provado possuir todas as circunstâncias judiciais “inteiramente” favoráveis, a preocupação em tentar reparar o dano, salvo justo motivo, o fato de ter cumprido todas as condições legais e judiciais sem revogação ou prorrogação, presume-se que o Estado está conseguindo fazer que o mesmo cumpra a pena, devido ao seu caráter de sanção, e tendo o caráter ressocializador como nenhuma pena privativa de liberdade em toda sua história jamais conseguiu alcançar.
Mesmo que o período de prova se mostre maior que a duração da própria pena, o simples fato de um réu primário evitar os efeitos do encarceramento é bastante proveitoso para o Estado que vai efetivar sua sanção e reabilitar/reeducá-lo para que não mais venha a cometer ilícitos e para o próprio condenado, pois muitas vezes o próprio Estado se mostra ineficaz de garantir a própria segurança física e moral dos que ali estão, sofrendo abusos por parte dos próprios presos como dos agentes.
Sem contar da falta de estrutura e condições básicas de higiene, ocasionando o surgimento de várias doenças, surtindo efeitos psicológicos inimagináveis para o detento, sendo a experiência na prisão quase que uma pena de morte.
Sobre o requisito do sursis simples e do especial, da pena privativa ser de até 2 (dois) anos, muitos legisladores e estudiosos consideram um período muito curto, fazendo com que vários sentenciados, réus primários, que poderiam ser facilmente recuperados com o trabalho correto que o sursis realiza e toda sua equipe de fiscalização, art. 158, §3°, da LEP, para sua reabilitação não sejam englobados.
Seria uma mudança favorável para ambas as partes o prolongamento do máximo da condenação até 4 (quatro) anos, diminuindo o inchaço das penitenciárias, fazendo esses novos detentos terem uma capacidade maior de recuperação e deixando a pena privativa de liberdade como ultima ratio, para os criminosos mais perigosos que tenham percentual mínimo de voltar ao convívio social recuperados.
O Estado poderia efetivar os milhares de mandados de prisão que estão “engavetados”, devido a superlotação das cadeias, pois os foragidos se encontram nessas características de réus primários, tendo o sursis uma maior eficácia como punição e ressocialização.
5.3. CONCLUSÃO
Diante de todos os problemas do sistema penitenciário brasileiro, não seria a melhor saída acabar com o modelo de pena privativa de liberdade. A pena serviria como ultima ratio, deixado apenas para os condenados mais perigosos, sem condições de recuperação e várias vezes reincidentes, aqueles que realmente utilizam o crime como meio de vida.
Esse trabalho procurou mostrar que é possível fazer mudanças, cabíveis no orçamento público, para melhorias das cadeias e sua estrutura que afetam diretamente o condenado e os agentes penitenciários, sendo possível alterar profundamente a realidade do país, motivo de vergonha até no cenário internacional.
A suspensão condicional da pena tem total condição de ser aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, sem receber o descrédito da sociedade, que se sentia em total desabrigo pela absoluta desconsideração sobre a lesão de que fora vítima.
Os legisladores não se esqueceram de fortalecer, através das condições impostas, a função retributiva da pena suspensa, fazendo sentir no condenado os efeitos da condenação, tendo seu caráter de sanção preenchido.
A pretensão de coibir delitos sem utilizar a pena privativa de liberdade não é mais uma utopia, a reforma penal dotou o sistema penal brasileiro de alternativas tais que dificilmente um réu condenado a uma pena de até dois anos irá para penitenciária, pois além do sursis, ora em estudo, criou as penas restritivas de direitos e revitalizou a pena de multa, com a adoção do sistema dias-multa.
Assim, raramente se executa a pena privativa de liberdade de curta duração em casos de réus não reincidentes e de circunstâncias judiciais favoráveis, sendo o próximo passo dilatar o limite máximo da condenação para uma maior abrangência do instituto, possibilitando uma maior eficácia como sanção em detrimento dos diversos problemas explanados nessa pesquisa e sua impossibilidade de recuperação sem as devidas reformas.