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Direito à felicidade e o princípio da afetividade sob a perspectiva dos tribunais superiores (STF/STJ)

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Os princípios da busca da felicidade e o da afetividade têm fundamento na tutela da dignidade humana, bem como na solidariedade social e na isonomia; salvaguardam a formação da identidade dentro do preceito da fraternidade social.

1. INTRÓITO

A contemplação do direito à busca pela felicidade foi prevista, pela primeira vez, na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América como uma resposta desse povo à necessidade de não mais ser uma colônia vinculada à Inglaterra.

No Brasil, foi erigido ao predicado de princípio por força de julgamento do Colendo STF, no caso emblemático do julgado concernente à união homoafetiva (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2011), ao se reconhecer a constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com o entendimento do STF, o princípio constitucional da busca da felicidade decorreria implicitamente do sistema constitucional vigente e, em especial, do princípio da dignidade da pessoa humana.

O axioma principiológico da busca da felicidade, segundo afirmação do ex Min. Do STF Carlos Ayres Britto, estava latentemente presente em tudo que analisava. Na época, acreditava o Il. Ministro que o referido preceito iria se avultar na compreensão dos juristas brasileiros.

    Atualmente, tramita no Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional nº 19/2012, o qual dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

Em razão da relevância do princípio da busca da felicidade passaremos, a seguir, a aprofundar algumas nuances sobre o tema que se incorpora a uma das novas tendência temáticas do Constitucionalismo.


2. A BUSCA DA FELICIDADE NA VISÃO DO STF

Partindo de uma perspectiva liberal, a função preponderante da ciência jurídica consistia na promoção da composição dos conflitos de interesse com o escopo de propiciar a pacificação social. Todavia, essa visão sofreu mutação valorativa diante da dinâmica das novas relações sociais e dos novos clamores das relações interpessoais, sobretudo de cunho familiares.

Embora a busca da felicidade não esteja preconizada na Carta Magna de 1988, o potencial cognitivo de alguns julgados do C. STF a atrelou como adjacência do Princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa esteira, o postulado do direito à busca da felicidade surge como um dos alicerces na tutela protetiva das minorias segundo uma concepção material de democracia Constitucional. A partir desse preceito ergue-se o dever Constitucional do Estado de impedir qualquer discriminação atentatória dos Direitos e Liberdades Fundamentais com esteio em conduta discriminatória.

Nessa senda, o STF construiu as vigas mestres para o julgamento em favor da união homoafetiva ao considerar que “se mostra arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual”.

O Supremo Tribunal Federal apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares.

Observa-se que a dimensão conferida ao princípio da busca da felicidade garantiu a conjugalidade nas relações homoafetivas, bem como os direitos correlatos, inclusive previdenciários ao parceiro supérstite, afastando assim a abjeta discriminação de gênero ou por orientação sexual.

Constata-se que a busca da felicidade assume papel decisivo no processo de afirmação, fruição e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência pudessem comprometer, afetar ou, até mesmo, extirpar direitos e franquias individuais.

Sobretudo ao se ponderar sobre as palavras do Min. Marco Aurélio, no julgamento da ADPF 132, ao ressaltar: “ao Estado é vedado obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie”.

Não obstante, a elogiável decisão em sede da ADPF 132 pelo STF, a reprimenda à discriminação de gênero ou de opção sexual, também deve ser contemplada sob a guarida e os reflexos do Princípio da afetividade que, inegavelmente, contribuiu para o reconhecimento jurídico da união homoafetiva, expressão cunhada por Maria Berenice Dias, como entidade familiar. Após um longo trajeto -, que se iniciou pela negação absoluta de direitos, passou pelo tratamento como sociedade de fato e chegou ao enquadramento como família -, o Direito Brasileiro passou a tratar a união entre pessoas do mesmo sexo como comunidade equiparada à união estável.


3. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA

A consagração no corpo da Constituição Federal da possibilidade do dano moral ser ressarcido em pecúnia implicou a multiplicidade de processos sobre as mais variadas teses jurídicas. Entre elas, destacamos uma que se correlaciona com o direito à busca da felicidade, qual seja “a teoria do desamor” que possui um viés no princípio da afetividade.

Nessa toada, a teoria do desamor concebida sob o manto do princípio da afetividade, possui irrefutável amparo na Ordem Jurídica nacional, sobretudo ao se perfazer o diálogo das fontes entre o Direito civil e o Direito Constitucional, irremediavelmente, chega-se a conclusão de que o postulado da dignidade da pessoa humana constituiria relevante vetor interpretativo, capaz de conformar e inspirar todo o ordenamento constitucional vigente, traduzindo-se, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, servindo assim como mais um suporte no combate ao detestável abandono afetivo familiar.

Nessa esteira, a atenção, o amparo, o suporte afetivo familiar se apresenta como uma das facetas para a completude do preceito da busca à felicidade humana, já que a formação moral e da personalidade do indivíduo se inicia no seio do núcleo familiar. Sendo assim, urge esmiuçar algumas considerações sobre os princípios da afetividade e o da busca da felicidade. 

Preambularmente, destaque-se a acepção do princípio da afetividade que surge como um mandamento axiológico fundado no sentimento de proteção, ternura, ampara familiar, dever de proteção que deve perdurar nas relações familiares, sobretudo entre ascendentes e descendentes ou vice-versa.

O art. 1.638, inciso II do CC/2002 contemplou tal obrigação de amparo nas relações afetivas parentais, senão vejamos a dicção do dispositivo: “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que deixar filho em abandono”.

Exsurge que o dever de amparo parental foi soerguido como um dos alicerces da proteção à dignidade da pessoa humana e se atrela ao dever de preservar a higidez do desenvolvimento psicológico e material da prole, na medida em que o “abandono” deve ser afastado sob pena de se configurar a indesejada e dolosa alienação dos deveres do afeto e proteção familiar entre ascendentes e descendentes, em especial, pais e filhos, o qual culminará na perda do pátrio poder.

Na perspectiva das linhas pregressas, impende fazer uma retrospectiva sobre a visão jurisprudencial do C. STJ sobre os sectários do princípio da felicidade e o dever de reparação por dano moral em razão do abandono afetivo da parentalidade.

Numa visão inicial, o STJ concluiu que não caberia indenização a favor do filho em face do pai que o abandona moralmente (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299). O STJ alicerçou seu convencimento no fundamento de que não haveria qualquer ato ilícito na conduta do pai que abandona afetivamente o filho, pois o afeto não pode ser imposto na referida relação parental, não sendo o caso da existência de um dever jurídico de convivência.

O tema, felizmente, sofreu evolução e a posição hodierna do STJ reconhece a possibilidade do dever de reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).  Segundo o relatório da  Min. Nancy Andrighi foi enaltecido que o dano moral estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos. Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, a relatora convenceu-se da presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: “amar é faculdade, cuidar é dever”.

Nas palavras do festejado doutrinador Flávio Tartuce “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto no Texto Maior como sendo um direito fundamental pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana e da solidariedade”.

Um dos precursores da teoria do afeto adveio do majestoso trabalho de João Baptista Villela, escrito em 1979, tratando da desbiologização da paternidade, ao advogar, em síntese, que o vínculo familiar constitui-se mais no afeto do que no fator biológico. Em sede doutrinária, a citada teoria foi acolhida por ocasião do enunciado n. 103 da I jornada de Direito Civil ao dispor “O código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com o seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do filho”.

Observa-se uma guinada no entendimento sobre as modalidades de parentesco civil ao se instituir e reconhecer o parentesco arrimado na convivência socioafetividade, que se enquadrada na cláusula geral capitulada na expressão “outra origem”, do art. 1.593 do CC/2002.

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Assim, a afetividade deve ser um traço marcante na relação parental ao proporcionar elemento essencial para pautar a responsabilidade dos pais para se esmerar no desenvolvimento humano do filho, prestando auxílios necessários para o crescimento com dignidade.

A escusa dessa obrigação de afeto implica, indubitavelmente, o dever reparatório com esteio na reponsabilidade civil por omissão, haja vista que o abandono afetivo fere de morte, dentre outros, os princípios da solidariedade e da proteção ao melhor interesse da criança e adolescente, gerando sequelas psicológicas que compromete o desenvolvimento saudável da personalidade do indivíduo em formação.

Nesse diapasão, foi a conclusão da emérita Min. Nancy Andraghi, no citado RESP 1159242/SP, que julgou a favor do direito de reparação civil em razão do abandono afetivo. Desta feita, cumpre repisar algumas das palavras da ministra no seu venerado voto “o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão (...), daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico (...)”.

A citada decisão surge como um novo paradigma jurisprudencial sobre o tema desaguando no irrefragável reconhecimento do afeto como verdadeiro princípio da nossa ordem jurígena o qual condignamente deve ser tutelado.


4. CONCLUSÃO

A ordem jurídica possui a missão de guarnecer o ser humano para que possa surgir a efetiva oportunidade de desfrutar de uma vida com afeto e reais possibilidades de ser pleno em seus ideais de felicidade. Obviamente, a tutela da felicidade e da afetividade não pode importar em mácula a direitos fundamentais pré-constituídos, tão pouco conduz a conclusão que detêm supremacia hierárquica quanto aos demais bens jurídicos e direitos entabulados na esfera dos direitos fundamentais. Eventual, colisão com outros direitos deverá se submeter ao cotejo da ponderação valorativa adequada à casuística do caso em concreto.

Entretanto, é irrefutável que tais princípios se sobressaem como verdadeiros vetores axiológicos para a condução das três vertentes essenciais, quais sejam: 1) servirão como pilar interpretativo das normas jurídicas, ofertando melhor feição para que sejam aplicados; 2) possuem o viés integrativo, à proporção que preenchem as lacunas normativas, eventualmente, existentes; 3) possuem força limitadora para a capacidade legiferante do legislador, pois ao editar novas normas estas devem se coadunar com o dever de garantir a efetividade e aplicação a tais princípios como forma de primar pela dignidade da existência da pessoa humana.

Do exposto, extrai-se que os princípios da busca da felicidade e o da afetividade têm fundamento na tutela da dignidade da pessoa humana, bem como na solidariedade social e na isonomia, advindo como elementos para salvaguardar a formação da identidade do ser humano dentro dos preceitos da fraternidade social.


 Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 10.826, de 01 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2002.

TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8468>. Acesso em: 11 mar. 2007.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil (vol. Único), 2ª ed. Método; 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.430.

ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, julgamento em 26.11.2012.

DWORKIN, Ronald. A infelicidade é necessária. In: Época, n. 467, p. 92-93, 2007.

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Sobre o autor
Alberto Mendonça de Melo Filho

Bacharel em Direito pelo UNIPÊ. Universidade situada na cidade de João Pessoa-PB. Graduando-se no ano de 2004.Especialista em Processo Civil pela UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina) em parceria com o Instituto Brasileiro de Processualista Civis (IBPC).Servidor Público efetivo no cargo de Analista Judiciário do STM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, Alberto Mendonça. Direito à felicidade e o princípio da afetividade sob a perspectiva dos tribunais superiores (STF/STJ). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4431, 19 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41919. Acesso em: 21 nov. 2024.

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